28 de julho de 2013

Sermão 9º Domingo depois de Pentecostes - Padre Daniel Pinheiro - IBP


[Sermão] “O Senhor chorou”. Ou: A virtude da Piedade em Cristo e em nós, e os pecados que mais ofendem a Deus.


Sermão para o Nono Domingo depois de Pentecostes
21 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
***
Rezemos para que a presença do Papa no Brasil possa trazer bons frutos.
 “Videns civitatem, Jerusalem, Dominus flevit.” Vendo a cidade – Jerusalém – o Senhor chorou.
O Evangelho deste Domingo nos fala das lágrimas de Nosso Senhor Jesus Cristo. As lágrimas são, antes de tudo, um sinal de tristeza. Mas, devemos nos perguntar, como aquele que é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus pôde chorar, uma vez que ele tinha a visão beatífica em sua alma? Pois Cristo desde o momento de sua encarnação via Deus face a face, e essa visão impede todo sofrimento. Como pôde, então, aquele que via Deus face a face entristecer-se? Precisamos lembrar que Cristo veio ao mundo para satisfazer por nossos pecados e que satisfez por nossos inúmeros pecados aceitando os sofrimentos – até à morte e morte de cruz – com uma caridade infinita, a fim de nos salvar.  Dessa forma, ele tinha a visão beatífica, Ele via perfeitamente a Deus, como os santos no céu e muito mais perfeitamente que os santos no céu, mas a impassibilidade, quer dizer, a ausência de sofrimento e a imortalidade que decorrem dessa visão face a face de Deus, não se encontravam em Jesus Cristo enquanto ele viveu nessa terra, antes de sua ressurreição. E isso voluntariamente. Cristo via Deus face a face, mas sofreu e quis sofrer para satisfazer perfeitamente por nossos pecados.
Sabendo que Cristo podia chorar, devemos nos interrogar sobre o porquê dessa tristeza profunda de Nosso Senhor no episódio relatado pelo Evangelho. O choro vem da tristeza e a tristeza nos atinge quando vemos algum bem que amamos ameaçado, atacado, destruído. Assim, por exemplo, os parentes choram a perda de um ente querido, manifestando com isso o amor que tinham para com ele. Para compreender, então, porque Nosso Senhor Jesus Cristo chora no Evangelho de hoje, devemos compreender o que ele ama. Ora, Cristo é o abismo de todas as virtudes, isto é, Ele possui e exerce o mais perfeitamente possível todas as virtudes, ou quase todas, pois há virtudes que Cristo não possuía, porque há virtudes que supõem um defeito precedente, como a virtude da penitência supõe um pecado pessoal anterior. E essas virtudes que supõem um defeito anterior, Cristo evidentemente não as possuía, pois Ele é o cordeiro imaculado. Ele sofria com caridade infinita pelos pecados dos outros, mas não pelos seus, pois Ele não os tinha.
Entre todas as virtudes que Cristo possuía e exercia perfeitamente, encontra-se a virtude da piedade. Mas piedade em sentido próprio e não no sentido de devoção ou religiosidade, nem de compaixão ou misericórdia. A virtude da piedade propriamente dita é aquela que nos inclina a render aos pais, à pátria e a todos os que se relacionam com eles a honra e o serviço que lhes são devidos. A justiça nos diz que nos tornamos devedores daqueles que nos deram benefícios. Somos devedores, em primeiro lugar, de Deus, em razão de sua excelência e em razão de todos os bens inumeráveis que nos deu. Além disso, é Ele que nos dá o ser e nos governa. Em segundo lugar, são os pais que nos dão o ser e nos governam. E, finalmente, a pátria, em que nascemos e que nos nutre. E por isso, depois de Deus, o homem é devedor sobretudo dos pais e da pátria, nos diz São Tomás. A primeira dívida é paga com a prática da virtude da religião, pela qual damos a Deus, em união com Nosso Senhor e na medida das limitações de nossa natureza humana, o que lhe é devido. A segunda dívida devida aos pais e à pátria é paga com a prática da virtude da piedade.
Cristo possuía, assim, a virtude da piedade de modo perfeito. Ele amava, então, imensamente a sua pátria e, sobretudo, Jerusalém, o centro de sua pátria. Por isso Cristo chorou, caros católicos. Como Jerusalém recusava o verdadeiro Messias, a verdadeira religião e a salvação, Nosso Senhor chorou, vendo a ruína de tantas e tantas almas que recusaram a sua misericórdia. Toda a destruição material de Jerusalém, profetizada por Cristo e realizada no ano 70, é nada diante da ruína espiritual causada pela cegueira voluntária de Jerusalém. Quantas graças, quantos privilégios dados à cidade santa. E com que ingratidão e infidelidade ela pagou. É o dever dos filhos não só obedecer aos pais em tudo o que é lícito e mostrar o devido respeito, mas também socorrê-los quando esses precisam de ajuda. Nosso Senhor tentou socorrer Jerusalém de todas as formas: orações, ensinamentos, ameaças, milagres, profecias, morte na Cruz. Mas Jerusalém continuou cega e endureceu o seu coração.
