9 de janeiro de 2018

O Inferno Existe - Parte 12

CAPÍTULO XII

O inferno é invenção dos padres
Nada mais falso. O inferno já existia antes que existissem os padres e mesmo antes do primeiro homem, tendo sido criado pela eterna justiça para os anjos rebeldes. Os sacerdotes outra coisa não fazem senão pregar uma verdade terrível, ensinada por Deus na Sagrada Escritura e que se acha em todas as religiões dos vários povos que passaram pela terra.
Precustrai o mundo, do álgido polo ao ardente equador, do oceano Atlântico ao Pacífico; entrai nas florestas dos selvagens, interrogai as tribos bárbaras e haveis de ver que todos admitem depois da morte um lugar de castigo. Não estão de acordo sobre a natureza dos sofrimentos; mas todos concordam em acreditar na existência do inferno.
Os gregos tinham o seu tártaro, no qual punham penas horríveis para os maus. Os romanos chamavam inferno ou arco e Virgílio na Eneida descreve com cores bem vivas os tormentos dos condenados, dizendo-os eternos. Os egípcios criam firmemente na vida futura e no prêmio ou castigo eterno, e dos mortos faziam um julgamento para ver se eram dignos da sepultura e das honras fúnebres. Os hidús chamam o lugar dos réprobos Palatán e nos livros sagrados dos Vedas se encontra uma longa descrição dos atrozes tormentos a que serão submetidos os condenados. Os escandinavos e outros povos setentrionais leem no Edda a existência do cárcere infernal. Os hebreus o denominavam sheol ou geena, e o santo profeta Daniel, tomado de espanto ao meditar naquelas chamas terríveis, rogava a Deus que o livrasse do profundo abismo e não permitisse fechar-se sobre sua cabeça aquele poço de fogo.
Os Missionários Salesianos encontraram esta crença nas pampas da Patagônia e nas florestas da Terra do Fogo; e aqueles selvagens falavam com pavor do castigo que receberão os maus. Maomé, o mais solene impostor da História, gastou muitas laudas do Corão para descrever o lugar dos tormentos acumulando todas as penas que uma fantasia oriental pode imaginar. Zoroastro imprimiu também nos persas uma ideia terrível da punição além tumba.
Deixo de citar outros povos, porque, do contrário, não acabaria mais.
Os padres, portanto, não inventaram esta crença, mas acharam-na bem impressa em todos os povos e a encontraram ainda agora esculpida no fundo da consciência humana, a qual brada que o pecado não passará sem castigo, como a virtude não ficará sem prêmio.
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Outra extravagância que os “espíritos fortes” vão assoalhando é esta: “o inferno é coisa da Idade Média”.
Só mesmo quem perdeu o juízo fala desse modo. O que era verdade na Idade Média o é também hoje e o será sempre, porque o tempo não pode destruir a verdade. Os séculos não conseguem apagar aquelas chamas vorazes, alimentadas, pela divina justiça e nas portas tenebrosas daquele cárcere continuarão as terríveis palavras: sempre, nunca.
Deus tratará os homens do século XIX como os da Idade Média, premiando os bons com o paraíso e castigando os maus com o fogo. A justiça eterna é invariável e incorruptível e não muda com o correr dos tempos e das opiniões do mundo.
Ouvindo falar a certas pessoas, parece que hoje em dia foram abolidos os mandamentos de Deus e da Igreja, foram suprimidos os deveres religiosos, soltou-se o freio às paixões e ao homem foi dada plena liberdade de viver segundo os seus caprichos. Ilusões estultas, que se pagam depois com uma eternidade infeliz! As leis de Deus e da Igreja estão sempre em vigor, e todo cristão é obrigado a observá-las se quiser ter uma sentença favorável no grande dia do juízo.
Os heróis dos bares e clubes, quando se veem apertados de toda a parte por argumentos fortes e não podem mais negar a existência do inferno, saem-se com um dislate sem igual: “O acostuma com tudo. Eu me acostumarei no inferno.”
Falam assim para não se darem por vencidos e não abandonar a vida dissoluta. Propriamente não têm dificuldade em admitir o cárcere eterno, porque a razão prega a existência dele; o difícil e o repugnante para eles é corrigirem os costumes, praticarem o bem, abandonarem os maus hábitos e viverem como bons cristãos. E em vez de fazerem violência sobre si mesmos, preferem perder-se para sempre.
