12 de janeiro de 2015

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem - Parte 12

Artigo II

Uma perfeita renovação dos votos do batismo

126. Disse acima (V. nº 120) que a esta devoção podia-se chamar muito bem uma perfeita renovação dos votos ou promessas do santo batismo.
Todo cristão, antes do batismo, era escravo do demônio, pois lhe pertencia. Na ocasião do batismo o cristão, por sua própria boca ou pela de seu padrinho e de sua madrinha, renunciou a Satanás, a suas pompas e obras, e tomou Jesus Cristo para seu Mestre e soberano Senhor, passando a depender dele, na qualidade de escravo por amor. É o que se faz pela presente devoção: renuncia-se (como está indicado na fórmula de consagração) ao demônio, ao mundo, ao pecado e a si próprio, dando-se inteiramente a Jesus Cristo pelas mãos de Maria. Faz-se até algo mais, pois se, no batismo, falamos ordinariamente pela boca de outrem, pela boca do padrinho ou da madrinha, nesta devoção fazemo-lo nós mesmos, voluntariamente, com conhecimento de causa.
No batismo não é pelas mãos de Maria que nos damos a Jesus Cristo, pelo menos duma maneira expressa, nem fazemos doação a ele do valor de nossas boas ações; depois do batismo, ficamos inteiramente livres de aplicar esse valor a quem quisermos ou de
conservá-lo para nós. Por essa devoção, damo-nos, porém, a Nosso Senhor pelas mãos de Maria, e lhe consagramos o valor de todas as nossas ações.

127. No santo batismo, diz Santo Tomás, os homens fazem o voto de renunciar ao demônio e às suas pompas: “In baptimo vovent homines abrenuntiare diabolo et pompis eius”.47 E este voto, afirma Santo Agostinho, é o maior e o mais indispensável. “Votum maximum nostrum quo vovimus nos Christo esse mansuros”.48 É também o que dizem os canonistas: “Praecipuum votum est quod in baptismate facimus” – o voto principal é o que fazemos no batismo. Quem, entretanto, guarda tão grande voto? Quem é que mantém fielmente as promessas do santo batismo? Não é um fato que quase todos os cristãos falseiam à fidelidade que no batismo prometeram a Jesus Cristo? Donde poderá vir esse desregramento universal senão do esquecimento em que se vive das promessas e compromissos do santo batismo, e por que cada um não ratifica espontaneamente o contrato de aliança feito com Deus por seu padrinho e sua madrinha?
47) Summa Theol. 2-2, q. 88, art. 2, arg. 1.
48) Epistola 59 ad Paulin.

128. É tão verdade isto, que o Concílio de Sens convocado por ordem de Luís o Bonachão para pôr cobro às grandes desordens dos cristãos, declarou que a causa principal da corrupção reinante vinha do esquecimento e ignorância em que se vivia dos compromissos tomados no santo batismo; e não encontrou melhor remédio tão grande mal do que induzir os cristãos a renovar as promessas do santo batismo.

129. O Catecismo de Concílio de Trento, fiel intérprete deste santo Concílio, exorta os curas a fazer o mesmo, e a relembrar aos fiéis que estão ligados e consagrados a Nosso Senhor Jesus Cristo, como escravos a seu Redentor e Senhor. Eis as palavras textuais: “Parochus fidelem populum ad eam rationem cohortabitur ut sicat aequissimum esse... nos ipsos, nom secus ac mancipia Redemptori nostro et Domino in perpetuum addicere et consecrare”.49
49) Catec. Conc. Trid., p. I, cap. 3, art. 2, § 15, “De secundo Symboli articulo” in fine.

130. Ora, se os Concílios, os Santos Padres e a própria experiência nos mostram que o melhor meio de remediar os desregramentos dos cristãos é fazê-los relembrar as obrigações assumidas no batismo e renovar os votos que então fizeram, não é natural que se faça isto presentemente, de um modo perfeito, por esta devoção e consagração a Nosso Senhor, por intermédio de sua Mãe Santíssima? Digo “de um modo perfeito” porque nos servimos, nesta consagração a Jesus Cristo, do mais perfeito de todos os meios, que é a Santíssima Virgem.
Respostas a algumas objeções

131. Não se pode objetar que esta devoção seja nova ou sem importância. Não é nova porque os concílios, os padres e muitos autores antigos e modernos falam desta consagração a Nosso Senhor ou renovação das promessas do batismo, como de uma prática antiga, aconselhando-a a todos os cristãos. Esta prática também não é sem importância, pois a principal fonte de todas as desordens e conseqüente condenação dos cristãos está no esquecimento e indiferença por esta renovação.

132. Alguns podem alegar que esta devoção, levando-nos a dar a Nosso Senhor, pelas mãos de Maria Santíssima, o valor de todas as nossas boas obras, orações, mortificações e esmolas, nos torna impotentes para socorrer as almas de nossos parentes, amigos e benfeitores.
A esses respondo primeiro que não é crível que nossos amigos, parentes ou benfeitores sofram prejuízo por nos termos devotado e consagrado sem reserva ao serviço de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima. Seria fazer uma injúria ao poder e bondade de Jesus e Maria, que saberão muito bem valer os nossos parentes, amigos e benfeitores, aproveitando o nosso crédito espiritual, ou por outro meio qualquer.
Segundo, esta prática não impede que rezemos pelos outros, vivos ou mortos, se bem que a aplicação de nossas boas obras dependa da vontade da Santíssima Virgem; e, bem ao contrário, esta circunstância nos levará a rezar com muito mais confiança, do mesmo modo que uma pessoa rica, que tivesse doado a um grande príncipe todos os seus bens, rogaria com redobrada confiança a esse príncipe que beneficiasse a algum amigo necessitado. Seria até causar prazer a esse príncipe dar-lhe ocasião de demonstrar seu reconhecimento a uma pessoa que de tudo se tivesse despojado para engrandecê-lo, que se tivesse reduzido a completa pobreza para honrá-lo. O mesmo se deve dizer de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem: eles jamais se deixarão vencer em reconhecimento.

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133. Outros dirão, talvez: Se eu der à Santíssima Virgem todo o valor de minhas ações para que ela o aplique a quem quiser, terei de sofrer talvez muito tempo no purgatório.
Esta objeção, produto do amor-próprio e da ignorância da liberalidade de Deus e de sua Mãe Santíssima, destrói-se por si mesmo. Uma alma cheia de fervor e generosa, que antepõe os interesses de Deus aos seus próprios, que tudo que tem dá a Deus inteiramente, sem reserva, que só aspira à glória e ao reino de Jesus Cristo por intermédio de sua Mãe Santíssima, e que se sacrifica completamente para obtê-lo, esta alma generosa, repito, e liberal, será castigada no outro mundo por ter sido mais liberal e desinteressada que as outras? Muito ao contrário, é a esta alma, como veremos a seguir, que Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima se mostram mais generosos neste mundo e no outro, na ordem da natureza, da graça e da glória.

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134. Vejamos agora, o mais brevemente que pudermos, os motivos que nos recomendam esta devoção, os maravilhosos efeitos que ela produz nas almas fiéis, e as práticas desta devoção.

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