Hoje, caros católicos, não há somente uma Jerusalém no mundo, há várias. Quantas nações receberam graça sobre graça, favor sobre favor de Cristo e agora respondem com ingratidão e infidelidade, dizendo: Não queremos que Ele, Jesus Cristo, reine sobre nós (regnare Christum nolumius). Já não queremos suas leis, nem sua Revelação; Revelação, aliás, única verdadeira, pois confirmada por tantos milagres e profecias verdadeiros. E vemos nesses países – que são criaturas de Deus – o jugo doce e suave de Cristo lançado por terra e calcado pelos homens. Consideremos, porém, somente a nossa pátria, que tem se distanciado cada vez mais de Deus, da religião católica, com a aprovação cada vez mais larga, embora sorrateira, do aborto (esse crime que nunca se justifica), com a aprovação de uniões contrárias à natureza, com o laicismo galopante.
Se somos católicos, buscando, então imitar a Cristo, devemos também nós ter e praticar a virtude da piedade para com nossa pátria, caros católicos, porque ela também é princípio de nosso ser, de nossa educação e ela nos governa, fazendo tudo isso enquanto proporciona aos pais – e por meio deles aos filhos – grande quantidade de coisas necessárias e convenientes para o nosso ser. Devemos praticar a virtude da piedade para com nossa pátria como o fez Nosso Senhor Jesus Cristo, obedecendo a ela em tudo o que é bom e socorrendo-a em suas dificuldades, sobretudo espirituais. Devemos, caros católicos, praticar a virtude da piedade buscando que nossa pátria reconheça a verdade e se submeta a ela e possa assim ajudar seus filhos não só materialmente, mas também espiritualmente, mostrando a eles o caminho, a verdade e a vida: Jesus Cristo. Para tanto, devemos rezar por ela, fazer apostolado por ela, nos mortificar por ela. Com esses atos ajudaremos nossa pátria sem cair no excesso de endeusá-la, com um nacionalismo descabido, e sem cair no defeito de rejeitar nossa pátria e dizer como os pagãos: minha pátria é onde me sinto bem. Não, caros católicos! Temos verdadeiro dever de justiça para com a nossa pátria, apesar de seus defeitos.
Mas Jerusalém, que Nosso Senhor Jesus Cristo ama tanto, caros católicos, representa também, e evidentemente, a alma de cada um de nós, agraciada por Deus com inúmeros benefícios, com incontáveis graças e graças abundantes. Recebemos, sobretudo com o batismo, todas as condições para receber Cristo em nossas almas. Nosso Senhor ama, então, cada uma de nossas almas. O amor de Cristo por nós é um amor puro e sobrenatural. É um amor que quer o bem dos homens. Mas não qualquer bem como as riquezas, o reconhecimento, um prazer instantâneo ou qualquer outro bem que se limite a esse mundo. O bem que Nosso Senhor quer é o bem de nossa santificação, de nossa salvação eterna. A tristeza de Nosso senhor vem, então, primeiramente, do fato de muitos desprezarem seus mandamentos e não alcançarem, como consequência, a vida eterna e terminarem perdendo eternamente as suas almas, no inferno. A tristeza de Cristo é causada pelos pecados que impedem a nossa salvação. Cristo chora porque muitas vezes preferimos um instante de satisfação nesse mundo à alegria eterna no céu, ofendendo gravemente as suas leis e crucificando-o novamente.
Assim, Nosso Senhor chora não só sobre Jerusalém, mas sobre as almas. E ele chora sobre as almas quando elas não o amam, quer dizer, quando não cumprem a sua lei. Ele se entristece quando as almas preferem entregar-se ao pecado mortal em vez de se entregarem a Ele.  O pecado mortal, caros católicos, é a transgressão voluntária da lei de Deus em matéria grave. É a negação de Deus como supremo legislador, como soberano governador, como supremo juiz, como supremo benfeitor, como nosso verdadeiro bem e felicidade suprema. O pecado mortal é uma ofensa grave a Deus pela desobediência de suas leis, leis que têm por objetivo o próprio bem do homem e de Deus. O pecado mortal é a recusa total do amor de Deus por nós. O pecado mortal é o inferno em potencial, um potencial que pode virar realidade e muitas vezes vira realidade quando menos esperamos.
A cena histórica e real descrita hoje pelo evangelista é o choro de Nosso Senhor diante de Jerusalém. Estamos pouco antes de sua triunfante entrada nessa mesma cidade no Domingo de Ramos. O povo Judeu vai aclamá-lo como o Filho de Davi, quer dizer, como o Messias. Mas Nosso Senhor chora. Nosso Senhor chora porque, três dias depois, esses mesmos que o aclamaram como o Messias vão pedir a sua crucifixão, recusando a sua lei, a sua graça. Eles louvaram a Cristo com a boca, mas o coração deles estava longe de Deus. Nosso Senhor chora, então, particularmente pelos pecados de nós católicos que o louvamos com a boca, mas que o crucificamos com as nossas obras pecaminosas.
