[Sermão] Amar os mandamentos e desejar o Céu
Sermão para o Quarto Domingo depois da Páscoa
28 de abril de 2013 - Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
***
A Coleta de hoje (a Coleta é a primeira
oração sacerdotal propriamente dita da Missa, rezada após o Gloria) é
uma obra prima, como tantas outras ao longo dos domingos do ano
litúrgico. E faz parte, quase certamente, das Coletas antigas colocadas
por escrito por volta do séc. IV ou séc. V (apesar de sua composição
ser, provavelmente, ainda mais antiga do que isso). Essas Coletas são um
lugar teológico, quer dizer, nelas podemos encontrar claramente a
doutrina católica, elas exprimem a fé católica e são uma fonte para
conhecer a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Agostinho
estabeleceu seus doze artigos sobre a doutrina da graça a partir das
Coletas das Missas. Foi a partir das Coletas que o Papa São Celestino I
(séc. V) forjou o famoso adágio de que a lei da oração estabelece a lei
do que se deve crer (legem credendi statuat lex supplicandi). A
Coleta de hoje é uma obra prima pelo estilo, com seu ritmo bem
estabelecido, com paralelismos, com oposições; porém, antes de tudo pela
perfeita doutrina que contém e pelo pedido imprescindível que é feito. A
Coleta de hoje é uma obra prima que serve de base para a nossa vida
espiritual.
Consideremos essa curta, mas riquíssima
oração, fazendo, primeiramente, uma tradução um pouco mais literal do
que a habitualmente contida nos missais de fiéis. “Ó Deus, que
formais as mentes dos fiéis com uma só vontade, dai aos vossos povos de
amar aquilo que ordenais e de desejar aquilo que prometeis, para que,
entre as mudanças do mundo, o nosso coração esteja fixado onde estão as
verdadeiras alegrias.”
Inicialmente, caros católicos, temos, na
Coleta de hoje, a afirmação de que é Deus com a sua graça que pode
formar, em nossa alma, boas disposições. É ele que forma na alma de
todos os católicos e mais especialmente de todos aqueles que estão em
estado de graça uma só vontade. Nós não podemos alcançar a graça com
nossas próprias forças ou progredir na graça, na virtude, com nossas
próprias forças. Na vida sobrenatural é Deus que age. E nós devemos
também agir, cooperando com suas graças, com os seus benefícios. Nós
devemos implorar, suplicar a sua graça, fazendo a nossa parte, nos
esforçando para remover os obstáculos e para nos dispor à recepção da
graça. Sem Deus, nós nada podemos fazer. Mas sem a nossa cooperação,
também nada pode ser feito.
Tendo reconhecido que toda graça e todo
bem sobrenatural vem de Deus, com o qual devemos cooperar, nós pedimos a
Ele, que dê aos povos dEle a graça de amar aquilo que Ele ordena e de
desejar aquilo que Ele promete. Vale destacar que no latim original
temos povos no plural e não no singular, pois a Igreja, sendo única, é
composta de diversos povos, ao contrário do que ocorria no Antigo
Testamento. Como diz São João no Apocalipse: “Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua.”
(Apoc. VII, 9). É Deus que une esses diferentes povos e nações,
formando neles uma mesma vontade, que ama aquilo que ele ordena e que
deseja aquilo que ele promete. Portanto, o que faz a unidade dos fiéis
não é o estar juntos, mas a caridade e a esperança, que têm como
pressuposto a fé, pois só podemos esperar algo em que acreditamos e só
podemos amar o que conhecemos. Sem a fé, não há esperança e não há
caridade.
E é isso que hoje pedimos a Deus que
forme também em nossas almas: a vontade de amar aquilo que Ele ordena e
de desejar aquilo que Ele promete. O primeiro pedido é amar aquilo que
Ele ordena. Nós só podemos amar, caros católicos, aquilo que
reconhecemos como um bem para nós. Nós pedimos a Deus, então, que nos dê
a graça de reconhecer que os seus mandamentos, que sua lei é algo bom, e
bom para nós, não só porque nos faz alcançar a vida eterna, mas porque é
boa para nós já nesse mundo. Reconhecendo que sua lei é um bem,
poderemos amá-la verdadeiramente. Hoje, muitos veem a lei de Deus como
um fardo a ser carregado com tristeza porque nos tira a liberdade e como
um mal necessário para chegar ao céu. Na verdade, a lei de Deus é algo
bom em si, ela corresponde perfeitamente à natureza humana e a
aperfeiçoa e a eleva (gratia perfecit naturam), fazendo-nos
participar da vida infinita da Santíssima Trindade. Além disso, a lei de
Deus não tira de nós a liberdade, pois a liberdade bem compreendida não
consiste em fazer o que se quer. A liberdade consiste em escolher os
meios aptos para se chegar a um objetivo bom. Nosso objetivo aqui na
terra é conhecer, amar e servir a Deus para ser eternamente feliz com
Ele no céu. Portanto, a verdadeira liberdade consiste em escolher entre
meios adequados para ir ao céu, sempre excluindo, consequentemente, o
pecado. A lei de Deus auxilia a nossa liberdade, dirigindo-a para Deus,
para que não nos desviemos da finalidade para a qual fomos criados.
