CAPÍTULO XXX
Como Santo Antônio falou ao tirano Ezzelino e do que então aconteceu
Era um senhor poderoso, mas mui cruel tirano, e chamava-se Ezzelino da Romano. Em Pádua e lugares de ao redor, praticava grandes violências e vexames; e em Verona, no princípio da sua tirania, até fizera nos cidadãos grande matança.
Quando o Padre Santo Antônio tais coisas ouviu contar, resolveu ir ter com ele, pessoalmente, sem medo. E chegado à sua presença, começou de o increpar desta maneira:
— Ó inimigo de Deus, tirano mui cruel e perro raivoso, quando deixarás tu de verter o sangue indefeso dos cristãos? Fica certo que sobre ti vai cair sentença de Deus, dura e espantosa.
E muitas outras coisas lhe foi dizendo e mui ásperas.
Os salteadores e roubadores que estavam com o tirano, esperavam que ele logo ali mandasse matar o Santo, pois assim costumava proceder com as ousadias por mais santas que elas fossem.
Mas, por disposição divina, daquela vez sucedeu de outra maneira.
Às palavras de Santo Antônio, o tirano compungiu-se.
Domada a crueldade do seu coração e feito assim como borrego manso, lançou o cinto ao pescoço, rojou-se em terra diante do servo de Deus com grande pasmo dos circunstantes, e conheceu e humildemente confessou a sua culpa, prometendo em tudo emendar a vida segundo ao Santo mais aprouvesse.
E depois dizia aos companheiros, maravilhados com tudo aquilo:
— Não vos admireis do que vistes, pois, eu vo-lo afirmo de verdade, vi sair do rosto daquele Padre um resplendor divinal que de todo o ponto me aterrou. Ao vê-lo, pensei que, de súbito, ia ser atirado ao profundo dos infernos.
E desde aquele encontro, houve Ezzelino grande devoção por Santo Antônio; e, mentes o Santo viveu, refreou-se de praticar muitas maldades que dantes praticava, segundo ele mesmo confessou.
E como o servo de Deus afoitamente continuasse a pregar contra as crueldades do dito tirano, quis este provar sua rectidão e justiça, e enviou-lhe arteiramente um presente por mãos de seus criados, aos quais disse:
— Com humildade e devoção ireis da minha parte a Frei Antônio, e com a maior reverência que puderdes, lhe entregareis este presente. Se ele o receber, matai-o imediatamente; mas, se com indignação o rejeitar, sofrei com paciência tudo o que vos disser e voltai sem lhe fazer dano algum.
E os servos enganosos do tirano foram-se e apresentaram-se a Santo Antônio, e com muita reverência lhe disseram:
— Teu filho Ezzelino da Romano encomenda-se às tuas orações, e pede que aceites o presente que por devoção te envia, e rogues ao Senhor pela saúde de sua alma.
Mas Santo Antônio menosprezou todo o presente, dizendo baldões àqueles que lho traziam, e afirmando outrossim que não podia aceitar o fruto das rapinas dos homens. Que todas as coisas deles fossem para sua perdição, e que se partissem dali quanto antes, não fosse a casa ficar ensujentada por causa da presença deles.
E os mensageiros tornaram-se, confundidos, ao tirano, e contaram-lhe como as coisas se passaram. E Ezzelino comentou:
— Homem de Deus é. Deixai-o, e que daqui por diante diga o que bem lhe aprouver.
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