16 de abril de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

§ 2. Jesus Cristo nos dá a esperança da perseverança final

Poder de Deus na fraqueza humana.
1. Para alcançar a perseverança no bem não devemos confiar nos nossos propósitos e promessas feitas a Deus; se confiarmos nas nossas forças, estamos perdidos. Devemos pôr nos merecimentos de Jesus Cristo toda a nossa esperança de nos conservar na graça de Deus. Confiando no seu auxílio, perseveraremos até à morte, ainda que sejamos combatidos por todos os inimigos da terra e do inferno. Todas as vezes que nos acharmos com ânimo abatido e assaltados pelas tentações, parecendo-nos que estamos quase perdidos, não percamos então a coragem nem nos entreguemos ao desespero: recorramos ao crucifixo e ele nos sustentará para que não caiamos. O Senhor permite que mesmo os santos encontrem muitas vezes tais tempestades e temores. S. Paulo escreve que as aflições e os temores que ele experimentou na Ásia foram tão grandes que lhe fizeram sentir tédio pela vida: “Fomos excessivamente oprimidos acima de nossas forças, a ponto de tomarmos aborrecimento à própria vida” (2Cor 1,8). Com isso o Apóstolo deu a conhecer o que ele era segundo suas próprias forças, a fim de nos ensinar que Deus às vezes nos deixa na desolação para que conheçamos a nossa miséria e desconfiemos de nós mesmos, recorrendo com humildade à sua piedade e suplicando-lhe a força de não cair: “Para que não confiemos em nós, mas em Deus que ressuscita os mortos” (2Cor 1,9).
2. E em outro lugar fala o Apóstolo ainda mais claro: “Somos cercados de dificuldades insuperáveis e a nenhuma sucumbimos... somos abatidos, mas nem por isso perecemos” (2Cor 4,8-9). Vemo-nos oprimidos pela tristeza e pelas paixões, mas não nos abandonamos ao desespero; somos como que lançados num lago, mas não submergimos, porque o Senhor com a sua graça nos dá força para resistir aos inimigos”. O apóstolo nos adverte a ter sempre diante dos olhos que somos frágeis e facilmente perdemos o tesouro da graça divina e que, se a podemos conservar, isso não provém de nós, mas de Deus: “Temos, porém, esse tesouro em vasos frágeis, para que a sublimidade seja virtude de Deus e não de nós” (2Cor 4,7).

A armadura do cristão.
1. Fiquemos, pois, firmemente persuadidos que nesta vida devemos nos abster sempre de colocar nossa confiança em nossas obras. A nossa arma mais forte, com a qual sairemos sempre vitoriosos nos assaltos do inferno, é a santa oração. Esta é a armadura de Deus, da qual diz S. Paulo: “Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às insídias do demônio” (Ef 6,11). Pois não é contra os homens de carne, mas contra os príncipes e o poder do inferno, que temos de combater: “Porque a nossa maior luta não é contra a carne e o sangue, mas contra os príncipes e as potestades” (Ef 6,12). “Por isso ficai firmes, tendo os vossos rins cingidos da verdade e vestindo a couraça da justiça, calçando os pés em preparação para o evangelho da paz, sobretudo, embraçando o escudo da fé com o qual possais extinguir todos os dardos ígneos do maligníssimo; tomai também o capacete da salvação e o gládio do espírito, que é a palavra de Deus, orando em todo tempo com toda a sorte de deprecações e súplicas” (Ef 6,14-18). Detenhamo-nos um pouco para bem compreender as sobreditas palavras: Tende os vossos rins cingidos da verdade. O apóstolo alude ao cinturão militar com que os soldados se cingiam em sinal de fidelidade que juravam ao soberano. O cinturão com que se deve cingir o cristão há de ser a verdade da doutrina de Jesus Cristo, segundo a qual devem reprimir todos os movimentos desordenados e em especial os impuros, que são os mais perigosos. Revestindo a couraça da justiça. A couraça do cristão deve ser a boa vida, sem o que terá pouca força para resistir aos insultos dos inimigos. Tendo os pés calçados em preparação para o Evangelho da paz. Os sapatos militares, que o cristão deve usar, a fim de caminhar expeditamente para onde deve, em oposição ao que anda descalço e que só caminha lentamente, hão de ser o ânimo aparelhado para abraçar praticamente e insinuar aos outros com o exemplo das máximas santas do Evangelho. Embraçando o escudo da fé com o qual possais extinguir todos os dardos ígneos do maligníssimo. O escudo, pois, com que há de defender-se o soldado de Cristo contra os dardos ígneos (isto é, penetrantes como fogo) do inimigo, há de ser a fé constante, fortalecida. Tomai também o capacete da salvação e o gládio do espírito que é palavra de Deus. O capacete, como entende S. Anselmo, deve ser a esperança da salvação eterna, e finalmente a espada do espírito, isto é, a nossa espada espiritual, deve ser a palavra de Deus, pela qual ele promete repetidas vezes atender — ao que o suplica: “Pedi e vos será dado” (Mt 7,7). “Todo aquele que pedir, receberá” (Jo 11,10). “Invocai-me e eu vos atenderei” (Jo 33,3). “Invoca-me e eu te livrarei” (Sl 49,15).
2. E o Apóstolo conclui: “Orando em todo tempo com toda sorte de deprecações e súplicas pelo Espírito, e velando nisto com toda a perseverança a rogar por todos os santos” (Ef 6,18). A oração é, portanto, a arma mais forte, por meio da qual o Senhor nos dá a vitória contra as más paixões e tentações do inferno. Esta oração deve, porém, ser feita em espírito, não só com a boca, mas também com o coração. Além disso, deve ser contínua em todo tempo de nossa vida: “orando em todo tempo”, assim como são contínuas as batalhas, deve ser também contínua a nossa oração. Com toda sorte de deprecações e súplicas: se a tentação não desaparece com a primeira súplica, é preciso repeti-la uma segunda, terceira ou quarta vez e se, apesar disso, a tentação não cede, é necessário ajuntar os gemidos as lágrimas, a importunação, a veemência, como se quiséssemos forçar a Deus a conceder-nos a graça da vitória. Isto significam as palavras com toda a instância e solicitação. Acrescenta o Apóstolo: “Por todos os santos”, que significa que devemos rogar não só por nós, mas pela perseverança de todos os fiéis que estão na graça de Deus e em especial dos sacerdotes que trabalham pela conversão dos infiéis e de todos os pecadores, repetindo nas orações a súplica de Zacarias: “Iluminai aos que estão assentados nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1,79).

