17 de maio de 2011

A PRESENÇA REAL DE CRISTO NA EUCARISTIA – PARTE 3

“A Eucaristia é um Sacramento que, pela admirável conversão de toda a substância do pão no Corpo de Jesus Cristo, e de toda a substância do vinho no seu precioso Sangue, contém verdadeira, real e substancialmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor, debaixo das espécies de pão e de vinho, para ser nosso alimento espiritual”.
(Catecismo de São Pio X)

Artigo 3 – Do modo como Cristo está na Eucaristia

Resumimos brevemente, em uma série de conclusões, esta matéria interessantíssima, que se estuda amplamente na teologia dogmática, onde tem seu lugar próprio. (Cf. III, 76, 1-8)

CONCLUSÃO I. Sob cada uma das espécies sacramentais e sob cada uma de suas partes quando se separam, está contido Jesus Cristo inteiro, ou seja, seu corpo, sangue, alma e divindade. (de fé divina, expressamente definida)

Prova-se:

1. Pela Sagrada Escritura. Depreende-se com toda evidência das palavras da consagração:Isto é o meu corpo; este é o cálice do meu sangue, já que, em virtude de sua natural concomitância, o corpo vivo de Jesus Cristo não pode estar separado de seu sangue, nem este daquele, nem ambos da alma e da divindade, com a qual formam uma só pessoa em virtude da união hipostática.

2. Pelo Magistério da Igreja. Definiu-o expressamente o Concílio de Trento com as seguintes palavras:

“Se alguém negar que no venerável sacramento da Eucaristia, debaixo de cada uma das espécies e debaixo de cada parte dessas espécies, quando elas se dividem, está presente o Cristo todo — seja excomungado”. (D 885)

3. Pela razão teológica. Acabamos de indicar o argumento principal ao explicar o da Sagrada Escritura. Outro argumento pode colocar-se em virtude da ressurreição de Cristo, que lhe fez para sempre impassível e imortal (Rom. 6, 9) e, por isso mesmo, não pode sofrer a menor separação e alteração de seu corpo, alma e divindade. Do contrário, morreria na Eucaristia pela separação da alma e do corpo, como morreu no alto da Cruz.

Corolário. Se durante os três dias que permaneceu Cristo no sepulcro tivessem consagrado os Apóstolos a Eucaristia, não estaria Cristo nela integralmente em cada uma das duas espécies. No pão consagrado estaria somente o corpo morto, não a alma; no Cálice, o sangue de Cristo separado do corpo e da alma. O Verbo permaneceria em ambas as espécies, porque não se separou nem um só momento do cadáver de Cristo e nem de sua alma santíssima, em virtude daunião hipostática absolutamente indissolúvel. E caso se tivesse consagrado a Eucaristia durante a flagelação ou a crucificação, Cristo teria sentido nela a dor que padecia seu corpo com os açoites ou com a cruz; porque a Eucaristia contém ao próprio Cristo numericamente, tal como é em si mesmo, e, por isso mesmo, segue todas as suas vicissitudes; por isso o contém atualmenteimpassível e imortal, como está no céu. (Cf. III, 76, I ad 1; 81, 4 c e solução às objeções)

Por outro lado, as injúrias ou ataques diretos às espécies sacramentais (p.ex., pisando-as, cuspindo-as, queimando-as) não afetam em nada o próprio Cristo nelas contido, já que as mesmas espécies nem sequer tocam a Cristo (ainda que o contenham realmente). Voltaremos sobre isto na 5ª conclusão.

CONCLUSÃO II. Em virtude das palavras sacramentais (ex vi sacramenti), sob a espécie de pão se contém somente a substância do corpo de Cristo; e sob a espécie de vinho, somente a substância de seu sangue. Mas, em virtude da natural concomitância e da união hipostática, que unem entre si inseparavelmente as distintas partes de Cristo, sob uma e outra espécie está Jesus Cristo inteiro, com seu corpo, sangue, alma e divindade. (Cf. III, 76, 1 c e ad 1)

Eis como expressa esta verdade o Santo Concílio de Trento:

“Foi também sempre esta a fé na Igreja de Deus: que logo depois da consagração estão o verdadeiro corpo de Nosso Senhor e seu verdadeiro sangue conjuntamente com sua alma e sua divindade, sob as espécies de pão e de vinho, isto é, seu corpo sob a espécie de pão e seu sangue sob a espécie de vinho, por força das palavras mesmas; mas o mesmo corpo também [está] sob a espécie de vinho, e o sangue sob a espécie de pão, e a alma sob uma e outra, por força daquela natural conexão e concomitância, com que as partes de Cristo Nosso Senhor, que já ressuscitou dos mortos para nunca mais morrer (Rom 6, 9), estão unidas entre si; e a divindade por causa daquela sua admirável união hipostática com o corpo e a alma [cân. l e3]. Assim, é bem verdade que tanto uma como outra espécie contêm tanto quanto as duas espécies juntas. Pois o Cristo todo inteiro está sob a espécie de pão e sob a mínima parte desta espécie, bem como sob a espécie de vinho e sob qualquer das partes desta espécie”. (D 876)

CONCLUSÃO III. O Pai e o Espírito Santo estão realmente presentes na Eucaristia em virtude da circuminsessão das Pessoas divinas, que as faz absolutamente inseparáveis entre si.

É uma conseqüência necessária e inevitável do fato da circuminsessão entre as Pessoas divinas, que consta expressamente pelos seguintes lugares teológicos:

a) Sagrada Escritura. O próprio Cristo diz:

“Eu e o Pai somos um [...] o Pai está em mim e eu no Pai” (Jo 10, 30 e 38).
“Aquele que me viu, viu também o Pai [...]; o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras. Crede-me: estou no Pai, e o Pai em mim” (Jo 14, 9-11). O mesmo deve-se dizer, naturalmente, do Espírito Santo.

b) Magistério da Igreja. Eis aqui, entre outros muitos textos, as palavras do Concílio de Florença em seu decreto para os jacobitas:

“Por razão desta unidade, o Pai está todo inteiro no Filho, todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho. Nenhum precede ao outro na eternidade, ou lhe excede em grandeza, ou lhe sobrepuja em poder”. (D 704)

c) Razão Teológica. A circuminsessão (ou mútua inerência ) entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo exige que onde esteja uma Pessoa divina, estejam também as outras duas, já que são absolutamente inseparáveis entre si e da mesma essência divina que é comum às três Pessoas. Logo, na Eucaristia, juntamente com a divindade de Cristo (o Filho de Deus), estão também o Pai e o Espírito Santo.

Corolários. 1) O Verbo divino se faz presente na Eucaristia em virtude de sua união hipostática com o corpo e o sangue de Cristo. O Pai e o Espírito Santo, em virtude da circuminsessão intratrinitária.
2) Logo, a Eucaristia é adorável com adoração de latria, ou seja, com a adoração que corresponde ao verdadeiro Deus. (D 878 888)
3) Ainda que a inabitação trinitária seja patrimônio de toda alma na graça de Deus (Jo 14,23), ao receber a Eucaristia se verifica na alma do justo uma mais penetrante inerência [texto original:inhesión] das Pessoas divinas. (Cf. I, 43, 6 c, ad 2 e ad 4)

CONCLUSÃO IV. Toda a quantidade mensurável do corpo de Cristo está na Eucaristia; mas não em virtude das palavras sacramentais, mas em virtude da real concomitância e ao modo da substância.

Escutemos a Santo Tomás explicando esta maravilhosa conclusão:

“A realidade de Cristo pode estar no sacramento de dois modos: pela força do sacramento e pela concomitância real. Pela força do sacramento, as dimensões do corpo de Cristo não estão neste sacramento. Pela força do sacramento, está neste sacramento aquilo em que a conversão termina diretamente. A conversão eucarística termina diretamente na substância do corpo de Cristo, não, porém, nas suas dimensões. Isso se evidencia pelo fato de que a quantidade mensurável do pão permanece depois da consagração, que converte somente a substância do pão. Porque a substância do corpo de Cristo realmente não se despoja de suas dimensões e dos outros acidentes, daí se segue que pela força da concomitância real estejam presentes neste sacramento todas as dimensões do corpo de Cristo e todos os seus acidentes” (III, 76, 4).

