13 de abril de 2022

MEDITAÇÃO PARA QUARTA-FEIRA MAIOR

Estamos na Quarta-feira Maior, caríssimos, e a Santa missa começa com grande solenidade: o reino de Deus, em seus três estados, está em adoração diante do Senhor obediente até a morte na cruz. Diante dele se prostram a Igreja triunfante, a Igreja militante e a Igreja padecente. Mas a Igreja já o vê em sua glória à direita de seu Pai. Ainda hoje, um salmo se destaca na liturgia: o salmo 101. Ele é colocado na boca de Cristo, a quem os fiéis se unem. Podemos ver no Introito o contraste entre a antífona e o versículo: na antífona vemos o Senhor na glória do Pai; já o versículo nos mostra Cristo obediente até a morte de cruz, mostra-nos Cristo humilhado.

Rogamos ao Senhor, na coleta, que, pelos méritos da paixão de seu bendito Filho, ele nos salve dos castigos que merecemos por nossos pecados. Nada é mais agradável a Deus do que apresentar-lhe os méritos da paixão de Jesus, pois é precisamente em seu Filho único que ele recebe todas as suas delícias; e a ele nada recusar.

Ambas as epístolas nos dão as mais belas profecias de Isaías sobre a Paixão. A primeira nos fala sobre o ceifeiro divino. “Quem é este que vem de Edom, de Bozra, em vestes escarlates? Ele é magnífico em seu vestido, brilhando com força. Sou eu (o Messias) que prometo justiça, que puno apenas para salvar. Mas por que sua vestimenta é vermelha, e por que suas vestimentas são como as dos que lagam a vindima no lagar? Na prensa, eu andava sozinho e, entre os povos, ninguém estava comigo. Espremi os povos em minha ira e os esmaguei em minha fúria. Mas o sangue deles jorrou em minhas roupas e eu sujei todas as minhas roupas.” Cristo, na sua Paixão, espremeu o vinho eucarístico para nós. Assim, o filho de Amós descreve Jesus que, com suas roupas manchadas de sangue, se vinga terrivelmente dos inimigos de nossa alma. Sua paixão esconde de fato um mistério de humildade inefável e poder terrível, e as humilhações e tormentos que ele aceitou por nosso amor são precisamente as armas com as quais ele esmagou o orgulho humano, a sensualidade e reduziu a nada o poder de Satanás.

Depois da leitura vem o responsório, retirado do Salmo 68, que descreve a angústia do Coração de Jesus durante a sua Paixão: “Não voltes o rosto para o teu servo”. O Salvador levou o pecado dos homens e, portanto, sujeitou-se à penalidade do abandono por parte de Deus, que com justiça desvia o rosto do pecador culpado. É este duro sacrifício que corresponde de alguma forma à dor dos condenados pela qual são eles atormentados no inferno. “Ouvi-me rapidamente, porque estou angustiado. Salvai-me, Senhor, porque as ondas subiram à minha alma” – isto é, o pecado que encheu de amargura as profundezas da minha alma, de modo que sou aprisionado pela mais terrível desolação, sem sua união hipostática com a pessoa do Verbo trazendo o menor alívio para a parte inferior da minha alma. “Caí em um poço lamacento – a iniqüidade do mundo inteiro – e não encontrei socorro". Este abandono de que Jesus se queixou na cruz não deve ser entendido em sentido absoluto, pois, mesmo durante a sua angustiante agonia no patíbulo da infâmia, a alma abençoada do Redentor foi abençoada na visão clara de Deus; mas deve ser tomado em um sentido relativo, pois Deus, para abandonar seu Filho unigênito nas garras do sofrimento, decidiu que essa bem-aventurança da alma não se refletiria no corpo.

Temos então uma outra coleta que associa a dor da paixão à beleza da ressurreição. Devemos crer de fato que Jesus Cristo une, em uma única pessoa, a natureza divina e a natureza humana, sem qualquer confusão, mas, ao contrário, com uma perfeita distinção de propriedades. É, portanto, como homem que sofre e morre; no entanto, sua humanidade, estando hipostaticamente unida à Divindade, não pode ser corrompida no túmulo, mas deve receber a mais esplêndida glorificação ao ressuscitar. Primogênito dentre todos os mortos é ele causa e protótipo de nossa ressurreição universal: "Ó Deus que, para nos salvar do poder do inimigo, quisestes que seu Filho subisse no patíbulo da cruz, concedei a seus servos o poder de obter os frutos de sua ressurreição”. Esses frutos da ressurreição são a ressurreição espiritual das almas pela graça, e então sua salvação final na glória. Sem estes frutos, a paixão de Jesus Cristo permaneceria estéril, como diz o Apóstolo: Ergo gratis Christus mortuus est? Portanto, é fácil compreender como a ressurreição é parte integrante da paixão, e é por isso que a liturgia nunca separa essas duas lembranças sagradas, que se iluminam e se complementam reciprocamente.

