10 de março de 2009

CATECISMO ROMANO - EUCARISTIA (PARTE 5)


I. A EUCARISTIA COMO SACRAMENTO
Catecismo Romano
VII. DOGMAS EUCARÍSTICOS

Mas agora reatemos a explanação de outras verdades, que os fiéis de modo algum podem desconhecer. Como o Apóstolo afirma ser enorme o crime cometido por aqueles "que não distinguem o Corpo do Senhor", digam os pastores, em primeiro lugar, que o espírito e a inteligência devem aqui abstrair absolutamente das impressões sensíveis. Pois, se os fiéis julgassem que este Sacramento só contém o que eles percebem com os sentidos, cairiam forçosamente na maior das impiedades. Seriam levados a crer que, no Sacramento, nada mais existe além de pão e de vinho, porquanto a vista, o tato, o olfato e o paladar só acusam as aparências de pão e de vinho. Devem, pois, os pastores envidar esforços, para que o espírito dos fiéis prescinda, o mais possível, da opinião dos sentidos, e se alevante à contemplação da soberania e onipotência de Deus.

São três os efeitos, dignos da maior admiração e acatamento, produzidos pelas palavras da Consagração, conforme o que a fé católica crê e professa, sem nenhuma hesitação.

O primeiro é que, neste Sacramento, se contém o verdadeiro Corpo de Cristo Nosso Senhor, aquele mesmo que nasceu da Virgem, e está sentado nos céus à mão direita do Pai.

O segundo é que nele não remanesce nenhuma substância dos elementos, por mais estranho e contrário que isto pareça à percepção dos sentidos.

O terceiro, que se deriva dos dois anteriores, está claramente indicado pelos termos da Consagração. É que os acidentes, quais se nos deparam à vista e aos demais sentidos, continuam a subsistir, de uma maneira admirável e inexplicável, sem que coisa alguma lhes sirva de suporte. Podemos, pois, enxergar todos os acidentes do pão e do vinho, mas eles não inerem a nenhuma substância; subsistem em si mesmos, porquanto a substância do pão e do vinho se convertem de tal maneira no próprio Corpo de Nosso Senhor, que a substância do pão e do vinho deixam totalmente de existir.

VII.1.Presença real do Corpo e Sangue de Cristo

Quando pois Ele diz "Isto é o Meu Corpo, este é o Meu Sangue" – nenhuma pessoa de bom-senso pode desconhecer o que tais palavras significam, tanto mais que se referem à natureza humana que era em Cristo uma realidade, conforme o que a fé católica a todos propõe como doutrina indubitábel. Assim é que Santo Hilário, varão de muita virtude e prudência, teve a agudeza de observar que já não é possível duvidar da presença real do Corpo e Sangue de Cristo, desde que o próprio Senhor declarou, e a fé nos ensina, que Sua Carne é verdadeiramente comida.

B) As palavras do Apóstolo São Paulo

Os pastores deverão ainda elucidar uma outra passagem, pela qual será fácil concluir que, na Eucaristia, se contém o verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor. Depois de relatar como Nosso Senhor consagrara o pão e o vinho, e dera aos Apóstolos os Sagrados Mistérios, o Apóstolo acrescenta: "Examine-se, pois, o homem a si próprio, e assim coma deste pão e beba do cálice; porque quem come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condenação, por não discernir o Corpo do Senhor" (I Cor XI, 28).

Ora, se no Sacramento não houvesse outra coisa que venerar , como afirmam os hereges, senão uma lembrança e um sinal da Paixão de Cristo, que necessidade tinha o Apóstolo de exortar os fiéis, em linguagem tão grave, a examinarem-se a si mesmos?

Com aquela dura palavra "condenação", declarava o Apóstolo que comete nefando crime quem recebe indignamente o Corpo do Senhor, oculto de maneira invisível na Eucaristia, e não o distingue de outra qualquer comida.

Na mesma Epístola, o Apóstolo já havia antes explicado de modo mais incisivo: "O Cálice da bênção, não é a comunicação do Sangue de Cristo? E o Pão, que partimos, não é a participação do Corpo de Cristo?" (I Cor X, 16). São palavras que designam, claramente, a verdadeira substância do Corpo e Sangue de Cristo Nosso Senhor.

Os pastores devem, portanto, explicar estas passagens da Escritura, ensinando, expressamente, que elas não deixam nenhuma dúvida ou incerteza, sobretudo porque [assim] as interpretou a sacrossanta autoridade da Igreja de Deus.

Por dois processos podemos alcançar essa interpretação da Igreja. O primeiro é consultar os Padres que, desde os primórdios da Igreja floresceram em cada século, e são os melhores abonadores da doutrina eclesiástica.

Ora, eles são absolutamente unânimes em ensinar, com a maior clareza, a verdade deste dogma. Mas como custaria muito esforço e trabalho alegar aqui o testemunho de cada um deles, será bastante referir, ou melhor, apontar alguns testemunhos que permitam ajuizar os demais, sem maior dificuldade.

