21 de julho de 2013

NONO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES

O depósito da Igreja

O Evangelho nos representa Jesus chorando sobre a cidade de Jerusalém.

Qual é a razão destas lágrimas?

O olhar profético do Salvador entreviu num futuro próximo os tremendos castigos que iam assolar e arrasar a cidade ingrata, porque não soube conservar o depósito das verdades divinas que Deus lhe havia confiado desde o começo dos tempos.

Jerusalém era o centro da religião verdadeira no antigo Testamento, como Roma é desde S. Pedro, o centro da verdade no novo Testamento.

A religião é um depósito sagrado que Deus entrega à autoridade Espiritual por Ele constituída no meio dos homens. Esta autoridade era a Sinagoga antes de Cristo; e depois dele é a Igreja construída por Ele sobre S. Pedro: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.

A Sinagoga não soube conservar este divino depósito: A Igreja Católica o guarda com escrupulosa fidelidade.

Contemplemos hoje dois aspectos deste divino depósito, examinando:

1. A existência deste depósito;
2. A sua natureza.

Estas duas considerações vão mostrar-nos um novo aspecto da Igreja Católica e fornecer-nos uma nova prova de ser Ela a única Igreja verdadeira fundada por Jesus Cristo.

I. A existência deste depósito

Será bem certo que existe tal depósito das verdades divinas, confiado à Igreja?

Sim, absolutamente certo.

S. Paulo, numa destas frases decisivas das quais possui o segredo, diz: Deus tendo falada outrora muitas vezes a nossos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos por meio de seu Filho. (Hebr. I. 1-2)

A palavra divina, comunicando aos homens, o que devem crer e fazer, forma este depósito, em outros termos é a revelação.

Esta revelação não se completou, de repente, em uma vez, mas foi-se aperfeiçoando completando-se sucessivamente, gradualmente, de muitos modos e muitas vezes.

Bastaria este texto bem interpretado para fazer ruir a pretensão protestante da inspiração individual.

A inspiração divina pode ser individual enquanto é feita à uma pessoa; mas ela é universal, enquanto deve ser transmitida à humanidade inteira.

Ora, se todos os homens são inspirados igualmente, a quem hão de transmitir os ensinos recebidos do alto?

Se Pedro e Paulo são igualmente inspirados, porque Pedro ensinara a Paulo e porque Paulo devia escutar a Pedro? Todo ensino supõe uma pessoa que saiba o que outra ignora.

Se todos os homens são inspirados, porque Deus chamou Moisés no Sinai e lhe transmitiu a sua lei, escrita em duas pedras?

Porque os discursos, as Beatitudes de Jesus Cristo, as exortações dos Apóstolos, os próprios Evangelhos?

Tudo isso é inútil, desde que se admite que todos nós somos inspirados por Deus.

É uma das asserções mais ridículas do protestantismo.

Desde que Deus revela a verdade a uns homens determinados, é uma prova de que os outros ignoram o que Ele lhes manda ensinar.

Ora, é certo que Deus tem-se servido de nós homens para comunicar a sua doutrina ao mundo.

És tu, Senhor, diz Isaías (XVII. 21) que falaste por minha boca, eu o teu servo.

O Espírito do Eterno falou por mim, diz Davi, e a sua palavra estava sobre a minha língua. (II Reg. XXIII. 2)

É sob a inspiração do Espírito Santo que os Santos de Deus falaram, ajunta S. Pedro. (2 Pet. I. 21)

Existe, pois, realmente o depósito divino constando da palavra de Deus revelada a certos homens, no Antigo Testamento, desde Moisés até Jesus Cristo.

Depois Jesus Cristo falou, ensinou e mandou os seus Apóstolos continuarem este ensino.

O Apocalipse, o livro do futuro, fechou para sempre a época da inspiração que Moisés abriu pelo Gênesis e que S. João fechou em Patmos.

Deus disse tudo, não tudo o que sabe, mas tudo o que o homem devia saber.

