16 de abril de 2011

CONHECER MARIA (IV)

Mulher, aqui tens a teu filho.

1) Bendigo-Vos e Vos agradeço, Senhor Jesus Cristo, consolador de todos os aflitos, pelo doloroso respeito com que olhastes a vossa amadíssima Mãe ao pé da cruz, presa de angústia mortal. A imensidade de sua dor a conhecia bem somente Vós, que era profundo conhecedor de seu coração e não tivestes na terra um ser mais querido que vossa Virgem Mãe. E tampouco ela amou a alguém mais que a Vós, seu divino Filho, a quem, apenas nascido em seu seio, reconheceu como senhor de todas as coisas e seu Criador. Por isso, ao ver-Vos pendente na cruz, a Vós, a quem amava infinitamente, vivia mais em Vós do eu em si, e quase totalmente abstraída de si, estava também ela pendente na cruz, “crucificada” em espírito conVosco, embora com corpo ainda ao lado da cruz, banhada em lágrimas.

2) Louvo-Vos e Vos glorifico por vossa infinita compaixão, pela qual eras filialmente “co-sofredor” com vossa dolorosíssima Mãe, que em verdade sofria vossos pesares como seus, em vossas feridas como próprias, toda vez que se repetiam vossos espasmos de dor atroz, e com olhos maternais via escorrer o sangue de vosso corpo, e ouvia vossa voz que lhe falava.

3) Louvo-Vos e glorifico pelas belíssimas palavras com que Vos dirigistes brevemente a vossa Mãe desolada, ao encomendá-la ao vosso predileto discípulo João, a um fidelíssimo substituto. E uniste a Virgem ao virgem João mediante o vínculo da indissolúvel caridade, dizendo: “Mulher, aqui tens a teu filho!” (Jo 19, 26); e ao discípulo: “Aqui tens tua Mãe!” (Jo 19, 27).

4) Feliz comunhão e grato encargo, que uniu e consagrou uma integridade virginal. Com esta expressão, efetivamente, Vos mostrastes inclinado a uma carinhosa preocupação pela honorabilidade de vossa Mãe, a quem confiastes a missão de alentar a um casto discípulo, e lhe oferecestes, de algum modo, outro filho em harmonia com a pureza de seus costumes e capaz de prover as necessidades de sua vida. Era justo que vossa filial providência obrasse desta maneira, para que uma Mãe Santa e Virgem sem mancha não carecesse de um fidelíssimo servidor; e porque ela, que estava a ponto de ficar privada de vossa dulcíssima presença, não podia aparecer como abandonada e estrangeira entre os judeus.

6) Aceita, pois, ó Maria, dulcíssima Mãe de Deus, esta disposição de teu Filho e esta decisão tão doce. Aceita afetuosamente a este discípulo, que te deu seu Filho Jesus. É o apóstolo João, virgem singular; o mais amado de Jesus, homem de bons modos. Ele é de semblante tímido, modesto no trato, sóbrio na comida, humilde no vestir, obsequioso, disposto a obedecer. É o discípulo mais amado, muito unido a ti, estimado, puro na mente e virgem de corpo, grato a Deus e querido por todos. Portanto, totalmente digno de viver contigo, Mãe de Deus. Bem sei, que a ti sempre agradou e sempre agrada o que agrada a teu Filho e que desejas a realização de quanto Ele dispõe, já que em todos teus atos não levaste a cabo a própria vontade, senão que sempre buscaste a glória do Pai. Por isso não duvido que foi de teu agrado quando, a ponto de morrer, te deixou a João como substituto.

7) E tu São João, aceita o desejável tesouro que te foi confiado, aceita à venerável Mãe de Jesus, a Rainha do céu, a Senhora do Universo, tua amada parente, irmã de tua mãe: a Virgem Santa. Até este momento, ela era só tua parente, por direito de sangue. Agora, no entanto, será tua Mãe com vínculo mais sagrado e por direito divino, confiada a ti por uma graça especial. Também tu, que antes eras filho de Zebedeu segundo a carne, irmão de São Tiago Maior e parente do Salvador, e no que se sucedeu passaste a ser discípulo de Jesus, serás dignado com um nome novo: “filho adotivo de Maria”, à que obedecerás com amor filial durante todo o resto de tua vida. Executa, então, quanto Jesus te manda, põe em prática a ordem do sagrado compromisso e obterás a honra e o reconhecimento de todo o mundo.

