Devoção ao Sagrado Coração de Jesus
O Padre de la Colombiere foi um dos primeiros ministros de que Deus se serviu para mover os fiéis
a esta Devoção. Este servo de Deus, ainda mais ilustre pela gloriosa qualidade de confessor de Jesus
Cristo na Inglaterra do que pela de Pregador de S.A.R. a Senhora Duquesa de York, depois Rainha
da Grã - Bretanha, célebre na verdade pelas suas obras, nas quais soube a juntar tão bem a solidez à
elegância, e a elegância à unção; mas ainda mais estimado pela sublime virtude à qual se tinha
obrigado por um voto expresso a aspirar sempre, e a qual chegou em muito pouco tempo com
admiração de todos os que o conheceram, e até dos mesmos hereges. Este grande Servo de Deus,
digo, formou tão justa idéia da solidez e importância desta Devoção, e recebeu de Deus tantos favores
por meio das suas santas práticas, que se julgou obrigado a não omitir coisa alguma que fosse úti
para fazer público um tesouro que pertence a todo o mundo e que a maior parte dele com tudo isso
não conhece. Vejamos o que a este respeito escreveu no Diário dos seus Retiros espirituais, que fez
em Londres, e que depois da sua morte se deu à luz.
"Acabando (diz ele) este Retiro, cheio de confiança na misericórdia de meu Deus, pus a mim mesmo
uma lei de procurar por todos os meios possíveis a execução do que me foi ordenado da parte do meu
adorável Mestre a respeito do seu precioso Corpo no Santíssimo Sacramento do Altar, onde creio que está
real e verdadeiramente presente; cheio das doçuras, que eu provei e recebi da misericórdia de meu Deus,
sem as poder explicar, conheci que Deus queria que eu o servisse procurando o cumprimento dos seus
desígnios a respeito da Devoção que inspirou a uma pessoa,
a quem sua Divina Majestade se comunica muito familiarmente, e para quem Ele quis se servir da minha
fraqueza. Eu a tenho aconselhado a muitas pessoas na Inglaterra: escrevi a respeito dela na França, e roguei
a um dos meus amigos que a fizesse estabelecer no lugar em que assiste, porque será muito útil; e o grande
número de almas escolhidas que há naquela Comunidade me faz julgar que a sua prática naquela santa casa
será muito agradável a Deus. Oh! que eu não possa, meu Deus, estar em todo o mundo, para publicar o que
vós pretendeis dos vossos servos e amigos!
"Tendo-se, pois, Deus manifestado aquela pessoa que, com razão, creio ser conforme ao seu Coração, pelas
grandes graças que lhe tem feito, ela se declarou comigo, eu a obriguei a que escrevesse o que me tinha dito,
e eu mesmo o escrevi no Diário dos meus retiros espirituais, porque Deus se quer servir da minha fraqueza na
execução deste desígnio. "Estando (diz esta santa alma) diante do Santíssimo Sacramento um dia de sua
Oitava, recebi de meu Deus excessivas graças do seu amor. Movida do desejo de usar de alguma
correspondência, e de lhe pagar amor com amor, ele me disse: <
que tantas vezes te tenho pedido>>; e mostrando-me o seu Divino Coração, continuou: <
Coração que tem amado tanto aos homens, que nada poupou até se esgotar e consumir em testemunho do
seu amor; e em agradecimento não recebo da maior parte deles mais que ingratidões pelos desprezos
irreverências, sacrilégios e friezas que usam comigo neste Sacramento de amor; mas o que para mim ainda é
mais sensível é que façam isto uns corações que me estão consagrados. Pelo que, pois, te peço que a
primeira sexta-feira depois da Oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada uma Festa particular para
honrar o meu Coração, reparando de algum modo tantos ultrajes por meio de um público e honroso desagravo,
comungando neste dia para reparar as indignidades que recebeu durante o tempo que esteve exposto sobre
os Altares; e eu prometo que o meu Coração se dilatará para derramar com abundância as influências do
seu Divino amor sobre aqueles que lhe fizerem esta honra.>>
"Mas, meu Senhor, de quem vós valeis? (lhe diz esta pessoa.) De uma tão vil criatura, e tão pobre pecadora,
que com a sua indignidade talvez será capaz de embaraçar o cumprimento da vossa vontade? Vós tende
tantas almas generosas, que executem os vossos desígnios. << Não sabes (respondeu o Senhor) que eu me