De resto, se não são capazes de habituar-se a vencer as próprias paixões, como se acostumarão com aquelas penas cruciantes? Quem, jamais, pode acostumar-se com a dor que é contrária à natureza? Fomos feitos para a felicidade e o coração foge sempre da desventura e é impossível que se dê bem nos sofrimentos. E os santos respondem que os tormentos se sucedem aos tormentos; e do mesmo modo que os bem-aventurados compreensores experimentarão sempre novos gáudios, os infelizes condenados sentirão sempre novos e mais terríveis tormentos.
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Divulgou-se o provérbio que “o demo não é tão feito como o pintam”, e costumam citá-lo para demonstrar que a fama e a opinião popular muitas vezes são superiores à realidade das coisas, porque a fantasia sois exagerar as dificuldades e as penas.
Mas, se aplicamos ao inferno esse adágio andamos em errados. Por mais que procuremos calcar as cores e as tintas pintando as penas do demônio e dos réprobos, estaremos sempre aquém da realidade e não chegaremos nunca a exagerar. Um cadáver em decomposição não nos dá nem ideia de como Satanás é sórdido, é horrível; e uma santa informou que, se ele saísse da sua prisão tal mal é, faria morrer pela sua hediondes todos os homens e animais.
No opúsculo citado da possessa de Briga lê-se que muitas vezes quando invadida pelo demônio tinha o aspecto tão medonho que punha toda a povoação em polvorosa. Dado o sinal de alarme, todos corriam para a igreja para implorar misericórdia de Nosso Senhor.
Eis as palavras textuais. “A filha tornou-se furiosa e ameaçadora. Horrível à vista, cabeleira desgrenhada e hirta como um penacho, olhos de fogo, assobios nunca ouvidos e incessantes, hálito quentíssimo, contrações de nervos, engrossamento muscular de fazer medo, sem um membro que ficasse calmo. Nenhuma força era capaz de a dominar. Os mais robustos são juncos flexíveis. Acorrem outros e o quarto fica cheio de homens fortes e corajosos. Sete deles seguram-na ao mesmo tempo nos pés, no pescoço, nos braços e na cintura; mas não resistem, porque à guisa de turbilhão impetuoso vence a todos e os põe em fuga”.
Então o povo corre ao pároco para que a exorcize.
“Não há palavras suficientes para dar uma ideia do que viu e o medo que teve entrando naquela casa. Todavia, confiando em Nosso Senhor, a quem sempre tinha eficazmente invocado, entra e ordena: – „Olá! satanás, para em nome de Deus‟. A essas palavras, Teresa como fulminada cai no leito”.
Na manhã de 11 de maio 1849, desapareceu improvisadamente de casa e durante todo o dia ouviram-se pelos ares lamentos, gritos, rumores misteriosos. O povo pensando que aquilo fosse o fim do mundo se recolheu na igreja para rezar.
À tarde, durante a Bênção do Santíssimo Sacramento, ouviu-se, sob um céu sereno e estrelado, estrépito medonho como de um furacão que se aproximava. A povoação se alarma; ecoam gritos prolongados e suspiros dolorosos; e finalmente distinguem-se a voz da moça possessa no teto de uma casa. À meia-noite pede auxílio para descer; e um destemido sobe uma escada e a desce, sem a menor dificuldade, como se fosse um feixe de palha. Estava fria petrificada, descalça, e tinha um bastãozinho na mão. Homens fortes experimentaram tirar-lhe o bastão, mas não o conseguiram, como se fosse de ferro os seus braços.
“Se, além disso, observas o seu rosto, és obrigado a desviar o teu olhar; é o mesmo que ver um espectro, isto é, o demônio em forma humana. De qualquer lado que se a observes ficas horrorizado: parece mesmo satanás, horrível, ameaçador, feral. O olho, principalmente, sanguíneo e irrequieto, sob imóvel e entreaberta pupila fere de modo cruel. O inferno nela se esconde”.
Deitada no chão, ninguém mais ousava aproximar-se-lhe, quando, após incessantes pedidos dos parentes, quatro homens mais fortes a suspendem e a levam, como um tronco, para casa, onde o pároco exorcizando-a, fá-la voltar a si e largar o bastão não sem grande resistência e agitações do demônio.
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Todos esses fatos que narramos confirmam o dogma terrível revelado por Deus da existência do inferno; e eu faço os melhores votos para que os meus leitores o evitem e mereçam o Paraíso, para o qual o Senhor nos criou. A. M. D. G.
Imprimatur Por comissão especial do Exmo. e Revmo. Snr. Bispo de Niterói D. José Pereira Alves. Niterói, 1.º de janeiro de 1945. Pe. Francisco X. Lanna, SS.

