1 de abril de 2018

Sermão para o 4º Domingo da Quaresma – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] A necessária condescendência na família



Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
São Francisco de Sales diz, em seu magnífico livro Filoteia, que marido e esposa devem ter tanta condescendência um com o outro, que nunca se aborreçam e irritem ambos ao mesmo tempo e de repente, para que entre eles não se note dissensão nem disputa. E o santo faz, então, uma de suas comparações. Ele diz que as abelhas não podem estar em lugar onde se ouvem ecos e estrondos, e onde a voz soa mais alta. Ele diz que da mesma forma o Espírito Santo não pode permanecer numa casa onde há disputas, réplicas, vozes estridentes e altercações.
Mas o que é essa condescendência de que fala São Francisco de Sales? É uma virtude tão simples, mas tão necessária para a vida familiar. A condescendência é irmã da doçura de que falamos domingo passado, e é filha da caridade e da humildade. A condescendência consiste em nos acomodarmos ao gosto e à vontade dos outros.
Desde logo, devemos deixar bem claro que nunca devemos condescender quando houver ofensa a Deus, pois nunca podemos nos acomodar e concordar com o pecado, embora possamos ser pacientes com o pecador. Adão, por exemplo, teve uma má condescendência ao se acomodar aos desejos de Eva, quando esta lhe propôs comer o fruto proibido. Não devemos condescender com o pecado, nem por fraqueza, nem por respeito humano, nem por interesse, nem por qualquer outro motivo.
São Francisco de Sales dizia: Convém condescender em tudo, porém, deve ser até um certo limite e não mais, isto é, até os limites da lei de Deus, que são os limites de toda a prudente condescendência». E acrescentava: A condescendência que não vai acompanhada de candura e de pureza é uma condescendência perigosa e nociva, contra a qual nenhuma precaução é demasiada.
Também não podemos condescender em coisas manifestamente imprudentes ou que possam redundar em prejuízo espiritual.
A condescendência é a flexibilidade suave e bondosa de nossa vontade, que, por amor a Deus e ao próximo, se acomoda de bom grado ao gosto e desejo do próximo, procurando agradar-se no agrado do próximo em tudo o que não seja mau, nem perigoso ou prejudicial. Devemos, então, ser fáceis em condescender com o parecer dos outros e comprazer com eles em todas as coisas em que possamos fazer sem pecado e perigo. E principalmente marido e esposa devem ter essa facilidade em condescender um com o outro.
Nosso Senhor Jesus Cristo nos dá o exemplo de condescendência plenamente ordenada. Vai às bodas de Caná quando o convidam. Faz tantos milagres conforme Lhe são pedidos, ensina seus discípulos a rezar como Lhe pedem. Condescende mesmo com o beijo de Judas, no momento da mais vergonhosa traição, para ver se o atrai com essa demonstração de bondade. Na sua Paixão mesmo, condescende com o que querem fazer os seus carrascos.
A condescendência é uma virtude muito mais importante e estimável do que pode parecer à primeira vista. É uma virtude eminentemente social, isto é, necessária para quem vive em sociedade. Necessária, em primeiro lugar, no seio da família. E a prática dela é muito frequente, pois convivendo com os familiares, teremos inúmeras ocasiões para exercê-la. E a prática constante dessa virtude levará à união de coração dos esposos, passarão a ter cada vez mais uma só vontade, um só querer e um só não querer. Encontraram agrado em ceder um ao outro. Essa condescendência no seio da família aumentará o amor conjugal e a harmonia no lar.
O demasiado apego à vontade e ao gosto próprio além de ser um sinal de soberba, é origem frequente de desavenças, em que a caridade sai bem ferida. A insistência na própria opinião é um vício que vem romper os laços de união, de paz, de caridade e harmonia, que devem reinar no trato e conversas na família, pois, certamente, onde há pessoas teimosas e obstinadas na própria opinião, e que nunca sabem condescender com a opinião dos outros, só pode haver atritos, contrariedades e desgostos.
Ao contrário, a condescendência cristã, pela qual uma pessoa se acomoda de boa vontade ao desejo e ao querer dos outros, é fonte de amor recíproco, de paz, e de concórdia, de tal maneira que não se pode calcular suficientemente quanto essa virtude contribui para a felicidade e bem estar da família. Se, ao entrar em um lar, notamos que ali, nas conversas e no modo de proceder dos seus membros, reina uma cordial fraternidade e uma alegria franca e espiritual, podemos estar seguros que nesse lar reina também uma mútua e caridosa condescendência, porque se ela não existisse, seria impossível aquela santa harmonia e alegria. Os esposos mais unidos acabariam por perder a amizade se nenhum deles fosse de caráter condescendente.
