15 de abril de 2022

PALAVRAS DE CRISTO NA CRUZ

Primeira palavra de Cristo na Cruz

“Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”

Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus; os soldados zombavam da Sua condição humilhante e vergonhosa; um dos ladrões blasfemava e O desafiava a provar que era o Messias descendo da Cruz.

Não havia tradição religiosa no tempo de Nosso Senhor que não
esperasse dos seus falsos deuses intervenções cheias de poder e de majestade, que não esperasse o triunfo sobre os inimigos. Não havia sentido cultuar aqueles falsos deuses senão para obter proteção e prosperidade sobre si. O culto dos deuses, nas religiões pagãs, era um culto meramente formal, exterior, era uma troca de favores: os deuses eram honrados e os homens recebiam de retorno algum benefício material.

Assim também pensavam os judeus no tempo de Nosso Senhor. O Deus de Israel havia necessariamente de obter vitórias políticas contra os gentios, o Deus de Israel havia de elevar Israel sobre todos os povos. De Deus não se esperava uma derrota, uma humilhação, porque nenhuma bênção divina poderia ser melhor que a prosperidade e o triunfo do povo eleito.

O que esta visão estreita da Providência não conseguia admitir é que Deus havia permitido o mal desde o pecado de Adão. O mal tem um lugar no plano da Providência, o mal está misteriosamente a serviço da glorificação de Deus e da nossa santificação. E se o mal tem um lugar no plano da Providência, Deus, que não pode querer propriamente o mal, pode, no
entanto, permitir males de todo tipo para deles extrair sempre um bem maior, para deles obter uma maior dilatação da Sua glória, uma maior manifestação da Sua bondade e misericórdia.

Voltemos agora o nosso olhar ao divino Crucificado. Ele é escarnecido, zombado e blasfemado por aqueles que se escandalizam com o mistério do
mal, que não admitiam um lugar para o mal no plano da Providência, que só esperavam de Deus a prosperidade e o triunfo. Aqueles homens blasfemavam, isto é, maldiziam a Deus, porque, a seu entender, se Deus permite o mal, então Ele não pode ser bom. A blasfêmia é o grito de ódio de uma alma que nega a bondade dos desígnios de Deus.

Mas o que aqueles homens não podiam perceber é que a crucifixão de Nosso Senhor é a maior manifestação da bondade de Deus no mundo. Deus não apenas permite que Seus filhos sofram o mal, Ele envia o Seu próprio Filho diletíssimo para assumir sobre Si o mistério do mal sofrendo a Paixão; e nenhum sofrimento, nenhuma dor humana no mundo foi superior aos trabalhos do Salvador durante a Paixão.

A vitória de Deus sobre o mal, portanto, é o próprio Deus sofrendo o mal; a maior manifestação da bondade de Deus no mundo é o próprio Deus sendo inundado de blasfêmias contra a Sua bondade. E o que Ele faz diante deste dilúvio de blasfêmias, zombarias e escárnios? Ele perdoa, Ele dilata ainda mais a Sua bondade e misericórdia, perdoando os blasfemadores.

A bondade de Deus, aos nossos olhos tão miseráveis de criaturas,
parece uma loucura, loucura por se servir mesmo do mal para se dilatar, loucura por procurar-nos a nós, os blasfemadores, a fim de fazer de nós filhos diletos.

Senhor, perdoai-nos, porque blasfemamos contra a Vossa bondade quando julgamos não haver bem algum em nossas cruzes—porque as cruzes contrariavam o nosso amor-próprio desordenado; perdoai-nos porque nos escandalizamos com a Vossa Cruz, com Deus crucificado por amor, porque não quisemos servir um Rei que nos obriga à renúncia de si, ao dom de si, ao perfeito esquecimento de si e tentamos por inúmeros artifícios conciliar nossos caprichos com o Vosso serviço. Perdoai-nos, Senhor, porque não sabemos o que fazemos ao fugir das cruzes que Vossa Providência nos envia, a cruz que é sinal da Vossa suma bondade e da Vossa vitória contra todo mal.

Segunda palavra de Cristo na Cruz

A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus! Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam: Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo. Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus. Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós! Mas o outro o repreendeu: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum. E acrescentou: Senhor, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino! Jesus respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso. Amen dico tibi hodie mecum eris in paradiso.

