20 de janeiro de 2015

Sermão para o 2º Domingo depois da Epifania – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Sentido espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 4: Do Gloria à Epístola

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Prezados Católicos, havíamos começado na Septuagésima do ano passado a explicação espiritual das cerimônias da Missa. A primeira parte tratou dos paramentosA segunda parte da Aspersão até a subida ao altarA terceira parte tratou da incensação até o Kyrie. Retomemos hoje e nos próximos domingos essa explicação do sentido espiritual das cerimônias da Santa Missa no Rito Romano Tradicional.
Terminamos o último sermão sobre o assunto no Kyrie. Depois do Kyrie vem o Gloria in excelsis Deo. Passou, provavelmente, do Breviário para a Santa Missa. O Gloria é um dos cantos Cristão mais antigos. Alguns chegam a dizer que o Gloria estaria entre aqueles hinos que menciona Plínio, o Jovem, em ao Imperador Trajano, dizendo que os cristãos cantam hinos a Jesus Cristo, que consideram Deus. Isso em torno do ano 100 depois de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Gloria é um canto Trinitário. A primeira parte se dirige a Deus Pai, a segunda, a Deus Filho e a última frase ao Espírito santo. Conclui-se com o sinal da cruz, que é sinal de Cristo, mas também da Santíssima Trindade. É um canto profundamente contrário à heresia ariana, que nega a divindade de Cristo. No Gloria, a divindade de Cristo está claramente afirmada: “Só Vós sois Santo, só Vós sois o Senhor, só Vós sois o Altíssimo”. O Gloria contém a menção clara às quatro finalidades da Missa: a finalidade latrêutica, isto é, de adoração a Deus, quando dizemos nós “vos adoramos”; finalidade eucarística, isto é, de ação de graças, quando dizemos “nós vos damos graças por vossa imensa glória”; finalidade impetratória, isto é, em que pedimos que Deus atenda às nossas orações e nos conceda as graças de que precisamos, quando dizemos “ouvi a nossa prece; finalmente está presente também a finalidade propiciatória, isto é, de pedido de perdão pelos nossas pecados, quando dizemos “vós que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós”.
Considerando a Missa como a vida de Nosso Senhor, vimos que o Introito anuncia o seu nascimento. Vimos que no Kyrie esse nascimento é implorado pelos clamores de misericórdia, fazendo menção aos patriarcas e profetas que imploravam a vinda do Messias. No Gloria, esse nascimento já é festejado, retomando em suas primeiras palavras o canto dos anjos na noite de Natal: Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade. O Gloriase diz apenas nos dias de festa e não é dito nos dias de penitência ou na missa de defuntos, pois nos dias de penitência devemos olhar mais para os nossos pecados do que para a glória do céu. São Tomás diz: não ousamos cantar a glória do céu quando choramos nossa própria miséria ou a miséria das almas do purgatório.
Depois do Gloria ou diretamente depois do Kyrie, se não houver o Gloria, vem a oração chamada de Coleta. Coleta quer dizer reunido, junto. A Coleta recebe esse nome por dois motivos, basicamente. Primeiro, porque ela se faz, a princípio, sobre o povo reunido. Segundo, porque ela reúne e expressa os desejos dos fiéis para aquela Missa.
O sacerdote, então, beija, ou melhor, oscula o altar. Cada vez que ele dá as costas para o altar, para se voltar para o povo, o sacerdote oscula antes o altar no meio. Oscula o altar como sinal de respeito por Nosso Senhor Jesus Cristo. Como já mencionamos, o altar representa Jesus Cristo. Esse ósculo no altar, além do respeito pelo altar, significa também que aquilo que vai dizer para os fiéis, ele recebeu no altar, que ele recebeu de Cristo. Tudo vem do altar, vem de Cristo.
O sacerdote, tendo osculado o altar, vira-se para o povo, e diz Dominus Vobiscum, abrindo e fechando as mãos. Dominus vobiscum é um pedido para que os fiéis estejam na graça de Deus, ou na paz de Cristo, que só pode existir na graça dEle. O Bispo diz, em missas festivas, Pax Vobis: a Paz esteja convosco. São as palavras de Nosso Senhor depois de sua ressurreição. ODominus vobiscum é, assim, uma oração para que Deus esteja com os fiéis e por isso o sacerdote abre os braços, em posição de oração quando diz isso. Os fiéis retribuem o desejo do sacerdote dizendo: et cum spiritu tuo, e com o teu espírito. Responder “ele está no meio de nós”, como manda a tradução brasileira na Missa Nova é um despropósito completo. É como dizer: Deus já está conosco, não precisamos de sua oração, Padre, e também não rezamos pelo senhor. Ou, no mínimo, é compreender muito mal o significado das palavras Dominus vobiscum, ditas pelo sacerdote. Sete vezes o sacerdote saúda os fiéis dizendo Dominus vobiscum, para que recebam os sete dons do Espírito Santo, a não confundir com os dons carismáticos. Sete vezes para que recebam a plenitude da graça. O ste é o número da plenitude. São sete os sacramentos, por exemplo.
