[Sermão] “O Senhor chorou”. Ou: A virtude da Piedade em Cristo e em nós, e os pecados que mais ofendem a Deus.
Sermão para o Nono Domingo depois de Pentecostes
21 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
***
Rezemos para que a presença do Papa no Brasil possa trazer bons frutos.“Videns civitatem, Jerusalem, Dominus flevit.” Vendo a cidade – Jerusalém – o Senhor chorou.
O Evangelho deste Domingo nos fala das
lágrimas de Nosso Senhor Jesus Cristo. As lágrimas são, antes de tudo,
um sinal de tristeza. Mas, devemos nos perguntar, como aquele que é
verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus pôde chorar, uma vez que
ele tinha a visão beatífica em sua alma? Pois Cristo desde o momento de
sua encarnação via Deus face a face, e essa visão impede todo
sofrimento. Como pôde, então, aquele que via Deus face a face
entristecer-se? Precisamos lembrar que Cristo veio ao mundo para
satisfazer por nossos pecados e que satisfez por nossos inúmeros pecados
aceitando os sofrimentos – até à morte e morte de cruz – com uma
caridade infinita, a fim de nos salvar. Dessa forma, ele tinha a visão
beatífica, Ele via perfeitamente a Deus, como os santos no céu e muito
mais perfeitamente que os santos no céu, mas a impassibilidade, quer
dizer, a ausência de sofrimento e a imortalidade que decorrem dessa
visão face a face de Deus, não se encontravam em Jesus Cristo enquanto
ele viveu nessa terra, antes de sua ressurreição. E isso
voluntariamente. Cristo via Deus face a face, mas sofreu e quis sofrer
para satisfazer perfeitamente por nossos pecados.
Sabendo que Cristo podia chorar, devemos
nos interrogar sobre o porquê dessa tristeza profunda de Nosso Senhor no
episódio relatado pelo Evangelho. O choro vem da tristeza e a tristeza
nos atinge quando vemos algum bem que amamos ameaçado, atacado,
destruído. Assim, por exemplo, os parentes choram a perda de um ente
querido, manifestando com isso o amor que tinham para com ele. Para
compreender, então, porque Nosso Senhor Jesus Cristo chora no Evangelho
de hoje, devemos compreender o que ele ama. Ora, Cristo é o abismo de
todas as virtudes, isto é, Ele possui e exerce o mais perfeitamente
possível todas as virtudes, ou quase todas, pois há virtudes que Cristo
não possuía, porque há virtudes que supõem um defeito precedente, como a
virtude da penitência supõe um pecado pessoal anterior. E essas
virtudes que supõem um defeito anterior, Cristo evidentemente não as
possuía, pois Ele é o cordeiro imaculado. Ele sofria com caridade
infinita pelos pecados dos outros, mas não pelos seus, pois Ele não os
tinha.
Entre todas as virtudes que Cristo
possuía e exercia perfeitamente, encontra-se a virtude da piedade. Mas
piedade em sentido próprio e não no sentido de devoção ou religiosidade,
nem de compaixão ou misericórdia. A virtude da piedade propriamente
dita é aquela que nos inclina a render aos pais, à pátria e a todos os
que se relacionam com eles a honra e o serviço que lhes são devidos. A
justiça nos diz que nos tornamos devedores daqueles que nos deram
benefícios. Somos devedores, em primeiro lugar, de Deus, em razão de sua
excelência e em razão de todos os bens inumeráveis que nos deu. Além
disso, é Ele que nos dá o ser e nos governa. Em segundo lugar, são os
pais que nos dão o ser e nos governam. E, finalmente, a pátria, em que
nascemos e que nos nutre. E por isso, depois de Deus, o homem é devedor
sobretudo dos pais e da pátria, nos diz São Tomás. A primeira dívida é
paga com a prática da virtude da religião, pela qual damos a Deus, em
união com Nosso Senhor e na medida das limitações de nossa natureza
humana, o que lhe é devido. A segunda dívida devida aos pais e à pátria é
paga com a prática da virtude da piedade.
Cristo possuía, assim, a virtude da
piedade de modo perfeito. Ele amava, então, imensamente a sua pátria e,
sobretudo, Jerusalém, o centro de sua pátria. Por isso Cristo chorou,
caros católicos. Como Jerusalém recusava o verdadeiro Messias, a
verdadeira religião e a salvação, Nosso Senhor chorou, vendo a ruína de
tantas e tantas almas que recusaram a sua misericórdia. Toda a
destruição material de Jerusalém, profetizada por Cristo e realizada no
ano 70, é nada diante da ruína espiritual causada pela cegueira
voluntária de Jerusalém. Quantas graças, quantos privilégios dados à
cidade santa. E com que ingratidão e infidelidade ela pagou. É o dever
dos filhos não só obedecer aos pais em tudo o que é lícito e mostrar o
devido respeito, mas também socorrê-los quando esses precisam de ajuda.
Nosso Senhor tentou socorrer Jerusalém de todas as formas: orações,
ensinamentos, ameaças, milagres, profecias, morte na Cruz. Mas Jerusalém
continuou cega e endureceu o seu coração.
