12 de fevereiro de 2019

Tesouro de Exemplos - Parte 600

A LENDA DE DOIS CAVALEIROS

No condado de L. houve um jovem cavaleiro de nobre linhagem. Em torneios e outras vaidades do mundo, esbanjara todo o seu patrimônio e ficara reduzido à miséria. Não podendo apresentar-se com os outros cavaleiros, como costumava, caiu em tanta tristeza e melancolia, que estava para desesperar. Vendo isso um seu feitor, confortou-o e disse-lhe que, se quisesse seguir o seu conselho, o faria rico e voltaria ao seu honroso estado anterior. O jovem respondeu que sim. O feitor conduziu-o, uma noite, a um espesso bosque e fazendo sua arte de necromancia, pela qual costumava evocar o demônio, imediatamente surgiu ali o espírito mau e perguntou-lhe o que desejava. Respondeu-lhe o feitor que trouxera ali aquele nobre cavaleiro para que o demônio o restituísse ao antigo estado, dando-lhe riquezas e honras. Disse-lhe o demônio que estava pronto a fazer tudo, contanto que, antes, o cavaleiro renegasse a Jesus Cristo e a sua fé. Mas isso o cavaleiro respondeu que não faria. Fala o feitor: Não quereis então reaver as riquezas e o estado que já tivestes? Por que, então, me destes tanto incômodo?
Vendo o cavaleiro que, para ser rico como antes, não havia outro remédio, deixou-se vencer e consentiu na proposta do feitor, intermediário do demônio. Embora contra a vontade, com grande temor, renegou a Cristo e a sua fé. Feito isso, o diabo disse: É preciso que ele renegue ainda a Mãe de Deus, e terá imediatamente tudo o que deseja. O cavaleiro respondeu que jamais faria isso, voltou as costas ao demônio, e retirou-se.
Ia andando pela estrada e considerando seu enorme pecado de ter renegado o Senhor Deus. Arrependido e contrito, entrou numa igreja onde havia uma imagem da Virgem Maria com o Filho no braço. Diante dela ajoelhou-se devotamente. Entre soluços e lágrimas, pediu misericórdia e perdão de sua grande queda.
Ora, aconteceu que naquele momento outro cavaleiro, o que tinha comprado as propriedades do primeiro, entrou também na igreja; e vendo o cavaleiro orar com tanta devoção e com tantas lágrimas diante da sagrada Imagem, muito se admirou e, escondendo-se atrás de uma coluna, ficou a observar o que acontecia. Estando, pois, os dois cavaleiros nos seus lugares, a Virgem Maria pela boca de sua imagem estava a falar, mas assim que cada um a ouvia claramente. Ela dizia a seu Filho: — Dulcíssimo Filho, peço-te que uses de misericórdia com este cavaleiro. Mas, como o Filho não lhe respondia nada e desviava dela o olhar, a benigna Mãe de novo implorou, dizendo que aquele cavaleiro fôra enganado. Disse-lhe então o Filho: — Aquele pelo qual tanto imploras, renegou-me — que devo agora fazer? A estas palavras a Imagem de repente se pôs em pé e, colocando o Filhinho sobre o altar, ajoelhou-se diante dele e disse: — Meu dulcíssimo Filho, peço-te que por meu amor perdoes aquele cavaleiro que se arrependeu verdadeiramente de seu pecado. Ouvindo esta súplica o Filho tomou a Mãe pela mão e, levantando-a, disse: — Mãe caríssima, não posso negar-te coisa alguma que me pedes: por amor de ti perdôo ao cavaleiro o seu pecado. Retomando o Filho nos braços e tornando a sentar-se, o cavaleiro, seguro de ter sido perdoado, levantou-se, arrependido e triste por causa do pecado cometido, mas alegre e consolado com o perdão alcançado.
Quando saiu da igreja, o outro cavaleiro, que, postado atrás da coluna, vira e ouvira tudo, aproximou-se dele, saudou-o e perguntou-lhe por que tinha os olhos molhados de lágrimas. Respondeu-lhe o cavaleiro que era por causa do vento. Sim — disse o primeiro — mas eu vi tudo que se fez e se disse. Por. isso, e por causa daquela que te impetrou a graça que recebeste, quero ajudar-te. Tenho uma filha única, que te darei por esposa, se te apraz; e todas as minhas grandes e ricas propriedades, que comprei de ti mesmo, te serão restituídas a título de dote: com isso entendo tomar-te por filho e fazer-te herdeiro de todos os meus bens, que são muitos.
Ouvindo isto, o jovem cavaleiro aceitou com alegria a proposta; e, quando viu tudo realizado, não cessou de dar graças à Virgem Santíssima, a quem reconhecia dever as graças tão abundantes que recebera.

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