3 de fevereiro de 2022

DOM PERUZZO, NON POSSUMUS

por um membro da comunidade de fiéis atendida pelo IBP em Curitiba

        Permita, caro leitor, que este autor, católico romano, exprima-se com clareza, preto no branco, sobre algumas verdades de sua fé e sobre certos acontecimentos recentes. O autor julga essa clareza algo da maior necessidade e honestidade, a fim de que possa haver alguma compreensão e respeito; clareza sem a qual, em verdade, pratica-se o vil proselitismo, tantas vezes denunciado pelo Papa Francisco. Aqui não se tem a pretensão de convencer ninguém sobre essas verdades de fé; almeja-se tão somente demonstrar como certos acontecimentos recentes são, para ele (e para muitos), algo de importância verdadeiramente vital, além de levar ao público a injustiça que se tem praticado.

        Segundo a doutrina católica, o Cristianismo é o (único) caminho que devem os homens tomar para atingirem a finalidade de suas existências, dada pela Revelação, e que consiste na “vida eterna, plena posse, pelo conhecimento e pelo amor, da Alegria infinita e perfeita que é Deus” (Jean Daujat, Conhecer o Cristianismo). Esse caminho deve ser trilhado na pertença a uma Sociedade, a Igreja, que é um Corpo constituído de diversos membros, cuja Cabeça e Fundador é o próprio Deus encarnado, Jesus Cristo. Nas palavras do Credo de Niceia, Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica — a Igreja Católica.

        É pelos Sacramentos, através do poder e da autoridade conferidos à Igreja, que Deus infunde ordinariamente nas suas criaturas humanas, doravante seus filhos, uma parcela de sua Natureza divina, a Graça, com vistas àquela posse total do homem por Deus e de Deus pelo homem. O maior e o mais excelente dos Sacramentos é o que, pela virtude do Sacerdócio Ministerial, traz substancialmente, sob a aparência de alimento (pão e vinho), a própria fonte dessa graça, Deus Filho encarnado, Jesus Cristo: a Eucaristia. E a Eucaristia ocorre na Missa, por meio da qual “a Igreja toda inteira no decorrer da história assiste e participa do sacrifício da cruz e recolhe os seus frutos. Se o sacrifício da cruz é a única fonte de toda a vida da Igreja, a missa é o centro e o ato essencial da vida da Igreja, e é por ela que a Igreja continua a viver e a crescer até ao fim dos tempos” (Jean Daujat).

        Para a vasta maioria dos católicos latinos, basta ir à igreja mais próxima para assistir à Missa. Todavia, a Liturgia do Rito Romano que ali presencia constitui-se num uso recente, reformado após o Concílio Vaticano II, ocorrido na década de 1960.

        O Concílio, aplicando o aggiornamento pregado pelo Papa João XXIII, constituiu uma séria ruptura com a Tradição da Igreja em termos doutrinais e morais, e foi ocasião de uma tentativa de catolicização (se isso fosse possível) do naturalismo e do subjetivismo próprios do protestantismo, já instituídos jurídica, política e socialmente pela Revolução Francesa de 1789. E, se todos os Romanos Pontífices desde o final do século XVIII até ao início do século XX haviam se manifestado claramente contra o liberalismo e, depois, contra o modernismo, agora, porém, por meio de ambiguidades ou omissões textuais, certas doutrinas como a da liberdade religiosa e da colegialidade eclesial passaram a ser ventiladas oficial ou oficiosamente. Além disso um ecumenismo mal compreendido, que operou sobretudo por uma larga abertura aos protestantes — para os quais são inaceitáveis certos pontos cruciais da doutrina católica como o Sacerdócio Ministerial; a Presença Real, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, pela transubstanciação, de Jesus Cristo na Eucaristia; a finalidade satisfatória e propiciatória do Sacrifício Eucarístico —, influenciou enormemente a reforma litúrgica levada a cabo pelo Papa Paulo VI.

        A venerável Liturgia Romana — que se formara organicamente ao longo da tradição dos séculos, mas atingira sua forma substancial já no século V, de modo que, a partir de então, ao longo da Idade Média, novos acréscimos foram feitos, alguns dos quais ilegítimos e inorgânicos, propiciamente saneados na reforma promovida pelo Papa São Pio V, segundo os decretos do Concílio de Trento — no curto espaço de menos de dez anos, revestiu-se de uma nova forma, sob as alegações, entre outras, da necessidade de um retorno às origens (o “arqueologismo insalubre” condenado pelo Papa Pio XII), uma melhor expressão das realidades significadas e uma participação mais ativa dos fiéis.

