Acquiesce igitur ei, et habeto pacem, et per haec habebis fructus optimos – “Submete-te, pois, a Ele, e terás paz; e assim colherás excelentes frutos” (Iob. 22, 21).
Sumário. Uma alma não pode ter maior satisfação do que vendo todos os seus desejos cumpridos. Ora, quem não quer senão o que Deus quer, vê realizados todos os seus desejos, pois que tudo acontece por vontade de Deus. Eis aqui portanto o grande meio para sermos sempre felizes mesmo neste mundo: entreguemo-nos inteiramente e para sempre à vontade divina e imaginemos que o Senhor diz a cada um de nós o que disse a Santa Catarina de Sena: Pensa tu em mim, e eu pensarei em ti.
I. Quem se conserva unido à vontade de Deus, goza, mesmo neste mundo, uma paz inalterável: Non contristabit iustum quidquid ei acciderit (1) – “Não entristecerá ao justo coisa alguma que lhe acontecer”. Com efeito, a maior satisfação que uma alma pode gozar, é ver todos os seus desejos cumpridos. Ora, quem deseja só o que Deus quer, tem tudo que quer, porque tudo acontece por vontade de Deus. Faça frio ou calor, caia chuva ou sopre vento, o que vive em união com a vontade de Deus, diz sempre: Quero este frio, este calor, etc., porque Deus o quer assim. Aconteça-lhe um revés, uma perseguição, venha-lhe a enfermidade ou a morte, ele dirá sempre: Quero ser pobre, perseguido, doente, quero mesmo morrer, porque é esta a vontade de Deus.
O que descansa na vontade divina e se compraz em tudo quanto faz o Senhor, é como se estivesse acima das nuvens: vê a seus pés a tempestade enfurecida, sem se deixar perturbar por ela. Tal é a paz, que, segundo o Apóstolo, está acima de todo o entendimento, exsuperat omnem sensum (2); que é superior a todas as delícias do mundo: paz constante, que não sofre nenhuma vicissitude. – Homo sanctus in sapientia manet, sicut sol; stultus sicut luna mutatur (3). O insensato (isto é, o pecador) é inconstante como a luz, que ora cresce, ora diminui. Hoje estará rindo, amanhã chorando; hoje de bom humor e todo manso, amanhã triste e furioso; numa palavra, varia conforme o bom ou mau estado de seus negócios. Mas o justo é como o sol, sempre uniformemente tranquilo, aconteça o que lhe acontecer; porque a sua paz consiste em conformar-se com a vontade de Deus, que não quer senão o nosso bem, ainda quando nos manda cruzes e nos castiga.
É verdade que na parte sensitiva não deixará de sentir nas contrariedades alguma pena e tristeza; mas na parte superior sempre reinará a paz, que lhe servirá para sofrer tudo com resignação. Numa palavra: assim como a madeira indicada pelo Senhor a Moisés mudava as águas amargosas em doces, assim a vontade de Deus torna doces todas as tribulações. Santa Maria Magdalena de Pazzi, só ao ouvir falar na vontade de Deus, ficava arrebata em êxtases, e dirigindo-se às suas religiosas dizia: “Não sentis quanta doçura encerra esta palavra: vontade de Deus?”
II. Se nós também quisermos ser felizes, entreguemo-nos sempre e em tudo nas mãos de Deus, que é tão solícito do nosso bem e nos ama a ponto de não poupar o próprio Filho, mas de entrega-Lo à morte da cruz para a salvação de todos (4). Tanto mais que a vontade de Deus há de se fazer necessariamente, e os insensatos que Lhe querem resistir, carregarão a cruz, talvez mais pesada, mas sem fruto e sem paz: Voluntati eius quis resistet? (5) – “Quem resistirá à vontade de Deus?” – Repito-o: entreguemo-nos a Deus, e imaginemos que e o Senhor nos diz o que disse a Santa Catarina de Sena: “Pensa em mim, e eu pensarei em ti.”
Cuidemos, além disso, em nos familiarizarmos com algumas passagens da Escritura, que nos podem ajudar a viver sempre unidos à vontade de Deus. Dilectus meus mihi, et ego illi (6) – O meu amado pensa em meu bem, e eu não quero pensar senão em agradar-Lhe e em unir-me sempre com a sua santa vontade. Domine, quid me vis facere? (7) – Senhor, dizei-me o que quereis que faça? Quero fazer tudo o que Vos agradar. Ecce ancilla Domini (8) – Eis-me aqui; a minha alma é vossa escrava; mandai e sereis obedecido. Tuus sum ego, salvum me fac (9) – Salvai-me, Senhor, e depois fazei de mim segundo a vossa vontade; sou vosso e não meu. – Quando nos sobrevier alguma dificuldade mais grave, digamos logo: Ita, Pater, quoniam sic fuit placitum ante te (10) – Meu Deus, assim Vos agradou, assim seja feito.
Sobretudo seja-nos cara a terceira petição do Pai Nosso: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu (11). Digamo-la a miúdo com afeto, e repitamo-la muitas vezes. Felizes de nós, se vivermos e morrermos dizendo: Fiat, fiat voluntas tua! – “Faça-se, sim, faça-se a vossa vontade!” – Ó meu Jesus, é o que proponho fazer em todo o resto de minha vida; Vós, porém, ajudai-me a ser-Vos fiel. – Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, a vós também peço esta mesma graça. (*II 173.)
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1. Prov. 12, 21.
2. Phil. 4, 7.
3. Ecclus. 27, 12.
4. Rom. 8, 32.
5. Rom. 9, 19.
6. Cant. 2, 16.
7. Act. 9, 6.
8. Luc. 1, 38.
9. Ps. 118, 94.
10. Matth. 11, 26.
11. Matth. 6, 10.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 85 - 88.)
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