7 de novembro de 2019

A ALMA DE TODO APOSTOLADO

J. B. Chautard


Resposta a uma segunda objeção: É egoísta a vida interior?

Parte 1/3

Não falamos nem do preguiçoso nem do glutão espiritual, que fazem consistir a vida interior nas alegrias de uma ociosidade agradável e que procuram as consolações de Deus muito mais que o Deus das consolações. A sua é uma piedade falsa. Contudo, não tem melhor compreensão da vida interior aquele que, ou porque não refletiu, ou porque recusa deixar um preconceito, declara egoísta a vida interior.
Já dissemos que esta vida é a fonte pura e abundante das mais generosas obras de caridade para com as almas e da caridade que visa ao alivio dos sofrimentos deste mundo. Examinemos a utilidade desta vida por outro prisma.
Egoísta e estéril a vida interior de Maria e de José! Que blasfêmia e que absurdo! E, contudo, nenhuma obra exterior lhes é atribuída. A irradiação sobre o mundo de uma vida interior intensiva, os méritos das orações e dos sacrifícios aplicados à extensão dos benefícios da Redenção bastaram para constituir Maria, rainha dos apóstolos, e José, padroeiro da Igreja Universal.
Sóros mea relíquit me solam ministrare (minha irmã deixa-me sozinha a servir), diz servindo-se das palavras de Marta o tolo presunçoso que não vê senão as próprias obras exteriores e seus resultados.
Sua fatuidade e sua diminuta compreensão das vias divinas não chegam ao extremo de o fazer supor que Deus precisa absolutamente dele. Todavia, de boa vontade, repete ainda com Marta incapaz de aproveitar a excelência da contemplação de Madalena: Dic illi ut me ádjuvet (Dize-me pois que me ajude) e chega até a exclamar: Ut quid perdítio haec? (Para que foi esse desperdício?), censurando como desperdício de tempo os momentos que os colegas no apostolado, mais interiores do que ele, se reservem a fim de assegurar sua vida íntima com Deus.
Por eles me santifico a mim mesmo para que eles sejam também santificados na verdade, responde a alma que compreendeu todo o alcance desta palavra do Mestre: "para que", e ela, conhecendo o valor da oração e do sacrifício, une às lágrimas e ao sangue do Redentor as lágrimas dos seus olhos e o sangue de um coração que cada dia se vai purificando mais.
Com Jesus, a alma interior ouve a voz dos crimes do mundo subir até ao céu e atrair sobre os seus autores o castigo, cuja sentença ela retarda pela onipotência da súplica, capaz de deter a mão de Deus prestes a fulminar raios.
Aqueles que oram, dizia depois da sua conversão o eminente estadista Donosco Cortês, fazem mais pelo mundo do que aqueles que combatem, e, se o mundo caminha cada vez pior, é porque há mais batalhas que orações.
"As mãos erguidas, diz Bossuet, desbaratam mais batalhões do que as mãos que ferem". E no meio dos seus desertos, os solitários da Tabaída tinham muitas vezes no coração o fogo que animava são Francisco Xavier: pareciam, diz Santo Agostinho, ter abandonado o mundo mais do que seria mister: Videntur nonnulli res humanas plus quam  oportet deseruisse. Mas não se pensa, acrescentava, que as suas orções tornadas mais puras por esse grande afastamento do mundo eram por isso mesmo de maior influência e mais necessárias para esse mundo corrompido.

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