8 de janeiro de 2018

Sermão para a Missa da Vigília de Natal 24-12-2017 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] A glória de Deus no Natal



Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
“Hoje sabereis que o Senhor virá e nos salvará e cedo na manhã vereis a sua glória. Será revelada a glória do Senhor e toda a carne, isto é, todo o homem verá a salvação do nosso Deus.”
Qual é essa glória de Deus de que nos fala o introito e a antífona da comunhão e que vemos no momento do nascimento do Senhor? É a glória de um Deus que tanto amou o mundo ao ponto de entregar Seu próprio Filho. É a glória de um Deus que Se fez homem para nos salvar. Devemos, caros católicos, parar e pensar seriamente. Aquele que era desejado desde Adão e Eva, o desejado por patriarcas e profetas, O desejado pelos judeus e mesmo pelos pagãos, nasceu no dia de amanhã.
E Deus com a Sua divina Providência ordenou todas as coisas de tal forma que Nosso Senhor Jesus Cristo fosse o centro de tudo, de toda a história, de toda a humanidade, de toda a vida humana. Vemos claramente no Natal, como Deus efetivamente age na história, como Ele governa todas as coisas de modo perfeito, de modo suave e forte. Tomemos o evangelho de hoje como exemplo. José se dá conta que Nossa Senhora concebeu. Não passou pela cabeça de São José que Nossa Senhora tivesse cometido algum pecado. Se São José achasse isso, sua obrigação como justo, declarado pela própria Sagrada Escritura, seria, segundo a lei mosaica, denunciar Maria. São José sabe, porém, que Nossa Senhora é casta. E diante desse mistério, São José, entrevendo que ela é a Virgem que deve conceber, se pensa indigno. Queria, então, dispensá-la secretamente. Mas a Providência queria que o santo patriarca recebesse Maria como sua esposa. Envia, então, um anjo a São José para que possa proceder desse modo. E Deus quis assim para que Nossa Senhora não fosse considerada como adúltera. Quis também que fosse assim, que São José a recebesse como esposa, para esconder do demônio que era ela a Virgem que deveria conceber o Messias. E queria assim a Providência para que ela tivesse apoio na fuga para o Egito. Eis então a Providência que age de modo claro e ao mesmo tempo sutil na história, para o bem das nossas almas e para que Nosso Senhor pudesse, nos trinta e três anos de Sua vida, operar a nossa salvação. E, assim, desse mesmo modo, a Providência age em nossas vidas e ela quer que recebamos alegremente a Cristo, agora, como nosso redentor, para que confiadamente possamos recebê-lO como juiz na nossa morte e no fim do mundo, como diz a oração da coleta. Devemos agora receber o menino Deus alegremente como nosso redentor, convertendo-nos a Ele.
Olhemos, caros católicos, para o estábulo e vejamos a salvação de Deus. Toda a carne, isto é, todo o homem pode ver a salvação de Deus. Todo homem recebe as graças para se voltar a Nosso Senhor Jesus Cristo e abandonar o pecado, o mundo e o demônio.
Vejamos, então, essa glória de Deus, que  já citamos, em particular na solução que Deus encontrou para o pecado. De fato, caros católicos, não havia solução estritamente perfeita. O pecado é uma ofensa infinita feita a Deus. Diante do pecado original e de nossos pecados pessoais, nós não tínhamos como reparar pelas ofensas feitas. Teríamos que oferecer a Deus algo que fosse mais agradável a Ele do que o pecado Lhe desagradou. Mas o pecado Lhe desagradou infinitamente. Teríamos então que agradar a Deus infinitamente. Como fazer isso? Nós abandonados a nós mesmos somos incapazes, pois somos finitos, somos limitados. Se juntássemos todos os homens com todas as suas boas obras do início da humanidade até o fim do mundo, também seria algo limitado, finito. Não seria infinitamente agradável a Deus.
Diante disso, Deus poderia ter feito duas coisas e que nós compreenderíamos com nossa inteligência humana. Deus poderia ter nos abandonado aos nossos pecados sem nenhuma injustiça de Sua parte. Ou, então, Deus poderia ter perdoado nosso pecado sem exigir uma reparação em estrita justiça. Todavia, essas seriam soluções demasiadamente humanas, caros católicos. Deus encontra então, a Sua solução, que evidentemente já conhecia desde toda a eternidade. A solução divina é a encarnação do Verbo, Seu nascimento no estábulo de Belém no dia vinte e cinco de dezembro. Solução divina porque repara em estrita justiça a glória de Deus ofendida pelos nossos pecados. Nosso Senhor é  homem e Deus. Como homem é um de nós, é o chefe do gênero humano na ordem sobrenatural. E como Deus, qualquer de Suas ações tem um valor infinito, infinitamente bom. Por outro lado, além de reparar estritamente a justiça divina, a encarnação do Verbo, Seu nascimento no estábulo de Belém, toda a Sua vida, paixão e morte são obra da misericórdia divina. Vendo tudo o que Deus fez pela nossa salvação, não temos outra opção a não ser amá-lO em troca, com amor efetivo, cumprindo os Seus mandamentos. Deus quis encarnar-se, fazer-se homem, nascer nessa madrugada do dia vinte e cinco, no frio, abandonado num estábulo de animais para assim nos mover a amá-lO. E, desse modo, Santo Afonso diz que Deus foi mais amado em pouquíssimo tempo depois da encarnação do Verbo do que durante todos os séculos que precederam a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Isso porque mais manifesto ficou o amor de Deus por nós, então, mais facilmente podemos amá-lO também. Na encarnação e no Natal, caros católicos, nós temos a união perfeita da justiça e da misericórdia. Coisa que parece tão difícil de conciliar. Mas Deus, na Sua solução divina, concilia perfeitamente a justiça e a misericórdia.
Festejemos, então, esse Natal com verdadeira alegria cristã. Convertendo-nos ao Menino Deus, vendo a salvação de Deus que se encontra no Menino, no estábulo, na manjedoura em Belém.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