São Paulo, em sua Epístola de hoje, cita alguns dos pecados que mais entristecem a Nosso Senhor. E ele nos dá, então, alguns exemplos que se aplicam de maneira muito especial a nós católicos desses tempos atuais. Tempos em que o amor do homem até o desprezo de Deus tem destruído as mais evidentes verdades católicas.
O primeiro pecado mencionado por São Paulo é a idolatria. A idolatria que nos faz adorar um falso Deus no lugar do verdadeiro. A idolatria de nossos dias é o relativismo, uma espécie de religião acima das religiões. Ele tem como propósito igualar todas as religiões: colocar em pé de igualdade a religião fundada por Cristo – homem-Deus – e as religiões que são fruto da invenção humana ou do pai da mentira.  Ora, religiões que ensinam doutrinas contraditórias não podem ser ambas verdadeiras. Uma só pode ser a verdadeira. Uma só é a verdadeira religião, aquela anunciada pelos profetas e confirmada pelos milagres de Cristo: a religião católica, como já dissemos.
O segundo pecado de que nos fala o Apóstolo é a impureza (ver a esse respeito o sermão sobre a luxúria): quantos hoje, mesmo entre católicos levam uma vida completamente desregrada nesse ponto. Mesmo entre o clero, infelizmente. Quantos perdem o céu por causa de um ato que nos assemelha ao animais irracionais. Quantos pecados cometidos contra a castidade. Muitos cometidos sozinhos. Muitos não esperam o casamento. Aqueles que casam se divorciam e se juntam, em adultério, com outra pessoa. Os casados utilizam métodos anticoncepcionais e assim por diante. Ora, os bens do matrimônio são três: (i) a fidelidade – contra o adultério – (ii) a indissolubilidade – contra o divórcio e o recasamento – e (iii) os filhos – contra a anticoncepção e mentalidade contraceptiva. E um dos bens do sacerdócio é o celibato.
Esses pecados e todos os outros pecados, caros católicos, entristecem a alma de Nosso Senhor. Dominus flevit. O Senhor chorou à vista de Jerusalém que ia cometer o deicídio. Nosso Senhor chorou em previsão de todos os nossos pecados. Foram nossos pecados que crucificaram a Cristo. E nosso crime é ainda maior que o dos judeus, pois professamos e reconhecemos que Cristo é Homem e Deus e veio para nos salvar. Dominus flevit. O Senhor chorou por causa de nossas ofensas. O Senhor chorou porque nos amou profundamente, porque buscou em tudo a nossa salvação, mas nós preferimos o pecado. Quanta ingratidão!
É preciso, então, parar de ofender a Cristo, praticando a religião. Sabemos que hoje, neste mundo que se opõe cada vez mais à virtude, isso não é fácil. Mas Nosso Senhor não prometeu a facilidade, caros católicos. Ele não veio trazer a paz, pelo menos não como o mundo a compreende, mas Ele veio trazer a guerra. Ele deu a cada um uma cruz e junto com essa cruz, Ele deu graças abundantes para carregá-la e uma Mãe para nos ajudar, Nossa Senhora. São Paulo nos diz: Deus não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças. Assim, se o combate é difícil, porque o pecado em nossa sociedade é abundante, a graça de Nosso Senhor é superabundante, seu jugo é leve e suave. O Apóstolo afirma hoje, DEUS É FIEL: ele sempre nos dá as graças necessárias. Resta saber se nós somos fiéis às promessas de nosso batismo. Devemos mostrar nossa fidelidade pela submissão de nossa inteligência às verdades reveladas por Deus e pela prática incondicional da moral católica, evitando assim entristecer e ofender ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não basta honrar Deus com os lábios para depois crucificá-lo, como fizeram os Judeus na semana santa. Se Deus é fiel, também nós devemos sê-lo.
Convertamo-nos, então. Tenhamos confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo: sem Ele nada podemos fazer. Busquemos a confissão. E se cairmos de novo, levantemo-nos, com verdadeiro arrependimento, e busquemos novamente a confissão. Tenhamos confiança: a misericórdia de Deus é imensa. Alegremos a alma de Cristo, pedindo perdão pelos nossos pecados, comungando com frequência, desagravando – com boas obras – o Coração de Nosso Senhor, ferido por nossos pecados.  Alegremos o Coração de Nosso Senhor e o Imaculado Coração de Maria pela prática da virtude, pela prática sincera e íntegra da religião católica. Ele nos ajudará com suas graças. Alegrando o coração de Cristo também o nosso coração se alegrará profundamente. Como nos diz o Salmista (118,1): “Felizes aqueles cuja vida é pura e seguem a lei do Senhor”. Felizes porque a lei do Senhor é para nosso bem e para a maior glória dEle.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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