Não falará mais!

A fonte da verdade está selada.

E este depósito selado da sua doutrina, Jesus Cristo o entregou à sua Igreja, para guardá-lo, defendê-lo, explicá-lo, aplicá-lo, conforme as necessidades das almas.

II. A natureza deste depósito

É pois certo que o depósito das verdades ensinadas por Deus existe; procuremos agora examinar a natureza deste depósito: será uma nova prova da divindade da Igreja Católica e um novo argumento contra os absurdos protestantes.

A primeira entrada no depósito foi feita por Deus no paraíso, oralmente, para ser transmitida de pai a filho.

A primeira entrada escrita foi feita por Deus a Moisés 2500 anos após a criação do mundo.

Deste modo, vemos que a Bíblia começou pela tradição, e depois tornou-se escrita.

Temos, pois, diante de nós duas fontes da palavra de Deus: a tradição, ou palavra falada, e a Bíblia, ou tradição escrita.

Moisés, tendo nascido 1500 anos antes de Jesus Cristo e tendo havido uns 4000 anos, desde a criação até Jesus Cristo, devemos concluir que a primitiva Igreja existiu 2500 anos antes de ter a palavra divina escrita, existindo apenas a tradição.

Como podem os protestantes negar a tradição?

Se não houvesse tradição, não poderia haver Bíblia.

Deus falou a Adão, a Noé, aos patriarcas antediluvianos, a Abrahão e a um certo número de justos que precederam Moisés, e estas palavras transmitidas pela tradição foram escritas parcialmente por Moisés, constituindo a Bíblia, enquanto outra parte, não escrita continuou a ser tradição, sendo pouco a pouco recolhida por outros escritores não inspirados.

Depois que foi inventada a arte de escrever, serviram-se dela os profetas, por ser uma forma, mais estável, porém menos viva, da tradição.

Assim fizeram os Apóstolos, sem abandonar, entretanto, o ensino oral, ou tradição.

Eles escreveram pouco e não teriam podido escrever tudo.

Durante os três anos que estiveram na convivência de Jesus Cristo, escutando-o, observando-o, viram aparições celestes e ouviram vozes do alto como viram mortos ressuscitados e ouviram surdos falarem.

Como e quando podiam eles contar tantas e tamanhas maravilhas?

É o que fazia dizer a S. João: Se se escrevesse uma por uma todas as coisas que fez Jesus, nem no mundo caberia os livros que seria preciso escrever. (Joan. XXI. 25)

Jesus manda os seus Apóstolos pregarem a verdade, mas não os manda escrever, nem espalhar Bíblias. (Math. XXVIII. 19)

E os Apóstolos pregaram muito: escreveram pouco, e só impelidos por necessidades particulares: o resto do Evangelho, a grande parte da sua doutrina ficou conservada oralmente, pela tradição.

Eis porque eles recomendam manter sempre as tradições recebidas oralmente. Permanecei constantes, irmãos, diz S. Paulo, e conservai as tradições que aprendestes, ou por nossas palavras ou por nossas cartas. (2 Thes. II. 14)

Eis a dupla fonte da Verdade divina claramente indicada pelo Apóstolo: as palavras e as cartas, em outros termos: a tradição oral e a tradição escrita.

Estas duas formas unem-se tão estreitamente que se pode dizer que não existe um único ponto na tradição oral, que não seja pelo menos, indicado implicitamente na Escritura; como não há na Escritura um dogma, um artigo de fé, que não tenha as suas raízes mergulhadas na tradição, são como dois alto-falantes, repetindo a mesma voz de Deus.

III. Conclusão

Eis a natureza do depósito divino, confiado por Deus a sua Igreja.

A Igreja é anterior à Sagrada Escritura, como o depositário de um objeto é anterior a deposição deste objeto.

Deus criou primeiro a sua Igreja e entregou-lhe depois a verdade a conservar.

