8 de setembro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 404

OUTRA DO MESMO PAPA

Uma princesa perguntou, certa vez, a Clemente XIV se jamais tivera de lamentar-se de indiscrição de seus secretários. — Não — respondeu o Papa, — e são dez os meus secretários ...
E assim falando, mostrava à dama os dez dedos das mãos...

7 de setembro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

v

E por isso que, sem perder de vista o temor (não o temor servil do escravo que tem medo do castigo, mas o temor de ofender a Deus que nos criou ), sem pôr de parte o pensamento da recompensa que nos espera se formos fiéis, devemos procurar ter habitualmente para com Deus aquela atitude de confiança filial e amor que Jesus Cristo nos revelou como sendo a da Nova Aliança.
Efetivamente, Jesus Cristo sabe, melhor do que ninguém, quais devem ser as nossas relações com Deus, pois conhece os segredos divinos. Ouvindo-O, não corremos risco algum de nos perdermos: Ele é a própria Verdade. Ora, que atitude quer Ele que tenhamos para com Deus? Sob que aspecto quer que O contemplemos e honremos? Ensina-nos, é certo, que Deus é o Senhor soberano a quem devemos adorar. «Está escrito: Adorarás ao Senhor e só a Ele servirás». Mas «este Deus que devemos adorar é um Pai»: Veri adoratores adorabunt Patrem in spiritu et veritate, nam et Pater tales quaerit qui adorent eum.
E será a adoração o único sentimento que deve fazer palpitar os nossos corações? Constituirá ela a única atitude que devemos ter diante desse Pai que é Deus? Não: Jesus Cristo ajunta-lhe o amor, um amor pleno, perfeito, sem reserva nem restrição. Quando perguntaram a Jesus qual era o maior dos mandamentos, o que é que respondeu? «Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o coração, com todo o espírito, com toda a alma, com todas as forças». Amarás: amor de complacência para com este Senhor de tão grande majestade, para com este Deus de tão elevada perfeição; amor de benevolência com que se procura a glória d 'Aquele que é objeto desse amor; amor recíproco para com Deus «que primeiro nos amou».
Deus quer, portanto, que as nossas relações com Ele estejam impregnadas de reverência e ao mesmo tempo de profundo amor. Sem a reverência, o amor corre perigo de degenerar em negligência grosseira, altamente perigosa: sem o amor que nos impele com todo o entusiasmo para o Pai, a alma vive no erro e faz um ultraje ao dom divino.
E, para conservar em nós estes dois sentimentos aparentemente contraditórios, Deus comunica-nos o Espírito do Seu Filho Jesus que, pelos dons de temor e piedade, harmoniza em nós, na justa proporção que reclamam, a mais íntima adoração com o mais temo amor: Quoniam estis fílli, misít Deus spiritum Filli sui in corda vestra.
É este o espirito que, segundo os ensinamentos do próprio Jesus, deve reger e governar toda a nossa vida; é «O espírito de adoção da Nova Aliança», que S. Paulo opôs ao «espirito de completa escravidão» da Antiga Lei.
Perguntar-me-eis talvez a razão desta diferença. É que, desde a Incarnação, Deus vê a humanidade no
Seu Filho Jesus: por causa d' Ele, envolve toda a humanidade no mesmo olhar de complacência de que é objeto Seu Filho, nosso irmão mais velho; por isso, quer que, como Ele, com Ele, por Ele, vivamos «como filhos muito amados».