7 de janeiro de 2018

Sermão para o 3° Domingo do Advento – Domingo Gaudéte 17-12-2017 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] As três ordens de São Paulo para a alegria



Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Caros católicos, estamos hoje, então, no Domingo Gaudete, no Domingo em rosa, no Domingo da alegria. São Paulo, na sua Epístola, que é retomada em grande parte no Introito, nos dá três ordens. A primeira ordem é a ordem do fim a ser buscado: a alegria. O apóstolo nos manda, então, a alegria e reitera “Íterum dico, gaudéte. Digo de novo, alegrai-vos.” Não se trata, é claro, de uma alegria sentimental, mas de uma alegria espiritual, que deriva da compreensão da verdade pela inteligência, e que deriva do amor ao bem na vontade. É essa, então, a primeira ordem, sermos alegres dessa alegria espiritual, gaudéte.
A segunda ordem, “Nihil sollíciti sitis. Não vos preocupeis com nada.” A solicitude excessiva vem do apego desordenado aos bens terrenos, a alguma criatura, a nós mesmos, à nossa vontade. Para cumprir essa ordem de São Paulo, “não vos preocupeis com nada”, devemos nos lembrar daquilo que nos fala Santo Inácio no início dos seus Exercícios Espirituais, da indiferença, então, que devemos ter diante daquilo que é apenas um meio não necessário para que possamos servir a Deus. Ser rico ou pobre, ser estimados pelos outros ou desprezado por eles, ter saúde ou doença, ter vida longa ou curta. Tudo isso e tantas outras coisas são indiferentes para servir a Deus. Claro, devemos procurar a cura legítima de uma doença. Pode-se procurar uma boa situação econômica para a família, mas sem solicitude excessiva e sempre nos conformando à vontade de Deus, se apesar de fazer a nossa parte não alcançamos essas coisas. Essa boa indiferença é meio para alcançar a verdadeira alegria. Pois com essa indiferença, sabemos que a única alegria está em conhecer, amar e servir a Deus. E que é isso que interessa em qualquer situação. E sendo assim, usaremos dos bens desse mundo, como os santos sempre usaram deles, unicamente como meio para melhor servir a Deus.
A terceira ordem que nos dá São Paulo é que apresentemos nossas preces, súplicas e pedidos, sempre junto com a ação de graças. Essa ação de graças que mostra a conformidade de nossa vontade com a vontade de Deus. Que mostra a compreensão de que Deus governa tudo, executando a sua providência perfeitíssima. Devo, então, agradecer a Deus mesmo nas cruzes. Mais, devo agradecer mesmo pelas cruzes. Essa ação de graças, assim como essa ausência de solicitude excessiva, essa ação de graças é meio para alcançar a verdadeira alegria. Como dissemos, a primeira ordem de São Paulo é o fim, a alegria. Sermos alegres espiritualmente. Alegria que vem da compreensão da verdade e da união com o sumo bem, que é Deus. A segunda e a terceira ordens que nos são dadas por São Paulo são meios para alcançar, para cumprir a primeira ordem. A verdadeira alegria, caros católicos, vem, então, da conformidade com a vontade de Deus, vem da união com Ele. Se tivermos compreendido isso e procurarmos efetivamente colocar isso em prática, em todas as circunstâncias, encontraremos essa alegria espiritual que vai nos trazer a paz, da qual nos fala também São Paulo. Essa alegria, que, reiteremos, não é uma alegria sentimental, aquela alegria de sempre estarmos sorrindo, como diz uma música ruim, popular, muito cantada hoje na igreja. Não, é uma alegria profunda de alma, de servi-lO mesmo nas cruzes, com boa disposição, com generosidade, compreendendo o que a divina providência quer de nós. E ela quer que nos conformemos à vontade dEle que é sempre perfeitíssima.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

6 de janeiro de 2018

O Inferno Existe - Parte 11

CAPÍTULO XI

Outras provas da existência do demônio e do inferno
O espiritismo, em suas várias manifestações, é também uma prova evidente da existência do cárcere eterno. Se existe o espírito maligno e se ele se manifesta por meio de mesas que falam ou giram e por meio de outros médiuns, deve também existir o lugar de sua morada, isto é, o inferno com suas penas atrozes.
Estranha contradição! Os ímpios não prestam fé a Deus e à sua Igreja e creem nas imposturas do demônio, pai da mentira, que os engana nas sessões espíritas; zombam do inferno e dos novíssimos e têm medo do número treze, ou do sal derramado na mesa, como de um mau agouro; desprezam a Sagrada Escritura e veneram os livrecos eu tratam de magia ou de sortilégio, não querem saber dos santos ensinamentos da Igreja e dos seus ministros e vão consultar uma cartomante ou um cigano para lhes revelar o futuro ou para curá-los. Assim é: quando o homem fecha voluntariamente os olhos à verdade, abre-os ao erro e à mentira; enquanto espezinha a religião e ao seu Criador, nega o culto devido, torna-se supersticioso e presta homenagem ao diabo e às coisas insensatas.
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Outra prova evidente da existência da prisão eterna e dos demônios, são as obsessões.
Satanás, em nossos dias, se incarna nos livros ímpios que ridicularizam a nossa santa religião e difamam as religiões, os padres e os bispos; nos romances que ensinam descaradamente o vício e espezinham a virtude; nas estátuas, nos monumentos e nos quadros obscenos trabalhados sob o ridículo pretexto da arte, como se arte não devesse respeitar a honestidade dos costumes e não fosse feita para civilizar e nobilitar o homem.
As tipografias e as livrarias que publicam maus livros, a oficina dum artista que reproduz nudez na tela, no mármore, ou no papel, as reuniões tenebrosas da maçonaria, são querenças de Lúcifer.
Certos escritores e certos propagadores de doutrinas anárquicas ou socialistas ou ateus, parecem possuídos do espírito da mentira, tanta é a constância, a imprudência, a ousadia com que espalham a baba dos seus erros. A sua pena é molhada em veneno violento e torna-se na sua mão o punhal do assassino que mata a alma e o corpo dos leitores.
Mas, além dessas incarnações de Satanás nos homens ímpios que servem a sua causa e agem sob sua influência, houve, mesmo ultimamente, verdadeiras obsessões.
Cito um fato, do qual foi testemunha uma cidade inteira, fato extraído dum opúsculo do advogado Feliz Sonelli; (*Teresa Strigini ou “A famosa endemoniada de Briga Novarense, publicada em Milão, em 1877”.) quem não crê pode ir interrogar as testemunhas oculares.
Teresa Strigni nasceu em Briga, vilório de Novara, Itália, aos 20 de maio de 1832, e a certa idade começou apresentar sinais de obsessão diabólica. Fechada em casa, desaparecia e depois de muito tempo voltava e entrava sem abrir a porta. Passava dias sem tomar alimento ou bebia e via o que acontecia em lugares distantes; seu rosto tomava formas horríveis a ponto de amedrontar os mais corajosos. Rumores misteriosos se ouviam em seu quarto; e muita vez toda a casa era sacudida como por um terremoto, derrubando as mobílias como se fossem palhas.
A coitadinha ora parecia agonizante e prestes a exalar o último respiro; ora, tinha tanta força que ninguém a dominava e até punha em fuga homens robustos que acorriam para refrear-lhe a veneta, ou socorrê-la nas frequentes convulsões de que era toada. Apesar de analfabeta, e sem nenhuma instrução, compreendia línguas desconhecidas e demonstrava saber extraordinário.
Os exorcismos produziam nela grande efeito e via-se claramente que o demônio sentia o poder que Deus concedeu à sua Igreja. Quando os parentes e os vizinhos não sabiam o que inventar para acalmá-la, chamavam o pároco para que ordenasse a Satanás com as fórmulas do Ritual que deixasse em paz a infeliz moça.
Sentia também a influência e, às vezes terror das coisas benzidas, terços, imagens, medalhas, água benta, como se fosse tocada por um ferro em brasa.
Um dia o sacerdote a interrogou:
– Quem és tu? és um demônio?
– Não, respondeu a voz terrível.
– Em nome de Deus, quem és?
– Um demônio.
– És um daqueles soberbos precipitados do céu?
– Sim.
– Não é verdade, que apesar de tua arrogância sofres também aqui as penas do inferno?
– Sim.
Outras vezes respondia que era uma legião. E na verdade, os fenômenos extraordinários que sucediam em sua pessoa, no quarto, na casa, mostravam que devia haver mesmo uma multidão de demônios.
Alguns libertinos que zombavam do inferno e dos demônios foram examinar o fato e o sarcasmo morreu-lhes nos lábios. Alguns até foram horrivelmente maltratados e outros ficaram gelados de medo quando viram pintado naquele rosto o desespero dos réprobos.
Repito: Quem não quiser acreditar, consulte as testemunhas oculares. Mas, vede a estultícia: os ímpios não querem averiguar os fatos e continuam a escarnecer dos dogmas da fé, até que, vindo a morte, as chamas devoradoras do inferno os convençam da existência de um Deus que castiga o pecado e a iniquidade.
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Na vida de S. João Maria Vianney, mais conhecido pela expressiva alcunha de Santo Cura d'Ars, lê-se a luta terrível que deveu sustentar contra satanás, furioso por causa das inúmeras almas que o santo sacerdote arrancava da eterna perdição. A povoação de Ars foi testemunha do ocorrido e vivem ainda muitas pessoas que poderiam confirmar o que relatamos.
O demônio lhe aparecia sob formas horríveis para perturbar-lhe o breve repouso que tomava num pobre catre. Às vezes a casa parecia invadida por uma turba de leões, tigres e serpentes e pelos quartos e corredores ressoavam rugidos, assobios e urros; outras vezes aparecia no meio das chamas; corriam os paroquianos para salvar do incêndio o seu querido pastor, mas o fogo de súbito se apagava. Os mais robustos e os mais corajosos experimentaram dormir na casa paroquial, mas de noite fugiam de medo, enquanto o santo sacerdote, bem sabendo que o demônio não pode fazer nenhum mal sem a permissão do céu, descansava tranquilo sob as asas da proteção divina.
Quando operava uma conversão prodigiosa, a raiva da antiga serpente não tinha limites e redobrava os esforços para vingar-se da presa perdida. Uma noite o demônio ateou fogo no seu pobre leito, outra vez o atirou no chão com violência, sem porém o machucar, e muitas vezes o chamava com voz rouca, reprovando a guerra que lhe movia.
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Na vida de S. José Cotolengo se encontra também a aparição do nosso eterno inimigo e vivem ainda muitas testemunhas. Geralmente todos os santos tiveram lutas corporais e visíveis contra o príncipe das trevas, pelo zelo que mostraram na salvação do próximo e pelas vitórias que alcançaram do próximo e pelas vitórias que alcançaram contra o mundo, a carne e o inferno. Portanto, veio alguém do outro mundo a provar-nos a existência das verdades eternas: veio até o chefe dos anjos rebeldes.
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Na história de S. João Batista de La Salle, benemérito fundador desses anjos da juventude que se chamam Irmãos das Escolas Cristãs, narra-se que um cavalheiro de nobre família levava vida mundana, pouco se lhe dando da salvação da alma.
Alistou-se no exército, onde subiu facilmente de posto e obteve condecorações pelo seu valor. Duma feita, foi ferido num combate; curaram-no remédios secretos, com auxílio diabólico. Entrando uma vez numa igreja no momento preciso em que se exorcizava um possesso, por curiosidade e para zombar da credulidade das pessoas presentes, inesperadamente o demônio lhe dirigiu a palavra e disse:
– Tu não crês no inferno e no demônio! Infeliz! sentirás um dia o seu poder.
Assustado por essas ameaças e por ver que o espírito infernal tinha penetrado seus íntimos pensamentos, que ele não revelara, caiu em si, voltou crente e decidido a abandonar o mundo para ingressar no Instituto de São João de La Salle e fazer penitência.
Naquele santo retiro o esperava Satã. Abriram-se-lhe de novo as feridas, foi tomado de dores atrozes e misteriosas, de frenesi e convulsões horríveis, de jeito que nenhuma força humana podia
contê-lo. A comunidade vivia em sobressaltos. O Santo notou no infeliz os sinais da obsessão; e exorcizando-o, intimou ao espírito das trevas que saísse daquele corpo. O demônio ouviu a voz potente do ministro de Deus e escabujando e urrando, abandonou o infeliz cavalheiro.
Na vida do mesmo Santo se encontra o seguinte fato. Vivia em Ruão uma senhora de nome Maillefer, toda entregue às vaidades e aos prazeres do mundo, sem mesmo pensar nos seus deveres de cristã. Gastava suas grandes riquezas em vestidos, banquetes e teatros, caminhando a passos ligeiros pela estrada da perdição.
Aprouve, porém, à bondade divina detê-la à beira do abismo e fazê-la instrumento das suas misericórdias.
Um dia, bateu à porte do palácio um pobre, doente e faminto.
Os criados, embora conhecessem o coração duro da ama, deixaram-no entrar; julgando que o seu mísero estado movesse à compaixão. Assim não foi, porém! A cruel senhora o expulsou de sua casa, com asco, atirando-lhe em rosto estas palavras: – Poltrão, vai trabalhar.
O mendigo abaixou a cabeça e saiu cambaleando de fome e de fraqueza. À porta, deu com o cocheiro, que sentiu doer-lhe o coração à vista de seus padecimentos e levando-o à estrebaria, o socorreu como pôde.
Mas o novo Lázaro morreu durante a noite, e na manhã seguinte os criados encontraram o frio cadáver, em cujo semblante se percebiam as angústias e as dores que padecera nos últimos momentos. A ama tendo notícia do acontecido exasperou-se, despediu logo o compreensivo cocheiro e atirou aos criados o primeiro lençol encontrado para que amortalhassem o defunto e sem mais o sepultassem.
Passou o resto do dia debaixo duma triste impressão, humilhada pela sua crueldade e pelo que correria a seu respeito na cidade.
Qual não foi a sua admiração quando, pondo-se à mesa, encontrou dobrado em sua cadeira o lençol que tinha dado pela manhã. Julgou, de princípio, que não fora obedecida e ameaçou despedir os criados; mas estes asseguraram que tinham executado a ordem recebida e que êles mesmos depuseram na sepultura o cadáver amortalhado com aquele lençol.
Que mão misteriosa teria colocado aí o véu fúnebre? É claro: o defunto recusou depois da morte uma esmola daquela que lhe negou barbaramente em vida um auxílio, e Deus tal permitiu para comover a infeliz pecadora. Realmente, ela compreendeu a lição, mudou de vida, penitenciou-se e expirou placidamente no ósculo do Senhor, cheia de confiança na misericórdia divina que acolhe um coração contrito e humilhado.
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* *
S. Felipe Néri ressuscitou momentaneamente um menino para dar-lhe azo de se confessar.
Ele amava ternamente Paulo Máximo, filho do príncipe romano Fabrício Máximo. O menino tinha 14 anos quando adoeceu gravemente; o santo tendo revelação de sua morte próxima, pediu à família que o chamasse à cabeceira do menino quando estivesse no extremo da vida, porque desejava confortá-lo e prepará-lo para a luta suprema.
A doença se agravou e o pai mandou chamar a S. Felipe para que corresse a abençoar o seu filho espiritual. Como, porém, estivesse celebrando a Santa Missa, a criada deu o recado a um dos Padres do Oratório.
Nesse ínterim o menino morreu e o santo, quando chegou ao palácio, encontrou-o cadáver. Ajoelhou-se ao pé da cama e rogou com devoção por um quarto de hora, depois aspergiu o rosto do menino com água benta, deitando-lhe umas gotas na boca. Soprou-lhe o rosto, colocou-lhe a mão na fronte, chamado duas vezes em voz alta e sonora: – Paulo! Paulo!
O morto acorda como de um profundo sono, abre os olhos e exclama: – Padre, Padre, tenho um pecado e quero confessá-lo.
S. Felipe pede aos presentes que se retirem, dá ao menino um crucifixo e ouve a sua confissão; terminada a qual, chama os parentes e põe-se a falar sobre o paraíso e a felicidade dos eleitos; o menino se entretem em santa conversação, como quando gozava perfeita saúde; após meia hora, o santo obtido resposta afirmativa, disse: – Vai, sê feliz e roga a Deus por mim.
E Paulo com rosto plácido, sem nenhum movimento, torna a morrer docemente nos braços do santo. Estavam presentes àquela cena, entre outras pessoas, o pai, duas irmãs e a criada.
O quarto foi convertido em capela e é visitado ainda hoje com veneração e os romanos chamam o palácio Máximo “a casa do milagre”.
Todo ano, depois de três séculos, a família Máximo comemora o prodigioso acontecimento.

5 de janeiro de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 432

O SANGUE DOS POBRES

Existe um quadro a óleo, representando São Benedito no ato de espremer uma esponja da qual goteja sangue.
Esse quadro recorda o seguinte milagre: Estando São Benedito no oficio de cozinheiro de seu convento, notou que seus ajudantes, leigos e clérigos, desperdiçavam o pão e outros alimentos e não observavam o rigor da pobreza.
— Meus irmãos — dizia-lhes o Santo — não façam isso; não estraguem os alimentos. Olhem, o que sobra pertence aos pobres, é o sangue dos pobres.
Mas os moços não faziam caso, continuavam a desperdiçar o pão, pois achava que era simples exagero o modo de falar do Santo.
Um dia, cheio de zelo pela pobreza, São Benedito tomou uma esponja com que os outros limpavam os pratos e punham fora os restos de comida e as migalhas de pão e disse aos companheiros:
— Venham, meus filhos, venham ver se é ou não o sangue dos pobres que se desperdiça nesta cozinha.
E, apertando na mão a esponja, correu sangue, muito sangue das migalhas.
Os rapazes, assustados e arrependidos, ai mesmo se puseram de joelhos e pediram perdão a Deus e ao Santo, protestando que não mais desperdiçariam os dons de Deus.

4 de janeiro de 2018

Tesouro de Exemplos - Parte 431

O QUE UM MÉDICO NÃO ENCONTROU

Um médico, rico de anos como de experiência, disse uma vez: “Faz 60 anos que exerço a minha profissão. Durante todo esse tempo debalde procurei três pessoas, a saber:
Um artífice, que conheça bem o seu oficio, trabalhe com aplicação e apesar disso se tenha arruinado; um cristão, que ouça assiduamente e com gosto a palavra de Deus, e apesar disso seja ímpio; um homem que coma pouco, jejue com satisfação, e tenha morrido prematuramente.
Não será isso a pura verdade?