Hoje, caros católicos, não há somente uma
Jerusalém no mundo, há várias. Quantas nações receberam graça sobre
graça, favor sobre favor de Cristo e agora respondem com ingratidão e
infidelidade, dizendo: Não queremos que Ele, Jesus Cristo, reine sobre
nós (regnare Christum nolumius). Já não queremos suas leis, nem sua
Revelação; Revelação, aliás, única verdadeira, pois confirmada por
tantos milagres e profecias verdadeiros. E vemos nesses países – que são
criaturas de Deus – o jugo doce e suave de Cristo lançado por terra e
calcado pelos homens. Consideremos, porém, somente a nossa pátria, que
tem se distanciado cada vez mais de Deus, da religião católica, com a
aprovação cada vez mais larga, embora sorrateira, do aborto (esse crime
que nunca se justifica), com a aprovação de uniões contrárias à
natureza, com o laicismo galopante.
Se somos católicos, buscando, então
imitar a Cristo, devemos também nós ter e praticar a virtude da piedade
para com nossa pátria, caros católicos, porque ela também é princípio de
nosso ser, de nossa educação e ela nos governa, fazendo tudo isso
enquanto proporciona aos pais – e por meio deles aos filhos – grande
quantidade de coisas necessárias e convenientes para o nosso ser.
Devemos praticar a virtude da piedade para com nossa pátria como o fez
Nosso Senhor Jesus Cristo, obedecendo a ela em tudo o que é bom e
socorrendo-a em suas dificuldades, sobretudo espirituais. Devemos, caros
católicos, praticar a virtude da piedade buscando que nossa pátria
reconheça a verdade e se submeta a ela e possa assim ajudar seus filhos
não só materialmente, mas também espiritualmente, mostrando a eles o
caminho, a verdade e a vida: Jesus Cristo. Para tanto, devemos rezar por
ela, fazer apostolado por ela, nos mortificar por ela. Com esses atos
ajudaremos nossa pátria sem cair no excesso de endeusá-la, com um
nacionalismo descabido, e sem cair no defeito de rejeitar nossa pátria e
dizer como os pagãos: minha pátria é onde me sinto bem. Não, caros
católicos! Temos verdadeiro dever de justiça para com a nossa pátria,
apesar de seus defeitos.
Mas Jerusalém, que Nosso Senhor Jesus
Cristo ama tanto, caros católicos, representa também, e evidentemente, a
alma de cada um de nós, agraciada por Deus com inúmeros benefícios, com
incontáveis graças e graças abundantes. Recebemos, sobretudo com o
batismo, todas as condições para receber Cristo em nossas almas. Nosso
Senhor ama, então, cada uma de nossas almas. O amor de Cristo por nós é
um amor puro e sobrenatural. É um amor que quer o bem dos homens. Mas
não qualquer bem como as riquezas, o reconhecimento, um prazer
instantâneo ou qualquer outro bem que se limite a esse mundo. O bem que
Nosso Senhor quer é o bem de nossa santificação, de nossa salvação
eterna. A tristeza de Nosso senhor vem, então, primeiramente, do fato de
muitos desprezarem seus mandamentos e não alcançarem, como
consequência, a vida eterna e terminarem perdendo eternamente as suas
almas, no inferno. A tristeza de Cristo é causada pelos pecados que
impedem a nossa salvação. Cristo chora porque muitas vezes preferimos um
instante de satisfação nesse mundo à alegria eterna no céu, ofendendo
gravemente as suas leis e crucificando-o novamente.
Assim, Nosso Senhor chora não só sobre
Jerusalém, mas sobre as almas. E ele chora sobre as almas quando elas
não o amam, quer dizer, quando não cumprem a sua lei. Ele se entristece
quando as almas preferem entregar-se ao pecado mortal em vez de se
entregarem a Ele. O pecado mortal, caros católicos, é a transgressão
voluntária da lei de Deus em matéria grave. É a negação de Deus como
supremo legislador, como soberano governador, como supremo juiz, como
supremo benfeitor, como nosso verdadeiro bem e felicidade suprema. O
pecado mortal é uma ofensa grave a Deus pela desobediência de suas leis,
leis que têm por objetivo o próprio bem do homem e de Deus. O pecado
mortal é a recusa total do amor de Deus por nós. O pecado mortal é o
inferno em potencial, um potencial que pode virar realidade e muitas
vezes vira realidade quando menos esperamos.
A cena histórica e real descrita hoje
pelo evangelista é o choro de Nosso Senhor diante de Jerusalém. Estamos
pouco antes de sua triunfante entrada nessa mesma cidade no Domingo de
Ramos. O povo Judeu vai aclamá-lo como o Filho de Davi, quer dizer, como
o Messias. Mas Nosso Senhor chora. Nosso Senhor chora porque, três dias
depois, esses mesmos que o aclamaram como o Messias vão pedir a sua
crucifixão, recusando a sua lei, a sua graça. Eles louvaram a Cristo com
a boca, mas o coração deles estava longe de Deus. Nosso Senhor chora,
então, particularmente pelos pecados de nós católicos que o louvamos com
a boca, mas que o crucificamos com as nossas obras pecaminosas.