Dir-me-eis ainda: Como é possível amar a Deus que não vemos? Deum nemo vidit unquam. -É verdade que «a luz divina é inacessível neste mundo »; Deus, porém, revelou-se-nos em Seu Filho Jesus: lpse illuxít cordibus nostris . . . in facie Christi Jesu. O Verbo Incarnado é a revelação autêntica de Deus e das Suas perfeições; e o amor que Jesus Cristo nos mostrou não é mais do que a manifestação do amor que Deus nos tem.
Com efeito, o amor de Deus é, em si, incompreensível: ultrapassa completamente o nosso entendimento; não entra no espírito do homem conceber o que é Deus; n'Ele as perfeições não são distintas da natureza; o amor de Deus é o próprio Deus: Deus caritas est.
Como poderemos então ter uma ideia verdadeira do amor de Deus? Vendo a Deus, que se nos manifesta duma forma tangível. E que forma é esta? A Humanidade de Jesus. Cristo é Deus, mas Deus que se revela a nós. A contemplação da Santa Humanidade de Jesus é o caminho mais seguro para chegar ao verdadeiro conhecimento de Deus. «Quem me vê, vê o Pai»; o amor que nos mostra o Verbo Incarnado revela o amor do Pai para conosco, pois «O Verbo e o Pai são um só»: Ego et pater unum sumus.
Uma vez estabelecida esta ordem, nunca mais se altera. O cristianismo é o amor de Deus a manifestar-se ao mundo por Jesus Cristo; e toda a nossa religião deve resumir-se na contemplação deste amor em Cristo e corresponder a este amor de Cristo para chegar até Deus.
Tal é o plano divino; tal é o pensamento de Deus a nosso respeito. Se não nos adaptarmos a ele, não haverá para nós nem luz nem verdade; não haverá segurança nem salvação.
Ora a atitude essencial que de nós reclama este plano divino é a de filhos adotivos. Somos seres tirados do nada, e diante «deste Pai de imensa majestade» devemos prostrar-nos com o sentimento da mais profunda reverência; mas a estas relações fundamentais que nascem da nossa condição de criaturas sobrepõem-se, não para as destruir, mas para as completar, relações infinitamente mais extensas e íntimas, que resultam da nossa adoção divina e se resumem todas em servir a Deus por amor.
Esta atitude fundamental, que deve corresponder à realidade da nossa adoção celeste, é particularmente favorecida pela devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Fazendo-nos contemplar o amor humano de Cristo para conosco, esta devoção introduz-nos nos segredos do amor divino; inclinando as nossas almas a reconhecê-Lo por uma vida toda movida pelo amor, conserva em nós
aqueles sentimentos de piedade filial que devemos ter para com o Pai.
Quando recebemos a Nosso Senhor na Sagrada Comunhão, possuímos em nós este Coração divino que é uma fornalha de amor. Peçamos-Lhe instantemente que nos faça compreender esse amor, pois nisto um raio de luz do alto é mais eficaz do que todos os raciocínios humanos; peçamos-Lhe que acenda em nós o amor à Sua pessoa. «Se, por uma graça do Senhor, dizia Santa Teresa, o Seu amor se gravar um dia no nosso coração, tudo nos será fácil; rapidamente e sem a menor dificuldade, chegaremos às obras».
Se este amor à pessoa de Jesus estiver em nosso coração, dele nascerá a nossa atividade. Poderemos encontrar dificuldades, ser submetidos a grandes provações, sofrer violentas tentações; mas, se amarmos a Jesus Cristo, estas dificuldades, estas provações, estas tentações achar-nos-ão firmes: Aquae multae non potuerunt exstínguere caritatem. Porque, «quando o amor de Jesus Cristo nos impele, já não queremos viver para nós mesmos, mas para Aquele que nos amou e que morreu por nós»: Ut et qui vivunt,  jam non sibi vivant, sed ei qui pro ipsis mortuus est.