Havia tempo que S. Paulo pregava aos fiéis de Corinto, de Atenas, de Éfeso e de Roma, quando apareceu o Evangelho de seu discípulo Lucas; e ele mesmo, nada ainda tinha escrito.

Havia perto de 70 anos que a Igreja existia quando S. João fechou a época da inspiração, pelo Apocalipse.

A Igreja, pois, não está fundada sobre tradição, nem sobre as Escrituras, mas sobre o próprio Jesus Cristo, tendo Ele mesmo escolhido a pedra fundamental desta Igreja: S. Pedro.

Não é, pois o depósito da verdade que sustenta a Igreja: é a Igreja que sustenta o depósito divino.

É o que ditou Santo Agostinho nesta frase certa que tanto escandaliza os protestantes: “Eu não acreditaria no Evangelho se a Igreja não me dissesse de acreditar.”

É lógico... pois é a depositaria da verdade que deve indicar-nos esta verdade.

Acreditamos com plena certeza nas verdades divinas porque temos a certeza de que Pedro nos apresenta a verdade imutável de Jesus Cristo: Pedro, roguei por ti para que a tua fé não faleça. (Luc. XXII. 32) As portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. (Math. XVI. 18)

Existe um depósito divino: é certo. Tal depósito é composto das palavras de Deus e dos Apóstolos, transmitidas pela tradição oral e parcialmente escritas por inspiração divina: é certo também.

Tal depósito foi confiado à Igreja, para que o comunicasse ao mundo: Ide no mundo inteiro... ensinando lhes a observar todas as coisas que vos mandei. (Math. XXVIII. 20)

Estas verdades fundamentais e irrefutáveis fazem ruir por completo todo o edifício protestante, que quer que a Igreja dependa da Bíblia e não a Bíblia da Igreja, como ensinam os Católicos, e adotando a Bíblia como única regra de fé.

É como se alguém dissesse que um livro existe antes de seu escritor... e que é o livro que produziu o escritor.

Amemos a Sagrada Escritura como sendo a palavra escrita de Deus, mas não rejeitemos esta outra palavra oral que também é a palavra divina, porque ambas nos são apresentadas como tais pela Igreja, depositária autorizada da verdade: Quem vos escuta, escuta a mim. (Luc. X. 16)

EXEMPLO

A palavra de Deus

A Igreja conserva a palavra de Deus: é a sua grande missão.

A humanidade é móvel, volúvel: ela destrói hoje o que ontem adorava, e se não vai até destruir, ela o deixa cair das mãos, desiludida. Além do mais, ela tem horror a tudo o que a incomoda.

Toda verdade prática, um dia ou outro, é negada, conspuída, e nenhuma verdade se defende a si mesma. Havia, pois, necessidade de uma atalaia invencível, proposta à conservação da verdade revelada; havia necessidade de uma autoridade vigilante, incorruptível, assistida pelo Alto, que conservasse fielmente até o fim a palavra de Deus e não permitisse a ninguém alterar esta verdade; esta autoridade é a IGREJA

Deus lhe disse: Eu te dou a minha palavra; guarda-a bem, guarda-a toda inteira. Ninguém nela ajunte, nem suprima, nem mude uma palavra, mesmo se um anjo do céu o pedisse. Guarda o depósito intacto: Depositum custodi.

Um dia, durante as lutas da revolução, Kleber quis salvar o seu exército cercado por forças superiores e disse a um chefe de batalhão que estimava: Vá para o desfiladeiro lá na extremidade desta planície; tu farás parar o inimigo durante duas horas... tu te farás matar, mas tu salvarás o exército!

- Sim, meu general, respondeu o valente comandante; e marchou para o desfiladeiro, fez-se matar ali... mas salvou o exército!

Eis a Igreja!

Ela guarda a palavra de Deus e sempre imortal, ela morre incessantemente para salvar o depósito divino. Ela se faz matar antes que sacrificar uma vírgula da verdade que lhe foi confiada!

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(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 296 – 304)

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