A segunda epístola é particularmente impressionante. Ela nos descreve o “homem de dores” a quem Deus imputou todos os nossos pecados. “Era desprezado, o último dos homens, homem de dores e familiarizado com o sofrimento; seu rosto estava como que velado e desprezado, por isso não o reconhecemos. Ele realmente carregou nossas doenças e carregou nossas dores. Nós o víamos como um leproso, como um homem ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi ferido por causa de nossas iniqüidades, ele foi esmagado por causa de nossos pecados. O castigo que traz a paz estava sobre ele, e foi pelas suas feridas que fomos curados. Estávamos todos vagando como ovelhas; cada um de nós seguiu seu próprio caminho. O Senhor colocou sobre si todas as nossas iniqüidades. Ele foi sacrificado porque quis; não abriu a boca: como ovelha, será levado ao matadouro e, como cordeiro diante do seu tosquiador, ficará calado e não abrirá a boca”. Pode justamente ser essa leitura chamada de Proto-evangelho, porque o profeta de Judá contempla ali, vários séculos antes de sua realização, as humilhações e dores sofridas por Jesus durante sua paixão, e descreve os mínimos detalhes. O título característico atribuído aqui ao Messias é o de servo de Deus; pois assim como pelo pecado o homem tentou se retirar do império de Deus, o Redentor, para expiar essa rebelião, teve que se dedicar inteiramente a cumprir a vontade do Pai. Jesus é de Deus, escreve São Paulo: Christus autem Dei. Ele é de Deus, tanto como Filho quanto como servo; e sobretudo como vítima. Os direitos divinos sobre Jesus são, portanto, afirmados de maneira absoluta e perfeita, sobretudo por meio da união hipostática do Verbo com a natureza humana do Salvador; em virtude desta união, a humanidade de Jesus é perfeitamente de Deus. Este título de Servo de Deus é melhor explicado pelo Profeta em toda a passagem que ouvimos hoje na Missa. Este é um aspecto novo e especial pelo qual o Messias se apresenta a nós. Seu reinado certamente deve ser glorioso e triunfante, mas o começo será humilde; e, antes de Jesus entrar em sua própria glória, será necessário que ele sofra muito e seja pregado na cruz. Mas por que o Servo de Deus deve sofrer? O Profeta responde: “Ele tomou sobre si nossas iniquidades e nossos pecados; o Senhor o acusou de nossas faltas e nós somos curados graças às suas feridas. Morre sem reclamar, será sepultado entre os ímpios e seu túmulo se erguerá entre os poderosos. Mas graças ao seu sacrifício livre o Senhor lhe concederá uma posteridade inumerável, e ele, por sua palavra, levará muitos à justiça”.

O responsório que segue é tirado do Salmo 101, e descreve os sentimentos de Jesus em sua suprema agonia, sentimentos de dor e humilhação, mas de perfeita confiança em Deus que, no devido tempo, se levantará em seu auxílio e o levantará. "Senhor, ouvi minha oração, que meu clamor chegue até vós. Não vire o rosto para longe de mim; ouvi-me sempre que estou na tribulação. No dia em que eu vos invoco, apressai-vos em me ouvir, pois meus dias estão desaparecendo como fumaça, e meus ossos estão queimando como uma grande chama. Fui cortado como grama, meu coração murchou, de modo que esqueci de comer meu pão. Vós vos levantareis, no entanto, para vos compadecerdes de Sião, porque é hora de ter pena dela, o momento chegou”. Com que tremor e com que respeito não devemos meditar no Saltério sobre estes sentimentos de Jesus crucificado! Este livro sagrado de oração é o melhor comentário do santo Evangelho, pois enquanto os evangelistas se ocupam preferencialmente em descrever a vida externa e os ensinamentos do Salvador, o salmista nos retrata os sentimentos íntimos de seu coração.

Enfim, hoje temos a Paixão do Senhor segundo São Lucas, o Evangelista do Amor Misericordioso, que reflete perfeitamente a pregação evangélica de São Paulo, com quem concorda até nos termos da fórmula da a instituição eucarística. No caminho para o Gólgota, Jesus conforta as piedosas que choram o seu tormento e adverte-as de que a devoção à sua paixão não deve limitar-se ao sentimentalismo estéril, mas servir para corrigir as suas vidas. Aquele que chora, de fato, pela morte do Senhor, deve arrancar e desarraigar o pecado de seu próprio coração, pois foi o pecado que foi o carrasco de Jesus. Si in viridi ligna haec faciunt, in arido quid fiet? Ou seja, se a justiça divina é tão severa em punir o pecado sobre seu próprio Filho inocente, o que não fará com o pecador obstinado, quando, no momento do julgamento final, o tempo da misericórdia tiver esgotado e chagar o momento da terrível e santa justiça?

A morte do Filho de Deus por nós deve ser sempre motivo de nossa confiança na misericórdia divina. Essa confiança é um dos primeiros elementos de nossa salvação e é o que a Igreja pede para nós na Pós-Comunhão. A morte de Jesus é fonte de vida. Esta é a realização mais esplêndida daquela profecia de Oséias: Ó mors, ero mors tua! morsus tuus ero, inferne. Teria sido muito pouco provar-se superior à morte por não sucumbir a ela. Jesus quis triunfar sobre ela mais completamente e, para isso, ao morrer, ele acorrenta a morte e Satanás aos pés da cruz, para que sua morte seja para a humanidade o princípio e a fonte de uma vida indefectível.

A oração sobre o povo é tão bela que a Igreja usa esta coleta para encerrar, durante os três dias seguintes, todas as Horas do Ofício Divino: "Olhai, Senhor, para a vossa família, pela qual Nosso Senhor Jesus Cristo não hesitou em entregar-se nas mãos dos carrascos e sofrer o tormento da crucificação”. Não há nada que toque mais o Pai e o leve à misericórdia do que a memória da paixão de seu Filho e, sobretudo, a imensa caridade com que nos amou.

Toda a teologia católica se resume no Crucifixo. É a razão íntima de todos os outros mistérios da fé, pois foi em Jesus que Deus nos amou e nos predestinou para a glória. O Crucifixo é o epítome das obras de Deus e a obra-prima de seu amor. Deleita-se ele tanto com isso — et vidit cuncta quae fecerat et erant valde bona — que não consegue contemplar esta imagem sem se comover de compaixão por nós. Com que devoção, portanto, não deveríamos contemplar também Jesus crucificado, e apresentar ao Pai suas dores e seus méritos para curar nossos próprios pecados!

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