6 de setembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Noiva


Parte 5/8

Jovem, que vais crescendo e sentes que desperta o teu coração com ânsias veementes de amor e procuras à tua volta um companheiro a quem entregar esse amor, com a condição de que ele te entregue o seu!
Ainda não tens idade de procurar esse companheiro e já estas inquieta sobre a tua sorte. Tens pais na terra que também pensam no teu futuro, porém talvez com miras pouco elevadas. Mas tens um pai no céu. Deus também é teu Pai. E Deus, que te destina ao matrimônio, já te tem preparado o companheiro da tua vida, com o qual serás feliz. Não duvides que já o tem preparado.
Disse-nos Jesus Cristo que não cai um cabelo da nossa cabeça sem a disposição divina; como não há de Deus intervir com a sua providência neste assunto, um dos mais importantes da vida do homem?
Porém tu não confias em Deus, afastas-te d'Ele, e antes de tempo lanças-te em busca desse companheiro, com o receio de ficares solteira. Teus pais, levados pelo mesmo receio, empurram-te a isso também.
E encontrarás talvez algum jovem; porém não é esse o que Deus te destinou, porque procuraste-o antes de Deus querer.
Esse não te apresenta Deus, mas sim o demônio. E para que? Para que sejas a pedra de escândalo em que tropeces e caias, e sejas desgraçada.
Também não encontrarás o companheiro que Deus te destinou numa diversão pecaminosa; porque a essa diversão não manda Deus que vás, nem tu nem ele.
Tampouco será o companheiro destinado por Deus o que te incite a pecar; o que te diga que lhe mostres o carinho que lhe tens, ofendendo a Deus.
A Providência divina manifesta-se, às vezes com um encontro que parece casual, e foi preparado por Deus. Em todo o caso tu mesma tens que escolher empregando os meios naturais que estão ao teu alcance.
É difícil  a escolha, porque a paixão do amor cega muito a inteligência e impede-a de discorrer acertadamente.
A jovem que está apaixonada não quer ver as más qualidades daquele a quem ama, só reconhece as boas qualidades.
Não quer fazer caso das pessoas que a aconselham bem. Por isso tens que fazer a escolha, antes que o coração esteja muito interessado. E tens que orar e rezar muito para fazeres uma escolha acertada.
E rezar não é fazer novenas aos santos, aos quais o povo atribui a especialidade de arranjar noivos. Rezar é pedir a Deus e à Virgem Santíssima que te iluminem e disponham as coisas de maneira que, se o jovem não te convém, se desfaçam as relações. Rezar é refletir à luz das verdades sobrenaturais se o jovem que se te apresenta reúne as qualidades que deve ter um bom esposo.
Dirás: Que condições são essas?
Dir-te-ei as qualidades de um jovem ideal; para que aquele que escolheres se assemelhe o mais possível com ele.

5 de setembro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 403

UMA DE CLEMENTE XIV (+ 1774)

Clemente XIV, chamado antes Lourenço Ganganelli, foi de todos os Papas o que menos falou. Austeríssimo, praticou a pobreza a ponto de escandalizar os romanos.
Era tão modesto em suas maneiras que não raro o tomavam por um simples frade leigo. Aconteceu, certa vez, que, viajando a pé, teve por companheiro um senhor, o qual, tendo-o ouvido falar, disse: -
É deveras um pecado que um homem do vosso engenho e da vossa memória não tenha estudado, e deva continuar toda a vida um simples converso. Se tivésseis estudado, sabe Deus o que serieis um dia.
O suposto fradinho sorriu, mas não se traiu.

