1 de maio de 2013

Sermão 4º Domingo depois da Páscoa - Padre Daniel Pinheiro - IBP


[Sermão] Amar os mandamentos e desejar o Céu


Sermão para o Quarto Domingo depois da Páscoa
28 de abril de 2013 - Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
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A Coleta de hoje (a Coleta é a primeira oração sacerdotal propriamente dita da Missa, rezada após o Gloria) é uma obra prima, como tantas outras ao longo dos domingos do ano litúrgico. E faz parte, quase certamente, das Coletas antigas colocadas por escrito por volta do séc. IV ou séc. V (apesar de sua composição ser, provavelmente, ainda mais antiga do que isso). Essas Coletas são um lugar teológico, quer dizer, nelas podemos encontrar claramente a doutrina católica, elas exprimem a fé católica e são uma fonte para conhecer a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Agostinho estabeleceu seus doze artigos sobre a doutrina da graça a partir das Coletas das Missas. Foi a partir das Coletas que o Papa São Celestino I (séc. V) forjou o famoso adágio de que a lei da oração estabelece a lei do que se deve crer (legem credendi statuat lex supplicandi). A Coleta de hoje é uma obra prima pelo estilo, com seu ritmo bem estabelecido, com paralelismos, com oposições; porém, antes de tudo pela perfeita doutrina que contém e pelo pedido imprescindível que é feito. A Coleta de hoje é uma obra prima que serve de base para a nossa vida espiritual.
Consideremos essa curta, mas riquíssima oração, fazendo, primeiramente, uma tradução um pouco mais literal do que a habitualmente contida nos missais de fiéis. “Ó Deus, que formais as mentes dos fiéis com uma só vontade, dai aos vossos povos de amar aquilo que ordenais e de desejar aquilo que prometeis, para que, entre as mudanças do mundo, o nosso coração esteja fixado onde estão as verdadeiras alegrias.
Inicialmente, caros católicos, temos, na Coleta de hoje, a afirmação de que é Deus com a sua graça que pode formar, em nossa alma, boas disposições. É ele que forma na alma de todos os católicos e mais especialmente de todos aqueles que estão em estado de graça uma só vontade. Nós não podemos alcançar a graça com nossas próprias forças ou progredir na graça, na virtude, com nossas próprias forças. Na vida sobrenatural é Deus que age. E nós devemos também agir, cooperando com suas graças, com os seus benefícios. Nós devemos implorar, suplicar a sua graça, fazendo a nossa parte, nos esforçando para remover os obstáculos e para nos dispor à recepção da graça. Sem Deus, nós nada podemos fazer. Mas sem a nossa cooperação, também nada pode ser feito.
Tendo reconhecido que toda graça e todo bem sobrenatural vem de Deus, com o qual devemos cooperar, nós pedimos a Ele, que dê aos povos dEle a graça de amar aquilo que Ele ordena e de desejar aquilo que Ele promete. Vale destacar que no latim original temos povos no plural e não no singular, pois a Igreja, sendo única, é composta de diversos povos, ao contrário do que ocorria no Antigo Testamento. Como diz São João no Apocalipse: “Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua.” (Apoc. VII, 9). É Deus que une esses diferentes povos e nações, formando neles uma mesma vontade, que ama aquilo que ele ordena e que deseja aquilo que ele promete. Portanto, o que faz a unidade dos fiéis não é o estar juntos, mas a caridade e a esperança, que têm como pressuposto a fé, pois só podemos esperar algo em que acreditamos e só podemos amar o que conhecemos. Sem a fé, não há esperança e não há caridade.
E é isso que hoje pedimos a Deus que forme também em nossas almas: a vontade de amar aquilo que Ele ordena e de desejar aquilo que Ele promete. O primeiro pedido é amar aquilo que Ele ordena. Nós só podemos amar, caros católicos, aquilo que reconhecemos como um bem para nós. Nós pedimos a Deus, então, que nos dê a graça de reconhecer que os seus mandamentos, que sua lei é algo bom, e bom para nós, não só porque nos faz alcançar a vida eterna, mas porque é boa para nós já nesse mundo. Reconhecendo que sua lei é um bem, poderemos amá-la verdadeiramente. Hoje, muitos veem a lei de Deus como um fardo a ser carregado com tristeza porque nos tira a liberdade e como um mal