7 de março de 2019

Carta Aberta aos Católicos Perplexos - Mons. Marcel Lefebvre - Parte 11

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Existe, nesta confusão de ideias em que os cristãos parecem comprazer-se, uma tendência particularmente prejudicial à fé e tanto mais perigosa quanto ela se apresenta sob as aparências de caridade. A palavra, que apareceu em 1927 por ocasião dum congresso realizado em Lausanne, deveria por si própria prevenir os católicos se eles se referiam à definição que lhe dão todos os dicionários: ”Ecumenismo: movimento favorável à reunião de todas as Igrejas cristãs numa só.” Não se podem misturar princípios contraditórios, é evidente, não se podem reunir de maneira a fazer deles uma só coisa, a verdade e o erro. A não ser que se adotem os erros e se rejeite toda ou parte da verdade. O ecumenismo se condena por si mesmo. O termo conheceu uma tal voga desde o último concílio, que penetrou a linguagem profana. Fala-se de ecumenismo universitário, de ecumenismo informático, e lá sei mais ainda, para exprimir um gosto ou uma ideia preconcebida de diversidade, de ecletismo. Na linguagem religiosa, o ecumenismo se estendeu ultimamente às religiões não cristãs, traduzindo-se bem depressa em atos. Um jornal do Oeste nos indica por um exemplo preciso a maneira pela qual se processa a evolução: numa pequena paróquia na região de Cherburgo, a população católica se preocupa com trabalhadores muçulmanos que acabam de chegar para uma construção. É uma atitude caridosa pela qual não se pode deixar de felicitá-los. Numa segunda fase, vemos os muçulmanos pedir um local para festejar o Ramadã e os cristãos oferecer-lhes o sub-solo de sua igreja. Depois começa a funcionar neste lugar uma escola corâmica. No fim de dois anos, os cristãos convidam os muçulmanos a festejar o Natal com eles, “em torno de uma prece comum preparada com extratos dos capítulos do Corão e com versículos do Evangelho. A caridade mal entendida levou estes cristãos a pactuarem com o erro. Em Lille, os dominicanos ofereceram uma capela aos muçulmanos para ser transformada em mesquita. Em Versalhes, pediu-se auxílio financeiro nas igrejas para “a aquisição dum lugar de culto para os muçulmanos”. Duas outras capelas foram-lhes cedidas em Roubaix e em Marselha, assim comouma igreja em Argentenil. Os católicos se fazem os apóstolos do pior inimigo da Igreja de Cristo, que é o Islão e oferecem seus óbulos a Maomé! Há, parece, mais de 400 mesquitas na França e em muitos casos são os católicos que deram o dinheiro para sua construção. Todas as religiões têm hoje direito de cidadania na Igreja. Um cardeal francês celebrava um dia a missa em presença de monges tibetanos que tinham sido colocados na primeira fila vestidos com seus hábitos de cerimônia, e se inclinava diante deles enquanto que um animador anunciava: “Os bonzos participarão conosco da celebração eucarística.” Numa igreja de Rennes foi celebrado o culto de Buda; na Itália, vinte monges foram iniciados solenemente no Zen por um budista. Não acabaria de citar os exemplos de sincretismo aos quais assistimos. Vêem-se desenvolver associações, nascer movimentos que encontram sempre para presidir-lhes um eclesiástico em pesquisa, como aquela que quer chegar “à fusão de todas as espiritualidades no amor”. Ou projetos pasmosos como a transformação de Nossa Senhora da Guarda em lugar de culto monoteísta para os cristãos, os muçulmanos e os judeus, projeto felizmente contrariado por grupos de leigos. O ecumenismo, na sua acepção estrita, reservada então aos cristãos, faz organizar celebrações eucarísticas comuns com os protestantes, assim como sucedeu em particular em Estrasburgo. Ou então são os anglicanos que são convidados na catedral de Chartres para celebrar a “Ceia eucarística”. A única celebração que não se admite nem em Chartres, nem em Estrasburgo, nem em Rennes, nem em Marselha é a da santa missa segundo o rito codificado por São Pio V. Que conclusão pode tirar de tudo isso o católico que vê as autoridades eclesiásticas dar cobertura a cerimônias tão escandalosas? Que todas as religiões se equivalem, que ele poderia muito bem obter sua salvação com os budistas ou os protestantes. Ele corre o risco de perder a fé na santa Igreja. É bem o que se lhe sugere; quer-se submeter a Igreja ao direito comum, quer-se pô-la no mesmo plano que as outras religiões, recusa-se a dizer, mesmo entre os sacerdotes, os seminaristas e os professores de seminário, que a Igreja Católica é a única Igreja, que ela possui a verdade, que somente ela é capaz de dar a salvação aos homens por Jesus Cristo. Agora se diz abertamente: “A Igreja não é senão um fermento espiritual na sociedade, mas em pé de igualdade com as outras religiões, um pouco mais que as outras, talvez...” Aceita-se em rigor, e nem sempre, em