São Paulo, em sua Epístola de hoje, cita
alguns dos pecados que mais entristecem a Nosso Senhor. E ele nos dá,
então, alguns exemplos que se aplicam de maneira muito especial a nós
católicos desses tempos atuais. Tempos em que o amor do homem até o
desprezo de Deus tem destruído as mais evidentes verdades católicas.
O primeiro pecado mencionado por São
Paulo é a idolatria. A idolatria que nos faz adorar um falso Deus no
lugar do verdadeiro. A idolatria de nossos dias é o relativismo, uma
espécie de religião acima das religiões. Ele tem como propósito igualar
todas as religiões: colocar em pé de igualdade a religião fundada por
Cristo – homem-Deus – e as religiões que são fruto da invenção humana ou
do pai da mentira. Ora, religiões que ensinam doutrinas contraditórias
não podem ser ambas verdadeiras. Uma só pode ser a verdadeira. Uma só é
a verdadeira religião, aquela anunciada pelos profetas e confirmada
pelos milagres de Cristo: a religião católica, como já dissemos.
O segundo pecado de que nos fala o Apóstolo é a impureza (ver a esse respeito o sermão sobre a luxúria):
quantos hoje, mesmo entre católicos levam uma vida completamente
desregrada nesse ponto. Mesmo entre o clero, infelizmente. Quantos
perdem o céu por causa de um ato que nos assemelha ao animais
irracionais. Quantos pecados cometidos contra a castidade. Muitos
cometidos sozinhos. Muitos não esperam o casamento. Aqueles que casam se
divorciam e se juntam, em adultério, com outra pessoa. Os casados
utilizam métodos anticoncepcionais e assim por diante. Ora, os bens do
matrimônio são três: (i) a fidelidade – contra o adultério – (ii) a
indissolubilidade – contra o divórcio e o recasamento – e (iii) os
filhos – contra a anticoncepção e mentalidade contraceptiva. E um dos
bens do sacerdócio é o celibato.
Esses pecados e todos os outros pecados, caros católicos, entristecem a alma de Nosso Senhor. Dominus flevit.
O Senhor chorou à vista de Jerusalém que ia cometer o deicídio. Nosso
Senhor chorou em previsão de todos os nossos pecados. Foram nossos
pecados que crucificaram a Cristo. E nosso crime é ainda maior que o dos
judeus, pois professamos e reconhecemos que Cristo é Homem e Deus e
veio para nos salvar. Dominus flevit. O Senhor chorou por causa
de nossas ofensas. O Senhor chorou porque nos amou profundamente,
porque buscou em tudo a nossa salvação, mas nós preferimos o pecado.
Quanta ingratidão!
É preciso, então, parar de ofender a
Cristo, praticando a religião. Sabemos que hoje, neste mundo que se opõe
cada vez mais à virtude, isso não é fácil. Mas Nosso Senhor não
prometeu a facilidade, caros católicos. Ele não veio trazer a paz, pelo
menos não como o mundo a compreende, mas Ele veio trazer a guerra. Ele
deu a cada um uma cruz e junto com essa cruz, Ele deu graças abundantes
para carregá-la e uma Mãe para nos ajudar, Nossa Senhora. São Paulo nos
diz: Deus não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas
forças. Assim, se o combate é difícil, porque o pecado em nossa
sociedade é abundante, a graça de Nosso Senhor é superabundante, seu
jugo é leve e suave. O Apóstolo afirma hoje, DEUS É FIEL: ele sempre nos
dá as graças necessárias. Resta saber se nós somos fiéis às promessas
de nosso batismo. Devemos mostrar nossa fidelidade pela submissão de
nossa inteligência às verdades reveladas por Deus e pela prática
incondicional da moral católica, evitando assim entristecer e ofender ao
Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não basta honrar Deus com
os lábios para depois crucificá-lo, como fizeram os Judeus na semana
santa. Se Deus é fiel, também nós devemos sê-lo.
Convertamo-nos, então. Tenhamos confiança
em Nosso Senhor Jesus Cristo: sem Ele nada podemos fazer. Busquemos a
confissão. E se cairmos de novo, levantemo-nos, com verdadeiro
arrependimento, e busquemos novamente a confissão. Tenhamos confiança: a
misericórdia de Deus é imensa. Alegremos a alma de Cristo, pedindo
perdão pelos nossos pecados, comungando com frequência, desagravando –
com boas obras – o Coração de Nosso Senhor, ferido por nossos pecados.
Alegremos o Coração de Nosso Senhor e o Imaculado Coração de Maria pela
prática da virtude, pela prática sincera e íntegra da religião
católica. Ele nos ajudará com suas graças. Alegrando o coração de Cristo
também o nosso coração se alegrará profundamente. Como nos diz o
Salmista (118,1): “Felizes aqueles cuja vida é pura e seguem a lei do Senhor”. Felizes porque a lei do Senhor é para nosso bem e para a maior glória dEle.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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