XXX. RESPEITO COM QUE SE DEVE ASSISTIR À
SANTA MISSA
Diz o Concílio de Trento: "Se somos,
forçosamente, obrigados a confessar que os fiéis não podem exercer obra mais
Santa nem mais divina do que este Mistério terrível, no qual a Hóstia
vivificadora, que nos reconciliou com Deus Pai, é, todos os dias, imolada pelos
sacerdotes, parece bastante claro que devemos ter muito cuidado para fazer esta
ação com grande pureza de coração e com a maior devoção exterior
possível". Estas palavras dizem respeito tanto aos fiéis como ao
celebrante.
O historiador Flávio Josefo relata que, no
templo de Salomão, setecentos sacerdotes e levitas estavam ocupados, todos os
dias, em imolar as vítimas, em purificá-las, em queimá-las sobre o altar, e que
isto se fazia com profundo silêncio e perfeito respeito. Entretanto, estes
sacrifícios eram somente símbolos do Sacrifício da Santa Missa. Com que fervor,
com que silêncio e atenção devemos assistir, pois, ao sacrifício verdadeiro!
Os primeiros cristãos nos deram admiráveis
exemplos a este respeito. Segundo o testemunho de S. João Crisóstomo, ao entrar
na Igreja, beijavam, humildemente, o assoalho e guardavam, durante a Santa
Missa, tal recolhimento que se julgava estar em lugar deserto. Era de observar
o preceito da liturgia de S. Tiago: "Todos devem se conservar no silêncio,
no temor, no medo e no esquecimento das coisas terrestres, quando o Rei dos
reis, Nosso Senhor Jesus Cristo, vem imolar-se e dar-se em alimento aos
fiéis". São Martinho conformou-se, exatamente, com esta recomendação.
Nunca se sentava na igreja; de joelhos, ou em pé, orava com ar compenetrado de
um santo assombro. Quando lhe perguntavam pela razão desta atitude, costumava
dizer: "Como não temeria, visto que me acho em presença do Senhor?".
Como outrora a Moisés, Deus poderia ainda
dizer-nos hoje: "Tirai os sapatos de vossos pés, porque o lugar onde
estais é Santo". Mais santas ainda são as nossas igrejas sagradas, com
tanta profusão de unções e orações, e santificações, cada dia, pela oblação do
Santo Sacrifício. Caro leitor, David eleito de Deus, tremendo, aproximava-se da
Arca da Aliança, e nós não tremeríamos, ao entrar na igreja, onde se acha o
Santíssimo Sacramento? Não nos esqueçamos da severa advertência do Senhor:
"Tremei diante de meu santuário" e da exclamação de Jacó:
"Quanto é terrível este lugar! É, verdadeiramente, a casa de Deus e a
porta dos céus" (Gen. 28, 17).
À vista disto, que pensar dos cristãos que
se comportam, na igreja e durante a Santa Missa, como se estivessem na rua, ou
em casa? Os Anjos adoram, tremendo e prostrados, a divina Majestade, e entre os
assistentes há cristãos que lançam, aqui e acolá, olhares curiosos e
provocadores; ocupam-se das pessoas presentes, pensam nos negócios do mundo,
nas suas vaidades, falam sem pudor em coisas inúteis, talvez, más, semelhantes
aos vendedores no templo que "faziam da casa de oração uma casa de
ladrões". As nossas igrejas são mais que uma casa de oração: são a casa de
Deus, habitada por Jesus Cristo, dia e noite.
Ora, se o próprio Jesus expulsou, a
chicote, os profanadores do templo, como tratará estes cristãos audaciosos?
Dizes: "É mister responder a quem
interroga". - Não é proibido responder a uma pergunta útil nem dizer uma
palavra necessária; é proibido, conversar coisas inúteis, fazer observações
sobre o próximo, saudar-se mutuamente, como se estivesse na rua, e outras
coisas semelhantes que impedem seguir, atentamente, a Santa Missa. Jesus Cristo
nos preveniu: "Os homens darão conta, no dia do Juízo, de toda palavra
ociosa" (Mt. 12, 36). Ora, haverá palavras mais inúteis do que as
proferidas durante o tremendo Mistério do Altar?
