Imitação de Cristo - Tomás de Kempis
PREFÁCIO
"Da Imitação de Cristo já se tem dito tudo quanto é possível dizer" - assim inicia o Conde de Afonso Celso o prefácio à sua maviosa tradução. E tem razão o ilustre escritor. Seis séculos porfiaram em tecer-lhe elogios, mostrar-lhe as sublimidades, encarecer-lhe o subido valor, denominando-a uns o quinto livro dos Evangelhos, chamando-lhe outros o melhor tratado de moral cristã, considerando-a todos o mais perfeito compêndio da vida espiritual; "Depois da Bíblia, - diz o Arcebispo mártir Darboy - que vem de Deus, é a Imitação de Cristo de todos os livros o mais admirável e popular; nenhum granjeou em tão alto grau e estimação dos homens, nenhum parece tão adaptado a todos os leitores". Nenhum outro livro, saído de mãos humanas, excede-a na linguagem persuasiva e na doce violência com que arrasta os corações, e milhares de almas já sentiram os maravilhosos efeitos de sua leitura.
Quem terá sido o autor de obra tão maravilhosa?
Responde o Revmo. Pe. Fleury na recente edição do manuscrito autógrafo (1919): "Não há quase nenhum dos escritores eruditos do nosso tempo que hesite em reconhecer como autor deste livro celebérrimo o Padre Tomás de Kempis, cônego regular de Santo Agostinho, no Mosteiro de Santa Ana, perto de Zwolle, na Holanda". E cita, entre outros, J.B. Malou (1858); Aug. de Backer (1864); H. Kirche (1873); Vitor Becker (1882); F.R. Cruise (1887); I. Brucker (1889); I. Pohl (1904), etc.
Quais são, entretanto, as razões históricas em que se baseia o Padre Fleury?
Eis algumas: Dos setenta e seis manuscritos que se conservam da Imitação, não menos de sessenta trazem o nome do Cônego Tomás, entre os quais o célebre autógrafo chamado Kempense, escrito em 1441 e guardado hoje na Biblioteca Real de Bruxelas, que, além dos quatro livros da Imitação, contém vários outros tratados ascéticos do mesmo autor. Acresce que muitos contemporâneos de Tomás, de todo insuspeitos, como João Busch, cronista da Ordem, falecido em 1479, e H. Ryd, um dos membros mais conspícuos da mesma Congregação, não conhecem outro autor senão Tomás de kempis. Finalmente, todas as edições da Imitação, impressas antes de 1500, isto é, as de 1471, 1472, 1488, 1489, 1490 e 1494 trazem o nome do mesmo autor. Já não se pode, pois, duvidar de sua autenticidade.
Quem era Tomás de Kempis? - A história nos transmitiu seus principais dados biográficos. Nasceu ele no ano de 1380, em Kempen, pequeno povoado da diocese de Köln, e seguiu, em 1391, o exemplo de seu irmão João, tomando o hábito dos regulares de Santo Agostinho, no Mosteiro de Santa Ana. Ordenado sacerdote em 1412, ocupou durante toda a sua longa vida o cargo importante de mestre de noviços. Faleceu em 1471, na idade avançada de 91 anos, legando à posteridade, além dos quatro livros da Imitação de Cristo, muitas obras ascéticas, entre as quais se destacam as seguintes: Soliloquim animae, Orationes et meditationes de Vita Christi, Vita Gerardi Magni, Chronica Montis S. Agnetis, etc.
Quanto à presente edição portuguesa, julgamos escusado encarecer-lhe a oportunidade. Nunca será supérflua a reprodução de uma obra que durante tantos séculos tem derramado, por toda parte, inefáveis consolações. Seguimos o texto latino do manuscrito autógrafo de 1441, editado novamente pelo Revmo. Pe. Fleury ai, e aproveitamos as edições já existentes em português, principalmente a do Monsenhor Manuel Marinho, as duas e edições anônimas do Recife e do Rio de Janeiro (Colégio da Imaculada Conceição) e a edição de Garnier (1910). Na presente tradução procuramos reproduzir, em linguagem concisa, simples e intelegível a todos, evitando todo e qualquer aparato supérfluo de palavras rebuscadas, expressões arcaicas e locuções eruditas, que a tornariam inacessível à maioria dos leitores, além de contrastarem desagradavelmente com a simplicidade encantadora do original. Se conseguimos realizar este nosso desejo, julguem-no os entendidos.
O nosso principal intuito, ao prepararmos a presente tradução, foi a glória de Deus e a santificação das almas.
Oxalá possa contribuir para tão sublime e elevado fim!
Petrópolis, na festa de São Francisco Solano, 24 de julho de 1920.
O TRADUTOR
CONSELHOS DO CARDEAL HENRICO HENRIQUES AOS LEITORES DA IMITAÇÃO DE CRISTO
1. Marca uma hora certa cada dia, para essa leitura, e observa-a inviolavelmente, enquanto for possível.
2. Antes da leitura, prepara a tua alma, principalmente pela pura intenção de só procurar teu aproveitamento; levanta teu espírito a Deus e pede-lhe luzes para teu entendimento. Como fórmula para esta preparação, poder-te-á servir o cap. II do livro III.
3. Lê, não apressada. mas atentamente, e com alguma pausa entre os versículos. Seria útil reler a miúdo os trechos que mais te impressionarem.
4. Durante a leitura, procurar formar afetos devotos, conforme o assunto.
5. Encerra a leitura com breve aspiração a Deus, pedindo-lhe que conserve e fecunde a semente lançada em tua alma, para que produza fruto centuplicado,
LIVRO PRIMEIRO
AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL
CAPÍTULO 1
Da imitação de Cristo e desprezo de todas as vaidades do mundo
1. Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.
2. A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.
3. Que te aproveita discutires sabiamente sobre a SS. Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus.
4. Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que, depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade, só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade, amar o que passa tão rapidamente, e não buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.
5. Lembra-te a miúdo do provérbio: Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir (Ecle 1,8). Portanto, procura desapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites sensuais mancham a consciência e perdem a graça de Deus.
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