Nós temos diante de nós a representação daquilo que nós realmente somos, e da forma como podemos agir diante da Cruz de Cristo e diante de nossas próprias cruzes. Afinal os ladrões somos nós, e da mesma forma que aqueles dois ladrões tiveram a grande graça de ser crucificados junto de Cristo – graça aproveitada somente por São Dimas, o bom ladrão -, também nós, caríssimos, também nós temos a graça de poder sofrer a cruz junto de Cristo.

Olhando esses dois ladrões, devemos reconhecer, seguindo o exemplo de São Dimas, que nós merecemos muito, mas muitos castigos por nossos pecados. Como exclamava outrora da cátedra de Poitier sua Eminência o Cardeal Pie, o homem pecador merece somente três coisas, sofrer, morrer e ir para o inferno. E se nós contemplamos hoje um espetáculo atroz, daquele que é a própria inocência, injustamente condenado, daquele que é a própria bondade, tão flagelado, daquele que é a própria santidade, escarnecido, daquele é fonte da vida, agonizante; se contemplamos tudo isso, contemplamos o que fizemos nós mesmos, que fizeram os nossos pecados, as nossas infidelidades a Deus, a nossa preferência pelo mundo, pelos seus prazeres, pelos seus entretenimentos, pelos seus passatempos, que nos fazem jogar fora o tempo que Deus nos dá, e nos fazem desprezar o sangue que ele derramou por nós.

Caríssimos, vejamos bem o que acontece na cruz, fomos nós que fizemos isso cada vez que nós pecamos gravemente. Foram nossos pecados que o colocaram na cruz. Mas se nós somos culpados, confessemo-lo. Confessemos essa culpa e, como Cristo não nos deixa, aproveitemos a oportunidade da
penitência.

O que faz São Dimas, caríssimos? Ele aproveita a graça que lhe é dada e olha a Cristo com os olhos da fé. Ele confessa a realeza daquele que se encontra despido, flagelado e agonizante na Cruz. Ele compreende que a realeza de Cristo não é a realeza do mundo e que a porta pela qual
ele entrará no seu reino é aquela Cruz. Ele o reconhece como sendo o seu Senhor, do qual ele se faz servo, e ao qual ele se submete em uma verdadeira vassalagem. Ele suplica da benignidade de Cristo que se lembre dele e lhe de alguma coisa, o que Cristo quiser lhe dar. Ele se entrega inteiramente à bondade divina de Cristo. Vejam bem, caríssimos, a fé, a confiança, o amor, a humildade e a devoção desse bom ladrão. Ele não coloca nenhuma condição, não diz a Cristo “se puderdes, pois sabe que nada lhe é impossível”; também não diz “se quiserdes”, pois está certo da caridade e da misericórdia daquele que perdoara seus carrascos; também não pede uma parte no Reino, pois, em sua humildade, não se julga digno; não pede ainda nada terreno, pede que lhe seja dado o que é do alto, aquilo que Cristo pode lhe dar quando estiver no reino; enfim, não pede nada em particular, ele confia na bondade de Cristo que lhe dará aquilo que lhe
é o necessário, como se dissesse, basta que olhes para mim em sua misericórdia. Enfim, como Cristo se dá inteiramente por ele, ele se abandona inteiramente a Cristo, pois só Deus basta.

Caríssimos, vejamos como Cristo é bom, e o quanto importa nos entregarmos inteiramente a ele e servirmos a ele, a ele que nos deu tudo, nos deu a existência e nos oferece, com seu sangue, a vida eterna. Vejamos como, mesmo com tantas maldades nossas, ele, em sua bondade, ainda assim nos promete o céu se confessarmos nossos pecados, nos arrependermos, recorrermos a ele, reconhecendo-o como nosso redentor, e, com ele suportarmos nossas cruzes. Cruzes teremos sempre, e diante de cruzes maiores, flagelos maiores, como nos dias que estamos
vivendo, demos graças a Deus, pois é a oportunidade de amarmos mais e repararmos mais, como tão bem fez São Dimas, o bom ladrão, que, amando muito, piedosamente roubou o céu.