sirvo dos instrumentos mais débeis para confundir os fortes? Que, de ordinário, nos pequenos e pobres de
espírito faço ver mais claramente o meu poder; para que não atribuam coisa alguma a si mesmos?>>
"Dai-me pois (lhe diz ela) o meio de executar o que me ordenais. Então acrescentou o Senhor: <
servo N. e diz-lhe da minha parte que faça todo o possível para estabelecer esta Devoção, e dar este gosto
ao meu Divino Coração; que se não desanime com as dificuldades que encontrar, as quais não lhe faltarão;
mas deve saber que aquele é todo poderoso que, desconfiando de si inteiramente, põe em mim toda a sua
confiança.>>"
O Padre de la Colombiére, que tinha um discernimento consumado, não era homem que cresse as coisas
ligeiramente; mas, tendo provas manifestas da alta e sólida virtude da pessoa que lhe falava, não se lhe
ofereceu nem o menor receio de ilusão; por isso se aplicou, sem perder tempo, ao ministério que Deus lhe
confiava. Mas para segurar-se sólida e perfeitamente, quis principiar por si mesmo; consagrou-se inteiramente
ao Sagrado Coração de Jesus; ofereceu-lhe tudo quanto julgou em si capaz de honrar; e de lhe agradar; e as
graças extraordinárias que recebeu desta prática e confirmaram bem depressa na idéia que tinha formado da
importância e solidez desta Devoção. Tão logo considerou quais eram os afetos cheios de ternura que Jesus
Cristo tem para conosco no Santíssimo Sacramento, onde o seu Sagrado Coração está sempre abrasado do
amor que tem aos homens, sempre aberto para derramar sobre eles toda a qualidade de graças e de bênçãos,
quando, digo, considerou tudo isso, não pode deixar de chorar vendo as horríveis ofensas que Jesus Cristo
nele sofre há tanto tempo pela malícia dos hereges, e o estranho desprezo que a maior parte dos mesmos
Católicos fazem de Jesus Cristo neste augusto Sacramento. Este desprezo, este esquecimento, estes ultrajes
o penetraram de um modo tão sensível, que o obrigaram a consagrar-se de novo a este Sagrado Coração por
meio da admirável Oração que ele chama Oferta ao Sagrado Coração de Jesus, a qual se achará ao final
desta Obra.
A viagem que este servo de Deus fez à Inglaterra, a sua prisão, e o pouco tempo que viveu, depois que voltou
para França, não lhe permitiram instruir nela mais o público. Mas não deixou Deus a sua obra imperfeita. Ele
mesmo inspirou esta Devoção, a qual tinha feito conhecer a Santa Gertrudes que estava especialmente
reservada para estes últimos tempos, a fim de excitar por este meio a tibieza e covardia dos fiéis; e por meio
de um pequeno livro, composto quase por acaso, sem estudo, sem arte, e sem desígnio, inspirou esta
Devoção às mesmas pessoas que jamais gostaram dela, e que noutro tempo quase sem saber do que se
tratava, a tinham, digamos assim, desacreditado; e destas mesmas se serviu Deus, particularmente, para
a inspirar quase por todo o mundo.
Assim, em menos de um ano, se viu esta Devoção venturosamente estabelecida: os mais Sábios Diretores,
os Doutores e os Prelados a elogiaram, os Pregadores a pregaram com bom sucesso, edificaram-se Capelas
em honra ao Sagrado Coração de Jesus Cristo, gravou-se, pintou-se a sua Imagem, erigiram-se-lhe Altares; e
as Religiosas da Visitação, que animadas do espírito do seu Santo Fundador têm sido nisto as mais zelosas,
ou ao menos as primeiras, tiveram o gosto de ouvirem cantar solenemente em Dijon, na Capela que fizeram
edificar ao Sagrado Coração de Jesus, a Missa composta em sua honra. Outras muitas religiosas têm seguido
o seu exemplo com grande fruto: está sólida Devoção tem se espalhado, e estabelecido com sucesso
maravilhoso quase por toda a França, tem passado aos Reinos estrangeiros, e até chegou ao Ultramar: tem-se
estabelecido em Quebec e em Malta, e há motivo para crer que por meio dos missionários se tem já
espalhado na Síria, nas Índias, e até na China. Enfim, a aprovação universal que esta Devoção tem tido, a
estimação, que dela têm feito pessoas de merecimento e virtude geralmente reconhecida, faz esperar que
Jesus Cristo será daqui em diante menos esquecido, mais bem servido, e muito mais amado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário