14 de abril de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

CAPÍTULO IX

Todas as nossas esperanças devem ser postas nos merecimentos de Jesus Cristo

Só nele há salvação.
1. “Não há salvação em nenhum outro” (At 4,12). S. Pedro diz que toda a nossa salvação está em Jesus Cristo, que por meio de sua cruz, na qual sacrificou por nós sua vida, nos abriu o caminho da esperança de recebermos todos os bens de Deus, se formos fiéis a seus preceitos. Ouçamos o que diz da cruz S. João Crisóstomo: “A cruz é a esperança dos cristãos, o arrimo dos coxos, a consolação dos pobres, a destruição dos soberbos, o triunfo sobre os demônios, a mestra dos jovens, o leme dos navegantes, o porto para os que estão em perigo, a conselheira dos justos, o descanso dos atribulados, o médico dos enfermos, a glória os mártires” (Hom. de cruc. t. 3). A cruz, isto é, Jesus crucificado, é a esperança dos fiéis, porque, se não tivéssemos Jesus Cristo, não haveria salvação para nós, é o arrimo para os coxos, nós todos somos coxos no atual estado de corrupção e, fora da força que nos comunica a graça de Jesus Cristo, não temos outro para trilhar o caminho da salvação; é a consolação dos pobres, isto é, de nós todos, pois tudo o que temos o temos de Jesus Cristo; é a destruição dos soberbos, já que os sequazes de
Jesus Cristo não podem ser soberbos vendo-o morto, qual malfeitor, na cruz; é o triunfo sobre os demônios, pois só o sinal da cruz basta para afungentá-los; é a mestra dos principiantes: que belos ensinamentos não dá a cruz àqueles que começam a palmilhar o caminho da salvação; é o lema dos navegantes: oh! como a cruz nos guia nas tempestades da vida presente: é o porto dos que perigam: os que se acham em perigo de perder-se pelas tentações ou fortes paixões encontram um porto seguro recorrendo à cruz; é conselheira dos justos: quantos santos conselhos não dá a cruz nas tribulações da vida; é o repouso para os aflitos: que coisa poderá aliviar mais os atribulados do que contemplar a cruz em que padece um Deus por seu amor? É o médico dos enfermos, que, abraçando a cruz, ficam curados de todas as chagas da alma; é a glória dos mártires, pois sua maior glória consistia em se tornarem semelhantes a Jesus Cristo, rei dos mártires.
2. Em suma, todas as nossas esperanças estão postas nos merecimentos de Jesus Cristo. Dizia o Apóstolo: “Sei passar privações, sei também viver na abundância (fui instruído em tudo e por tudo), tanto estar em fartura, como suportar miséria; ter de sobra como curtir penúria. Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4,12-13). Assim S. Paulo, tendo aprendido do Senhor, afirmava: Eu sei como devo me
portar: quando Deus me humilha, devo resignar-me ao seu querer; quando me exalta, sei render-lhe toda a honra; quando me faz passar por abundância, eu lhe sou grato; quando me faz sofrer penúria, eu o bendigo; tudo isso, porém, não faço por minha virtude, mas pelo auxílio da graça que Deus me dá: Tudo posso, mas naquele que me conforta. No texto grego, em vez das palavras: naquele que me conforta, está: no Cristo que me corrobora; quem desconfia de si e confia em Jesus é por ele munido de uma força invencível. “O Senhor torna todo poderosos os que nele põem sua confiança”, diz S. Bernardo (Serm. 85 in Cant.). “Uma alma que não presume de suas forças, mas é confortada por Jesus Cristo, poderá se tornar senhora de si de tal maneira que nenhum pecado a dominará. Não há força, nem fraude, nem prazer algum que possa abater quem se apoia no Verbo divino, conclui o mesmo santo.