São Crisóstomo opina que os que falam e
riem, durante a Santa Missa, merecem ser fulminados na Igreja. Com esta ameaça,
o santo Doutor aponta também os que, por direito e dever, deveriam impedir as
irreverências: os pais que não repreendem nem corrigem os filhos dissipados; os
mestres e amos que não vigiam a atitude de seus alunos e criados.
Testemunhamos ainda nosso respeito,
assistindo à Santa Missa, de joelhos. São Paulo nos convida, quando diz que,
"ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e nos
infernos" (Fl. 2, 10). Com mais razão ainda, devemos guardar esta atitude
durante a presença real do divino Salvador, isto é, desde a elevação até a
Comunhão. Muitas pessoas, homens sobretudo, têm o mau costume de ficar em pé
durante toda Missa; apenas inclinam-se à consagração para levantar-se logo depois,
como se Jesus não estivesse presente. Quem não puder permanecer de joelhos
durante toda a Missa, poderia ficar em pé até o momento da consagração e depois
da Comunhão. A presença real de Nosso Senhor torna também inconveniente o
costume de muitas pessoas de sentarem-se, sem motivo de força maior,
imediatamente depois da elevação. Se estivessem na presença dos grandes da
terra, em alguma reunião mundana, a força não lhes faltaria, mesmo para tomar
atitudes muito mais penosas do que a de estar de joelhos!
A piedosa imperatriz Leonor, esposa de
Leopoldo I, assistia sempre, de joelhos, à Santa Missa. Quando lhe aconselhavam
poupar a saúde e servir-se duma cadeira de braços, dizia: "Todos se
inclinam diante de mim, pobre pecadora, ninguém de minha corte ousaria
sentar-se em minha presença, e teria eu a coragem de faze-lo em presença de meu
Deus e Criador?"
Aconselharíamos, de boa vontade, às mães,
que não trouxessem à Missa os pequenitos que, com os choros, poderiam perturbar
o silêncio e incomodar o sacerdote no altar: quanto aos que estão bastante
crescidos para aí ficarem quietos, é muito bom conduzí-los.
Terminando, reprovamos ainda outro
deplorável abuso: o das senhoras e moças que vão à Missa vestidas à última
moda, às vezes bastante indecente para lugar tão santo. Estas pessoas não medem
a imensa dívida que contraem para com Deus. Jesus Cristo, do alto da cruz,
parece dizer-lhes: "Vê, minha filha, estou atado a este lenho, inundado de
sangue, coberto de chagas, para pagar o escândalo de teus trajos inconvenientes.
Tu, por ironia cruel, apareces aqui ostentando a elegância; não te envergonhas
de mostrar-te a meus fiéis? Toma cuidado para que teu luxo e tua vaidade não te
lancem ao fogo do inferno!"
A garridice, o luxo é como um archote que
acende desejos ilícitos até no coração dos justos; que fogo não acenderá nos
levianos e impuros! As pessoas adornadas com tanto cuidado são sempre
perigosas: desviam do altar a atenção dos homens e são a causa de distrações e
pensamentos criminosos. Quem prepara o veneno comete um pecado mortal, mesmo
que não o tome aquele a quem é destinado; o mesmo acontece com estas pessoas:
pecam pelo único fato de expor os outros à tentação. Sua falta é ainda mais
escandalosa, quando assim se apresentam na Santa Missa. Como responderão por
suas vítimas no dia do Juízo? Acrescenta a isso que são uma ocasião de pecado
para outras senhoras, a quem servem de figurinos de imitação.
Terminamos, caro leitor, com uma súplica:
[...] lê e relê com atenção. Teu amor para o divino Sacrifício e a Santa
Comunhão crescerão, porque, de mais a mais, compreenderás a excelência da Santa
Missa, e o tesouro imenso que lucras, assistindo a ela fielmente. Será, porém,
na hora da morte, principalmente, que experimentarás quanto o Senhor é bom para
os que honram os sagrados Mistérios do Altar, ao passo que os indiferentes e
tíbios meditarão, num amargo, mas inútil arrependimento, o prejuízo que fizeram
a seus interesses eternos.