Quem pouco semeia pouco colherá.
1. Nos combates espirituais nos auxilia na resistência aos inimigos o preveni-los nas nossas meditações, preparando-nos a fazer toda a violência possível nesses casos que podem nos surpreender de improviso. Disso provinha que os santos podiam responder com tão grande mansidão ou mesmo calar-se e não se perturbar quando recebiam injúrias gravíssimas, ou eram perseguidos, ou tinham de suportar atrozes dores de corpo ou de alma, ou a perda de grandes bens, ou a morte de um parente mui querido. Tais vitórias não se obtêm ordinariamente sem o auxílio de uma vida muito correta, sem a freqüência dos sacramentos e sem um exercício contínuo da meditação, leitura espiritual e orações. Por isso estas vitórias dificilmente são alcançadas por aqueles que não são muito cautelosos em fugir das ocasiões perigosas ou vivem apegados à vontade ou aos prazeres do mundo e pouco praticam a mortificação dos sentidos; por aqueles, enfim, que levam uma vida mole. S. Agostinho escreve que na vida espiritual “primeiro se devem vencer as satisfações e depois as dores” (Serm. 135). Quer ele dizer que todo aquele que está acostumado a procurar os prazeres sensuais, dificilmente resistirá a uma grande paixão ou veemente tentação que o assalte; quem muito preza a estima do mundo, dificilmente sofrerá uma afronta grave sem perder a graça de Deus. É verdade que da graça de Jesus Cristo e não de nós mesmos é que devemos esperar toda a força para viver sem pecado e fazer boas obras e por isso devemos empregar todo o cuidado de não nos tornarmos mais fracos do que já somos por nossa própria culpa. Certos defeitos, dos quais não fazemos conta, são a causa de nos faltar a luz divina e de o demônio ter mais poder sobre nós, por exemplo, o desejo de aparecer sábio ou nobre perante o mundo, a vaidade no
trajar, a busca de certas comodidades supérfluas, o ressentimento por uma palavra ou ato de pouca atenção, a aspiração de agradar a todos, com prejuízo do proveito espiritual, a omissão das obras de piedade pelo respeito humano, pequenas desobediências aos superiores, pequenas murmurações, pequenas aversões conservadas no coração, leves mentiras, ligeiras zombarias do próximo, perda de tempo em palestras ou curiosidades inúteis, em suma todo o apego às coisas terrenas e todo ato de amor próprio desordenado pode servir ao inimigo para precipitar-nos em qualquer abismo ou pelo menos qualquer defeito deliberadamente querido nos privará da abundância do socorro divino, sem o qual cairemos em qualquer precipício. Nós lastimamos sentir-nos tão áridos e lânguidos nas orações, nas comunhões e em todos os exercícios de piedade, mas como Deus há de fazer que gozemos de sua presença e de suas visitas amorosas, se nós somos tão escassos e desatenciosos com ele? “Quem semeia com parcimônia, também colherá escassamente” (2Cor 9,6). 2. Se nós lhe causamos tantos desgostos, coo havemos de querer recolher suas celestes consolações? Se não nos desprendermos em tudo da terra, não seremos mais por inteiro de Cristo e quem sabe onde chegaremos a parar. Jesus com sua humildade nos mereceu a graça de vencer a soberba; com sua pobreza, a força de desprezar os bens terrenos; com sua paciência, a constância para vencer os desprezos e as injúrias. Assim pergunta S. Agostinho: “Que coisa poderá curar a soberba, se não for a humildade do Filho de Deus? Que coisa, a avareza, se não a pobreza de Cristo? que coisa, a ira, se não a paciência do Salvador”. Se nós, porém, esfriamos no amor de Jesus Cristo e descuidamos de suplicar-lhe que nos socorra e até nutrimos no coração qualquer afeto terreno, dificilmente perseveraremos na boa vida. Rezemos, rezemos sempre: com a oração alcançaremos tudo. Ó Salvador do mundo, ó minha única esperança, pelos merecimentos da vossa paixão, livrai-me de todo afeto impuro que possa ser obstáculo ao amor que vos devo. Fazei que eu viva despido de todos os desejos mundanos, fazei que o único objeto de meus desejos sejais vós só, a que sois o sumo bem e o único bem digno de ser amado. Por vossas sacrossantas chagas, curai as minhas enfermidades e dai-me a graça de conservar longe de meu coração todo amor que não é para vós, que mereceis todo o meu amor. Jesus, meu amor, vós sois a minha esperança. Ó doces palavras, ó doce conforto! Jesus, meu amor, vós sois a minha esperança.