Terceira palavra de Cristo na Cruz
Mulher, eis aí teu filho. Eis aí tua Mãe

Simeão havia profetizado que uma espada de dor transpassaria a alma da Santíssima Virgem (cf. Lc. II, 35). Esta espada de dor, em certo sentido, foi a lança com a qual o centurião feriu o lado de Nosso Senhor. A lança feriu o lado, mas não produziu nenhum sofrimento ao Salvador, que já havia rendido o espírito. Ao abrir o lado do Salvador, a lança fere, na verdade, a alma de Nossa Senhora; ao penetrar a carne do Salvador, a lança fere de dor o Coração de Maria Santíssima, fere a Mãe ao rasgar o Filho.As dores de Maria Santíssima são um paraíso para a alma devota, um paraíso de amor e de dor, que nos atrai irresistivelmente a amar e a sofrer com ela.

Isso porque, ao pé da Cruz, o amor infinito de Nosso Senhor reverbera, compenetra e inebria a alma de Nossa Senhora, o que é uma grande consolação para a humanidade pecadora: enquanto o Coração imaculado de Maria recolhe os frutos da Paixão, recolhe o Sangue do Cordeiro, podemos lucrar da Paixão no Coração de Maria Santíssima, podemos recolher nela o que perdemos por nós mesmos, podemos beber do Sangue do Cordeiro banhando-nos nas lágrimas da Mãe dolorosa.

De fato, o que são as dores de Nossa Senhora senão o mais profundo eco, o mais límpido espelho da Paixão de Nosso Senhor? Sem a Santíssima Virgem ao pé da Cruz, algumas almas se lançariam no desespero diante do amor infinito de Nosso Senhor, infinitamente distante da nossa miséria, enquanto outras almas cairiam na presunção de já terem feito o suficiente.

Todavia, a Santíssima Virgem estando ao pé da Cruz, ela recolhe em seu Coração todas as dores de Nosso Senhor e as imprime no coração dos seus filhos e devotos. A lança que abriu o lado de Nosso Senhor feriu o Coração de Maria Santíssima de dor e de amor, e não é possível ser devoto de Nossa Senhora sem ser atraído irresistivelmente à dor e sem ser inebriado de amor pelo divino Crucificado.

Mas de todas as dores da Paixão, qual dor poderia ser maior do que o próprio Filho crucificado dizendo à Mãe: “Eis aí teu filho”? Que dor poderia ser maior do que o Filho anunciando a Sua separação da Mãe, o Filho anunciando que um discípulo, uma criatura, seria o substituto de Deus encarnado na vida da Mãe? “Eis aí teu filho.” Nada poderia mortificar mais o Coração de Nossa Senhora do que se separar do seu divino Filho. Ela, porém, o aceita, porque em São João estão representados todos os filhos que Maria Santíssima deverá gerar para Deus, moldando em nossa alma o Coração do seu próprio Filho, Coração que uma vez foi tecido em seu puríssimo ventre.

O anúncio da Vossa separação fez sofrer sobremaneira a Santíssima Virgem. Nós, porém, Senhor, separamo-nos de Vós inúmeras vezes pelos nossos numerosos e graves pecados, e à diferença do puríssimo Coração de Vossa Mãe, a ausência de Deus não nos causou nenhuma dor, nenhum sofrimento; nós também nos revoltamos incontáveis vezes contra as desolações na vida espiritual, quando Deus fez silêncio e parecia estar ausente. Que Vossa Mãe faça arder o nosso coração, que ela o torne mais parecido com o dela, porque somente assim permaneceremos fiéis ao Vosso Coração durante as desolações e não abandonaremos o Vosso amor para procurar algum amor deste mundo. Fac ut ardeat cor meum, fazei arder o meu coração, ó minha Senhora e minha Mãe.

Quarta palavra de Cristo na Cruz

E, chagada a hora nona, ou seja, para nós três horas da tarde, Nosso Salvador exclama com uma grande voz, Elí, Elí, lama sabactani, ou seja, Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes?