Devemos não só observar a lei de Deus, mas amá-la e amá-la cada vez
mais. Como diz o rei David no Salmo 118 (que é um sublime elogio da lei
de Deus): “Ah, quanto amo, Senhor, a vossa lei! Durante o dia todo eu a medito.”
(Sal CXVIII, 97). Amar a lei de Deus não é, porém, algo sensível. Amar a
lei de Deus é, primeiramente, cumpri-la e buscar cumpri-la cada vez
melhor. Mas devemos ir além. Devemos buscar nos alegrar profundamente
no cumprimento da lei do Senhor. E é essa a diferença entre um católico
comum e um santo. O santo se alegra profundamente no cumprimento da lei
de Deus. Eis o primeiro pedido da Coleta de hoje: que Deus nos dê a
graça de amar aquilo que Ele ordena.
O segundo pedido é a graça de desejar
aquilo que Ele prometeu. Um desejo se refere sempre a um bem ausente e
se nós realmente desejamos esse bem que ainda não possuímos, buscamos os
meios para alcançá-lo sem medir esforços. Quanto mais desejamos algo,
mais buscamos os meios e mais amamos os meios que nos levam ao que
desejamos. A Coleta pede a Deus que nos dê a graça de desejar aquilo que
Ele prometeu. Aquilo que Deus nos prometeu, por excelência, foi o céu, a
visão face a face de Deus em um corpo ressuscitado. E a vida eterna é
justamente o nosso maior bem. Devemos, portanto, desejá-la com todas as
nossas forças, empregando os meios necessários para alcançá-la, apesar
de todas as dificuldades. O primeiro passo para alcançar a vida eterna é
desejar alcançá-la, mas desejá-la realmente, disposto a empregar os
meios. E se, com o auxílio divino, desejamos a vida eterna e empregamos o
meio para alcançá-la, que é o amor a lei de Deus, o cumprimento da lei
de Deus, podemos estar certos de que Deus nos dará graças mais do que
abundantes para que alcancemos a vida eterna.
Amar aquilo que Deus manda e desejar
aquilo que Ele promete. Não basta, porém, pedir essas duas coisas a
Deus, quer dizer, não basta pedir aqui e agora que eu deseje o céu e que
eu cumpra os mandamentos para alcançar o céu. É preciso pedir também a
graça de perseverar até o fim nesse desejo de alcançar o céu e nesse
cumprimento da lei de Deus. E essa é a última petição da Coleta de hoje:
que diante da instabilidade, das mudanças das coisas do mundo, nós
possamos permanecer fixos onde se contra a verdadeira felicidade. Tendo
reconhecido que a lei de Deus é um bem para nós e tendo reconhecido que a
vida eterna é o nosso maior bem, somos obrigados a reconhecer que a
nossa felicidade se encontra na prática da lei de Deus e na ida ao céu. A
verdadeira e perfeita felicidade está no céu, mas já se inicia aqui na
terra pela prática da lei de Deus, que nos une a Ele. Que Deus possa
fixar definitivamente nosso coração onde estão as verdadeiras alegrias e
não nas alegrias aparentes e passageiras do mundo.
Devemos, então, caros católicos, com o
auxílio da misericórdia e da onipotência divinas, amar a lei de Deus,
praticando-a e procurando praticá-la com alegria. Devemos desejar
ardentemente o céu. Devemos fixar nosso coração nesse amor e nesse
desejo, que são nossas verdadeiras alegrias. Dessa forma, cumpriremos a
nossa finalidade de conhecer, amar e servir a Deus e de alcançar o céu,
mas também cumpriremos a finalidade ainda mais importante de dar maior
glória a Deus, tornando-o mais conhecido, amado e servido.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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