22 de maio de 2011

QUARTO DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA

A tristeza dos apóstolos e as desolações espirituais.

Expedit vobis, ut ego vadam; si non abiero, Paraclitus non veniet ad vos – “É conveniente a vós que eu vá, porque, se não for, não virá a vós o Paráclito” (Io. 16, 7).

Sumário. Posto que as desolações espirituais sejam a provação mais sensível para as almas amantes de Deus, são também lances da divina Providência para promover o maior proveito espiritual, porquanto deste modo as confirma na virtude e as enriquece com merecimentos. Portanto, se jamais te achares no estado de desolação, imagina-te, para teu consolo, que Jesus Cristo te diz o que disse aos apóstolos, como se refere no Evangelho de hoje: É conveniente para vós que eu me afaste com a minha presença sensível.

I. Os apóstolos que se entristeciam ao saber que dentro em breve Jesus Cristo havia de deixá-los com a sua presença sensível, são uma imagem viva daquelas almas eleitas que se julgam abandonadas por Deus, quando se acham desoladas. Consolem-se, porém, essas pobres almas; porque, ainda que as desolações espirituais sejam a provação mais dolorosa para seu coração, não deixam por isso de ser um lance da divina Providência que só deseja o proveito espiritual. Pode-se-lhes, portanto, dizer o que o Senhor disse aos Apóstolos para os consolar: Expedit vobis ut ego vadam – “É conveniente a vós que eu vá.

São Bernardo, escrevendo a uma dessas almas desoladas, diz: “Ó esposa, não temas se o Esposo esconde algum tempo o seu rosto; visto que só o faz para teu proveito espiritual.” – Jesus se retira primeiro para ver se o amamos, porquanto o amor se manifesta não tanto em seguir àquele que nos acaricia, como em correr atrás de quem foge de nós, e em servir a Deus à custa própria, quer dizer, com aridez e sem alguma doçura sensível. – Jesus esconde-Se ainda para melhor nos confirmar na virtude. Por meio disto mortifica o nosso amor próprio que se deleitava naquele gosto sensível, chamado por São João da Cruz gula espiritual. Livra-nos do perigo de nos ensoberbecermos e de nos julgarmos acima dos outros por causa daquelas doçuras. Finalmente fornece-nos a ocasião para suspirarmos por Deus e para O procurarmos com maior anseio.

Numa palavra, com as desolações o Senhor nos faz não somente correr, mas voar no caminho da perfeição, e faz-nos adquirir tesouros imensos de merecimentos para o céu. – Digo francamente o que me ensinou a experiência: pouca confiança tenho nas almas que nadam em doçuras espirituais se primeiro não tiverem passado pelo caminho das penas interiores. Acontece não raras vezes que tais almas vão bem enquanto duram as consolações; mas, quando provadas com aridez, largam tudo e entregam-se à vida tíbia.

II. Meu irmão, se vieres a achar-te no estado de desolação, não dês ouvido ao demônio que te sugerirá que Deus te abandonou. Muito menos deves deixar de fazer as tuas orações e mais exercícios espirituais, muito embora experimentes agonias mortais. – Se receias que Deus te está castigando assim pelas tuas infidelidades, aceita o castigo em paz. Entretanto, remove as causas de tua desolação; tira o afeto às criaturas, tira a dissipação de espírito. Numa palavra, no tempo da desolação, deves humilhar-te pensando que mereceste ser tratado assim. Conforma-te com a vontade de Deus, a quem agrada mais o amor terno; e unindo as tuas penas às que Jesus Cristo padeceu no horto e na cruz, dize-Lhe sinceramente: Fiat voluntas tua (1) – “Faça-se a tua vontade.

Ó meu Pai celestial, se não pode passar este cálice sem que eu o beba, seja feita a vossa vontade! Pobre de mim, ó Senhor, visto que outras trevas, outros tremores, outros abandonos deveriam ser os meus, por causa das injúrias que Vos fiz. Deveria caber-me em sorte o inferno, onde, separado de Vós para sempre, e inteiramente abandonado de Vós, deveria chorar eternamente, sem ainda Vos poder amar. Ó meu Jesus, aceito qualquer pena, mas não esta. Vós sois digno de um amor infinito; demais me obrigastes a Vos amar. Não, não quero viver sem Vos amar. Amo-Vos, Bem supremo; amo-Vos de todo o meu coração, e não quero senão amar-Vos.

Reconheço que esta minha boa vontade é toda uma dádiva da vossa graça. Mas, meu Senhor, completai a vossa obra; amparai-me sempre até à minha morte; dai-me força para vencer as tentações e de me vencer a mim mesmo, e por isso fazei com que sempre me recomende a Vós. – “E Vós, Eterno Pai, concedei-me a graça de amar o que mandais, e de desejar o que prometeis; afim de que, entre as vicissitudes da vida presente, meu coração sempre esteja fixo ali, onde se acham as verdadeiras alegrias.” (2) Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Saníssima. (*IV 208.)

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1. Math. 26, 42.
2. Or. Dom. curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 72 - 75.)

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