§ 3. Da esperança que temos de chegar um dia, por Jesus Cristo, à felicidade do paraíso

Co-herdeiros de Cristo.
1. “E por isso é mediador do Novo Testamento, a fim de que, intervindo a morte... os que foram chamados receberam a herança eterna da promessa” (Hb 9,15). Aqui fala S. Paulo do Novo Testamento, não como de um pacto, mas como de uma promessa, isto é, a disposição da sua última vontade, pela qual Jesus Cristo nos constituiu herdeiros do reino dos céus, e porque o testamento não é válido senão depois da morte do testador, foi necessário que Jesus Cristo morresse, para que pudéssemos como seus herdeiros entrar na posse do paraíso. Pelos méritos de Jesus Cristo, nosso mediador, recebemos no batismo a graça de ser Filhos de Deus, enquanto que os hebreus, no Antigo Testamento, apesar de serem o povo eleito, não deixaram de ser escravos. “Estes são os dois testamentos, um certamente do monte Sinais, que gera para a servidão” (Gl 4,24). No monte Sinai fez-se, por intermédio de Moisés, a primeira mediação, quando Deus, por meio dele, prometeu a abundância de bens temporais se observassem a lei que lhes dera. Esta mediação, porém, diz S. Paulo, não gerava senão servos, em oposição à de Jesus Cristo, que gera filhos: “Nós, porém, irmãos, somos filhos da promissão segundo Isaac” (Gl 4,28). Se, pois, nós, cristãos, somos filhos de Deus, diz o mesmo apóstolo, somos também herdeiros: a todos os filhos cabe parte da herança paterna, a qual no nosso caso é a glória eterna no paraíso, que Jesus Cristo nos mereceu com sua morte: “Se filhos, também herdeiros; herdeiros de fato de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8,17).
2. Acrescenta, entretanto, S. Paulo, no mesmo lugar: “Mas isto se padecermos com ele, para também com ele sermos glorificados” (Rm 8,17). É certo que nós, pela filiação divina, obtida por Jesus com sua
morte, adquirimos direito ao paraíso: isso só se entende, porém, se formos fiéis na prática de boas obras e particularmente se, pela paciência, correspondermos à graça divina. Pelo que, diz o Apóstolo, para obtermos a glória eterna como Jesus a alcançou, devemos na terra padecer a exemplo do mesmo Jesus Cristo. Ele vai na frente com a cruz, como um capitão; à sombra dessa bandeira, devemos segui-lo, cada um levando sua cruz, como nos admoesta o mesmo Senhor, dizendo: “Quem quiser vir após mim abnegue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). S. Paulo então anima-nos a sofrer com coragem, alentados pela esperança do paraíso, recordando-nos que a glória que nos será dada na outra vida será imensamente maior que o merecimento de todos os nossos sofrimentos, suportados de boa vontade em cumprimento da vontade de Deus. “Julgo, porém, que os sofrimentos da vida presente não têm proporção alguma com a glória futura que se manifestará em nós” (Rm 8,18). Que pobre seria tão tolo que recusasse dar todos os seus andrajos em troca de um grande reino? Não possuímos presentemente essa glória porque não estamos ainda salvos, visto não termos ainda terminado a vida na graça de Deus; mas a esperança nos merecimentos de Jesus Cristo, diz S. Paulo, é que nos trará a salvação: “Pela esperança é que fomos salvos” (Rm 8,24). Ele não deixará de nos conceder todo o auxílio de que necessitamos para nos salvar, se lhe formos fiéis e perseverantes em suplicar-lhe, segundo a promessa do mesmo Jesus Cristo, de atender todo aquele que o suplicar: “Todo o que pedir, receberá” (Jo 11,10). Mas, dirá alguém: eu não duvido que Deus se negue a ouvir-me quando suplicar-lhe, mas receio que eu não o faça como devo. Não, diz S. Paulo, não há motivo para esse receio, porque, quando rezamos, Deus mesmo ajuda a nossa insuficiência e nos faz suplicar de maneira que sejamos atendidos: “O Espírito ajuda a nossa fraqueza e pede por nós” (Rm 8,26). Pede, isto é, faz-nos pedir, explica S. Agostinho.