Virtude de Cristo em nós.
1. O apóstolo suplicou três vezes ao Senhor que o livrasse de um aguilhão impuro que o molestava e recebeu a resposta: “Basta-te a minha graça, pois a virtude se completa na fraqueza” (2Cor 12,9). Como se explica que a virtude se aperfeiçoa na fraqueza? S. Tomás com S. Crisóstomo explica que, quanto maior é a fraqueza e inclinação para o mal, tanto maior força Deus comunica a quem nele confia. Por isso, S. Paulo no lugar citado diz: “De boa vontade gloriar-me-ei nas minhas enfermidades, para que a virtude de Cristo habite em mim. Por isso é que me comprazo nas minhas enfermidades, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias pelo Cristo, porque quando estou enfermo então é que estou forte” (2Cor 12,10). “Porque a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para os que se salvam, isto é, para nós, é a força de Deus” (1Cor 40 1,18). S. Paulo nos adverte a não seguir os mundanos, que põem sua confiança nas riquezas ou em seus parentes e amigos do mundo e julgam loucos os santos por desprezarem esses esteios terrenos. Os homens de bem depositam toda a sua confiança no amor da cruz, isto é, de Jesus crucificado, que concede todos os bens a quem nele confia.
2. Note-se também que o poder e força do mundo são mui diversos dos de Deus: aquele se adquire por meio das riquezas e honras mundanas; este, pela humildade e tolerância. S. Agostinho diz que nossa força está no reconhecimento de nossa fraqueza e na confissão humilde de nossas misérias (De grat. Chr. c. 12). E S. Jerônimo diz que toda a perfeição da vida presente consiste em nos reconhecermos imperfeitos (Ep. ad Ctesiph.). Sim, porque, quando nós nos reconhecemos imperfeitos como o somos, então, desconfiando das nossas forças, abandonamo-nos nos braços de Deus, que protege e salva os que nele confiam. “Ele é o protetor de todos os que esperam nele” (Sl 17,31). “Vós salvais os que esperam em vós” (Sl 16,7). Davi ajunta que quem confia no Senhor torna-se firme como um monte, que não se abala com todos os esforços de seus inimigos: “Quem confia no Senhor, como o monte Sião não será abalado eternamente” (Sl 134,1). S. Agostinho nos admoesta que nos perigos de pecar, quando tentados, devemos recorrer e nos abandonar a Jesus Cristo, que não se afastará deixando-nos cair, antes nos tomará nos braços para sustentar-nos e assim remediar a nossa fraqueza (Conf. 1. 8 c. 11). Jesus Cristo, tomando sobre si as fraquezas de nossa humanidade, nos mereceu uma força que supera toda a nossa fraqueza. S. Paulo diz: “Por isso que ele mesmo padeceu e foi tentado, pode auxiliar os que são tentados” (Hb 2,18). Como se explica que o Salvador, por ter sido tentado, pode nos socorrer nas nossas tentações? Explica-se por que Jesus, tendo sido atormentado pelas tentações, tornou-se mais propenso a compadecer-se de nós e auxiliar-nos quando tentados. A este corresponde aquele outro texto de S. Paulo: “Não temos um pontífice que se não possa compadecer das nossas fraquezas, mas um experimentado à nossa semelhança em tudo, com exceção do pecado” (Hb 4,15). Por isso o Apóstolo exorta-nos a que recorramos com confiança ao trono da graça que é a cruz, para recebermos do crucifixo as graças que desejamos: “Cheguemo-nos com confiança ao trono da graça, para obtermos misericórdia e encontrarmos a graça no momento oportuno” (Hb 4,16).

A fraqueza de Cristo é nossa força.
1. Jesus, sujeitando-se a padecer temores, tédio e tristeza, segundo os Evangelhos, quando falam das aflições que padeceu, especialmente na véspera de sua morte no jardim de Getsêmani (Mt 26,37), nos mereceu a coragem para resistir às ameaças daqueles que querem nos perverter, a força para vencer o tédio que experimentamos na oração, nas mortificações e outros atos de piedade, e o ânimo para suportar com paciência a tristeza que nos invade nas adversidades. Sabemos também que ele no horto, à vista de tantas dores e da morte desolada que o esperavam, quis sofrer tão grande fraqueza na sua humanidade, que afirmou: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 24,41). E pediu a seu divino Pai que, se fosse possível, o livrasse daquele tormento: “Pai, se for possível, que este cálice passe de mim. Todavia não seja como eu quero e sim como vós quereis” (Mt 26,39). E durante todo o tempo que se demorou no horto a rezar, repetiu sempre a mesma súplica: “Faça-se a vossa vontade...e orou terceira vez, repetindo as mesmas palavras” (Mt 26,44). Jesus, com aquele fiat, nos mereceu e obteve então a resignação em todas as coisas contrárias e alcançou aos mártires e aos confessores a força de resistir a todas as perseguições e tormentos dos tiranos: “Esta palavra (fiat) abrasou todos os confessores e coroou todos os mártires”, escreve S. Leão (Serm. 7 de pass. c. 5). Da mesma forma pela mágoa de nossos pecados, que lhe ocasionou uma tão atroz agonia no horto, Jesus nos mereceu a contrição de nossas culpas. Pelo abandono do Pai, que suportou na cruz, mereceu-nos a força de não perdermos o ânimo nas desolações e trevas de espírito. Com o inclinar a cabeça, ao expirar na cruz, para obedecer à vontade de seu Pai, mereceu-nos todas as vitórias que obtemos contra as paixões e as tentações, a paciência nos sofrimentos da vida e particularmente nas amarguras e angústias da morte.
2. Escreve S. Leão que Jesus veio se revestir de nossas enfermidades e angústias para nos comunicar sua virtude e constância (Serm. 3 c. 4). E S. Paulo: “E conquanto fosse o Filho de Deus, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5,8). Isso não quer dizer que Jesus na sua paixão tivesse aprendido a virtude da obediência, até então ignorada por ele, mas que ele aprendeu pela experiência quão dura era a morte a que se sujeitara para obedecer a seu Pai, conforme explica S. Anselmo. Experimentou igualmente quão grande é o mérito da obediência, tendo obtido por meio dela o sumo grau de glória para si, qual o de assentar-se à direita do Pai, e para nós a salvação eterna. E conclui o Apóstolo. “E, consumado, fez-se para todos os que obedecem a causa da salvação eterna” (Hb 5,9). Disse consumado, porque, tendo perfeitamente executado a obediência, sofrendo com paciência toda a sua paixão, fez-se, para todos que lhe obedecem no sofrer pacientemente os trabalhos da vida presente, causa da Salvação eterna.