Os Santos Padres

Seja, pois, Santo Ambrósio o primeiro a fazer seu depoimento de fé. No seu livro sobre os Catecúmenos, afirmou que neste Sacramento recebemos o verdadeiro Corpo de Cristo, assim como foi verdadeiramente tomado da Virgem; e que esta verdade deve ser aceita com absoluta adesão da fé. E, noutro lugar, ensina que, antes da Consagração, há pão sobre o altar; mas que, depois da Consagração, está ali a Carne de Cristo.

Venha como segunda testemunha, São João Crisóstomo, cuja doutrina não é de menos força e autoridade. Em muitas passagens de suas obras, professa ele e ensina a verdade deste dogma, mas de modo mais pronunciado na sexagésima Homilia sobre aqueles que comungam indignamente, bem como nas Homilias quadragésima quarta e quadragésima quinta sobre o Evangelho de São João: "Obedeçamos a Deus, diz ele, e não façamos objeção, ainda quando parece propor-nos coisas contrárias às nossas idéias e à nossa visão; porquanto a Sua palavra é infalível, e nossos sentidos facilmente se enganam".

Com tais passagens concorda plenamente o que Santo Agostinho, como rijo defensor da fé, sempre ensinava, mormente na explicação do título do Salmo trigésimo terceiro. Diz ele: "Impossível é ao homem carregar-se a si mesmo nas próprias mãos. Isso podia aplicar-se somente a Cristo, pois que Se trazia a Si nas próprias mãos, quando entregou Seu Corpo com as palavras ‘Isto é o Meu Corpo’".

De parelhas com São Justino e Santo Irineu, São Cirilo afirma, no Quarto Livro sobre o Evangelho de São João, a existência da Carne de Cristo neste Sacramento, e usa de termos tão declarados, que não é possível dar-lhes uma interpretação errônea e tendenciosa.

Caso queiram outros ditos dos Santos Padres, os pastores poderão sem mais acrescentar São Dionísio, Santo Hilário, São Jerônimo, São João Damasceno, e muitos outros que não nos é possível enumerar. Suas autorizadas opiniões sobre este dogma foram cuidadosamente coligidas, graças aos esforços de autores doutos e piedosos, que assim no-las tornaram fáceis de consultar em qualquer oportunidade.

Os Concílios

O segundo processo para conhecermos o sentir da Igreja me matéria de fé, consiste na condenação que ela fulmina contra as doutrinas e opiniões contrárias.

Ora, é um fato histórico que a fé na presença real do Corpo de Cristo na Eucaristia estava de tal modo disseminada e arraigada na Igreja Universal e gozava de tanta aceitação entre todos os fiéis que, atrevendo-se Berengário, [há quinhentos anos atrás] (*no século XI), a negá-la e atribuir-lhe apenas o caráter de simples emblema, o Concílio de Vercelli, convocado por Leão IX, logo o condenou por consenso unânime dos Padres, e fulminou sua heresia com a pena de excomunhão.

Quando ele mais tarde recaiu na loucura da mesma impiedade foi novamente condenado por três outros Concílios, por um em Tours, e por dois em Roma, sendo o primeiro destes convocado pelo Papa Nicolau II, e o segundo pelo Papa Gregório VII. Esta mesma doutrina foi mais tarde confirmada por Inocêncio III no Concílio Ecumênico de Latrão. Depois os Concílios de Florença e de Trento declararam e definiram, mais explicitamente, o sentido desta verdade revelada.

Nenhuma alusão fazemos aqui a pessoas que, obcecadas por opiniões errôneas, nada aborrecem tanto, como a luz da verdade; mas, se os pastores explicarem bem estas verdades, poderão confortar os fracos, e encher de suma e cordial alegria os espíritos piedosos, tanto mais que para os fiéis a verdade deste dogma deve estar implicitamente incluída na profissão dos outros artigos da fé.

Crendo, pois, e professando o supremo poder de Deus sobre todas as coisas, força lhes é crerem também que a Deus não falta poder para realizar este sumo prodígio que, extasiados, adoramos, no Sacramento da Eucaristia. E crendo, também, a Santa Igreja Católica, necessariamente devem acreditar que as verdades relativas a este Sacramento são conformes à explicação, que acabamos de dar (*isto é, que a Eucaristia é um dogma apresentado pelo Magistério infalível da Igreja).

Sem dúvida alguma, quando os fiéis se põem a considerar a singular grandeza deste incomparável Sacramento, não há o que lhes possa contribuir para maior gozo e proveito espiritual.

Em primeiro lugar, reconhecerão como é sublime a perfeição da Nova Aliança, à qual foi dado possuir na realidade o Mistério que, na época da Lei Mosaica, era apenas insinuado por sinais e figuras. Por isso, São Dionísio teve a inspiração de dizer que a nossa Igreja fica de permeio entre a Sinagoga e a Jerusalém celestial, razão por que também participa da grandeza de ambas.

De fato, os fiéis jamais poderão admirar bastante a perfeição da Santa Igreja e a sublimidade de sua glória; ao que parece, entre ela e a bem-aventurança celestial medeia apenas a distância de um só grau.