Semelhantes à imagem do Filho.
1. Para nos aumentar a confiança, o Apóstolo ajunta: “Nós sabemos que, para os que amam a Deus, tudo concorre para o bem” (Rm 8,28). Quer com isso dar-nos a entender que não são desgraças as infâmias, as doenças, a pobreza, as perseguições, como julgam os homens, pois Deus as converterá em bens e glória dos que as suportarem com paciência. E o Apóstolo conclui: “Pois os que conheceu na sua presciência também os predestinou para se fazerem conformes à imagem de seu filho” (Rm 8,29). Com estas palavras quer persuadir-nos de que, se quisermos a salvação, devemos nos resolver a sofrer todas as coisas para não perdermos a graça divina, já que ninguém poderá ser admitido à glória dos bem-aventurados sem que, no dia de seu juízo, sua vida tenha sido encontrada conforme a de Jesus Cristo. Mas, para que os pecadores por esse motivo não se entreguem ao desespero, em vista das culpas cometidas, S. Paulo os anima a esperar o perdão, afirmando que o Padre eterno não quis por esse fim perdoar a seu próprio Filho, que se oferecera para satisfazer por nossos pecados, e o entregou à morte para poder perdoar-nos a nós, pecadores: “O qual não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por nós” (Rm 8,39). E para que seja ainda maior a esperança do perdão dos pecadores arrependidos, acrescenta: “E quem será que nos condenará? Cristo, que morreu por nós”. Como se dissesse: Pecadores, que detestais os pecados cometidos, por que tomeis ser condenados ao inferno? Dizei-me qual será o juiz que vos há de condenar? não é Jesus Cristo? E como podeis temer que vos condene à morte eterna esse redentor amoroso, que para vos não condenar quis condenar-se a si mesmo a morrer pregado no infame patíbulo da cruz? Isso muito bem se entende daqueles pecadores que, contritos, lavaram suas almas no sangue do cordeiro, segundo S. João: “Estes são os que lavaram suas vestes e as embranqueceram no sangue do cordeiro” (Ap 7,14).
2. Ó meu Jesus, se eu olho para os meus pecados, envergonho-me de pedir-vos o céu, depois de o ter tantas vezes renunciado por gozos efêmeros e miseráveis: vendo-vos, porém, pregado nessa cruz, não posso deixar de esperar o paraíso, sabendo que quisestes morrer nesse madeiro para pagar por seus pecados e alcançar-me esse céu que eu desprezei. Ah, meu doce Redentor, eu espero pelos merecimentos de vossa morte que já me tenhais perdoado as ofensas que vos fiz e das quais já me arrependi e por cuja causa desejaria morrer de dor. Mas, ó meu Jesus, penso que, apesar de me haverdes
perdoado, permanecerá sempre verdade que eu na minha ingratidão tive a coragem de causar-vos tão graves desgostos, a vós que tantos me haveis amado. O que está feito, porém, está feito; pelo menos, Senhor, eu quero, no tempo que me resta de vida, amar-vos com todas as minhas forças, quero viver só para vós, quero ser todo vosso, todo, todo. E isso haveis de realizar. Desprendei-me de todas as coisas da terra e dai-me luz e força para não buscar outra coisa senão vós, meu único bem, meu amor, meu tudo. Ó Maria, esperança dos pecadores, ajudar-me-eis com vossas súplicas. Rogai, rogai, por mim e não deixeis de orar enquanto não me virdes todo de Deus.

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