21 de agosto de 2009

A Luta de Classes - S.S. Pio XII

A Luta de Classes - Pio XII

Discurso aos Representantes dos Trabalhadores Italianos, 13 de junho de 1943.

As duras condições presentes não pesam só sobre a multidão dos operários, mais que os outros, oprimida e aflita; todas as classes compartilham este peso, umas mais penosa e molestamente que outras; e nem só o estado social dos trabalhadores e trabalhadoras está pedindo alterações e reformas: toda a complexa estrutura da sociedade tem necessidade de ser restaurada e melhorada, abalada profundamente como está na sua contextura. Quem não vê, porém, que a questão operária, pela dificuldade e variedade dos problemas que implica, e pelo vasto número de membros que afeta, é tal e de tão grande necessidade e importância, que merece mais atento, vigilante e previdente cuidado? Questão delicada como nenhuma outra; ponto movediço e insidioso, exposto diante dos olhos da inteligência e do impulso do coração, em face da doutrina de justiça, de equidade, de amor, de recíproca consideração e convívio, que a lei de Deus e a voz da Igreja recomendam.

Vós certamente não ignorais que a Igreja voz ama enternecidamente, com ardor e afeto maternal que não são de hoje, e que com vivo sentido da realidade das coisas examinou as questões que vos tocam mais de perto, os Nossos predecessores e Nós mesmo, com repetidas doutrinações, não perdendo ocasião alguma para fazer compreender a todos as vossas necessidades e exigências pessoais a familiares, proclamando como postulados fundamentais de concórdia social aquelas aspirações que vos estão tanto a peito: um salário que assegure a existência da família e seja tal que torne possível aos pais o cumprimento do dever natural de criar prole sanamente alimentada e vestida; habitação digna de pessoa humana; possibilidade de dar aos filhos suficiente instrução e educação conveniente, de prever e adotar providências para os tempos de escassez, doença e velhice. Há que levar ao fim destas condições de previdência social, se se quer que a sociedade não seja abalada de tempos a tempos por turvos fermentos e convulsões perigosas, mas se pacifique e progrida na harmonia, na paz e no mútuo amor.

Pois bem, por mais louváveis que sejam as diversas providências e concessões dos poderes públicos e o sentimento humano e generoso que anima não poucos patrões, quem poderá assegurar e defender que tais propósitos se realizaram por toda parte? Em todo caso os trabalhadores e trabalhadoras, conscientes da sua grande responsabilidade no bem comum, sentem e ponderam o dever de não agravar o peso das extraordinárias dificuldades que oprimem os povos, apresentando clamorosamente e com movimentos imprudentes as suas reivindicações nesta hora de universais e imperiosas necessidades; mas persistam no trabalho e perseverem nele com disciplina e calma, prestando apoio inestimável à tranquilidade e proveito de todos na vida social. Nós damos o Nosso elogio a essa pacífica concórdia de ânimos e vos convidamos e exortamos paternalmente a perseverar nela com firmeza e dignidade, o que contudo não deve induzir alguém a pensar, como já o notamos, que se hajam como resolvidas todas as questões.

A Igreja, guarda e mestra da verdade, ao asseverar e propugnar corajosamente os direitos do povo trabalhador, combatendo o erro em várias ocasiões, teve de prevenir-nos contra o perigo de nos deixarmos iludir pela miragem de especiosas e vãs teorias e visões de bem-estar futuro e pelas ardilosas seduções e incitamentos de falsos mestres de prosperidade social, que chamam ao mal bem e bem ao mal, e que, vangloriando-se de ser amigos do povo, não consentem, entre o capital e o trabalho, entre patrões e operários, os mútuos acordos, que mantém e promovem a concórdia social para o progresso e a utilidade comuns.

Estes amigos do povo, vós os ouvistes já nas praças, nos círculos, nos congressos; lestes suas promessas em folhas avulsas; ouviste-os nos seus cantos e nos seus hinos; mas quando é que às suas palavras corresponderam os fatos ou às suas esperanças as realidades? Enganos e desilusões é o que experimentaram e experimentam os indivíduos e povos que lhes deram fé e os seguiram por caminhos que, longe de melhorar, pioraram e agravaram as condições de vida e de progresso material e moral. Esses falsos pastores fazem crer que a salvação deve vir de uma revolução, que transforme a consistência social ou se revista de caráter nacional.

A revolução social orgulha-se de levar ao poder a classe operária: vã palavra e mera aparência de realidade impossível! De fato vedes que o povo trabalhador permanece ligado, subjugado e vinculado à força do capitalismo de Estado, que oprime e sujeita a todos, tanto as famílias como as consciências, e transforma os operários numa gigantesca máquina de trabalho. Não diferentemente de outros sistemas e organizações sociais, que pretende combater, ele tudo agrupa, ordena e constringe a formar um espantoso instrumento de guerra, que exige não só o sangue e a saúde, mas também os bens e a prosperidade do povo. E ainda que os dirigentes se vangloriem desta ou daquela vantagem ou melhoria conseguida no campo do trabalho, ponderando-a e difundindo-a com clamorosa jactância, esse proveito material nunca chega a compensar dignamente as renúncias impostas a todos e que lesam os direitos da pessoa, a liberdade na direção da família, no exercício da profissão, na condição de cidadão, e sobretudo na prática da religião e até na vida da consciência.

Não, não está na revolução a vossa salvação; e é contrário à genuína e sincera profissão cristã o tender - pensando só no proveito próprio, exclusivo e material, sempre incerto - para uma revolução que proceda da injustiça e da insubordinação civil, e o tornar-se tristemente culpável do sangue dos compatriotas e da destruição dos bens comuns. Ai de quem esquece que uma verdadeira sociedade nacional inclui a justiça social e exige uma equitativa e conveniente participação de todos os bens do país! Porque, de outro modo, já vedes que a nação acabaria por ser uma ficção sentimental, um pretexto fátuo, paliativo de grupos particulares para subtrair-se aos sacrifícios indispensáveis ao equilíbrio e à tranquilidade pública. E descobrireis então como, menosprezando no conceito da sociedade nacional a nobreza que Deus lhe outorgou, as rivalidades e lutas intestinas se converteriam numa temível ameaça para todos.

Não é na revolução, mas na evolução harmoniosa que está a salvação e a justiça. A violência nunca fez mais que destruir em vez de construir: reacender as paixões em vez de as apaziguar; acumular ódios e ruínas em vez de irmanar os contendores; e precipitou os homens e os partidos na dura necessidade de reconstruir lentamente, depois de provas dolorosas, sobre as ruínas da discórdia. Só uma evolução progressiva e prudente, corajosa e consentânea com a natureza iluminada e guiada pelas santas normas cristãs de justiça e de equidade, pode levar à satisfação dos desejos e das necessidades honestas do operário.

Nada, pois, de destruir, mas de edificar e consolidar; nada de abolir a propriedade particular, fundamento da estabilidade da família, mas promover a sua difusão como fruto do trabalho consciencioso de todo trabalhador ou trabalhadora, de modo que vá diminuindo gradualmente essa massa de povo irrequieto e audaz que, umas vezes por tétrico desespero, outras por cego instinto, se deixa arrastar por todo vento de falsas doutrinas ou por artes astuciosas de agitadores sem consciência. Não dispersar o capital particular, mas fomentar a sua organização, prudentemente vigiado, como meio e apoio para obter e ampliar o verdadeiro bem material de todo o povo. Não coarctar nem preferir exclusivamente a indústria, mas procurar a sua harmônica coordenação com o artesanato e a agricultura, que fazem frutificar a multiforme e necessária produção do solo nacional. Não ter em mira, no uso dos progressos técnicos, unicamente o maior lucro possível, mas dos frutos que deles se colhem melhorar também as condições pessoas do operário, para tornar menos árdua e dura a sua fadiga e fortalecer os vínculos da família, na terra em que habita, no trabalho de que vive. Não pretender que a vida do indivíduo dependa totalmente do arbítrio do Estado, mas antes procurar que o Estado, cujo dever é promover o bem comum por meio de instituições sociais, como são as sociedades de seguros e de previdência social, supra, secunde e complete o que ajuda a fortalecer na sua ação as associações operárias, e especialmente os pais e as mães de família, que com o trabalho asseguram a própria vida e a dos seus.

Direis talvez que esta é uma formosa visão da realidade; mas como se poderá levar à prática e dar-lhe vida no meio do povo? É mister antes de tudo grande probidade na vontade e perfeita lealdade de propósitos e de ação na marcha e no governo da vida pública, tanto por parte dos cidadãos como das autoridades. É mister antes de tudo que o espírito de concórdia e fraternidade anime a todos, superiores e inferiores, diretores e operários, grandes e pequenos, numa palavra, todas as categorias do povo.

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Discurso aos Trabalhadores da Fiat, 31 de outubro de 1948.

O homem é imagem de Deus uno e trino, e portanto também ele pessoa, irmão do Homem-Deus Jesus Cristo e com ele e por ele herdeiro de uma vida eterna: eis qual é a sua verdadeira dignidade.

Se algum homem no mundo deve convencer-se e impregnar-se sempre mais desta verdade, esse homem é o trabalhador. Afirmou-se já, desde muito tempo e se continua a afirmar que a religião torna o trabalhador fraco e relaxado na vida cotidiana, na defesa dos seus interesses provados e públicos, que ela, como o ópio, o adormenta, aquietando-o inteiramente com a esperança de uma vida eterna. Manifesto erro! Se a Igreja em sua doutrina social insiste sempre sobre o resguardo devido à íntima dignidade do homem, se ela requer para o operário no contrato de trabalho o justo salário, se exige para ele uma eficaz assistência em suas necessidades mentais e espirituais, qual é o motivo disto, senão que o trabalhador é uma pessoa humana, que sua capacidade de trabalho não deve ser considerada e tratada como uma "mercadoria", que sua obra representa sempre uma contribuição pessoal?

Precisamente aqueles renovadores do mundo, que reivindicam para si os cuidados dos interesses dos operários quase como um seu monopólio e declaram que seu sistema é o único verdadeiramente "social", não tutelam a dignidade pessoal do trabalhador, mas fazem da capacidade produtiva dele um simples objeto, do qual a "sociedade" dispõe a plena vontade e a inteiro arbítrio.

A Igreja diz que a liberdade humana tem os seus limites na lei divina e nos múltiplos deveres que a vida traz consigo; mas ao mesmo tempo ela se dispõe, e dispor-se-á ate ao último, a fim de que todos, na felicidade do lar e em uma tranquila e honesta condição, possam viver os seus dias em paz com Deus e com os homens. A Igreja não promete essa absoluta igualdade que outros proclamam, porque sabe que a convivência humana produz sempre e necessariamente toda uma escala de gradações e de diferenças nas qualidades físicas e intelectuais, nas disposições internas e tendências, nas ocupações e nas responsabilidades. Mas em igual tempo ela assegura a plena igualdade na dignidade humana, como também no Coração d'Aquele que chama a si todos os que estão fatigados e oprimidos, e os convida a tomar sobre si o seu jugo, para encontrar paz e repouso para suas almas, porque o seu jugo é suave e o seu peso é leve.

Deste modo, para tutelar a liberdade e a dignidade humana, e não para favorecer os interesses particulares deste ou daquele grupo, a Igreja repele todos os totalitarismos de Estado, bem como não debilita, com as promessas do além, a justa defesa dos direitos dos trabalhadores sobre a terra. Antes, são aqueles reformadores do mundo, aos quais já mencionamos, que, enquanto fazem brilhar aos olhos do povo a miragem de um futuro de quiméricas prosperidades e de inatingíveis riquezas com a superstição da técnica e da organização, sacrificam a dignidade da pessoa humana e a felicidade doméstica aos ídolos de um mal entendido progresso terreno.

A Igreja, experimentada educadora da humana família e fiel à missão que lhe foi confiada pelo seu divino Fundador, proclama a verdade da única perfeita beatitude que nos está preparada no céu. Mas exatamente por isto põe os fieis sólida e potentemente sobre o terreno da realidade presente. Pois que o Juiz supremo, que nos espera no termo desta vida terrestre sobre o limiar da eternidade, exorta a todos, no alto e embaixo, a usar conscienciosamente os dons recebidos de Deus, evitar todas as injustiças e tirar proveito de toda ocasião para obras de amor e de bem. Tal é a única medida de todo verdadeiro progresso para Deus e na semelhança com Ele. Todas as medidas puramente terrenas do progresso são uma ilusão, estaremos para dizer uma irrisão do homem no meio do mundo, que está sob a lei do pecado original e de suas consequências e que por isto, embora também com as luzes e a graça divina, é imperfeito, sem elas, sem esta luz e sem esta graça, cairia em um abismo de miséria, de injustiça e de egoísmo.

Somente esta ideia religiosa do homem pode conduzir a uma única concepção de suas condições de vida. Onde Deus não é o princípio e fim, onde a ordem de sua criação não é para todos guia e medida da liberdade e da ação, a unidade entre os homens é irrealizável. As condições materiais da vida e do trabalho, tomadas em si mesmas, não podem constituir o fundamento da unidade das classes trabalhadoras sobre base de uma afirmada uniformidade de interesses. Não significaria talvez isto um violentar a natureza e não criaria somente novas opressões e divisões na família humana, em um momento no qual todo trabalhador honesto aspira a uma ordem justa e pacífica, na economia privada e pública e em toda vida social?

Todo legítimo poder sobre os homens não pode ter origem e existência senão do poder d'Aquele, que por sua natureza possui tal onipotência no céu e na terra, sem limites de tempo e de espaço; Jesus Cristo, que domina sobre os grandes do mundo, o qual no ama e nos redimiu do pecado com o seu sangue; ao qual seja dada gloria e império pelos séculos.

Fonte: Movimento da Juventude Católica do Brasil

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