15 de abril de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

§ 1. De Jesus Cristo devemos esperar o perdão de nossos pecados

Propiciação por nossos pecados.
1. Falando primeiramente da remissão dos pecados, devemos saber que nosso Redentor, vindo à terra, teve por fim o perdão de nossos pecados. “O Filho do homem veio para salvar o que se havia perdido” (Mt 18,11). João Batista, mostrando aos judeus o Messias já vindo, disse-lhes: “Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira os pecados do mundo” (Jo 1,29). Segundo o texto grego lê-se: Eis aquele cordeiro, como se S. João dissesse: Eis aquele cordeiro divino predito por Isaías: “E como um cordeiro que fica mudo diante do que o tosquia” (Is 53,7) e por Jeremias: “Eu sou como um manso cordeiro que é levado para o sacrifício” (Jr 11,19). Já antes, era figurado pelo cordeiro pascal de Moisés e pelo sacrifício em que era, conforme a lei, todas as manhãs imolado um cordeiro, e por diversos outros que eram oferecidos à tarde pelos pecados. Todos esses cordeiros, porém, não podiam abolir um único pecado, só serviam para representar o sacrifício daquele cordeiro divino Jesus Cristo, que com seu sangue deveria lavar as nossas almas e livrá-las da mancha da culpa como da pena eterna por ela merecida — o que exprime a palavra tollit — tomando sobre si a obrigação de satisfazer à divina justiça por nós, com sua morte, segundo o testemunho de Isaías: “Deus carregou sobre ele as iniqüidades de todos nós” (Is 53,6). Em confirmação, diz S. Cirilo: “um é trucidado por todos, para ganhar para Deus Padre todo o gênero humano”. Jesus quis deixar-se matar para ganhar para Deus todos os homens que se haviam perdido. Quão grande é a nossa obrigação para com Jesus Cristo. Se de um réu já condenado à morte, enquanto se dirige para a forca e com o laço já no pescoço, lhe tirasse um amigo o laço e o aplicasse a si mesmo, morrendo nesse suplício para livrar o réu, quanta obrigação não teria este de amá-lo e lhe ser reconhecido? Isso foi justamente o que fez Jesus; quis morrer na cruz para nos livrar da morte eterna.
2. “Foi ele que levou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por cujas chagas fostes curados” (1Pd 2,24). Jesus, pois, se sobrecarregou de todos os nossos pecados e os levou sobre a cruz, para com a morte pagar nossa culpa e obter-nos o perdão e assim restituir-nos a vida perdida. Que maior maravilha poderá haver que uma chagas curem as chagas de outros e a morte de um restitua a vida a todos os homens que estavam mortos! exclama S. Boaventura (Stim. p.1 c. 1). S. Paulo escreve que Jesus Cristo nos tornou agradáveis e amáveis aos olhos de Deus, de pecadores odiados e abomináveis que éramos, pelos méritos de seu sangue nos remitiu os pecados e nos concedeu com superabundância as riquezas de sua graça: “Tornou-nos agradáveis em seu Filho amado, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados segundo as riquezas de sua graça, a qual superabundou em nós” (Ef 1,6-8). E isso se deu pelo pacto de Jesus com seu eterno Pai de nos perdoar as culpas e nos readmitir na sua amizade em vista da paixão e morte de seu Filho.

Mediador do Novo Testamento.