Está certamente muito longe da perfeição sólida e verdadeira todo aquele que, enquanto os outros condescendem com os seus gostos e desejos, se mostra calmo, contente e satisfeito; mas que, se é contrariado na mínima coisa, ou se as coisas não correm à medida dos seus desejos, fica logo inquieto e alterado; sinal certo de que a sua virtude é mais aparente que real, e que tal alma tem a sua vontade própria muito dura e necessita, por isso, aprender a dobrá-la e a mortificá-la.
Quantas vezes vemos, no seio da família, surgir disputas, mesmo sobre questões tão irrisórias e tão irrelevantes, simplesmente porque um não quer ceder à opinião do outro ou calar-se. Quantas vezes vemos que marido e esposa têm ambos uma boa ideia e um acordo de princípios e divergem acidentalmente na sua aplicação. E cada um, achando que a sua ideia é mais perfeita, quer impô-la ao cônjuge, e acabam destruindo tudo pelas brigas. Melhor aceitar uma ideia boa, ainda que seja menos perfeita, do que, querendo aplicar o mais perfeito, causar uma grande briga e ficar sem bem algum. Por exemplo, um cônjuge preferiria que o outro fizesse tal coisa porque considera que será melhor para a família. Mas o outro, por um motivo qualquer, prefere fazer de modo diferente, que é menos perfeito. Não vale a pena, querendo o maior bem da família, terminar em brigas e ofensas. E, muitas vezes, mesmo quando um dos cônjuges está errado, o melhor será calar-se e procurar resolver com paciência e habilidade, quando se percebe que o apego do outro à própria opinião é ainda muito grande. Está claro que a condescendência não impede os cônjuges de conversarem e de dialogarem para chegarem a uma conclusão, mas que conversem com caridade, mansidão e que cada um tenha essa disposição de condescendência para com o outro.
O marido precisa ser muito condescendente com a esposa no exercício de sua autoridade no lar, e lembrando sempre que sua autoridade é para o bem da esposa e dos filhos. Lembrando também que de nada adianta exercer uma autoridade forçada. Deve ser autoridade conquistada na prática, pelo amor, pelo exemplo, pela virtude. A esposa precisa ser muito condescendente com o marido, lembrando da efetiva e real autoridade dele, com todo o respeito e caridade. Cada um precisa saber ceder ou, ao menos, calar, quando percebe que querer impor a própria opinião vai gerar um mal maior.
Nessa condescendência, não procurar também ficar medindo o quanto cada um fez: “Eu já cedi duas vezes, agora é a vez do outro ceder.” Não funciona assim. É preciso que cada um faça a sua parte, se esforce para isso com a ajuda da graça divina. Não é simples, mas plenamente possível.
Venhamos, mais uma vez, ao que diz São Francisco de Sales: “Se queres, alma devota, livrar-te de tão funestos resultados; se queres firmar-te e crescer na humildade; se te queres dispor para receberes com abundância as graças de Deus e caminhares até à perfeição; se queres, por último, conversar em paz e caridade com o teu próximo, eis aqui como te deves portar neste ponto: nas coisas claras, em que a inteligência não pode renunciar à sua própria opinião, porque não podes deixar de concordar com o que vê com evidência, deves de algum modo praticar a mortificação, falando com simplicidade e modéstia, sem afetação, sem ênfase, sem ares magistrais, e sem pretender que se conceda às tuas palavras, discursos ou sentenças, mais importância do que na verdade mereçam em si mesmas; e mesmo estando a verdade e a razão da tua parte, convir-te-á em muitas ocasiões falar pouco, ou calar-te completamente, a não ser que a glória e a honra divina reclamem manifestamente outra coisa.” Continua o Santo: “Nas coisas duvidosas ou discutíveis, deves, ao expor a tua opinião, fazê-lo também com modéstia e humildade e com certa desconfiança de ti mesmo, pensando que podes estar enganado; e antes que se provoquem aborrecimentos ou contrariedades, sê fácil em ceder à opinião alheia.”
E ainda São Francisco de Sales diz:  «É necessário ceder aos sentimentos e parecer dos demais, evitando, quanto possível, disputas e altercações. E no caso de nos vermos precisados a opor-nos à opinião dos outros, façamo-lo com tanta doçura e habilidade que não pareça que procuramos forçar as inteligências e os espíritos».
Marido e esposa, não se apeguem demasiadamente aos seus gostos e à sua vontade; antes, estejam dispostos a condescender facilmente e de bom grado com a vontade do cônjuge (desde que não seja contra a lei de Deus), pois isto servirá muito para avançar na humildade e na caridade, e vai tornar vocês amáveis e agradáveis a Deus, e ao cônjuge.
Caros católicos, como podem perceber, temos redobrado nossos esforços em benefício das famílias que já existem e das futuras. A família é a pupila dos nossos olhos. A família de vocês é a pupila dos nossos olhos.  E como, infelizmente, as famílias muitas vezes se formaram em bases frágeis, é preciso agora reforçá-las com o sólido cimento da doutrina católica e com a prática dessas virtudes às vezes simples, como a condescendência, mas tão necessárias no seio da família.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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