9 de maio de 2018

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.,

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

A Imaculada Conceição


Parte 6/6

Os juízos divinos são sapientíssimos e misteriosos. Poder-se-ia crer que Deus se apressaria a pôr à contemplação dos homens esta sua obra maravilhosa iluminada com os resplendores de uma definição dogmática sem nuvens de dúvidas que a velassem; e no entanto não foi assim. Foi-se descobrindo a pouco e pouco, gradualmente, como se desta maneira quisesse atrair mais a atenção de toda a humanidade para ela. Quem primeiro contemplou a beleza de Maria Imaculada foi João Evangelista, o de olhar puro, aquele que, morto Jesus, fez para com a Virgem Maria as vezes de filho.
João no seu desterro de Patmos, presenciou a luta que a Virgem Maria sustentou com o dragão de sete cabeças, contemplou a glória e formosura daquela mulher triunfadora e procurou na criação as comparações mais belas para a descrever aos homens: os seus vestidos são como o sol, as estrelas formam a sua coroa, a lua é o escabelo dos seus pés.
Os Santos Padres contemplaram a pureza e formosura da Virgem Maria e não encontraram palavras para a descrever. É pura, imaculada, intacta, sem culpa, ilesa, incorruptível. É a mesma inocência, virgindade imaculada. Mais santa que os santos, mais pura que os anjos, mais excelsa que os céus, mais gloriosa que os querubins, mais venerável que os serafins, a mais próxima e semelhante a Deus.
É como um lírio entre espinhos, como um amanhecer sem ocaso, como um astro que recebe continuamente a luz do sol, como uma fonte perene, como uma haste sempre florida. É o jardim onde se recreia o Eterno Pai. É o prado cheio de aromas onde passeia o Espírito Santo. É o novo Paraíso guardado por um querubim, onde não tem entrada a infernal serpente. Assim descreviam a pureza de Maria os Santos Padres; e as suas palavras enchiam a alma dos cristãos de amor a Maria e com desejos de que a sua pureza imaculada fosse incorporada nos dogmas da Igreja.
Por isso, quando nos anos medievais alguns teólogos se atreveram a pôr em dúvida a Imaculada Conceição de Maria, todo o povo cristão, como um exército compacto, se pôs em pé de guerra. A contradição foi a centelha que acendeu o entusiasmo popular. Era a glória de Maria sua Mãe, e era também a honra da humanidade que se pretendia combater. À frente desse exército iam os prelados das igrejas; pois só um ou outro se passou ao campo inimigo. Formavam o corpo do exército as Ordens religiosas com os seus teólogos, os seus pregadores, os seus ascetas e os seus santos.
As principais Universidades do mundo e entre elas todas as espanholas exigem aos seus doutores o juramento de defender o privilégio da Imaculada. Em França, a Universidade de Paris; em Inglaterra, as de Oxford e Cambridge; na Alemanha, as de Colônia e Mogúncia; em Itália, as de Nápoles e Palermo; na Austria, a de Viena; em Portugal, as de Coimbra e Évora, e em Espanha, umas atrás das outras, todas as Universidades. Cidades inteiras ligam-se a esse voto; em Espanha a primeira de todas, Palência. São tantos e tantos os que fazem este voto que no século XVIII pode-se dizer com alguma hipérbole que meio mundo estava ligado a ele. Meio mundo em pé a defender a pureza de Maria na sua Conceição. Em pé; e muitos, dispostos a defendê-la até derramarem o próprio sangue.
Assim juraram, primeiro, a Universidade de Granada; depois, a Confraria de Jesus Nazareno de Palência, e o rei de Portugal com as cortes gerais e as Ordens Militares espanholas e o rei Filipe IV com as cortes de Castela; e santos, como São João Berchmans que rubricou a fórmula do voto com o próprio sangue. Reis e Imperadores, à frente dos quais vão os de Espanha, põem todo o peso da sua autoridade para alcançarem a definição dogmática; o povo reclama-a nos seus versos e nos seus cantares e na saudação espanholíssima que se põe como condição indispensável aos que queriam atravessar a soleira das portas;
Ninguém passe este portal
sem que jure por sua vida
ser Maria concebida
sem pecado original.

E chegou por fim o momento solene da definição dogmática, o momento em que a pureza Imaculada de Maria na sua Conceição ia brilhar sem nenhuma nuvem no céu da Igreja. Seiscentos Prelados e duzentos milhões de católicos de joelhos aos pés do Pontífice Romano pediam a declaração do dogma e rogavam ao Espírito Santo que iluminasse o Vigário de Jesus Cristo e movesse o seu coração. Sua Santidade Pio IX, conduzido pelo Espírito Santo, senta-se na cátedra de São Pedro, a luz do céu ilumina a sua fronte e com voz emocionada e poderosa declara dogma de fé a Conceição Imaculada de Maria. Era o dia 8 de dezembro de 1854. Os sinos de todas as catedrais e de todas as igrejas repicam loucos de alegria. As gerações cristãs de 19 séculos estremecem de júbilo no céu. Os defensores do privilégio pareciam reanimar-se nas suas sepulturas. As milhares de imagens da Imaculada que os melhores artistas espanhóis tinham espalhado por todas as cidades e povoações de Espanha dir-se-ia que adquiriam vida e movimento e resplandeciam com luzes celestiais; e o povo cristão em todas as línguas da terra, entoava um hino gigantesco de triunfo à Mãe de Deus e glória da humanidade:
 Toda sois formosa, ó Maria. E não há em Vós mancha alguma de pecado. Vós sois a glória do nosso povo. Ao júbilo da terra une-se a alegria do céu; e no meio deste hino gigantesco dos céus e da terra a Santíssima Virgem humilíssima entoa de novo o Magnificat: Alma minha, engrandece ao Senhor. Operou em mim grandes coisas o que é Omnipotente. Porque olhou para a pequenez da sua serva. Todas as gerações me chamarão bem aventurada.

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