Sermão para o Quinto Domingo depois de Pentecostes
23 de junho de 2013 – Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…
***
“Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus.” “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás e quem matar será condenado em juízo. Pois eu vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo.” (Mateus V, 21)
Neste trecho do Sermão da Montanha, que é
 o resumo da Lei Evangélica – lei do amor a Deus e ao próximo -, Nosso 
Senhor, legislador supremo, que aperfeiçoa a lei antiga e condena as 
interpretações erradas dadas pelos fariseus e escribas, mostra o valor 
profundo do quinto mandamento.  Não matar é insuficiente. É preciso 
cortar o mal em suas origens, pela raiz, é preciso coibir a ira, causa 
do homicídio.
O divino legislador parece, porém, violar
 a própria lei por Ele estabelecida. Pouco antes de estabelecer o 
perfeito sentido do quinto mandamento, Nosso Senhor atacou e condenou os
 fariseus, dizendo que a justiça deles era insuficiente para entrar no 
céu. Mas não somente isso: Nosso Senhor expulsa os vendilhões do templo 
com ira e condena os fariseus chamando-os de hipócritas, de cegos, de 
serpentes, de víboras, de orgulhosos. Haveria, então, uma contradição 
entre o preceito dado por Cristo e a sua atitude face aos fariseus?
A contradição, claro, é somente aparente.
 Para resolvê-la, devemos compreender o verdadeiro sentido do preceito e
 conhecer quem eram os fariseus e os escribas. Como explicam todos os 
Padres da Igreja baseados no texto grego do Evangelho de São Mateus, o 
que Nosso Senhor proíbe como pecado é a ira sem motivo. A ira é o 
sentimento, a paixão, que nos move a agir para restabelecer a ordem 
lesada por uma injustiça, para defender um bem que é atacado, uma 
verdade que é atacada. Assim, se esse movimento de cólera se dirige 
contra um verdadeiro mal a fim de restabelecer a justiça, a verdade ou a
 virtude por meios lícitos e dentro dos devidos limites, a ira não 
somente não é proibida, mas é mesmo louvável porque, neste caso, ela é 
conforme à razão e à moral. A ira encontra sua origem no amor do bem e 
da justiça. Quando o bem ou a justiça são atacados, nada mais virtuoso 
do que defendê-los dentro dos devidos limites. A ira deve, então, ser 
dirigida pela razão e voltar-se contra o mal, contra o vício, contra o 
pecado, que são uma ofensa a Deus, nosso maior bem. E face ao pecado e 
ao vício, a ausência de ira pode ser um pecado porque mostra a falta de 
amor por Deus. O preceito de Nosso Senhor – “todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo” – encontra seu verdadeiro sentido quando se compreende desse modo: todo aquele que se irar contra seu irmão, sem motivo, será condenado em juízo.
Resta saber se a ira de Nosso Senhor 
relativa aos fariseus é justa ou não.  Para tanto, é preciso 
conhecê-los. Fariseu quer dizer separado e comumente se pensa que os 
fariseus são aqueles que cumprem com exatidão a lei de Deus. Com 
frequência, católicos sérios são acusados de serem fariseus por 
buscarem, apesar de suas inúmeras fraquezas e defeitos, praticar bem a 
lei de Cristo, opondo-se às leis desse mundo. Ora, se os fariseus fossem
 simplesmente fiéis observadores da Lei de Deus, Nosso Senhor não teria 
razão para repreendê-los e condená-los, mas sim para elogiá-los dizendo:
 “servos bons e fiéis entrem na alegria do Senhor”. Nosso Senhor 
observou perfeitamente a Lei Mosaica e Nossa Senhora também. Seriam eles
 fariseus? Os fariseus não são aqueles que observam perfeitamente a lei 
de Deus.  Ao contrário, os fariseus não praticavam a lei dada por Deus e
 não deixavam os outros praticá-la: em primeiro lugar porque os 
fariseus e escribas – seguindo tradições puramente humanas, inventadas 
por eles, e interpretando a Lei segundo seus gostos – violavam essa 
mesma lei. Sob pretexto de cumprir tais tradições, a lei dada por Deus 
era desprezada. Sabemos que nenhuma lei humana, nem mesmo a lei de um 
país pode contrariar a lei estabelecida por Deus. Assim, inventaram uma 
consagração de certos bens a Deus para não ajudar os pais, evitando 
perder, dessa forma, certa riqueza (Marcos VII, 11), e se opondo ao 
quarto mandamento. Em segundo lugar, os fariseus violavam a lei 
porque praticavam uma religião puramente exterior, em que a pureza 
exterior substituía a santidade interior. Assim, eles pagavam o dízimo 
de todas as ervas (o que era bom e louvável), mas negligenciavam a 
justiça e a misericórdia (Mateus XXIII, 23). Eram hipócritas, bonitos 
por fora como um túmulo pintado de branco, mas no interior cheio de 
podridão. Finalmente, os fariseus violavam a lei pelo orgulho: 
todas as suas boas obras eram para ser vistas pelos homens e não por 
amor a Deus, em franca oposição ao que é preciso fazer, pois “quer 
comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a 
glória de Deus” (I Cor X, 31) . Com essa doutrina, os fariseus não 
entravam no céu e também não deixavam os outros entrar, uma vez que eram
 os guias do povo. Eram, então, cegos guiando cegos. Haveria maior mal 
do que esse, haveria maior ofensa a Deus do que essa: impedir que os 
outros entrem no céu?