1. Foi nesse sentido que o Apóstolo chamou Jesus Cristo mediador do Novo Testamento. Nas Sagradas Escrituras a expressão testamento se toma em dois sentidos: por pacto ou acordo feito entre duas partes que estão em discórdia e por promessa ou disposição da última vontade, pela qual o testador deixa sua herança aos herdeiros: esta disposição não se torna, porém, firme senão com a morte do testador. Do testamento como promessa se fala no § III; aqui falamos do testamento como pacto e neste sentido falou o apóstolo de Jesus Cristo: “E por isso é o mediador do Novo Testamento” (Hb 9,15). O homem por motivos do pecado era devedor à justiça divina e inimigo de Deus. Vem à terra o Filho de Deus e assume carne humana e então, sendo ele ao mesmo tempo Deus e homem, fez-se o mediador entre o homem e Deus, participando de um e de outro, e, a fim de estabelecer a paz entre ambos e obter para o homem a graça de Deus, ofereceu-se para pagar com seu sangue e com sua morte a dívida do homem. Ora, esta reconciliação já foi figurada no Antigo Testamento por todos os sacrifícios que então se ofereciam e por todos os símbolos ordenados por Deus, como o tabernáculo, o altar, o véu, o candelabro, o turíbulo e a arca na qual se guardavam a vara e as tábuas da lei: Todos esses objetos eram sinais e figuras da redenção prometida, e porque essa redenção devia ser efetivada pelo sangue de Jesus, por isso Deus ordenou que os sacrifícios se fizessem com a efusão de sangue dos animais (que era a figura do sangue daquele cordeiro divino) e que todos esses símbolos mencionados fossem aspergidos com sangue. “Por isso é que nem mesmo o primeiro (testamento) foi consagrado sem sangue” (Hb 9,18).
2. Segundo S. Paulo, o primeiro testamento, isto é, a primeira aliança, pacto ou mediação que se fez na lei antiga e que figurava a mediação de Jesus na nova lei, celebrou-se com o sangue dos touros e bodes, sendo aspergidos com esse sangue o livro, o povo, o tabernáculo e todos os vasos sagrados: “Lido que foi todo o mandamento da lei a todo o povo, Moisés, tomando sangue dos bezerros e dos bodes com água e lã tinta de escarlate (a lã tinta de escarlate significava igualmente Jesus Cristo; assim como a lã por sua natureza é branca e torna-se vermelha sendo tingida de escarlate, também Jesus, o cândido por sua inocência e natureza, aparece na cruz vermelho de sangue, justiçado como malfeitor, cumprindo-se nele a palavra da esposa dos Cânticos: “O meu amado é cândido e vermelho” (Ct 5,10); e hissopo (o hissopo, planta humilde, significa a humildade de Jesus Cristo) aspergiu todo o povo e também o mesmo livro, dizendo: “Este é o sangue do testamento que Deus ordenou para vós. Aspergiu igualmente o tabernáculo e todos os vasos do culto com o sangue. E segundo a lei, quase tudo se purifica com o sangue e sem efusão de sangue não há remissão” (Hb 9,19-22). Quis o Apóstolo repetir mais vezes a palavra sangue, para que os judeus e todos os povos entendessem que sem o sangue de Jesus não há esperança de perdão para as nossas culpas. Assim, pois, como na antiga lei, pelo sangue das vítimas, se destruía a mancha externa dos pecados que os judeus cometiam contra a lei e lhes era perdoada a pena temporal imposta pela mesma lei, da mesma forma o sangue de Jesus Cristo na nova lei nos lava da mancha interna das culpas, segundo a palavra de S. João: “Ele nos amou e nos lavou no seu sangue” (Ap 1,5) e nos livra da pena eterna do inferno.

Nosso sumo sacerdote.