7) João pôs em obra com suma alegria o que Jesus lhe disse desde o alto da cruz. Efetivamente “desde aquele momento a recebeu em sua casa” (Jo 19, 27), cuidou dela, a serviu com solicitude, a obedeceu de modo incondicional e a amou de toda coração. Goza, pois, e alegra-te, ditosíssimo João, pelo dom que te foi sido confiado: já que Jesus, o que possuía de mais caro no mundo, o depositou confiadamente em tuas mãos. Enriqueceu-te sem medida, ao legar-te como em testamento a Maria, a quem os santos anjos não estão em condições de louvar dignamente.

8) Cristo entregou a São Pedro as chaves do Reino celestial; porém te estabeleceu como seu substituto para a própria Mãe. Um dia Maria se comprometeu com José, porém foi confiada a ti: A ele disse o anjo: “Não temas receber Maria, tua esposa (Mat 1, 20). Agora o Senhor dos anjos te diz: “Aqui tens a tua Mãe” (Jo 19, 27); e assim como José esteve perto da Virgem no nascimento do Filho, também tu deves estar a seu lado na paixão de Cristo, e durante longo tempo depois de sua ascensão ao céu.

9) Se São João Batista estivesse ainda vivo, haveria sido muito idôneo, por direito de parentesco e em virtude de sua castidade, para pôr-se a seu serviço e ser seu insigne custódio. Quanto a José, não está, ou pelo menos não se sabe se está ainda vivo ou bem está morto. João, preso durante longo tempo, foi assassinado. Jesus agora se encontra próximo de morrer e desaparecer da vista de sua Mãe. E então tu tens que fazer as vezes de todas estas pessoas queridas por ela; e deves fazer as vezes de Cristo, como penhor do Filho que lhe é arrebatado. Confio em Cristo nosso Senhor, que isto seja de muito agrado a teu irmão Santiago e a todos os outros apóstolos; que nenhum de teus amigos lhe tenha inveja e que todo aquele que te estima se alegre sinceramente disto. A riqueza de tuas virtudes mereceu este grande prêmio: elas são um perfeito “desprezo do mundo”, o amor de Jesus, a doçura dos modos, a integridade virginal, a serenidade da mente, a liberdade da alma, a pureza do coração e a honradez da vida.

10) Toma, pois, baixo de tua guarda a Mãe de Cristo, e obterás com isto uma imensa graça. Junto a ela realizará muitos e grandes progressos espirituais, será instruído por suas palavras, edificado por seus exemplos, ajudado por suas orações, estimulado por suas exortações, inflamado por seu amor, atraído por sua devoção, elevado por sua contemplação, culminado de alegria, preenchido de deleites celestiais. Escutarás de sua boca os mistérios de Deus, conhecerás temas secretos, aprenderás coisas admiráveis e compreenderás realidades indizíveis.

11) Por sua presença te farás mais casto, te farás mais puro, te farás mais santo e progredirás ainda mais em tua devoção. O olhar dela é pudor, prudência seu falar, justiça suas ações. Jesus é sua leitura, Cristo sua meditação, Deus sua contemplação. A dignidade de seu rosto brilha como a luz, sua figura respeitável a ninguém ofende, seu comportamento torna casto a quem a vê. Sua palavra afugenta todo o mal.

12) É tão grande a dignidade de Maria, que supera todos os santos em pureza e graça. Tu terás seu cuidado, que te foi encomendado pelo sumo Rei do céu. Portanto, oferece-lhe com diligência teus serviços, rende-lhe homenagem, presta-lhe imediata atenção. Permanece junto à cruz, vela pela Virgem, sustenta-a, abraça-a, reanima-a, segue-a se caminha, detenha-te se ela se detém e senta-te com ela, se ela se decide sentar.

13) Se chora, não te afaste; se sofre, faça uma obra de misericórdia. Finalmente prepara-te para as exéquias de Jesus que está morrendo; acompanha a Mãe ao lugar da sepultura, leve-a de volta à cidade, à casa, e consola a consoladora de todos os aflitos. Seja tu seu angelical servidor, e inclusive nesta função poderá oferecer alívio a quem ostenta maior dignidade que a tua. Por certo, Cristo foi confortado por um anjo em sua agonia. Ainda que não tivesse necessidade, quis ser visitado por um subalterno e não recusou ser consolado por ele.

14) Eis aqui, caríssimo João, a que excelsa missão é chamado, que Virgem te és encomendada, de quem é Mãe aquela a que deves proporcionar teus cuidados. Enfim, te conjuro humildemente a que rogues muito por mim, que sou pecador, para que também seja fervoroso no amor de Cristo e seja achado digno de louvar a Santa Virgem e de participar de suas dores.

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“de Maria nunquam satis"
"sobre Maria nunca se falará o bastante"
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(KEMPIS, Tomás de. Imitación de María: Libro Segundo, Capítulo IV. pág. 38 - 44)

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