Eis que as trevas cobriam a terra já há três horas, quando Nosso Senhor soltou esse grito, primeira palavra dos momentos maiores e finais de sua agonia. Com essas palavras ele expressa quão enorme é a sua dor, quão enorme é a sua angústia por carregar em sua carne todos os pecados de todos os tempos e de todo o mundo. E, assim sendo, caríssimos, como diz Santo Afonso, “ainda que pessoalmente fosse o mais santo de todos os homens, tendo de satisfazer por todos os pecados deles, era tido pelo pior pecador do mundo e como tal fez-se réu de todos e ofereceu-se para pagar por todos. E porque nós merecíamos ser abandonados eternamente no inferno, no desespero eterno, quis ele ser abandonado ou entregue a uma morte privada de todo o alívio, para assim livrar-nos da morte eterna”. Ao se encarnar, ele, com efeito, tomou a nossa natureza, fazendo-se semelhante a nós em tudo, exceto no pecado. Faz-se semelhante a nós em tudo, inclusive em nossas fraquezas, dores e angústias. E qual não é a angústia do Santos dos Santos ao sentir em sua carne o peso atroz de tantas ofensas, malícias e verdadeiras podridões. Qual não é sua angústia e tristeza ao ver tantos homens desprezarem e jogarem ao chão o sangue precioso derramado amorosamente pelo Senhor? Consideremos, caríssimos, quantas vezes não somos nós culpados desse grito de angústia do Senhor, quando pelos pecados graves rejeitamos e desperdiçamos o sangue que ele derramou por nós?

E tudo o que o Redentor diz a partir de agora, ele o diz sob as trevas que por intervenção divina cobrem o mundo, maravilhando até mesmo os pagãos, como os gregos Phlegon e Apolófano, bem como o autor dos Anais da época de Pilatos, citado por Rufino. São Leão Magno vê nessas trevas, a cegueira orgulhosa do povo judeu que cometia naquele instante o ato mais abominável, o deicídio. São Jerônimo vê a enormidade do pecado que era cometido. Ora, caríssimos, quantas vezes não nos cegamos para as oportunidades que Deus dá a nós de repararmos um pouquinho por nossos pecados? Seja por uma reprimenda mal recebida e não seguida, por um bom conselho ignorado, por um conforto retirado, por um desconforto, por uma tribulação que aparece a nós, e nós só pensamos em nosso orgulho ferido? Quanta vezes estamos mais interessados no prazer do pecado, no conforto de deixar para lá alguma obra espiritual, e nos cegamos para a angústia que causamos a Cristo? Quantas vezes não nos portamos como esse povo deicida, cegando-nos para Cristo, fazendo-o sofrer e matando-o em nossa alma?

Consideremos o quanto nossos pecados o fazem sofrer! Lembremos que do alto da cruz ele pensou em cada um de nós, em cada pecado nosso que estava lá ele expiando, para que pudéssemos ter com ele o céu!

Vejamos, caríssimos, o quanto quis Nosso tão Bom Senhor sofrer por nós: vamos por acaso
aumentar a sua angústia? Ou vamos buscar consolá-lo, e isso com verdadeiro espírito de
penitência e oração? Ao pecarmos, imediatamente peçamos perdão, e busquemos o quanto antes a confissão. Ao vermos alguém pecar, façamos imediatamente uma reparação, com uma jaculatória, como oração. Consolemos, consolemos o sagrado Coração que tanto nos amou!

Quinta palavra de Cristo na Cruz

“Tenho sede”

Se a Paixão de Nosso Senhor consistisse apenas na flagelação, já seria suficientemente horrível, de uma violência impressionante. O açoite romano, o flagellum, era composto de várias tiras de couro, às quais se atavam minúsculas bolas de ferro ou fragmentos de ossos a vários intervalos. E como os algozes açoitaram sem piedade o delicado corpo do Salvador, o flagelo romano causava tanto contusões profundas quanto rasgos de pele; e à medida em que a flagelação avançava, as lacerações cortavam até os músculos e produziam tiras sangrentas de carne rasgada. Nosso Senhor foi praticamente triturado durante a Paixão. Como diz o profeta Isaías: “[...] ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades.” (Is. LIII, 5)

Tamanha violência na flagelação foi o início da perda do Sangue do Salvador. Para compensar tal perda, o organismo precisa aumentar o ritmo cardíaco. A respiração também acelera, o pulso enfraquece, a pele esfria e a sede aumenta. Quando Nosso Senhor disse, do alto da Cruz: “Tenho sede”, sintoma do choque hipovolêmico, podemos presumir que aquele não foi o início, mas o ápice da Sua sede, porque naquele momento Ele já havia perdido um grande volume de Sangue, desde que a Sua carne foi cruelmente aberta na flagelação. Se José de Arimatéia se apressou para descer o Corpo de Jesus da Cruz e sepultá-Lo, isso se deve não apenas porque era preciso guardar o repouso do sábado desde o entardecer da sexta-feira, mas também porque segundo a tradição judaica, o sangue do morto faz parte dele e deve ser sepultado com ele. Os amigos de Nosso Senhor temiam que Ele não tivesse mais Sangue ao sepultá-Lo e por isso se apressaram.

A morte por crucifixão é uma das piores mortes das quais se tem notícia, porque o crucificado sente instante por instante sua vida se esvair com a perda de sangue, e por causa da perda de sangue, soma-se o sofrimento de uma sede ardente, da qual nenhum de nós teve experiência.

Nosso Senhor tem sede, porque na Cruz, Seu Sangue escorre lentamente das feridas e das chagas. Mas é preciso considerar que, de uma certa maneira, Ele também tem sede durante a Santa Missa. Quando o sacerdote consagra separadamente o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, esta separação mística do Corpo e do Sangue torna presente sobre o altar o mesmo Sacrifício da Cruz, com a diferença, porém, de que o Sacrifício da Cruz se torna presente de maneira incruenta, isto é, sem sofrimento. A sede de Nosso Senhor, de certa maneira, durante a Missa, quando o Seu Corpo e Seu Sangue são misticamente separados não é a sede física, é a sede das almas. Durante a Missa, não precisamos dar de beber Nosso Senhor com água, mas com nosso coração, nossos afetos, nossa alma, nosso ser. Ele disse: “[…] quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim.” Ele tem sede do dom inteiro da nossa pessoa, Ele tem sede de verter a Sua caridade em nossa alma, como a alma da Sua Santíssima Mãe esteve inebriada de caridade.

Quantas vezes, Senhor, prometemos dar-Vos de beber com o nosso coração, e quantas vezes retiramos de Vossas mãos este mesmo coração porque queríamos nos saciar de criaturas. Vós tendes sede, e no entanto, sois Vós mesmo a água viva. A nós cabe ouvir aquelas palavras que dissestes à samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva.” Dai-nos, Senhor, da Vossa água viva, para que peçamos sempre desta água e saciemos a Vossa sede de almas.

Sexta palavra de Cristo na Cruz

_Tudo está consumado _

Cristo diz tudo está consumado. Ele cumprira todas as profecias: encarnara-se para publicar a Nova e Eterna Aliança, com seu sacrifício perfeito, e, com sua morte, redimir o gênero humano. Com essas palavras indica a iminência de sua morte e que tudo aquilo que fora anunciado havia sido cumprido. Sela, Nosso Senhor, todas as profecias a respeito de sua obra redentora. O amargo cálice de sua Paixão, do qual deveria beber até o fim para satisfazer a vontade do Pai Eterno, encontrar-se-ia então vazia. Tudo estava consumado. Nesse momento, diz Santo Afonso, Jesus, antes de expirar, pôs diante dos olhos todos os sacrifícios da antiga lei (todos eles figuras do sacrifício da cruz), todas as súplicas dos antigos padres, todas as profecias realizadas na sua vida e na sua morte, todos os opróbrios e ludíbrios preditos que ele devia suportar, e vendo que tudo se havia realizado, disse: Tudo está consumado. O poder que havia sido dado aos pérfidos homens e aos demônios para dar curso a sua sanha contra Nosso Senhor seria então cassado, diz São João Crisóstomo, e assim consuma-se a derrota da morte, do pecado, do demônio e dos maus, e a vida é dada aos filhos de Deus. Como diz São Leão Magno, é sua vitória, e a vitória da Igreja que é consumada.

Pois bem, caríssimos, é a vitória da Cruz que é consumada. É nossa vitória que é consumada.
Mesmo diante das mais pesadas cruzes, mesmo diante da sanha dos inimigos da nossa alma e da Santa Romana Igreja, mesmo no mais austero dos desertos, não temos o que temer, pois Cristo vence, Cristo reina e Cristo impera. Como bem diz Santo Agostinho, caríssimos: “O que te ensinou pendente da cruz, não querendo dela descer, senão que fosses forte em teu Deus? Jesus quis consumar o seu sacrifício com a morte, para nos persuadir de que Deus não recompensa com a glória senão aqueles que perseveram no bem até ao fim, como o faz sentir por S. Mateus: “Quem perseverar até ao fim será salvo”. Quando, pois, ou seja por motivo de nossas paixões ou das tentações do demônio ou das perseguições dos homens nos sentirmos molestados e levados a perder a paciência e a ofender a Deus, olhemos para Jesus crucificado que derrama todo o seu sangue por nossa salvação e pensemos que nós ainda não derramamos uma só gota por seu amor. É o que diz S. Paulo: Pois ainda não tendes resistido até ao sangue combatendo contra o pecado”. Ouçamos bem caríssimos. É na cruz, caríssimos, que também nós consumaremos nossa vitória.

Sétima palavra de Cristo na Cruz

“Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”

Depois de ter sofrido Sua cruentíssima e crudelíssima Paixão, estando já pendurado no madeiro desde a hora terça, isto é, as nove da manhã, ferido pelos açoites, afligido pela coroa de espinhos, machucado pelo carregamento da Cruz até o alto do Calvário, extenuado pela perda contínua de Sangue, perfurado por pregos, tendo que apoiar-Se nos próprios pés cravados para tomar ar, num esforço violento de sobrevivência, Nosso Senhor pronuncia a Sua última palavra ao dizer “Pai”.

Não fazia muito tempo que Ele havia Se despedido da Sua Mãe, entregando-Lhe o discípulo amado como Seu substituto, quando a dor da separação dilacerou o Seu Coração de Filho. Mesmo os atrozes sofrimentos da Paixão não podiam superar a dor de alma de Nosso Senhor diante da compaixão de Nossa Senhora. Mas Sua última palavra, Seu último discurso se dirige ao Pai. Os príncipes dos sacerdotes, os soldados e o ladrão impenitente blasfemavam contra Nosso Senhor, desafiando-O a descer da Cruz. Ele, por Sua vez, não desce da Cruz e não pede para descer da Cruz; mesmo estando imerso num oceano quase infinito de dores, Ele Se dirige a Deus e O chama de Pai.

Nosso Senhor Se dirige a Deus e O chama de Pai, o Pai que, no Horto das oliveiras, não afastou dEle o cálice de dor da Paixão, apesar da Sua oração insistente, apesar da agonia mortal do Salvador. Nosso Senhor bebeu do cálice de dor até a última gota; não houve sentido Seu que não tivesse sofrido durante a Paixão, desde o tato ao paladar; Seus membros, Suas faculdades de alma, toda a Sua Humanidade, em suma, foi reduzida a dor e sofrimento. O Pai quis que Ele bebesse deste cálice até a última gota, e o Salvador não hesita em chamá-Lo de Pai, entregando-Lhe em Suas mãos o espírito.

A confiança filial de Nosso Senhor é inabalável, porque Ele tem ciência de que Deus é Pai não porque nos livra de todo sofrimento, mas porque nos glorificará após o sofrimento. A filiação divina de Jesus vem da Sua natureza divina, Ele é Filho de Deus porque gerado pelo Pai desde toda a eternidade.

Todavia, pelos méritos da Sua Paixão, Ele nos dá a graça e o exemplo para adquirirmos um título cada vez superior de filiação adotiva por meio do sofrimento aceito por amor. O “segredo” da santidade é a nossa configuração em Cristo crucificado, pela qual o Pai nos ama com amor semelhante ao amor
que Ele depositou em Seu Filho crucificado. A recompensa do sofrimento aceito por amor, de uma generosa configuração ao Cristo crucificado, é poder dizer como Ele disse: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”, é poder chamar a Deus de Pai e esperar deste Pai amorosíssimo que Ele nos consuma de caridade, que Ele nos faça semelhantes a Si mesmo, isto é, que Ele nos faça bons como Ele é bom.

Ó bom Jesus, extirpai da nossa alma o temor do Pai e dos Seus amorosos desígnios. Dai-nos daquela mesma confiança inabalável pela qual Vós aceitastes beber o cálice de dor da Vossa Paixão e por fim entregar o espírito nas mãos do Pai. Dai-nos daquela mesma confiança inabalável, pela qual recebemos todos os sofrimentos, especialmente aqueles que mais nos contrariam, como vindos do mais amoroso e bondoso dos pais, do Vosso Pai, que é Pai Nosso.

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