1. Eis a esse respeito a doutrina de S. Paulo: “Porém Cristo, vindo como pontífice dos bens futuros por um mais vasto e perfeito tabernáculo, não feito por mão de homem, isto é, não desta criação, nem como o sangue dos bodes ou de novilhos, mas com o próprio sangue, entrou no santuário uma vez, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,11 e 12). O pontífice entrava pelo tabernáculo no Santo dos santos e com a aspersão do sangue dos animais purificava os delinqüentes da mancha externa contraída e da pena temporal. Para a remissão da culpa e para a libertação da pena eterna os hebreus tinham necessidade absoluta da contrição com fé e esperança no Messias vindouro, que deveria dar a vida para obter-lhes o perdão. Jesus Cristo, ao contrário, por meio de seu corpo (e este é o tabernáculo mais amplo e mais perfeito indicado pelo apóstolo) sacrificado sobre a cruz, entrou no Santo dos santos do céu, que nos estava fechado, e no-lo abriu por meio da redenção. Por isso S. Paulo, para nos animar a esperar o perdão de todas as nossas culpas, confiando no sangue de Jesus, continua: “Pois se o sangue dos bodes e dos touros e a aspersão da cinza da novilha santifica os maculados, para a purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo, sem mácula, a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas para servir ao Deus vivo” (Hb 9,13 e 14). Diz quanto mais o sangue de Cristo que pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo sem mácula, a Deus, porque Jesus se ofereceu a si mesmo a Deus, imaculado, sem sombra de culpa; doutra forma não teria sido digno mediador, apto a reconciliar o homem pecador com Deus, nem o seu sangue teria tido a virtude de purificar a nossa consciência das obras mortas, a saber, dos pecados, obras mortas sem merecimento e obras de morte dignas das penas eternas; para servir ao Deus vivo: o fim por que Deus nos perdoa é unicamente para que empreguemos a vida que nos resta em servi-lo. E o Apóstolo conclui: “E por isso é o mediador do Novo Testamento” (Hb 9,15). Quis o nosso Redentor, pelo amor imenso que nos tinha, resgatar-nos da morte eterna com o preço de seu sangue e assim obter-nos de Deus o perdão, a graça e a felicidade eterna se formos fiéis em servi-lo até à morte. Foi essa a mediação ou o contrato feito entre Jesus Cristo e Deus, em vigor do qual nos foi prometido o perdão e a salvação.
2. Esta promessa do perdão de nossos pecados pelos merecimentos do sangue de Jesus Cristo foi confirmada pelo próprio Jesus no dia anterior à sua morte, ao insistir o sacramento da eucaristia: “Este é, pois, o meu sangue do Novo Testamento que será derramado por muitos em remissão dos pecados” (Mt 26,28). Disse: será derramado, pois estava próximo o sacrifício no qual devia derramar não uma parte, mas todo o seu sangue, para satisfazer por nossos pecados e obter-nos o perdão. Quis por isso que este sacrifício fosse renovado todos os dias em cada missa que se celebra, a fim de que seu sangue intercedesse continuamente em nosso favor. Foi essa a razão por que Jesus Cristo foi chamado sacerdote segundo a ordem de Melquisedec: “Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109,4). Aarão ofereceu sacrifícios de animais: o sacrifício de Melquisedec foi de pão e de vinho, figura do Sacrifício do Altar, no qual vosso Salvador, debaixo das espécies de pão e de vinho, ofereceu a Deus na última ceia seu corpo e seu sangue, que devia sacrificar no dia seguinte na sua paixão e que continua a oferecer todos os dias pelas mãos dos sacerdotes, renovando dessa forma o sacrifício da cruz. S. Paulo explica por que Davi chamou Jesus Cristo sacerdote eterno: “Este, porém, como permanece eternamente, possui um sacerdócio sempiterno” (Hb 9,24). O sacerdócio antigo desaparecia com a morte dos sacerdotes, mas Jesus, porque é eterno, possui um sacerdócio também eterno. Como é que no céu continua ele a exercer esse seu sacerdócio? S. Paulo diz: “Por isso pode perpetuamente salvar os que por ele mesmo se chegam a Deus estando sempre vivo para interceder por nós” (Hb 7,25). O grande Sacrifício da Cruz, representado naquele altar, tem a virtude de salvar para sempre todos aqueles que, por meio de Jesus Cristo (se bem dispostos pela fé e boas obras) se chegam a Deus. Este sacrifício, segundo S. Ambrósio e S. Agostinho, Jesus como homem continua a oferecer a seu Pai em nosso favor, desempenhando ainda agora, como quando na terra, o ofício de nosso advogado e mediador e também de sacerdote, que consiste em rogar por nós, como exprimem as palavras: “Sempre vivo para interceder por nós”.

Nosso advogado.