Nada poderá me separar do amor de Jesus.
1. Esta paciência de Jesus Cristo animou e encorajou os santos mártires para abraçar com paciência os mais atrozes tormentos que a crueldade dos tiranos soube inventar e não somente com paciência, mas até com alegria e desejo de padecer ainda mais por amor de Jesus Cristo. Leia-se a célebre carta que S. Inácio mártir, já condenado às feras, escreveu aos Romanos antes de chegar ao lugar de seu martírio: “Permiti, filhinhos, que eu seja triturado pelos dentes das feras para que seja encontrado como frumento de meu Redentor. Eu não busco outro senão aquele que morreu por mim. Ele, que é o único objeto de meu amor, foi crucificado por mim, e o amor que eu lhe dedico faz-me desejar ser crucificado por ele”. S. Leão escreve do mártir S. Lourenço que, enquanto ele estava na grelha, era menos ardente o fogo que o queimava exteriormente que aquele que o consumia interiormente. Escrevem Eusébio e Paládio que S. Potamiana, virgem de Alexandria, foi condenada a ser lançada em uma caldeira de pez fervente. A santa, a fim de mais sofrer por amor de seu esposo crucificado, pediu ao tirano que a introduzissem aos poucos na caldeira, para que a morte se tornasse mais dolorosa. E foi atendida, pois começaram a metê-la no pez pelos pés, de maneira que suportou durante três horas esse tormento, só morrendo quando o pez atingiu o seu pescoço. Eis aí a paciência e a fortaleza que receberam os mártires da paixão de Jesus Cristo.
2. Esta coragem que o crucifixo infunde naquele que o ama fazia o apóstolo dizer: “Quem, pois, nos há de separar da caridade de Cristo? A tribulação, a angústia, a fome, a nudez, o perigo, a perseguição, a espada?” (Rm 8,35). E afirma ao mesmo tempo que esperava superar tudo na virtude e pelo amor de Jesus Cristo. “Mas em tudo isso saímos vencedores por aquele que nos amou” (8,37). O amor dos mártires para com Jesus era invencível porque recebiam a força do invencível que os confortava nos sofrimentos. E não pensemos que os tormentos perdiam, por milagre, a propriedade de afligir, ou então que as consolações espirituais absorviam a dor dos tormentos: isso deu-se uma ou outra vez, mas ordinariamente os mártires bem sentiam as dores e muitos por fraqueza cederam às torturas; os que sofreram com constância sofreram-no exclusivamente pelo dom de Deus, que lhes subministrava um tal vigor. Objeto primário de nossa esperança é a bem-aventurança eterna, isto é, o gozo de Deus — fruitio Dei — como ensina S. Tomás; todos os outros meios, pois, para se alcançar a salvação, que consiste nesse gozo de Deus, como o perdão dos pecados, a perseverança final divina, a boa morte, não devemos esperar de nossas forças nem de nossos propósitos, mas somente dos merecimentos e da graça de Jesus Cristo. Para que seja, pois, firme a nossa confiança, devemos crer com certeza infalível que a aquisição de todos esses meios de salvação depende unicamente dos merecimentos de Jesus Cristo.
Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.