Pois o que temos de comum com os bem-aventurados é o possuirmos, nós e eles, a presença de Cristo como Deus e como Homem. Todavia, o único grau que nos separa é gozarem eles Sua presença na visão beatífica, ao passo que nós, com fé firme a inabalável, veneramos Sua presença, vedada contudo à nossa vista corporal, porquanto Se encobre debaixo do admirável véu dos Sagrados Mistérios.

Além do mais, é neste Sacramento que os fiéis experimentam a suprema caridade de Cristo Nosso Salvador. Sob todos os pontos de vista, convinha à Sua bondade não apartar de nós, em tempo algum, a natureza que de nós havia assumido, mas antes querer ficar conosco, na medida do possível, para que em todos os tempos fosse plena realidade aquela palavra da Escritura: "Minhas delícias é estar com os filhos dos homens" (Pr VIII, 31).

Nesta altura, os pastores hão de explicar que, neste Sacramento, se contém não só o verdadeiro Corpo de Cristo, e tudo o que constitui realmente o corpo humano, como os ossos e os músculos, mas também Cristo todo inteiro.

Devem dizer que "Cristo" é um nome que designa o Homem-Deus, isto é, uma única Pessoa, e no qual se ligam as natureza divina e humana. Sendo assim, devemos crer que tudo está encerrado no Sacramento da Eucaristia: ambas as substâncias, e o que se deriva das duas substâncias, isto é, a Divindade e toda a natureza humana, que consta da alma, do corpo com todas as suas partes, e até do sangue.

Com efeito, já que no céu a Humanidade completa de Cristo está unida à Divindade numa só Pessoa e hipóstase, grave erro seria supor que o Corpo, em sua presença sacramental, estivesse separado da mesma Divindade.

No entanto, devem os pastores levar em conta que todos estes elementos não estão contidos no Sacramento pela mesma razão e maneira.

Em virtude do Sacramento

De alguns dizemos estarem presentes no Sacramento, pela virtude própria das palavras consecratórias. Como essas palavras produzem o que significam, dizem os teólogos que no Sacramento se contém, em virtude do próprio Sacramento, o que exprimem as palavras da forma. Se acontecesse ficar algum elemento inteiramente separado dos outros, afirmam também os teólogos que no Sacramento se conteria apenas o que está expresso pela forma, com exclusão dos elementos restantes.

Por concomitância

Outros elementos, porém, estão contidos no Sacramento, por se ligarem às coisas expressas pela forma. Na consagração do pão, por exemplo, a forma empregada significa o Corpo de Nosso Senhor, porquanto se diz: "Isto é o Meu Corpo". Assim, pois, em virtude do Sacramento, se torna presente na Eucaristia o próprio Corpo de Cristo Nosso Senhor. Ora, estando unidos ao Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade, todos esses elementos estão também contidos no Sacramento, não em virtude das palavras consecratórias, mas por estarem unidos ao Corpo.

Em linguagem teológica se diz que eles estão no Sacramento "por concomitância" (*por um nexo necessário). Torna-se, pois, evidente ser esta a razão por que Cristo se acha totalmente presente no Sacramento. Quando duas coisas realmente se unem entre si, força é que esteja uma onde se encontra também a outra. Segue-se, portanto, que a presença de Cristo é total, quer na espécie de pão, quer na espécie de vinho: e de tal maneira, que nos acidentes do pão não se acha realmente presente só o Corpo, mas também o Sangue e Cristo todo; bem como na espécie de vinho está verdadeiramente presente, não só o Sangue, mas também o Corpo e Cristo todo inteiro.

Consagração de duas espécies

Apesar desse fato, a que os fiéis devem atribuir uma certeza absoluta, era muito legítimo se estabelecesse o preceito de fazerem-se duas Consagrações separadas.

Em primeiro lugar, para realçar melhor a Paixão de Nosso Senhor, na qual o Sangue se separou do Corpo. Por esse motivo, na Consagração, nos referimos ao Sangue que foi derramado.

Depois, como se destinava à nutrição de nossa alma, era absolutamente razoável que o Sacramento fosse instituído à maneira de comida e bebida, que constituem, na opinião geral, os componentes da boa alimentação para o organismo.

Na explicação, porém, cumpre não omitir que Cristo está todo presente não só em cada uma das espécies, mas também em cada parcela de ambas as espécies. Assim escreveu Santo Agostinho em suas obras: "Cada qual recebe Cristo Nosso Senhor, e em cada porção está Ele todo presente. Não fica menor, quando repartido a cada um individualmente, e dá-Se todo a cada um dos comungantes".

Além disso, pode-se facilmente comprovar a mesma verdade através dos textos evangélicos. Não é também de supor que Nosso Senhor consagrasse com forma própria cada pedaço de pão, mas que pela mesma forma consagrou, ao mesmo tempo, todo o pão suficiente para a celebração dos Sagrados Mistérios, e para a distribuição aos Apóstolos. Quanto ao Cálice, não padece dúvida que assim procedeu, porquanto Ele mesmo disse: "Tomai e reparti entre vós" (Lc XXII, 17).

As explicações dadas até agora destinam-se aos pastores, para que possam demonstrar como no Sacramento da Eucaristia se contém o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário