Sermão para o Oitavo Domingo depois de Pentecostes
14 de julho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro
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[Breve Introdução à Missa Solene]
Estamos hoje no 8º Domingo depois de
Pentecostes. É uma grande graça poder celebrar uma Missa Solene, é uma
grande graça para vocês poder assistir a uma Missa Solene, assistir e se
unir àquilo que há de mais belo deste lado do céu. Se uma Missa Rezada
ou uma Missa cantada já é bela, quanto mais bela é uma Missa Solene, com
todos os seus ritos. São Tomás diz que os ritos servem para mostrar a
importância do que se está realizando no sacramento, bem como para
instruir os fiéis. Podemos dizer que os ritos são também sacramentais.
Pela solenidade da Missa de hoje, pela doutrina católica que ela exprime
de maneira sublime (por exemplo, peço que vocês reparem como ela
exprime a hierarquia da Igreja, tal como instituída por Nosso Senhor
Jesus Cristo), pela excelência dos ritos, podemos nos preparar de
maneira excelente para receber com grande abundância os frutos da Missa,
sobretudo o perdão de nossos pecados. Aproveitemos, caros católicos,
para assistir bem a essa Santa Missa e nos unir ao sacrifício de Cristo
oferecendo-nos a nós mesmos junto com Ele. Não sabemos quando teremos
novamente essa graça.
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[Sermão]
O Santo Evangelho de hoje, caros
católicos, nos traz algumas dificuldades, diante das quais muitas
pessoas tiram conclusões erradas ou precipitadas. Como pode o senhor
elogiar o feitor, o administrador iníquo? Antes de falarmos desse elogio
e da prudência, é preciso lembrar que ninguém pode interpretar a
Sagrada Escritura segundo suas próprias ideias e gostos, ninguém pode ir
contra o sentido e a interpretação que a Igreja sempre deu e dá, pois
compete à Santa Madre Igreja julgar e interpretar as Sagradas
Escrituras. São Francisco de Sales diz que se trata de uma profanação
feita às Sagradas Escrituras o fato de pretender que o entendimento das
Escrituras é demasiado fácil. Assim, a leitura das Sagradas Escrituras
não deve ser feita indistintamente por todos. São Pedro diz, por
exemplo, que há, nas cartas de São Paulo, “algumas coisas difíceis de
entender, que os indoutos e inconstantes na fé adulteram (como fazem
também com outras partes das Escrituras) para sua própria perdição” (2Pe
III, 16). Portanto, na Sagrada Escritura há passagens difíceis, que
podem levar as almas à perdição em virtude de uma falsa interpretação. É
preciso sempre ler as Sagradas Escrituras com o Magistério da Igreja ao
lado, pois foi à Igreja que Deus revelou toda à verdade, e cabe à
Igreja dar o sentido verdadeiro da Palavra de Deus contida nas Sagradas
Escrituras.
Venhamos à parábola. O feitor iníquo é o
homem pecador, o homem que administrou mal os bens que lhe foram dados
por Deus. Deus nos deu vários bens para administrarmos: a inteligência, a
vontade, os sentimentos, os bens materiais. O administrador iníquo é,
portanto, o homem que usa mal sua inteligência, aderindo ao erro, é o
homem que usa mal sua vontade, dirigindo-a ao que é contrário à vontade
de Deus. É o homem que não ordena seus sentimentos e paixões pela razão
iluminada pela fé. Trata-se do homem que usa mal seu corpo, por exemplo,
pelos pecados de impureza, pecados que fazem dele como um animal
irracional. Trata-se do homem que usa mal os bens materiais que possui. O
homem pecador é um administrador infiel dos bens que lhe foram dados
por Deus, pois o pecador usa os bens dados por Deus não para a maior
glória da Santíssima Trindade, para a salvação da própria alma e para a
salvação do próximo, mas ele os utiliza para satisfazer seus próprios
desejos, contrários ao desejo perfeito do seu senhor, que é Deus.
Diante dessa má administração, nada mais
justo do que sofrer a consequência: cavar, mendigar, quer dizer, sofrer,
fazer penitência, deixar o pecado e praticar a virtude esforçando-se
para isso e pedindo isso para Deus. Todavia, o administrador iníquo, sem
arrependimento do mal que cometeu, escapa dessa justa consequência com
uma grande habilidade, uma habilidade que implica mais um pecado grave,
mas que é uma grande habilidade. Diante disso, o senhor louva não a ação
pecaminosa propriamente dita de reduzir injustamente a dívida dos
devedores, mas a habilidade, a prudência do feitor.
A prudência consiste justamente em
ordenar os meios para alcançar um determinado fim. A prudência não é ter
medo, como muitos pensam. A prudência consiste em escolher os meios
mais adequados para se chegar a um determinado objetivo. Agora, a
prudência será uma boa prudência se ela escolhe meios lícitos para
alcançar um objetivo lícito. A boa prudência é aquela que, em última
instância, determina os melhores meios para que alcancemos a vida
eterna. A boa prudência é aquela que dita o que se deve fazer em
determinado momento para cumprir a vontade de Deus, para alcançar a vida
eterna, levando em conta todas as circunstâncias e depois de madura
reflexão. A má prudência, por outro lado, é aquela que dispõe os meios
para fazer um pecado, para alcançar um fim ruim, oposto a Deus e à nossa
salvação. A má prudência é também aquela que escolhe meios ruins para
atingir um fim, ainda que esse fim seja bom. Dessa forma, fica evidente
que a prudência do administrador da parábola é uma má prudência, que
escolhe meios pecaminosos para atingir seu fim, que é escapar de uma
justa punição. Dessa forma, o homem rico elogia não a ação, que foi
desonesta, mas a capacidade, a indústria, a inteligência do feitor
infiel em dispor os meios para atingir seu fim e ele o faz para que
tenhamos a mesma habilidade, mas em vista de fazer o bem. Da mesma
forma, poderíamos admirar a habilidade de um assaltante de banco em
conseguir roubar milhões de reais sem que ninguém perceba, sem que um
alarme sequer dispare, embora condenemos veementemente a ação do roubo.
Nós devemos imitar esse administrador iníquo, mas com uma boa prudência,
uma prudência que escolhe os meios mais adequados para chegarmos ao
céu. Uma prudência que nos faz evitar o pecado e que nos faz sempre agir
em vista do céu. Que fique claro, então, que o senhor – que na parábola
é Deus – não faz o elogio do pecado ou da iniquidade, mas ele elogia a
inteligência, a habilidade, a prudência do administrador em dispor os
meios para atingir seu fim. Ele elogia o feitor infiel para nos mover a
agir com muita prudência, com muita sagacidade, mas para o bem,
escolhendo meios bons, meios lícitos a fim de praticarmos bem nossos
deveres de estado e sempre tendo como objetivo último a vida eterna.
Para tanto, devemos conhecer melhor o que é a virtude da prudência e os
vícios opostos a ela.
A virtude da prudência é a virtude que,
apoiada sobre a fé, inclina nossa inteligência a escolher, em toda e
qualquer circunstância, os melhores meios para atingirmos nossos
objetivos, sempre tendo em vista nossa finalidade última que é o céu, a
vida eterna. Dessa forma, a verdadeira prudência sobrenatural nunca
escolhe meios que nos impeçam de chegar ao céu ou que ofendam a Deus. A
verdadeira prudência nos faz buscar, sob a luz da fé, os melhores meios
para nos salvarmos. A virtude da prudência é indispensável para o
exercício das outras virtudes, para o exercício da justiça, da
temperança, da fortaleza, indicando a melhor maneira de exercê-las. É a
prudência que dirige todas as outras virtudes, a fim de que se evitem os
pecados por defeito ou por excesso. Sem a prudência, como saber, por
exemplo, se é melhor calar ou reagir diante de uma adversidade? A
prudência é necessária para conciliar virtudes que parecem contrárias,
como a justiça e a misericórdia, a mansidão e a força, a penitência e o
cuidado legítimo com a saúde, o recolhimento e o zelo apostólico, etc. É
a prudência que nos indicará a maneira correta de proceder para
conciliar essas virtudes sem que elas se destruam mutuamente. A
prudência é também indispensável para evitar o pecado, pois para evitar o
pecado é preciso conhecer as causas e as ocasiões do pecado e escolher
bem os remédios. É exatamente isso que faz a prudência. Com a
experiência do passado, próprio e alheio, e a partir do estado atual da
alma, a prudência vê o que é ou será para nós uma ocasião de pecado e
sugere, então, os melhores meios para que se evite a ocasião de pecado, o
melhor meio para vencer as tentações, os remédios necessários. Sem essa
prudência, quantos pecados são cometidos!
Para a perfeita prática da prudência, que
nos é tão necessária é preciso que tenhamos (i) a memória do passado,
pois o conhecimento dos êxitos e fracassos passados próprios e alheios
nos orientam muitíssimo para saber o que devemos fazer aqui e agora. A
experiência é mãe da prudência. Por isso, as pessoas jovens não são, em
geral, prudentes, por falta de experiência. Além da memória do passado, é
preciso (ii) a inteligência do presente, para saber discernir se o que
nos propomos a fazer aqui e agora é bom ou mau, lícito ou ilícito,
conveniente ou inconveniente. Para uma prudência perfeita, é preciso
também a (iii) docilidade, para pedir e aceitar o conselho de pessoas
sábias – sábias do ponto de vista católico – e experimentadas, pois
ninguém pode pretender saber resolver bem todas as situações que surgem.
É necessária para a virtude da prudência também a (iv) sagacidade, que
nos faz ver por nós mesmos com rapidez e exatidão o que devemos fazer
nos casos urgentes, em que não temos ocasião de pedir conselho. Nos
casos não urgentes, será necessária a (v) reflexão madura, proporcionada
à situação e à questão. Precisamos também da (vi) providência, que é
enxergar longe e ter bem presente qual é o nosso fim último, sem nos
limitar a objetivos instantâneos. A providência deve também nos fazer
prever as consequências boas e ruins das nossas ações. É necessária
igualmente a (vii) circunspecção, que é a atenta consideração das
circunstâncias para julgar se é conveniente ou não realizar tal ato
diante de tais circunstâncias. Há atos que, considerados em si mesmos,
são bons e convenientes para atingir o fim pretendido, mas que, em razão
de circunstâncias especiais, poderiam se tornar contraproducentes, ou
perniciosos. Finalmente, é preciso a (viii) precaução, para afastar os
obstáculos que podem comprometer a consecução do fim. A precaução deve
nos levar, por exemplo, a nos afastar das más companhias, que nos
influenciam mal e que nos distanciam da nossa salvação. Em decisões
importantes, todos esses elementos devem estar presentes.
Como vimos, a prudência consiste em
refletir sobre quais são os meios mais aptos para se atingir um objetivo
bom, em escolher os meios mais aptos e finalmente em decidir colocar em
prática esses meios. À prudência se opõem, então, a precipitação, a
inconsideração e a inconstância. A precipitação nos leva a não refletir
devidamente e, sem a devida reflexão, faremos um juízo do que é bom ou
ruim de forma precipitada, apressada, e levados não pela razão, mas
pelas paixões ou caprichos. Já a inconsideração nos faz escolher mal.
Embora tenhamos talvez refletido, preferimos escolher fazer isso ou
aquilo pelo simples fato de demandar menos esforço, por exemplo, ou
porque nos agrada mais. Quanto à inconstância, ela no faz desistir
facilmente, por motivos indevidos, das decisões e propósitos que
havíamos feito após devida reflexão e devido juízo. A precipitação, a
inconsideração e a inconstância são causadas principalmente pela
luxúria, que é o vício que mais obscurece a razão, pois aplica veemente
nossa alma às coisas sensíveis, impedindo que a inteligência considere e
julgue devidamente as coisas. Em nossa sociedade dominada pela luxúria,
constatamos claramente a dificuldade das pessoas em tomar decisões após
a devida reflexão, vemos a dificuldade das pessoas em julgar
corretamente as coisas, vemos a inconstância das pessoas. Também se opõe
à prudência a negligência, que consiste na ausência de decisão eficaz
depois de ter refletido devidamente. O precipitado não pensa devidamente
sobre o que deve fazer. O inconsiderado escolhe mal o que deve fazer. O
inconstante não coloca em prática o que decidiu. O negligente nem chega
a decidir. Todos são imprudentes.
Além da precipitação, da inconsideração,
da inconstância e da negligência, se opõem à prudência três vícios que
se assemelham falsamente a ela: a prudência da carne, a astúcia e a
solicitude excessiva pelos bens terrenos. A (i) prudência da carne
consiste em uma habilidade para encontrar os meios oportunos para
atingir fins que se opõem ao nosso fim último, para atingir fins que não
se subordinam aos mandamentos de Deus. A prudência da carne encontra os
meios oportunos para satisfazer as paixões desordenadas de nossa
natureza ferida pelo pecado original. A prudência do administrador da
parábola é claramente uma prudência da carne. Já a (ii) astúcia é uma
habilidade especial para alcançar um fim, bom ou mal, mas por meios
falsos, simulados. Ainda que o fim seja bom, os meios devem ser também
sempre bons, e justos, e verdadeiros. Portanto, a astúcia, que usa meios
simulados e vias falsas é pecaminosa. A astúcia pode ser praticada com
as palavras (dolo) ou com ações (fraude). Finalmente, se opõe à
prudência a (iii) solicitude excessiva pelos bens terrenos, se colocamos
esses bens terrenos como o fim a ser buscado, ou se para buscá-los
começamos a negligenciar a nossa vida espiritual, ou se não temos
confiança na providência divina, temendo que nos falte o necessário, se
fizermos o que temos que fazer. Assim, são imprudentes em razão da
solicitude excessiva pelos bens terrenos, por exemplo, os que não
confiam em Deus e que utilizam métodos anticoncepcionais, que se opõem à
natureza humana.
Após considerar o que é a prudência e os
vícios opostos, devemos saber o que é necessário para progredir na
virtude da prudência. Devemos empregar alguns meios. Antes de tudo, é
preciso rezar e pedir a Deus para que nos conceda a graça de uma
verdadeira prudência sobrenatural, invocando o Espírito Santo, rezando
para Nossa Senhora, para Nossa Senhora do Bom Conselho, por exemplo.
Devemos, para progredir na prudência, sempre refletir de modo
proporcional à importância da decisão a ser tomada, sem nos deixar levar
pelo ímpeto da paixão, do sentimento, do capricho, mas, sempre guiados
pelas luzes da razão iluminada pela fé. Devemos considerar com calma as
consequências boas e más que se seguirão de tal ação. Devemos perseverar
nos bons propósitos, sem nos deixar levar pela inconstância ou
negligência. Devemos colocar em prática os bons propósitos assim que
possível, do contrário vamos arrefecendo. Devemos nos manter castos e
puros (cada um segundo o seu estado), pois, como vimos, a impureza
prejudica gravemente a prudência, obscurecendo nossa inteligência.
Devemos vigiar contra a prudência da carne, que busca pretextos e
sutilezas para nos eximir do cumprimento do dever. Devemos sempre
proceder com simplicidade e transparência, evitando toda simulação ou
engano. Devemos ordenar à glória de Deus e à nossa salvação todas as
nossas ações, pois fomos criados para conhecer, amar e servir a deus.
Não age prudentemente quem de alguma forma age se opondo a essa
finalidade. Devemos imprimir em nossa alma uma máxima, que nos recordará
sempre a agir tendo em vista esse fim último. Por exemplo: “de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a sua alma?”
Na parábola de hoje, o senhor elogia a
prudência do administrador iníquo, para nos mostrar a habilidade, a
capacidade e a eficácia dos filhos das trevas em alcançar seus maus
objetivos. É grande, por exemplo, a habilidade dos defensores da cultura
de morte. Eles são de uma grande habilidade para implantar o pecado. Se
os deputados e senadores não querem aprovar uma lei que permita o
aborto em qualquer caso, porque os congressistas temem não serem eleitos
depois, os abortistas recorrem aos tribunais, que decidem em favor do
aborto. Eles recorrem ao poder executivo, para que sejam feitas normas
que ampliem o acesso ao aborto nos casos não punidos pela lei. Eles
fazem leis suficientemente vagas para incluir nelas a possibilidade
livre de aborto, etc. Se o Congresso não quer aprovar uma lei para o
casamento homossexual, eles impõem tal união à sociedade por meio de
decisão do Conselho Nacional de Justiça, que obriga os cartórios a
registrarem tais uniões, etc. Os filhos das trevas são muito hábeis na
prudência da carne, para buscar aquilo que ofende a Deus e que prejudica
a sociedade, a fim de satisfazerem as paixões, a fim de implementarem
uma ideologia diabólica. Nós devemos imitar a habilidade deles, mas para
o bem, buscando um fim bom, e buscando esse fim bom com meios
igualmente bons e justos, sem astúcia, sem enganação. Devemos buscar os
melhores meios e executar com afinco esses meios, com a finalidade de
que Nosso Senhor Jesus Cristo reine em nossas almas, para que reine na
sociedade, para que Ele reine nas nações. Devemos sempre agir com
prudência, tendo em vista sempre a nossa finalidade aqui na terra, que é
a salvação da nossa alma. Devemos agir com prudência, refletindo,
escolhendo os meios mais aptos, tomando a decisão de colocar em prática
esses meios para sermos eternamente felizes no céu. Assim, no dia do
juízo, Nosso Senhor poderá nos dizer: fidelis servus et prudens intra in gaudium domini tui. Servo fiel e prudente, entra na alegria do Senhor. (Mescla de São Mateus XXIV, 45 e XXV, 21)
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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