21 de maio de 2020

A ALMA  DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard

Parte 7/7

f - A vida interior é um escudo contra o desânimo.
O apóstolo que não logra entender bem qual deva ser a alma de seu apostolado achará incompreensível esta frase de Bossuet: Quando Deus quer que uma obra seja toda de sua mão, tudo  reduz à impotência e a nada, e depois opera.
Nada ofende tanto a Deus como o orgulho. Ora, na procura de bons êxitos, podemos por falta de pureza de intenção chegar a ponto de nos erigirmos numa como que divindade, princípio e fim de nossas obras. Deus tem horror desta idolatria. Por isso, quando vê que a atividade do apóstolo carece dessa impersonalidade que sua glória exige da criatura, deixa, às vezes, o campo livre às causas segundas, e o edifício não tarda em desmoronar-se.
Ativo, inteligente, dedicado, voltou-se o operário ao trabalho com todo o entusiasmo de sua natureza. Conheceu quiçá êxitos brilhantes, alegrou-se com eles, olhou-os com complacência. É sua obra. A sua! Veni, vidi, vici. Quase chegou a apropriar-se desta frase célebre. Esperemos um pouco. Qualquer acontecimento permitido por Deus, uma ação direta de Satanás ou do mundo vingam atingir a obra ou a própria pessoa do apóstolo: ruína total! Mais lamentável, porém, é ainda a devastação interior, causada pela tristeza e pelo desânimo desse esforçado de ontem. Quanto mais exuberante havia sido a alegria, tanto mais profundo é agora o abatimento! 
Só Nosso Senhor poderia reparar essas ruínas: "Vamos, coragem, diz ele ao desanimado, em vez de operares sozinho, recomeça o trabalho comigo, por mim e em mim". Mas o infeliz já não escuta esta voz. Tão exteriorizado anda que, para a ouvir, haveria mister de um verdadeiro milagre da graça; mas já não tem o direito de contar com ele, devido ao acúmulo de infidelidades. Só uma vaga convicção na onipotência de Deus e na sua providência é que paira sobre a desolação desse desditoso e essa convicção não é suficiente para dissipar as ondas de tristeza que continuam a assaltá-lo.
Quão diferente é o espetáculo do verdadeiro sacerdote, cujo ideal é reproduzir Nosso Senhor! Os dois grandes meios de ação, assim sobre o coração de Deus, como sobre o coração dos homens, são sempre, para esse sacerdote, a oração e a santidade. Certo é que ele dispende forças e com muita generosidade. Mas julga a miragem do bom êxito perspectiva indigna de verdadeiro apóstolo. Sobrevêm as borrascas, pouco importa a causa segunda que as originou. Como trabalhou apenas com Nosso Senhor, em meio das ruínas amontoadas, esse apóstolo ouve retinir no fundo do seu coração o mesmo Noli timere que outrora, durante a tempestade, restituía a paz e a segurança aos discípulos atemorizados.
Novo surto de amor para a Eucaristia, reflorescimento de devoção íntima para com Nossa Senhora das Dores, eis o primeiro resultado da provação.
Em vez de se deixar esmagar pelo revés, a alma desse sacerdote sai rejuvenescida da compressão: Sicut áquilae juventus renovabitur. Donde procede essa atitude do humilde triunfador em meio da derrota? Não procureis em outra parte o segredo de tal atitude, porque ele se encontra nessa união com Jesus e nessa inabalável confiança na sua onipotência, que faziam Santo Inácio dizer: Se a companhia chegasse a ser surpresa sem qualquer culpa de minha parte, para recobrar o sossego e a paz, bastar-me-ia um quarto de hora de entretenimento com Deus. "Como um rochedo no meio do mar, assim esta o coração das almas interiores no meio das humilhações e dos sofrimentos".
Certo é que o apóstolo sofre. Isso que esterilizou seus esforços e arruinou sua obra ainda será talvez a causa da perda de muitas de suas ovelhas. Tristeza amarga para esse verdadeiro pastor, por sem dúvida; mas tristeza incapaz de arrefecer o ardor com que vai recomeçar a obra. Ele sabe que toda a redenção, ainda que seja aplicada apenas a uma alma, é obra sublime que se realiza sobretudo pelo sofrimento. Basta para o sustentar a certeza de que as provações generosamente suportadas aumentam os seus progressos na virtude e granjeiam glória mais abundante para Deus.
Sabe de mais a mais que muitas vezes Deus exige dele apenas germes de bons êxitos. Outros serão os que hão de recolher abundantes messes e talvez julguem então poder atribuí-las a si mesmos. O céu, porém, saberá discernir a causa delas no trabalho ingrato e aparentemente estéril que as precedeu. Misi vos métere quod vos nom laborastis; álii laboraverunt et vos labores eorum introistis.
No decurso da sua vida pública, Nosso Senhor, autor dos êxitos dos seus apóstolos depois do Pentecostes, somente se contentou com lançar a semente, com deixar lições e exemplos e predizia aos apóstolos que a eles seria dado o fazerem obras maiores que as suas: Ópera quae ego fácio, et ipse faciet, et majora horum faciet.
Perder o ânimo o verdadeiro apóstolo! Deixar-se influenciar pelas resoluções dos pusilânimes! condenar-se ao repouso após um revés! Se assim pensais, é porque não compreendeis, nem a vida íntima, nem a fé em Jesus Cristo. Abelha infatigável, ele há de, por certo, reconstruir com alegria novos favos na colmeia devastada.

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