        Na prática, a Liturgia Romana reformada, por suas omissões em comparação com a Liturgia Romana tradicional, bem como por sua inspiração de fundo, representa, segundo o célebre Breve exame crítico do Novus Ordo Missæ, apresentado em 1969 pelos Cardeais Alfredo Ottaviani e Antonio Bacci ao Papa Paulo VI, “tanto em seu todo como nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa”. Ainda o mesmo documento: “As razões pastorais apresentadas para justificar uma ruptura tão grave, ainda que tais razões pudessem ser sustentadas em face das considerações doutrinárias, não parecem ser suficientes. As inovações na Novus Ordo e o fato de que tudo o que possui um valor perene encontra ali apenas um lugar secundário — se é que continua a existir — poderiam muito bem transformar em certeza as suspeitas, infelizmente já dominantes em muitos círculos, de que as verdades que sempre foram objeto de crença pelos cristãos podem ser alteradas ou ignoradas sem infidelidade ao sagrado depósito da doutrina ao qual a fé católica está para sempre ligada”.

        Se é pelos frutos que podemos conhecer quanto vale uma árvore, sessenta ou cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II e da promulgação dos novos livros litúrgicos, o mundo presencia o trágico espetáculo de uma Igreja cada vez mais encolhida, cujos números oficiais não representam o pequenino número do rebanho ativo e fiel; Igreja fragilizada pelos escândalos de crimes financeiros e sexuais perpetrados por seus membros pecadores; Igreja que quase nada representa para o mundo, com o qual firmou tantos compromissos, Igreja que já não ilumina as sociedades civis, as famílias; Igreja de seminários vazios, de conventos e mosteiros fechados ou transformados (na prática) em asilos de idosos monges e freiras, de lares com diminuta ou inexistente prole, quando já não desmantelado pela doença do divórcio ou enfraquecido pelo materialismo reinante. E tantas outras coisas ainda poderiam ser deploradas... Contudo, a mais nefasta consiste em que aquele único caminho de salvação, e os meios de o trilhar, já não são ensinados e pregados, ao menos não com clareza, quando não abertamente ridicularizados, de modo que as trevas dominaram as inteligências e as consciências, abandonadas a si mesmas, com grave perigo para a salvação das almas.

        Para os católicos ditos “tradicionais” — alcunha na verdade indevida, visto que são e querem ser tão somente católicos —, a assistência à Missa dita “de Sempre” e aos demais Sacramentos e Sacramentais, bem como a adesão à Doutrina de sempre, não representam a mera eleição de um gosto pessoal, uma preferência subjetiva, um saudosismo ou uma cega ideologia: representa sua adesão e seu amor, inclusive até ao sacrifício de si, àquela doutrina salvífica pregada por seu Divino Mestre, tantas vezes e de tantos modos combatida ao longos dos séculos, mas sempre guardada, transmitida e esclarecida, íntegra, até ao martírio, pelos Romanos Pontífices, e, em comunhão com eles, os Bispos e os Padres. Representa, por fim, sua escolha por aquele único caminho, posto que estreito e repleto de escolhos.

        Ora, foi desde o primeiro momento da implantação dos novos ritos que se iniciaram os movimentos de resistência, sendo o mais notório e relevante aquele conduzido pelo arcebispo francês Dom Marcel Lefebvre. Depois disso, inúmeros indultos ou concessões para o uso da Liturgia Romana Tradicional foram concedidos pelos Romanos Pontífices, entre os quais o penúltimo foi o motu proprio intitulado Summorum Pontificum, dado pelo Papa Bento XVI em 2007.

        Sem adentrar nos termos e nos princípios subjacentes a esses documentos e atos pontifícios, nos quais este autor observa algumas ideias contra as quais possui sérias objeções — por exemplo, a igualdade moral entre as duas “formas” do rito romano; ou mesmo a própria ideia da necessidade de uma autorização para o uso, por um católico latino, de um rito que, em si, não poderia ser moralmente abolido ou proscrito —, o fato é que a Liturgia Tradicional pôde se espalhar pelo mundo afora e impulsionar a formação de inúmeros institutos ou comunidades religiosas a ela ligados. Entre esses institutos, conta-se o Instituto Bom Pastor (IBP), com sede da França, mas que possui muitos membros sacerdotes brasileiros e algumas casas no Brasil, uma das quais nesta Cidade e Arquidiocese de Curitiba, liderada pelo Reverendíssimo Padre Thiago Bonifácio, sacerdote que está à cabeça de uma comunidade florescente e cheia de vitalidade, composta de muitas famílias (várias delas numerosas), crianças, adolescentes, adultos e idosos, e que conta hoje em torno de trezentas pessoas.