necessário para chegar ao céu. Na verdade, a lei de Deus é algo bom em si, ela corresponde perfeitamente à natureza humana e a aperfeiçoa e a eleva (gratia perfecit naturam), fazendo-nos participar da vida infinita da Santíssima Trindade. Além disso, a lei de Deus não tira de nós a liberdade, pois a liberdade bem compreendida não consiste em fazer o que se quer. A liberdade consiste em escolher os meios aptos para se chegar a um objetivo bom. Nosso objetivo aqui na terra é conhecer, amar e servir a Deus para ser eternamente feliz com Ele no céu. Portanto, a verdadeira liberdade consiste em escolher entre meios adequados para ir ao céu, sempre excluindo, consequentemente, o pecado. A lei de Deus auxilia a nossa liberdade, dirigindo-a para Deus, para que não nos desviemos da finalidade para a qual fomos criados. Devemos não só observar a lei de Deus, mas amá-la e amá-la cada vez mais. Como diz o rei David no Salmo 118 (que é um sublime elogio da lei de Deus): “Ah, quanto amo, Senhor, a vossa lei! Durante o dia todo eu a medito.” (Sal CXVIII, 97). Amar a lei de Deus não é, porém, algo sensível. Amar a lei de Deus é, primeiramente, cumpri-la e buscar cumpri-la cada vez melhor. Mas devemos ir além. Devemos buscar  nos alegrar profundamente no cumprimento da lei do Senhor. E é essa a diferença entre um católico comum e um santo. O santo se alegra profundamente no cumprimento da lei de Deus.  Eis o primeiro pedido da Coleta de hoje: que Deus nos dê a graça de amar aquilo que Ele ordena.
O segundo pedido é a graça de desejar aquilo que Ele prometeu. Um desejo se refere sempre a um bem ausente e se nós realmente desejamos esse bem que ainda não possuímos, buscamos os meios para alcançá-lo sem medir esforços. Quanto mais desejamos algo, mais buscamos os meios e mais amamos os meios que nos levam ao que desejamos. A Coleta pede a Deus que nos dê a graça de desejar aquilo que Ele prometeu. Aquilo que Deus nos prometeu, por excelência, foi o céu, a visão face a face de Deus em um corpo ressuscitado. E a vida eterna é justamente o nosso maior bem. Devemos, portanto, desejá-la com todas as nossas forças, empregando os meios necessários para alcançá-la, apesar de todas as dificuldades. O primeiro passo para alcançar a vida eterna é desejar alcançá-la, mas desejá-la realmente, disposto a empregar os meios. E se, com o auxílio divino, desejamos a vida eterna e empregamos o meio para alcançá-la, que é o amor a lei de Deus, o cumprimento da lei de Deus, podemos estar certos de que Deus nos dará graças mais do que abundantes para que alcancemos a vida eterna.
Amar aquilo que Deus manda e desejar aquilo que Ele promete. Não basta, porém, pedir essas duas coisas a Deus, quer dizer, não basta pedir aqui e agora que eu deseje o céu e que eu cumpra os mandamentos para alcançar o céu. É preciso pedir também a graça de perseverar até o fim nesse desejo de alcançar o céu e nesse cumprimento da lei de Deus. E essa é a última petição da Coleta de hoje: que diante da instabilidade, das mudanças das coisas do mundo, nós possamos permanecer fixos onde se contra a verdadeira felicidade. Tendo reconhecido que a lei de Deus é um bem para nós e tendo reconhecido que a vida eterna é o nosso maior bem, somos obrigados a reconhecer que a nossa felicidade se encontra na prática da lei de Deus e na ida ao céu. A verdadeira e perfeita felicidade está no céu, mas já se inicia aqui na terra pela prática da lei de Deus, que nos une a Ele. Que Deus possa fixar definitivamente nosso coração onde estão as verdadeiras alegrias e não nas alegrias aparentes e passageiras do mundo.
Devemos, então, caros católicos, com o auxílio da misericórdia e da onipotência divinas, amar a lei de Deus, praticando-a e procurando praticá-la com alegria. Devemos desejar ardentemente o céu. Devemos fixar nosso coração nesse amor e nesse desejo, que são nossas verdadeiras alegrias. Dessa forma, cumpriremos a nossa finalidade de conhecer, amar e servir a Deus e de alcançar o céu, mas também cumpriremos a finalidade ainda mais importante de dar maior glória a Deus, tornando-o mais conhecido, amado e servido.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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