4 de setembro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

IV

Assim como o Espírito Santo não chama todas as almas a brilhar de igual modo pelas mesmas virtudes, assim também, em matéria de devoção particular, lhes deixa uma santa liberdade que, por nosso lado, devemos cuidadosamente respeitar. Algumas almas sentem-se levadas a venerar especialmente os mistérios da infância de Jesus; outras são atraídas pelos encantos interiores de Sua vida oculta; outras ainda não podem privar-se da meditação da Paixão.
Todavia, a devoção ao Sagrado Coração é daquelas que nos devem ser mais caras. Porquê? Porque honra a Jesus Cristo, não num dos Seus estados ou mistérios particulares, mas na generalidade e na totalidade do Seu amor, daquele amor em que todos os mistérios têm a sua mais profunda explicação. Conquanto especial e nitidamente caracterizada, esta devoção reveste algo de universal: ao honrar o Coração de Jesus, não é a Jesus menino, adolescente ou vítima, que se dirigem as nossas homenagens, mas à pessoa de Jesus na plenitude do Seu amor.
Além disso, a prática geral desta devoção tende, em última análise, a pagar a Nosso Senhor amor com amor - Movet nos ad amandum mutuo - a tomar toda a nossa atividade para a saturar de amor, a fim de ser agradável a Jesus Cristo. Os exercícios particulares são apenas meios de exprimir ao nosso divino Mestre esta reciprocidade de amor.
Eis um efeito preciosíssimo desta devoção. É que toda a religião cristã se reduz para nós a este ponto: entregar-nos, por amor, ao serviço de Jesus Cristo e, por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo. Este ponto é de capital importância e quero, ao terminar esta conferência, meditá-lo convosco uns instantes.
É uma verdade confirmada pela experiência das almas que a nossa vida espiritual depende, em grande parte, da ideia que habitualmente fazemos de Deus.
Há entre nós e Deus relações fundamentais, baseadas na nossa natureza de criaturas; existem relações
morais resultantes da nossa atitude para com Ele; e esta atitude é, a maior parte das vezes, condicionada pela ideia que fazemos de Deus.
Se fizermos de Deus uma ideia falsa, os nossos esforços para progredir serão muitas vezes vãos e estéreis, porque se realizam fora do bom caminho; se tivermos uma ideia in completa de Deus, a nossa vida espiritual será cheia de lacunas e imperfeições; mas se a ideia que temos de Deus for verdadeira, tão verdadeira quanto neste mundo é possível a uma criatura que vive da fé, a nossa alma dará largas à sua expansão, segura e radiante de luz.
Esta ideia habitual que fazemos de Deus é, pois, a chave da nossa vida interior, não só porque regula a nossa atitude para com Ele, mas também porque muitas vezes determina a atitude do mesmo Deus para conosco; em muitos casos, Deus trata-nos como nós O tratamos a Ele.
Mas, dir-me-eis, a graça santificante não nos faz filhos de Deus? Claro que sim. Todavia, na prática,
há almas que não se comportam como filhos adotivos do Eterno Pai. Dir-se-ia que esta condição de filhos de Deus tem para elas apenas valor nominal. Não compreendem que é este um estado fundamental que se deve manifestar incessantemente por atos correspondentes e que toda a vida espiritual deve ser o desenvolvimento do espírito de adoção divina, espírito que recebemos no Batismo pela virtude de Jesus Cristo.
Assim, encontram-se almas que habitualmente olham para Deus à maneira dos israelitas. Deus revela-se-lhes no meio dos trovões e relâmpagos do Sinai. Para este povo «de dura cerviz», propenso à infidelidade e à idolatria, Jeová era um Deus que se devia adorar, um Senhor que se devia servir, um Juiz que se devia temer. Os israelitas tinham recebido, como diz S. Paulo, Spiritum servitutis in timore - «um espírito de servidão para viver no temor». Deus não lhes aparecia senão na majestade da Sua grandeza e na soberania do Seu poder. Sabeis que os tratava com rigorosa justiça: a terra abria-se para tragar os hebreus culpados; aqueles que tocavam na arca da aliança sem as suas funções a isso lhe darem direito, eram feridos de morte; serpentes venenosas matavam os murmuradores; mal se atreviam a pronunciar o nome de Jeová; uma vez por ano o sumo sacerdote entrava sozinho e a tremer no Santo dos santos, com o sangue das vítimas imoladas pelo pecado. Era «O espírito de servidão».
Há almas que vivem habitualmente nestes sentimentos de temor puramente servil; se não temessem os castigos de Deus, não achariam inconveniente algum em O ofender. Consideram habitualmente Deus apenas como um senhor, e não se preocupam com Lhe agradar. Assemelham-se àquele servo de que fala Jesus na parábola das moedas. Um rei, tendo de partir para uma região longínqua, chama os seus servos e entrega-lhes umas moedas de prata que deviam fazer render até ele voltar. Um dos servos arrecada a moeda e não a faz render. «Aqui está a vossa moeda, diz ao rei, depois do regresso deste; Escondi-a embrulhada num pano, pois tive medo de vós, por serdes homem severo; retirais o que não depositastes e colheis o que não semeastes». E que responde o rei? Pega na palavra do servo preguiçoso para o condenar. «Julgo-te por tuas próprias palavras, servo mau; sabes que sou homem severo . . . Então porque não puseste o meu dinheiro a render?» E o rei manda tirar a este servo o que lhe havia sido confiado.
Tais almas tratam com Deus como que de longe, consideram-No unicamente como um grande senhor. E Deus trata-as do mesmo modo; não se dá a elas inteiramente; entre elas e Deus não pode haver intimidade pessoal; nelas é impossível a expansão interior.
Outras almas, talvez mais numerosas, consideram habitualmente a Deus como o grande benfeitor; trabalham de ordinário apenas «com o fito na recompensa»: Propter retributionem. Esta ideia não é inteiramente falsa. Vemos Jesus Cristo comparar o Pai a um senhor que recompensa (e com que magnífica liberalidade !) o servo fiel: "Entra na alegria do teu senhor». Ele próprio nos diz que sobe ao céu para «nos preparar lá um lugar».
Mas, quando esta atitude é habitual a ponto de se tornar exclusiva, como se dá com certas almas, além de ser uma falta de nobreza, não corresponde plenamente ao espírito do Evangelho. A esperança é uma virtude cristã, alenta poderosamente a alma no meio da adversidade, das provações, das tentações; mas não é a única nem a mais perfeita das virtudes teologais, virtudes específicas da nossa condição de filhos de Deus. Qual é então a virtude mais perfeita? Qual de entre elas leva a palma?
A caridade, responde S. Paulo: Nunc manent fides, spes, caritas, tria hac: major autem horum est caritas.

3 de setembro de 2017

Retratos de Nossa Senhora, Juan Rey, S. J.

RETRATOS DE NOSSA SENHORA

Nossa Senhora Noiva


Parte 4/8

Uma jovem ligada por votos antes do matrimônio tinha obrigação de o dizer ao noivo; tanto mais que os votos referiam-se ao mais intimo da vida conjugal. Assim o mandava a moral hebreia e a razão natural confirmava que tinha que ser assim.
Uma angústia semelhante sofria o seu noivo, José. Ele não estava ligado por votos; porém os seus ideais eram semelhantes aos de Maria.
A entrevista teve de celebrar-se. Entrevista do céu, preparada pelo mesmo Deus.
Os dois estão preocupados; não se atrevem a falar. Quem romperá o silêncio? Pode ser qualquer um dos dois. Talvez José.
- "Maria, Deus dispôs que a nossa vida se desenrole debaixo do mesmo teto, no mesmo lar. Viveremos um para o outro; porém seremos também de Deus. Não poderíamos ser esposos e ser por completo de Deus? ".
Ao ouvir estas palavras dos lábios de José, o rosto de Maria iluminou-se com uma luz celestial, e assomou nele um sorriso do céu. Nunca tinha aparecido naquele rosto um sorriso semelhante.
Era de agradecimento a Deus, e de agradecimento a José. Era de amor a Deus, e de amor a José, seu futuro esposo, porém em Deus também.
Ser de Deus, ser toda de Deus e para sempre de Deus: a única ilusão da sua vida. E sê-lo, mesmo contraindo matrimônio com José.
Maria, já confiada, descobre o segredo do seu coração ao companheiro que Deus lhe tinha destinado, como lhe pedia a consciência: - "Eu também tenho que descobrir-te os meus propósitos. Consagrei-me a Deus por completo, e tu, meu futuro esposo, me ajudarás a cumprir a minha promessa, não é verdade?"
A voz de Maria tinha um acento de ternura e de súplica, que comoveu o coração de José.
- " Serás toda de Deus, e eu serei todo de Deus. Os ideais do teu coração são os do meu também. O amor de Deus não impedirá de nos amarmos; ao contrário, unirá com laços mais fortes os nossos corações".
Os dois noivos erguem os olhos ao céu, e juntos renovam o oferecimento que cada um havia feito a Deus no intimo da sua alma.
Quando a Virgem noiva voltou aos seus aposentos, depois da primeira entrevista com o seu noivo, caiu de joelhos na presença de Deus e entoou um hino de amor e de agradecimento: - " Senhor e Deus meu, que misteriosos e que sábios são os teus desígnios!
De futuro descansarei mais confiada ainda na tua providência de Pai. Continua dirigindo os meus passos no caminho da Vida".

2 de setembro de 2017

Tesouro de Exemplos - Parte 402

BEM RESPONDIDO

Um individuo, tido e conhecido por muito comilão, certo dia, chamava a atenção do Papa Bento XIV, dizendo:
— Não é estranho que eu tenha a barba branca, tendo os cabelos totalmente pretos? Como se explica isso?
— Eu lho explico. agora mesmo — disse o Papa. — O senhor tem trabalhado mais com as maxilas do que com o cérebro.

1 de setembro de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

O amor é ativo: por natureza, não conhece limites. Em Jesus, tinha de ser para nós fonte inexaurivel
de dons.
Na oração da festa do Sagrado Coração, a Igreja convida-nos a «recordar pelo pensamento as graças principais que devemos ao amor de Jesus Cristo": Praecipua in nos caritatis ejus beneficia recolimus. Esta contemplação é um dos elementos da devoção ao Sagrado Coração. Como honrar um amor cujas manifestações nos são desconhecidas?
Este amor, como dissemos, é o amor humano de Jesus, revelação do amor incriado. A este amor incriado, comum ao Pai e ao Espírito Santo, devemos tudo. Não há dom que não tenha nele o seu principio mais profundo. Quem tirou os seres do nada? O amor. Canta-se no hino da festa: «a terra, o mar, os astros são obra do amor»:

Ille amor almus artifex
Terrae marisque et siderum.

Mais ainda do que a criação, a Incarnação é obra do amor. «Foi ele que fez descer o Verbo dos esplendores dos céus para O unir a uma natureza fraca e mortal».

Amor coegit te tuus
Mortale corpus sumere,

Mas os benefícios que principalmente devemos recordar são a Redenção pela Paixão, e a instituição
dos Sacramentos, sobretudo a Eucaristia. Devemo-los ao amor humano de Jesus tanto como ao Seu amor incriado.
Ao contemplarmos estes mistérios, vimos já que amor profundo e ardente eles traduzem. Nosso Senhor mesmo dizia: «Não há maior ato de amor do que dar a própria vida pelos seus amigos". Ele chegou a esse ponto. Muitas virtudes brilham nessa bendita Paixão; mas nenhuma como o amor atingiu nela o seu apogeu. Eram precisos nada menos do que excessos de amor para voluntariamente se submeter, em cada uma das fases da Paixão, a abismos de humilhações e opróbrios de sofrimentos e dores.
E, do mesmo modo que o amor operou a nossa Redenção, instituiu igualmente os Sacramentos, pelos
quais hão-de ser aplicados a toda a alma de boa vontade os frutos do sacrifício de Jesus.
Santo Agostinho chama a atenção para a expressão propositadamente escolhida pelo Evangelista para nos fazer conhecer a ferida feita pela lança no lado de Jesus, morto na cruz. O escritor sagrado não diz que a lança «bateu" ou «feriu», mas sim que «abriu» o lado do Salvador: Latus ejus aperuit.(Era a porta da vida que se abria, diz o grande Doutor; do Coração aberto de Jesus iam correr sobre o mundo rios de graças que deviam santificar a Igreja.
Esta contemplação dos benefícios de Jesus para conosco deve tonar-se a fonte da nossa devoção prática ao Sagrado Coração. O amor só se pode pagar com amor. De que se queixa Nosso Senhor a Santa Margarida Maria? De não ver retribuído o Seu amor: «Eis o Coração que tanto amou os homens e deles só recebe in gratidão». É, pois, pelo amor, pela doação do coração,  que devemos corresponder a Jesus Cristo. «Quem não há de amar Aquele que o ama? Qual o resgatado que não se prende ao seu Redentor»?

Quis non amantem redamet?
Quis non redernptus diligat?

Para ser perfeito, este amor deve ter um duplo caráter.
Há o amor afetivo, que consiste nos diversos sentimentos que fazem vibrar a alma para com a pessoa
amada: admiração, complacência, alegria, ação de graças. Este amor faz nascer nos lábios o louvor. Alegramo-nos com as perfeições do Coração de Jesus, celebramos as Suas belezas e grandezas, compraze-mo-nos na magnificência dos Seus dons: Exsultabunt labia mea cum cantavero tibi.
 Este amor afetivo é necessário. A alma, quando contempla a Cristo no Seu amor, deve abandonar-se à admiração, à complacência, ao júbilo. Porquê? Porque devemos amar a Deus com todo o nosso ser. Deus quer que o nosso amor para com Ele corresponda à nossa natureza. Ora nós não temos uma natureza angélica, mas humana, em que a sensibilidade tem o seu lugar. Jesus Cristo aceita esta forma de amor, porque se funda na nossa natureza que Ele próprio criou. Vede-O na Sua entrada triunfal em Jerusalém, poucos dias antes da Paixão. «Quando descia do monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos, arrebatada de alegria, começou a louvar a Deus em altas vozes por todos os milagres que vira: Bendito o Rei que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus! Então alguns fariseus, do meio da multidão, disseram a Jesus: Mestre, repreendei os Vossos discípulos». E que responde Nosso Senhor? Faz cessar aquelas aclamações? Pelo contrário, responde aos fariseus: «Eu vos digo: se eles se calarem, gritarão as pedras».
Jesus Cristo recebe com agrado os louvores que sobem do coração aos lábios. O nosso amor deve traduzir-se em afetos. Vede os Santos. S. Francisco, o pobre de Assis, vivia tão enlevado no amor, que cantava os louvores de Deus pelas estradas; Santa Madalena de Pazzi percorria os claustros do convento a gritar: "Ó Amor! ó Amor! ». Santa Teresa vibrava toda, cada vez que cantava estas palavras do Credo: Cujus regni non erit finis - «O seu reinado não terá fim». Lede as suas «Exclamações»; vereis como nas almas dominadas pelo amor os sentimentos da natureza humana se expandem em louvores ardentes.
Não hesitemos, pois, em multiplicar os nossos louvores ao Coração de Jesus. As «Ladainhas», os atos de reparação e consagração são outras tantas expressões deste amor, de sentimento, sem o qual a alma humana não atinge a perfeição da sua natureza.
Todavia, este amor afetivo, por si só, não basta. Para ter todo o valor, deve "traduzir-se em obras": Probatio dilectionis exhibitio operis. "Se me tendes amor, dizia Jesus, guardai os meus mandamentos": Si diligitis me, mandata mea servate. Aqui é que está a pedra de toque. Encontrareis muitas almas ricas de afetos, com o dom das lágrimas, mas que não empregam o mínimo esforço para reprimir as más inclinações, destruir os hábitos viciosos, evitar as ocasiões de pecado; que abandonam tudo quando vem a tentação, que murmuram logo que se apresentam as contrariedades e contradições. Nelas o amor afetivo está cheio de ilusões; é uma fogueira de palha que não dura, que se desfaz em cinzas.
Se amamos deveras a Jesus Cristo, não só nos alegraremos com a Sua glória, cantaremos as Suas perfeições com todas as forças da nossa alma, nos entristecemos com as ofensas feitas ao Seu Coração e Lhe oferecemos condignas reparações, mas sobretudo esforçar-nos-emos por Lhe obedecer em tudo, aceitaremos de boa mente todas as disposições da Sua Providência a nosso respeito, trabalharemos por dilatar o Seu reino nas almas, por Lhe proporcionar toda a glória, "consumir-nos-emos com alegria, iremos, se preciso for, até ao nosso último alento", segundo a bela expressão de S. Paulo: Libentissime impendam et superimpendar! O Apóstolo refere-se à caridade para com o próximo; aplicada ao nosso amor a Jesus, esta fórmula resume admiravelmente a prática da devoção ao Seu Sagrado Coração.
Contemplemos o nosso Divino Salvador; nisto, como em todas as virtudes, é o nosso melhor modelo; n'Ele encontramos estas duas formas de amor.
Considerai o amor que Ele tem ao Pai. Jesus Cristo experimenta em Seu Coração os mais verdadeiros sentimentos de amor afetivo que podem fazer vibrar um coração humano. O Evangelho mostra-nos um dia o Seu Coração a transbordar de sentimentos de entusiasmo pelas perfeições insondáveis do Pai, a expandir-se em louvores diante dos discípulos. Exulta de alegria sob a ação do Espírito Santo e diz: «Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, por teres ocultado estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as teres revelado aos pequeninos. Sim. Eu te bendigo, Ó Pai, por que assim te
aprouve . .».
Vede ainda na Ceia como o Seu Coração Sagrado está cheio de afeto para com o Pai e como os Seus
sentimentos se manifestam numa inefável oração.
E para mostrar ao mundo inteiro a sinceridade e vivacidade desse amor - Ut cognoscat mundus quia diligo Patrem  - , Jesus encaminha-se logo para o Jardim das Oliveiras, onde vai começar a longa série de humilhações e dores da Sua Paixão.
Este duplo carácter encontra-se igualmente no Seu amor para com os homens. Havia já três dias que uma multidão de povo O seguia atraída pelo encanto das Suas palavras divinas e pela fama dos Seus milagres. Mas o cansaço começa a apoderar-se daquela pobre gente que não tem com que restaurar as forças. Jesus sabe disso: «Tenho compaixão desta gente, diz: há já três dias que não me deixam e não têm nada que comer. Se os mandar embora sem comer, cairão desfalecidos pelo caminho, pois muitos vieram de longe». Misereor super turbam. Que profundo sentimento de compaixão confrange o Seu Coração humano! Bem sabeis como Jesus pôs em prática este sentimento. Em Suas mãos benditas multiplicaram-se os pães para saciar as quatro mil pessoas que o acompanhavam.
Vede-O sobretudo junto ao túmulo de Lázaro. Jesus chora, derrama lágrimas humanas. Haverá mais tocante e autêntica manifestação dos sentimentos do Seu Coração? E imediatamente põe a Sua omnipotência ao serviço do amor: «Lázaro, sai desse túmulo»!
É o amor que se revela no dom de si mesmo; é o amor que, transbordando do coração, se apodera de
todo o ser, de toda a atividade, para os consagrar aos interesses e à glória do objeto amado.
Até onde deve ir este amor que devemos mostrar a Jesus Cristo em paga do Seu  amor para connosco?
Deve, em primeiro lugar, incluir o amor essencial e soberano que nos faz considerar a Cristo como o Bem supremo que preferimos a todas as coisas. Praticamente, este amor reduz-se ao estado de graça santificante. A devoção, como dissemos, é a dedicação; mas onde está a dedicação duma alma que não procura conservar em si, a todo o custo, por uma fidelidade vigilante, o tesouro da graça do Salvador? que, na tentação, hesita entre a vontade de Cristo e as sugestões do seu eterno inimigo?
Sabeis que é este amor que dá à nossa vida todo o seu valor e faz dela como que uma perpétua homenagem agradável ao Coração de Jesus. Sem este amor essencial, nada tem valor aos olhos de Deus. Ouvi em que termos expressivos S. Paulo põe em relevo esta verdade: «Ainda que eu fale a linguagem dos Anjos e dos homens, se não tiver caridade, serei apenas um bronze que ressoa, um címbalo que retine; posso ter o dom da profecia, conhecer todos os mistérios, possuir toda a ciência, ter uma fé capaz de transportar montanhas; se não tiver caridade, nada sou; mesmo que distribua todos os meus bens aos pobres, entregue o meu corpo às chamas, se não tiver caridade, de nada me serve tudo isto». Por outras palavras, não posso ser agradável a Deus, se não tiver em mim aquela caridade essencial pela qual me uno a Ele como ao soberano Bem. É mais que evidente que não pode existir verdadeira devoção onde não há este amor.
Depois, habituemo-nos a fazer tudo, mesmo as coisas mais insignificantes, por amor, para agradar a Jesus Cristo. Trabalhar, aceitar os sofrimentos e as dores, cumprir os deveres do próprio estado por amor para agradar a Nosso Senhor, em união com os sentimentos do Seu Coração enquanto vivia neste mundo, constitui uma excelente prática de devoção ao Sagrado Coração. Toda a nossa vida Lhe é assim dedicada por uma orientação cheia de amor.
De resto é isto que dá à nossa vida um aumento de fecundidade. Como sabeis, todo o ato de virtude, de humildade, de obediência, de religião, feito em estado de graça, possui o seu mérito próprio, a sua perfeição especial, o seu esplendor particular; mas, quando este ato é imperado pelo amor, redobra de beleza e eficácia; sem perder nada do seu valor próprio, vai-se-lhe ajuntar o mérito dum ato de amor. «Senhor, cantava o salmista, a rainha está sentada à Vossa direita, ornada dum vestido de ouro, de cores variadas»: Adstitit regina a dextris tuis in vestitu deaurato, circumdata varietate.  A rainha é a alma fiel, em quem Jesus Cristo reina pela graça; está sentada à direita do Rei, com um vestido tecido de ouro, que significa o amor; as cores variadas simbolizam as diferentes virtudes; cada uma delas conserva o seu reflexo, mas o amor, que delas é a fonte profunda, realça-lhes o brilho.
Assim, o amor reina como soberano no nosso coração para orientar todos os seus movimentos para a glória de Deus e de Seu Filho Jesus .