Tendo saudado o povo com o Dominus vobiscum, o sacerdote vai para o lado da epístola fazer a oração chamada Coleta. Ele diz Oremus, inclinado-se para a cruz, abrindo e fechando as mãos. Diz Oremus para convidar os presentes a se unirem espiritualmente à sua oração. Inclina-se para que sua oração seja agradável a Deus, em movimento de súplica e de humildade. Abre as mãos que é a posição de oração, fecha-as na posição do vassalo, submetendo-se à vontade divina. O sacerdote, em seguida, diz ou canta a oração com as mãos estendidas, uma palma voltada para a outra, sem passar da altura dos ombros. A palma da mão direita representa o Novo Testamento, a da esquerda o Antigo Testamento. Não passam dos ombros porque é Cristo, cabeça, que domina os dois Testamentos. Como falamos, as mãos estendidas e elevadas é a posição do orante, daquele que faz a oração pública, a exemplo de Moisés, intercedendo por seu povo na batalha contra os amalecitas. Com as mãos elevadas, o povo hebreu vencia; com as mãos abaixadas, perdia (Ex 17, 12). Também Salomão estende as mãos ao céu, rezando pelo povo (3Reis 8, 22). Essas mãos elevadas lembram também as mãos de Cristo na cruz, oferecendo a Deus a oração mais perfeita, seu sacrifício. Algumas liturgias guardaram o braço em cruz em algumas orações. Rezar com as mãos estendidas já era a posição de rezar na Igreja primitiva, vide pinturas nas catacumbas. Portanto, o sacerdote reza a Coleta com as mãos estendidas. Os leigos e o sacerdote fora da Missa devem rezar com as mãos postas em posição de vassalagem, de submissão a Deus.
As Coletas, junto com o Cânon Romano – Cânon Romano que é a única oração eucarística no rito romano tradicional – são o melhor exemplo e o modelo mais perfeito do latim eclesiástico, latim eclesiástico que se formou a partir do momento em que a liturgia passou a ser em latim.  As coletas são, em geral, composições dos séculos IV, V, VI, em prosa, com ritmo, vocabulário e estilo sóbrios e solenes, com várias figuras de linguagem. É um latim acessível, mas bem trabalhado. Os reformadores da liturgia diziam que era um latim decadente. Era um pretexto para se abandonar o latim e adotar cada vez mais a língua vernácula. Não é verdade que o latim eclesiástico seja um latim decadente. As orações em latim eclesiástico são uma poesia em prosa. Melhor e mais claro exemplo disso é o venerável Cânon Romano. A origem desse estilo do Cânon Romano e das coletas é o panegírico, isto é, o elogio que se fazia ao príncipe, agora dirigido a Deus. As coletas têm, via de regra, quatro elementos: 1º) elevação da alma a Deus; 2º) ação de graças, ou uma glorificação, ou um elogio; 3º) o pedido e 4º) conclusão. É a mesma ordem do Pai Nosso. Elevação da alma a Deus: Pai Nosso. Glorificação de Deus: que estais nos céus. Pedidos, que no Pai Nosso são sete e a conclusão. Portanto, as coletas se baseiam profundamente na estrutura do Pai Nosso também e não só no panegírico latino profano. As coletas não acrescentam nada ao Pai Nosso, apenas tornam mais explícitos os pedidos feitos ali. Essas orações são de uma precisão teológica imensa. Assim, Santo Agostinho as utilizou para combater a heresia do pelagianismo, heresia que negava a necessidade da graça para a salvação, como se cada um pudesse se salvar por conta própria.
A conclusão habitual da coleta é per Dominum Nostrum Iesum Christum… por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, que convosco vive e reina, Deus, por todos os séculos dos séculos.  Pedimos ao Pai por intermédio do Filho, em união com o Espírito Santo. Seguimos os conselhos de Nosso Senhor, que disse: tudo o que pedirdes em meu nome vos será dado. Às vezes as coletas se dirigem diretamente a Cristo ou ao Espírito Santo, que são igualmente Deus com o Pai. Ao pronunciar o nome de Jesus, o sacerdote sempre se inclina para a cruz, salvo no Evangelho, em que se inclina ao Missal, por respeito às palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pouco antes de se inclinar, fecha as mãos, em posição de vassalagem, de submissão, confiando em Deus para que atenda às suas súplicas. O per omnia saecula saeculorum… por todos os séculos dos séculos, abolido da tradução brasileira na liturgia nova, é confissão na eternidade da Santíssima Trindade.