Ora, como pode estar toda a quantidade mensurável do corpo de Cristo – ou seja, Cristo inteiro de tamanho natural – em uma hóstia tão pequena? A dificuldade – aparentemente tão aparatosa – se desvanece por si mesma dizendo-se que a quantidade mensurável do corpo de Cristo não está localizada na Eucaristia (ou seja, não ocupa lugar nela), mas está ali ao modo da substância, que prescinde em absoluto da extensão no lugar. Escutemos de novo o Doutor Angélico ao resolver esta mesma dificuldade:

“Deve-se dizer que o modo de existência de uma coisa se determina em razão do que lhe é essencial e não do que é acidental. Assim, por exemplo, um corpo é visível, porque é branco e não porque é doce, posto que tal coisa possa ser, ao mesmo tempo, branca e doce (p.ex. o açúcar). Por isso, a doçura é visível em razão da brancura e não da doçura. Assim, pois, pela força deste sacramento está presente no altar a substância do corpo de Cristo, enquanto que suas dimensões aí estão por via de concomitância, como que acidentalmente. Por conseguinte, as dimensões do corpo de Cristo estão neste sacramento, não em seu modo próprio, isto é, como se fosse o todo no todo e cada parte em cada parte (o que exigiria um espaço igual ao que ocupa no Céu o corpo natural de Cristo, e não poderia, por conseguinte, caber na hóstia pequena); mas a modo de substância, cuja natureza é de toda ela estar no todo e em cada parte (como a substância de pão está no pão inteiro e em cada uma de suas partículas: todas elas são pão)” (III, 76, 4 ad 1). [os parênteses explicativos são do autor do texto e não de Santo Tomás]

Nova luz sobre a maneira de explicar este fato a encontraremos na seguinte conclusão, relativa à presença de Cristo na Eucaristia sem ocupar nela lugar algum.

CONCLUSÃO V. O corpo de Cristo está realmente presente na Eucaristia, sem ocupar nela lugar circunscritivo algum, ou seja, prescindindo em absoluto da extensão e do espaço.

Eis aqui as principais razões que a provam:

1) Porque para ocupar circunscritivamente um lugar é absolutamente necessário que o lugar sejaigual à coisa localizada. Não pode ser menor, porque então a coisa localizada não poderia caber nele. Ora, o corpo de Cristo, com toda a sua quantidade mensurável, cabe perfeitamente na hóstia eucarística e em qualquer de suas partículas, por pequenas que sejam. Logo, não está nela de uma maneira local, isto é, ocupando circunscritivamente um determinado lugar.

2) Porque o corpo de Cristo, e toda a sua quantidade mensurável, está na Eucaristia ao modo das substâncias, que prescindem diretamente ou per se da extensão e do espaço, ainda que se encontrem indiretamente ou per accidens aprisionadas pela dimensão de seus próprios acidentes. E assim, por exemplo, a substância do pão está integralmente contida seja em um pão muito grande, seja em um outro pequeno, seja em uma pequenina partícula (também ela é pão), porque a substância, enquanto tal, prescinde em absoluto ou per se da extensão e do espaço, se bem que indiretamente ou per accidens se encontra, de fato, aprisionada pela dimensão de seus próprios acidentes, já que é evidente que fora do pão não há pão.

3) O corpo de Cristo, com toda a sua extensão ou quantidade mensurável, está contido realissimamente sob as espécies sacramentais, e neste sentido se diz que Cristo sacramentado está na Eucaristia, ou seja, no mesmo lugar que ocupam as espécies sacramentais, mas de maneira distinta a como estão elas; porque as espécies estão ali localmente, ou seja, ocupando o lugar correspondente à quantidade ou extensão das mesmas, e Cristo está ali substancialmente, ou seja, prescindindo em absoluto da extensão e do espaço.