1. São João Crisóstomo diz que as chagas de Jesus são outras tantas bocas que imploram continuamente a Deus o perdão das culpas para nós pecadores. O sangue de Jesus Cristo suplica por nós e obtém-nos a misericórdia divina, muito melhor do que implorava o sangue de Abel a vingança contra Caim. “Vós chegastes ao mediador do Novo Testamento, Jesus, e à aspersão do sangue que fala melhor do que o de Abel” (Hb 12,24). Nas revelações feitas a S. Maria Madalena de Pazzi, Nosso Senhor disse-lhe um dia: “A minha justiça foi transformada em clemência com a vingança tomada sobre as carnes inocentes de meu Filho. O sangue desse meu Filho não pede vingança como o sangue de Abel, mas somente misericórdia, e minha justiça não pode deixar de se aplacar com essa voz. Esse sangue me liga as mãos de modo que se não podem mover para tirar a vingança que antes tiravam dos pecados”. Escreve S. Agostinho que Deus nos prometeu a remissão dos pecados e a vida eterna; mas é mais o que ele fez por nós do que o que ele nos prometeu (Ender. in ps. 148). Dar-nos o perdão e o paraíso nada custou a Jesus Cristo; o remir-nos, porém, custou-lhe o sangue e a vida. O apóstolo S. João nos exorta a fugir do pecado, mas para que não desconfiemos do perdão das culpas cometidas, tendo firme resolução de as não repetir, nos encoraja, afirmando que temos de nos haver com Jesus, que não só morreu para nos perdoar, mas, depois de sua morte, se fez nosso advogado junto de seu divino Pai: “Meus filhinhos, eu vos escrevo estas coisas para que não pequeis; mas mesmo se alguém pecar temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo” (1Jo 2,1). Aos nossos pecados cabe por justiça a desgraça de Deus e a condenação eterna, mas a paixão do Salvador exige em nosso favor a desgraça divina e a salvação eterna e isso por justiça já que o eterno Padre, em vista de seus merecimentos, prometeu-lhe perdoar-nos e salvar-nos, caso estejamos dispostos para receber a sua divina graça e queiramos obedecer a seus preceitos, como escreve S. Paulo: “Tendo consumado, fez-se para todos os que lhe obedecem a causa da salvação eterna” (Hb 5,9). E assim Jesus Cristo, morrendo consumido de dores, obteve a salvação eterna para todos os que observam a sua lei. Somos por isso admoestados pelo apóstolo: “Corramos pela paciência para o combate que nos é proposto, olhando para o autor e consumador da fé, Jesus, que, tendo diante de si o gozo, escolheu a cruz, desprezando a ignomínia” (Hb 12,1 e 2). Vamos ou antes corramos com grande coragem, armados de paciência, a combater com os inimigos de nossa salvação, tendo sempre os olhos fixos em Jesus crucificado, que, renunciando a uma vida de gozo na terra, quis escolher uma vida de sofrimentos e uma morte cheia de dores e opróbrios e assim realizar a nossa redenção.
2. Ó sangue precioso, tu és a minha esperança. Sangue do inocente, lava as manchas do penitente. Ó meu Jesus, meus inimigos, depois de me arrastarem a vos ofender, dizem-me que não posso encontrar mais em vós a minha salvação: “Muitos dizem à minha alma: Não há mais salvação para ele no seu Deus” (Sl 3,3). Mas eu, confiado no sangue que derramastes por mim, vos direi com Davi: “Vós, porém, Senhor, sois o meu protetor” (Sl 3,4). Os inimigos me aterram dizendo que depois de tantos pecados, se eu recorrer a vós, serei por vós repelido; eu, porém, leio em S. João a vossa promessa que não repelireis ninguém que a vós se acolha: “Eu não porei fora o que vem a mim” (Jo 6,37). Recorro, pois, a vós, cheio de confiança. “Nós vos pedimos que venhais em auxílio de vossos servos que remistes com vosso sangue precioso”. Vós, meu Salvador, que com tanta dor e tanto amor derramastes o vosso sangue para que fôssemos salvos, tende piedade de mim, perdoai-me e salvai-me.
Continua...

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