A coleta se conclui com o Amen. Amém pode exprimir uma afirmação, um desejo ou um consentimento. No Credo, é uma afirmação. Também quando Nosso Senhor diz “Amen, Amen, dico vobis”, traduzido por “em verdade, em verdade vos digo”, o “amém” significa uma afirmação solene. O “amém” depois de uma oração que não nos obriga a nada, é um simples desejo. Quando ele vem depois de uma oração que nos obriga a alguma coisa, é um consentimento. Nos três casos, é uma espécie de adesão ao que está sendo dito. O uso litúrgico do “amém” é apostólico. São Paulo o utiliza em suas epístolas. É preciso pronunciar essa palavra curta, mas cheia de significado, com convicção.
Depois da Coleta vem a leitura de um trecho da Sagrada Escritura que pode ser tirada de qualquer livro dela, menos do Evangelho. Essa leitura é chamada de Epístola porque, na maioria das vezes, é tirada de uma Epístola dos Apóstolos. Epístola é justamente o nome dado aos escritos dos apóstolos, excetuando o Apocalipse. (Quando tem mais de um texto, os primeiros se chamam lições, o último, Epístola).  Epístola quer dizer não simplesmente algo enviado, mas algo enviado a mais, por que as epístolas foram dadas aos homens além da lei, dos salmos, dos profetas. Uma mensagem escrita, uma carta, é chamada epístola porque é algo enviado a mais, além da mensagem oral. Embora a epístola seja tirada na maioria das vezes dos escritos dos apóstolos (daí o nome de epístola), ela representa o Antigo Testamento e mais propriamente São João Batista, pois ela precede quase que imediatamente o Evangelho. A pregação de Cristo (Evangelho) já está bem próxima. Nosso Senhor também mandou os apóstolos preparem as cidades pelas quais Ele passaria depois. Como já dissemos, o lado esquerdo do altar (esquerdo a partir da cruz e não a partir de quem olha para o altar), isto é, o lado da epístola, significa o Antigo Testamento, os judeus. A Epístola é lida ou cantada na direção do altar, pois o Antigo Testamento e São João Batista estavam completamente voltados para Cristo, a missão deles era anunciá-Lo. O Padre canta ou recita a Epístola com as mãos tocando o livro ou o porta-missal. As mãos representam as obras. Isso significa que ele está disposto a aceitar e colocar em prática a doutrina ali expressa. Na Missa Solene, é o subdiácono que canta a epístola, acompanhado somente do cerimoniário, pois poucos foram os que seguiram a pregação de São João Batista e as profecias. Muito poucos judeus se converteram. Terminado o canto, o subdiácono se ajoelha do lado da Epístola. O sacerdote coloca a mão sobre o epistolário e o subdiácono beija a mão do sacerdote, que o abençoa em seguida. O sacerdote, que é Cristo, coloca a mão sobre o livro, para mostrar que Cristo cumpriu tudo o que está escrito (a mão são as obras) e para mostrar que é Ele quem pode manifestar o significado profundo das Sagradas Escrituras. Cristo não veio para abolir a lei, mas para cumpri-la. E aperfeiçoá-la. O ósculo do subdiácono na mão do sacerdote significa justamente o reconhecimento de que Cristo é o Messias anunciado e de que as profecias se cumpriram. Tendo reconhecido isso, recebe a recompensa, que é a salvação, simbolizada na bânção. Os que reconhecem que Cristo cumpriu as profecias do Antigo Testamento recebem a bênção de Cristo. No sentido literal, o sacerdote dá a bênção pelo fato de que o subdiácono proclamou com fidelidade e sem adulterações a palavra divina.
Terminada a Epístola, se responde Deo gratias, “demos graças a Deus”. Agredecemos a Deus pelo alimento espiritual que nos Deus com a Sagrada Escritura. Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Agradecimento por todos os benefícios que nos são trazidos pela Revelação. Não se diz Laus tibi Christe, “Louvor a Vós, ó Cristo”, pois estamos, simbolicamente, ainda no Antigo Testamento, e não no Novo Testamento, no Evangelho.
Tendo considerado brevemente o Gloria, a Coleta e a Epístola, podemos compreender um pouco mais os significados riquíssimos dessas partes da Missa, com seus gestos e ritos, compreender que elas expressam verdades perenes e que são profundamente agradáveis a Deus e benéficas para a nossa alma.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito santo. Amém.


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