Corolários. 1) Logo, o lugar em que está o corpo de Cristo na Eucaristia, não está vazio nem cheio da substância do corpo de Cristo, mas cheio e repleto pelas próprias espécies de pão e vinho, que antes continham a substância do pão e agora contêm o corpo de Cristo sem que este ocupe lugar algum. (Cf. III, 76, 5 ad 2)
2) Logo, o corpo sacramentado de Cristo pode estar em muitos lugares ao mesmo tempo (em todos os sacrários do mundo) sem repugnância ou contradição alguma, já que em nenhum desses lugares está localmente, mas somente substancialmente. O corpo de Cristo somente está localmente no Céu.
3) Logo, o corpo de Cristo não está encolhido ou apertado nas espécies eucarísticas, mas com toda a sua natural expansão e amplitude, porque não está nelas ocupando lugar algum. As espécies sacramentais contêm realmente a Cristo, mas nem sequer o tocam, já que o corpo de Cristo não faz, com relação a estes acidentes, o papel sustentador que correspondia antes à substância do pão, mas existe na Eucaristia com inteira independência do acidentes, que ficam por completo no ar, sustentados pela onipotência de Deus.
4) Logo, há uma relação real das espécies com Cristo (porque o contêm realmente), à qual corresponde uma relação de razão do corpo de Cristo às espécies (porque Cristo nem sustenta os acidentes de pão e nem experimenta com a consagração eucarística a menor alteração ou mudança).

CONCLUSÃO VI. O corpo de Cristo está de si imóvel na Eucaristia, posto que está nela ao modo de substância, não localmente; mas se move acidentalmente ao moverem-se as espécies (p.ex.: em uma procissão eucarística).

Um simples exemplo pode ajudar um pouco à imaginação para compreender este mistério. Imaginemos um rei sentado em seu trono, e diante dele, um de seus ministros percorrendo o salão do trono com um espelho na mão direcionado ao rei, de modo que a imagem do rei não deixa um só instante de refletir-se no espelho à medida que este vai se movendo e mudando de lugar. O rei de si está imóvel (sentado em seu trono), mas sua imagem, refletida no espelho, vai se movendo realmente à medida que se move o espelho. Algo parecido ocorre na Eucaristia: o rei é Cristo, sentado no Céu à direita do Pai; o ministro é o sacerdote; o espelho, as espécies eucarísticas. Todavia, o exemplo não é totalmente exato, porque o espelho não contém asubstância do corpo do rei, mas somente sua mera representação ou imagem, enquanto que as espécies eucarísticas contêm realmente a substância do corpo de Cristo, como nos ensina a Fé.

CONCLUSÃO VII. A presença real de Cristo na Eucaristia termina ou desaparece ao corromperem-se as espécies de pão e vinho, sem que o corpo de Cristo sofra com isso a menor alteração.

A razão do primeiro ponto é muito simples. Como o corpo de Cristo e seu sangue sucedem no sacramento à substância do pão e do vinho, se se produz nos acidentes tal alteração que por causa dela se teriam corrompido a substância do pão ou do vinho contida sob estes acidentes antes da consagração, desaparece a substância do corpo e do sangue de Cristo; mas, se a alteração dos acidentes não é tão grande a ponto de que teria corrompido a substância do pão ou vinho, continua a presença real de Cristo na Eucaristia. (Cf. III, 77, 4)

O segundo ponto é também muito claro e simples. Como a consagração eucarística não produz no corpo de Cristo a menor mudança ou alteração – toda a alteração da conversão se realizou somente nas espécies, como já dissemos –, tampouco a corrupção das espécies altera ou afeta em algo ao próprio Cristo, ainda que deixe de estar presente sob estas espécies, “não porque delas dependa, mas porque desaparece a relação do corpo de Cristo àquelas espécies; é assim que Deus deixa de ser Senhor da criatura quando esta desaparece”. (III, 76, 6 ad 3)

Corolários. 1) Logo, Jesus sacramentado está presente no peito [texto original: pecho] do que comunga todo o tempo em que permanecem incorruptas as espécies sacramentais em seu estômago .
2) “A corrupção das espécies não é milagrosa, mas natural. No entanto, pressupõe um milagre o que se passa na consagração, a saber, que as espécies sacramentais retenham sem sujeito o existir que antes possuíam no sujeito; exatamente como um cego que vê de modo normal depois de ser curado milagrosamente”. (III, 77, 4 ad 3) Voltaremos em seguida sobre isto no artigo seguinte.

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FONTE: MARIN, A.R. Teologia Moral para Seglares. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1958. v.II: Los Sacramentos. p.133-138.

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