Nosso Senhor Jesus Cristo – que amava a 
Deus da maneira mais perfeita possível e que buscava a salvação das 
almas – não poderia ficar impassível face à péssima doutrina dos 
fariseus. Ele, sendo bom, amava a justiça, e a justiça lesada pede 
reparação. Assim, a ira de Nosso Senhor contra os fariseus é, em 
realidade, virtuosa porque ela tem um motivo perfeito: os direitos de 
Deus atacados e a salvação das almas impedida pela doutrina dos fariseus
 e escribas. É importante sabermos que existe uma ira santa. Muitos 
católicos pensam que a santidade consiste numa total indiferença face ao
 mal, no fato de não reagir de maneira alguma, na tolerância da 
diferença. Tudo isso baseado em um falso conceito de mansidão. A 
mansidão não impede a ira, mas a regula segundo a reta razão iluminada 
pela fé. De um lado, a mansidão impede a ira desordenada que pode ser 
pecado mortal ou venial, segundo exceda grave ou levemente os limites 
impostos pela razão na correção do próximo, na reparação da justiça, na 
defesa de um bem, de uma verdade. Do outro lado, ela impede uma 
excessiva brandura, originada do amor por uma falsa paz.  O exemplo de 
santidade e de mansidão é Cristo e Ele mostrou que em determinados 
momentos uma ira santa é indispensável. Assim, Santo Agostinho nos diz 
que aquele que não se enfurece (de maneira ordenada), quando há uma 
causa para isso, peca por uma paciência imprudente que favorece os 
vícios, aumenta a negligência e encoraja o agir mal. A ausência da ira 
seria então pecar contra a justiça e a caridade. Nós católicos e, 
sobretudo, aqueles constituídos em autoridade deveríamos, então, nos 
levantar para defender os direitos de Deus e nos opormos, com vigor, às 
leis e doutrinas iníquas: divórcio, aborto, contracepção, união contra a
 natureza, entre tantas outras… A nossa paciência imprudente já permitiu males enormes…
Todavia, a ira para ser santa deve ser prudente.
Ela deve ter como causa uma verdadeira 
injustiça. Ela deve proceder da inteligência e da vontade e não de um 
sentimento impetuoso e descontrolado. Ela tem que ser dominada pelo 
homem e não o homem ser dominado por ela. Se nossa inclinação é de 
falar bruscamente, com voz destemperada e expressões indevidas, com 
grosserias, palavras de baixo calão, nossa ira é desordenada, 
pecaminosa. Se nossa ira nos leva a agressões ou destruição do bem 
alheio, ela é pecaminosa (a não ser, claro, em caso de legítima defesa, 
ou em caso de exercício da legítima autoridade, mas sempre 
proporcionalmente ao mal que é combatido).
A ira santa deve ser exercida quando há 
alguma esperança de êxito e principalmente por aqueles que têm obrigação
 de denunciar a injustiça e de restabelecer a ordem. E, ainda que não
 haja a possibilidade de êxito, às vezes é preciso para não escandalizar
 os outros, dando a impressão de que estamos de acordo com o mal. Ela deve ser sempre proporcional ao mal causado, como já dissemos.
Ela deve ter em vista mais o bem comum e a
 glória de Deus do que o bem privado. A ira santa não deve ter como 
objeto os males e as pequenas injustiças que sofremos porque eles têm 
para nós algo de justo – pois merecemos ser punidos pelos nossos pecados
 – e de bom – porque se os aceitamos de bom grado, Deus nos conduz à 
vida eterna. Devemos ter muita paciência nas tribulações, unindo-nos a 
Nosso Senhor. Podemos, claro, buscar afastar essas adversidades e a 
causa do sofrimento, mas sempre com serenidade e com submissão à vontade
 de Deus. Diante do sofrimento e das adversidades, que nossa ira nunca 
se volte contra Deus, que é o autor de todo o bem.
Na ira santa, não devemos desejar o mal 
do pecador, mas o bem que é sua correção e o bem que é o 
restabelecimento da ordem violada – que no mais das vezes passa, claro, 
pela punição daquele que fez o mal.
Atenção. É muito fácil equivocar-se na
 apreciação dos justos motivos que justificam a ira e é muito fácil 
perder o controle no exercício dela. É preciso estar, então, muito 
alerta e, na dúvida, o melhor é inclinar-se à doçura e não à ira.  
Assim, Nosso Senhor, verdadeiramente 
manso, soube perfeitamente o momento de irar-se ou e não irar-se, pois 
muitas vezes o remédio mais eficaz diante de um mal não é a ira. Nosso 
Senhor irou-se contra os fariseus, pertinazes no erro e no pecado, 
mostrando a falsidade da doutrina desses mestres hipócritas, a fim de 
conduzir o povo a Deus e a fim de tentar converter os próprios fariseus.
 Mas Ele não se encolerizou contra Herodes ou Pilatos no momento de sua 
paixão, pois não convinha que Nosso Senhor reagisse: sua ira não os 
tiraria do mal no qual estavam afogados e convinha que ele morresse para
 nos salvar. Nosso Senhor também não se encolerizou nem com os apóstolos
 lentos para compreender os seus ensinamentos nem com outros pecadores 
(Maria Madalena, Zaqueu): neste caso, Ele sabia que o melhor remédio 
para conduzi-los a Deus era a paciência e a doçura e não ira.
Como diz, então, o Salmo: “Irai-vos, mas 
não pequeis”. Irai-vos por uma causa justa, irai-vos dentro dos justos 
limites. Irai-vos sem deixar se levar pela ira. Irai-vos mantendo sempre
 o controle da razão iluminada pela fé e pela caridade. Irai-vos amando o
 próximo, afastando o ódio pelos outros. Na dúvida, vale mais 
inclinar-se à doçura.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
[Nota do Editor: os destaques são nossos.]
 
 
 
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