conferir-lhe uma ligeira superioridade. Neste caso, a Igreja seria apenas útil, não mais necessária. Ela constituiria um dos meios de alcançar a salvação. É preciso dizê-lo claramente, uma tal concepção se opõe dum modo radical ao próprio dogma da Igreja católica. A Igreja é a única arca da salvação, nós não devemos ter medo de afirmá-lo. Vós frequentemente ouvistes dizer. “Fora da Igreja não há salvação” e isto choca as mentalidades contemporâneas. É fácil fazer crer que este princípio não está mais em vigor, que se renunciou a ele. Parece ser de uma severidade excessiva. Entretanto, nada mudou, nada pode ser mudado neste domínio. Nosso Senhor não fundou várias igrejas, mas só uma. Não há senão uma só cruz pela qual nos possamos salvar e esta cruz foi dada à igreja católica; ela não foi dada às outras. À sua Igreja, que é sua esposa mística, Cristo deu todas as suas graças. Nenhuma graça será distribuída ao mundo, na história da humanidade, sem passar por ela. Isto quer dizer que nenhum protestante, nenhum muçulmano, nenhum budista, nenhum animista será salvo? Não; e constitui um segundo erro pensá-lo. Aqueles que reclamam da intolerância ouvindo a fórmula de São Cipriano “Fora da Igreja não há salvação” rejeitam o Credo: “Reconheço um só batismo para a remissão dos pecados” e estão insuficientemente instruídos a respeito do batismo. Há três maneiras de recebê-lo: o batismo da água, o batismo do sangue (é o dos mártires que confessam sua fé sendo ainda catecúmenos) e o batismo de desejo. O batismo de desejo pode ser explícito. Bastantes vezes, na África, ouvíamos um de nossos catecúmenos dizer: “Meu padre, batizai-me logo, pois se eu morrer antes de vossa próxima passagem, eu irei para o inferno.” Nós lhe respondíamos: “Não; se não tendes pecado mortal na consciência e se tendes o desejo do batismo, já tendes a sua graça em vós.” Tal é a doutrina da Igreja, que reconhece também o batismo de desejo implícito. Ele consiste no ato de fazer a vontade de Deus. Deus conhece todas as almas e sabe, por consequência que nos meios protestantes, muçulmanos, budistas e em toda a humanidade, existem almas de boa vontade. Elas recebem a graça do batismo sem o saberem, mas duma maneira efetiva. Por aí mesmo elas se unem à Igreja. Mas o erro consiste em pensar que elas se salvam por meio de sua religião. Elas se salvam em sua religião mas não por meio dela. Não há salvação por meio do Islão ou pelo xintoísmo. Não há Igreja budista no céu, nem Igreja protestante. São coisas que podem parecer duras de ouvir, mas esta é a verdade. Não fui eu quem fundou a Igreja, foi Nosso Senhor, o Filho de Deus. Nós, sacerdotes, somos obrigados a dizer a verdade. Mas a preço de quantas dificuldades os homens dos países não penetrados pelo cristianismo chegam a receber o batismo de desejo! O erro é um obstáculo ao Espírito Santo. Isto explica porque a Igreja tenha sempre enviado missionários a todos os países do mundo, que inúmeros dentre eles tenham conhecido aí o martírio. Se se pode encontrar a salvação em qualquer religião, para que atravessar os mares, ir submeter-se, em climas insalubres, a uma vida penosa, à doença, a uma morte precoce? Desde o martírio de Santo Estevão, o primeiro a dar sua vida por Cristo e o qual por esta razão se festeja no dia seguinte ao do Natal, 26 de dezembro, os Apóstolos puseram-se a caminho para ir difundir a boa nova na bacia do Mediterrâneo; te-lo-iam feito se se soubesse que haveria salvação também no culto de Cibele ou pelos mistérios de Eleusis? Por que Nosso Senhor lhes teria dito: “Ide evangelizar às nações”? E assombroso que hoje em dia alguns pretendam deixar cada um seguir o seu caminho para Deus segundo as crenças em vigor no seu “meio cultural”. A um padre que queria converter crianças muçulmanas, o seu bispo disse: “Não, fazei delas boas muçulmanas, será muito melhor do que torná-las católicas!” Foi-me certificado que os monges de Taizé tinham pedido, antes do concílio, para abjurar seus erros e tornar-se católicos. As autoridades disseram-lhes então: “Não, esperai. Depois do concílio vós sereis a ponte entre os católicos e os protestantes.” Os que deram esta resposta assumiram uma grave responsabilidade diante de Deus, pois a graça vem num momento, talvez não venha sempre. Atualmente os caros padres de Taizé, que têm sem dúvida boas intenções, estão ainda fora da Igreja e semeiam a confusão no espírito dos jovens que os vão ver. Falei das conversões que cessaram brutalmente em países como os Estados Unidos, onde se contavam cerca de 170.000 por ano, a Grã Bretanha, a Holanda... O espírito missionário se extingue porque se deu uma falsa definição da Igreja e por causa da declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, da qual devo agora falar.

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