Oremos pelos pecadores mesmo depois da sua triste morte Mistérios da graça por ocasião da morte. - Como se podem explicar. - Eficácia das orações feitas pelos pecadores depois do seu falecimento, segundo a opinião do P. de Ravignam. – Testemunho de S. João Crisóstomo.
SENHORA, A Igreja não condena pessoa alguma. Publica os seus decretos em que nos declara que esta ou aquela pessoa está no Céu, o que nunca fez a respeito dos condenados. Tenho a satisfação de saber que lendo vós uma obra que merece toda a consideração, notastes particularmente estas linhas: “O Padre de Ravignam gostava de falar dos mistérios da graça, que cria passarem-se no momento da morte, e parece ter sido o seu sentimento de que um grande número de pecadores se convertem nos seus últimos momentos, e expiram reconciliados com Deus. Há, em certas mortes, mistérios de misericórdia e rasgos de graça em que os olhos humanos só vêem golpes de justiça. À luz dum último raio, Deus revela-se algumas vezes a certas almas cuja maior desgraça fora ignorá-lo; o último suspiro, compreendido por Aquele que sonda os corações, pode ser um gemido que implore o perdão”. O marechal Exelmans, a quem uma queda do cavalo subitamente precipitou no túmulo, não praticava a religião. Tinha prometido confessar-se, mas não teve tempo. Todavia, no mesmo dia da morte, uma pessoa habituada às celestes comunicações acreditou ouvir uma voz interior que lhe dizia:
“Quem conhece a extensão da minha misericórdia? Sabe-se porventura a profundeza do mar e as águas que encerra? Muito será perdoado a certas pessoas que muito ignoram”.
Como explicar estes rasgos da graça? Pelo preço duma alma que vale o sangue de Jesus Cristo, vertido por ela, e pela misericórdia que não conhece limites, por alguma boa obra, esmola ou oração que o pecador tiver feito durante a sua vida; pelo invisível ministério do Anjo da Guarda, sempre disposto a trabalhar a bem da salvação do seu protegido; pelas precedentes orações dos santos do Céu e dos justos da terra, e sobretudo pela intercessão da Virgem Maria; finalmente, pelas orações feitas pelos pecadores depois da sua morte, quando mesmo não tenham dado algum sinal de arrependimento. É este último ponto que me limito a explicar-vos aqui. Lestes com prazer na obra que há pouco citei, as seguintes linhas traçadas pelo santo religioso para consolar uma rainha cujo filho morrera, caindo duma carruagem. “Cristãos, colocados sob a lei da esperança não menos que da fé e do amor, devemos erguer-nos incessantemente do fundo das nossas aflições, até ao pensamento da infinita bondade do Salvador. Nenhum limite, nenhuma impossibilidade se mete de permeio entre a graça e a alma enquanto restar um sopro de vida. Convém, pois, esperar sempre e dirigir ao Senhor humildes e perseverantes instâncias. Não se poderá dizer até que ponto elas podem ser atendidas. Grandes santos e eminentes doutores estiveram bem longe, falando desta poderosa eficácia das orações por almas queridas, de dizerem qual tenha sido o seu fim.
Conheceremos um dia estas inefáveis maravilhas da divina misericórdia, as quais nunca devemos deixar de implorar com uma profunda confiança”. Visto que o P. de Ravignan apela para os santos e para os doutores, quero apresentar-vos o testemunho dum grande doutor e duma grande santa. O mais eloqüente Arcebispo de Constantinopla, provando que não é conveniente chorar muito pelos nossos queridos defuntos, mas antes auxiliá-los com as nossas orações e boas obras, supõe que um de seus ouvintes o interrompe para lhe dizer: –“Mas eu choro este querido defunto, porque morreu como um pecador - Prop-ter hoc ipsum plango, quod peccator excessit!”. Que responde S. João Crisóstomo?
“Não será isto um vão pretexto? Pois se tal é o motivo das vossas lágrimas, por que não fazíeis mais esforços para convertê-lo durante a vida? E se morreu verdadeiramente pecador, não devereis regozijar-vos, por isso mesmo, que a sua morte veio pôr termo ao número de seus pecados que, desde então, já não pode aumentar? É sobretudo necessário ir em seu socorro, tanto quanto puderdes, não por meio de lágrimas, mas de orações, súplicas, esmolas e sacrifícios. Nenhuma destas coisas são efetivamente loucas invenções. Não é inutilmente que nos divinos mistérios comemoramos os mortos; não é infrutiferamente que nos aproximamos do sagrado altar e oramos por eles ao Cordeiro que apaga os pecados do mundo; pelo contrário, tudo isto lhes serve de muita consolação. Se Job purificava seus filhos, oferecendo por eles um sacrifício, de quanto mais alívio deve ser para os nossos defuntos aquele que por eles oferecermos ao Senhor? Não costuma Deus fazer bem a uns em consideração a outros? Mostremo-nos cuidadosos em socorrer os nossos queridos defuntos, e ofereçamos por eles as nossas orações. A Missa é uma expiação comum de que todo o mundo se pode aproveitar. Portanto oramos na Missa por todo o Universo, e nesta multidão nomeamos os mortos com os mártires, com os confessores e com as virgens. Pois todos nós somos um só corpo, ainda que este tenha membros mais brilhantes do que outros. Pode mesmo acontecer que obtenhamos para nossos defuntos um completo perdão. Et fieri potest ut veniam eis omni ex parte conciliemos – pelas súplicas e dons que oferecem em seu benefício aqueles que são nomeados com eles.
Por que estais ainda angustiado? Para quê estas lamentações? Não se poderá obter uma tão sublime graça para aquele que perdestes?”
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