        Contudo, em 16 de julho de 2021, festa de Nossa Senhora do Carmo, no nono ano do pontificado do Papa Francisco, a publicação do motu proprio Traditionis Custodes pretendeu restringir abrupta e extensamente a vida litúrgica dos sacerdotes e leigos ligados à liturgia e disciplina tradicionais, “ficando ab-rogadas as normas, instruções, concessões e costumes anteriores”, e delegando aos bispos diocesanos as definições acerca do uso local do Missal Romano Tradicional. Posteriormente, em 4 de dezembro do mesmo ano, outras disposições ainda mais restritivas, emanadas da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, foram feitas acerca do uso dos livros litúrgicos tradicionais. O objetivo manifesto é o de reconduzir todos os fieis latinos à unidade da nova liturgia, com o definitivo abandono da Liturgia tradicional, tida como já não representante legítima da lex orandi da Igreja. (Mas essa Igreja permanece hoje e sempre a mesma, imutável em sua natureza...)

        Se na maioria das dioceses do mundo os bispos se abstiveram de uma aplicação imediata e restritiva das novas normas, na Arquidiocese de Curitiba, Dom José Antônio Peruzzo aplicou-as com presteza, e da maneira mais arbitrária.

        Sem jamais ter conhecido pessoalmente as atividades exercidas no apostolado do Pe. Thiago, IBP, ao qual dera anteriormente sua permissão formal, e sem jamais ter buscado conhecer os anseios e preocupações dos fiéis que integram a comunidade — os quais, contudo, são parte de seu próprio rebanho espiritual —, e à despeito dos numerosos frutos à vista de todos, bem como da conduta sempre ilibada, respeitosa e obediente do padre e dos fieis para com ele, Dom Peruzzo proibiu sumarissimamente — em verdadeiro ato de abuso de poder eclesiástico, o clericalismo denunciado pelo Papa Francisco — ao sacerdote de usar os livros litúrgicos tradicionais e de exercer as funções de seu ministério sacerdotal na Arquidiocese, inclusive impedindo-o de adentrar as capelas onde atuava, tendo previamente nomeado dois outros sacerdotes diocesanos (alheios à comunidade, sem levar em conta a relação existente em padre e fieis), para, ademais, celebrar somente a Missa em dias de preceito, não permitindo os demais Sacramentos e Sacramentais segundo os ritos tradicionais — Sacramentos que, para um cristão, acompanham e alimentam toda sua vida social cristã, do nascimento à morte, e que se lhe revestem de uma importância absolutamente vital.

        Depois disso, inevitavelmente, a história veio ao público nas mídias virtuais; não houve diálogo; houve, sim, imprecisões e inverdades que decerto contribuíram para um menor entendimento...

        Caro leitor, à luz de sua fé e das injustiças ocorridas (a ainda por ocorrer), o autor ousa dizer, com os primeiros cristãos e com os cristãos perseguidos de todos os tempos: NON POSSUMUS — não podemos.

        Reafirmando publicamente seu respeito e reconhecimento da atual Hierarquia Eclesiástica, em especial nas pessoas de Sua Santidade, o Papa Francisco, e de Sua Excelência Reverendíssima Dom José Antônio Peruzzo, Arcebispo de Curitiba, mas, com o auxílio da graça de Deus, reconhecendo que convém antes obedecer a Deus que aos homens, declaramos que esse respeito e esse reconhecimento à Hierarquia não nos impedem (antes nos impelem, por verdadeira lealdade) de dizer que não podemos abandonar a Missa de Sempre, a Liturgia de Sempre, a Doutrina de Sempre — a lex orandi e a lex credendi de sempre; que, à luz da imutável Fé católica e da reta razão natural, não podemos, ainda que com tristeza, julgar justas as recentes normas emanadas da Sé Apostólica e da Sé Arquidiocesana de Curitiba acerca do uso da Liturgia Romana Tradicional, que não têm “diante dos olhos a salvação das almas, que deve ser sempre a lei suprema na Igreja” (cânone 1752 do Código de Direito Canônico), razão pela qual não podem obrigar em consciência; que, por isso, não podemos cumprir tais leis injustas, antes a elas humildemente resistiremos, na medida de sua injustiça e enquanto vigorarem, sob o fundamento da existência de um estado de necessidade; que, por fim, não podemos abandonar ao nosso Pater, nosso pai espiritual, o Reverendíssimo Padre Thiago Bonifácio, IBP.

4 comentários:

  1. Muito bem fundamentado e muito bem escrito. Todo meu apoio!

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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    1. Salve Maria! Você é o grande campeão, consegue em poucas linhas falar tantas besteiras. Você assina como Missão Anglicana, tem alguma coisa com a igreja anglicana ou você é tão bobo que precisa inventar um nome para ficar escondido. Você terá facilidade em encontrar os fiéis do apostolado do IBP em Curitiba, mas você precisa ficar escondido em comentários anônimos! Novamente você merece o Quadro de Honra! Publico apenas para que os fiéis possam saber o tipo de pessoa que gosta de destruir as obras de Deus! Recomendo você agendar uma reunião com o Arcebispo e apresentar suas reclamações, apenas tome cuidado para não ser confundido com um louco! Que Deus tenha piedade de sua pobre alma!

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