Rogamos a Deus que, por Nosso Senhor Jesus
Cristo, seu Filho único, e pela virtude do Espírito Santo, esclareça a
inteligência e fortifique a vontade dos que lerão estas linhas, a fim de que
aproveitem para sua alma e nos façam participar de suas orações, no Santo
Sacrifício.
Apêndice: BIOGRAFIA DO PE. MARTINHO DE COCHEM
Martinho de Cochem nasceu em 1625 ou, como
querem outros, em 1630, justamente na época em que os terrores da célebre
guerra dos Trinta Anos assolava a Alemanha. Cochem é o nome duma pequena
cidade, situada nas belas margens do Mosela onde, pouco tempo antes do
nascimento de Martinho, os padres capuchinhos haviam construído um convento de
sua Ordem.
Assim foi que o jovem, desde criança,
estimava e amava os bons religiosos, de sorte que, tendo o consentimento de sua
família, pediu-lhes o hábito de S. Francisco.
Feito capuchinho, distinguiu-se pela
extraordinária piedade e também pelo brilhante resultado de seus estudos, de
maneira que lhe foi confiada a cadeira de teologia na Ordem.
Por muitos anos, instruiu Martinho os seus
jovens irmãos de hábito nos segredos da ciência sagrada, até que, em 1666, o
terrível espantalho da peste estendeu suas asas negras sobre a Alemanha,
vitimando milhares de pessoas, especialmente nas vizinhanças do Reno. Cheios de
zelo pela salvação das almas, os padres capuchinhos saíram da solidão do convento
para dedicar-se ao tratamento dos doentes, e muitos desses santos homens
deixaram a vida, mártires da caridade.
A escola, onde lecionava frei Martinho,
foi dissolvida, sendo os noviços, seus discípulos, enviados para suas casas.
Martinho aproveitou estas férias
inesperadas e forçadas para escrever um catecismo popular, no intuito de
instruir o povo católico nos princípios da religião. E com tanta felicidade
saiu-se desta incumbência, que os Superiores lhe mandaram renunciar
definitivamente ao magistério e ocupar-se em editar livros e escritos
religiosos que estivessem ao alcance de todos. Conhecendo nesta ordem à vontade
de Deus, frei Martinho dedicava-se, com grande zelo, aos trabalhos da pena,
editando numerosas obras, vivas testemunhas de que o seu autor tinha profundo
conhecimento das necessidades religiosas de seu tempo, assim como do modo
prático de remediá-las.
Seus escritos salientam-se pela linguagem
simples e ingênua, pelo jeito admirável de falar ao coração humano, como também
pela vivacidade e clareza do estilo.
Não podia deixar de suceder que o nome do
padre Martinho se tornasse célebre e atraísse a atenção dos altos príncipes da
Igreja. Com razão calculavam que o homem que, em seus escritos, sabia, de modo
tão insistente e enérgico, propor ao povo o poder e a verdade da religião,
ainda mais conseguiria pela força da palavra, ensinando e iluminando o mundo
pela luz de suas acrisoladas virtudes. Eis o motivo por que os arcebispos de
Mogúncia e Treveris o encarregaram de pregar missões e de realizar a visita
canônica em quase todas as freguesias de suas dioceses.
Obediente às ordens dos Superiores e
pronto a sacrificar-se pela salvação das almas, ia instruir o povo nas verdades
de nossa santa religião, procurando transmitir, com especialidade, a seus
inúmeros ouvintes, pelo menos uma faísca daquela devoção ao Santíssimo
Sacramento que lhe abrasava o coração, e inspirando-lhes o desejo ardente de
assistir, com regularidade e devoção, ao Santo Sacrifício da Missa, plenamente
convictos de que o que se passa sobre o altar, não é senão a repetição
incruenta da morte do Salvador.
Assim trabalhou incessantemente e sem
cessar, até que, em idade avançada, foi chamado pelo Retribuidor do Bem,
falecendo aos 10 de Setembro do ano de 1712.
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