3 de janeiro de 2018

O Inferno Existe - Parte 10

CAPÍTULO X

Três amplos caminhos que conduzem ao inferno: a desonestidade, o sacrilégio e a blasfêmia.
Todos os pecados mortais são caminhos que vão dar no abismo eterno; há, porém, alguns que fazem mais estragos e causa a morte a um maior número de almas. O pecado de desonestidade é talvez o que mais povoa o inferno, porque é um pecado muito grave, fácil de cometer, pela corrupção de nossa natureza, e depois difícil de abandonar.
Santo Agostinho diz que a soberba povoou o inferno de anjos e a desonestidade o enche de homens. E Santo Afonso não receia afirmar que todos os cristãos que se condenam, se condenam pela impureza, ou, pelo menos, não sem ela. Ai do jovem que chega os seus lábio a este cálice que ele os pedira a Deus para fazer com merecimento o purgatório nesta vida. No auge da dor, todo encolhido pela contração dos nervos, dizia; – “Dói muito, mas não é fogo, não é fogo”. Crescia a tortura e aumentava a dor, “mas não era fogo”; à contração dos nervos juntava-se a gota, “mas ainda não era fogo”. Por estar de cama dez anos seguidos, dolorosas chagas cobriam-lhe o corpo aumentando o seu sofrimento, contudo ele repetia sempre: – “não é fogo, não é fogo, e acabará”. E assim se animava a suportar tudo com paciência por amor de Deus.
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Um santo solitário, assaltado por violenta tentação, temendo ser vencido, acendeu o lume e para se compenetrar vivamente do pensamento do inferno, pôs os dedos na chama e os deixou queimar, dizendo de si para consigo: – Uma vez que tu queres pecar e merecer o inferno que será o castigo de teu pecado, experimenta antes se és capaz de suportar o tormento de um fogo eterno.
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Um rico dissoluto, ainda que pelos seus inúmeros pecados vivesse em contínuo temor do inferno, todavia não tinha coragem de romper com os seus maus hábitos e de penitenciar-se. Recorreu, pois, a Santa Ludovina que então edificava o mundo com a sua paciência e lhe pediu que fizesse penitência por êle.
– De boa mente, respondeu a santa, oferecerei por vós os meus sofrimentos, com a condição, porém, que uma noite inteira vós conserveis na cama a mesa posição, sem vos moverdes de nenhum modo.
Aceitou facilmente a condição, mas passada apenas meia hora, sentiu enfado e já queria mover-se. Todavia não o fez; aumentando, porém, o mal-estar daquela posição que lhe ia parecendo insuportável, cedeu. Então uma impressão salutar se despertou no seu coração: – Se é tão molesto ficar imóvel num leito cômodo por uma noite, oh! o que não será ficar deitado num leito de fogo pelo espaço de uma eternidade? E terei ainda dúvida de me livrar desse suplício com um pouco de penitência?
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No ano 285, duas matronas cristãs, Donvina e Teonila, foram levadas ao prefeito Lisias que as intimou a renegarem a fé e abraçarem o culto dos ídolos. Elas recusaram terminantemente. Então o prefeito mandou acender o fogo e erguer um altar dos ídolos.
– Escolhei, disse; ou queimar incenso aos nossos deuses, ou ser vós mesmas queimadas nesta fogueira.
As duas mártires responderam sem hesitar:
– Nós não tememos este fogo que daqui a pouco se apaga; tememos, sim, o fogo do inferno que não se apaga nunca. Para não cair no inferno é que detestamos os vossos ídolos e adoramos a Jesus Cristo.
E assim sofreram o martírio.
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Tomaz Moor, o grande chanceler da Inglaterra, foi perseguido e ameaçado de morte por ter recusado um juramento iníquo exigido pelo ímpio rei Henrique VIII. Empregaram todos os meios para o seduzir, e, não valendo as promessas, recorreu-se à violência. Foi atirado à prisão para que
definhasse. Os amigos o importunavam para ceder; a esposa o conjurava a dobrar-se à vontade do rei, e conservar assim a vida para o bem deles e dos filhos.
– Quantos anos, lhe disse ele, te parece que poderia ainda viver?
– Mais de vinte, respondeu ela.
Tornou o preso, mostrando-lhe severo semblante:
– Pois, por vinte anos e tanto queres que venda uma eternidade?
Ele foi, por isso condenado à morte. Este homem generoso, assim como tinha sabido viver entre as grandezas da côrte sem fausto, soube também morrer no patíbulo sem fraqueza. Antes de ser executado rezou o Miserére, e morrendo como forte ensinou a todos que é preciso salvar a alma, a todo custo, porque perdida a alma, tudo está perdido.
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Apresentou-se uma ocasião ao Papa Bento XI o embaixador de um grande soberano, pedindo em nome do rei um favor, mas de tal natureza que não se podia conceder lícitamente.
– Deus sabe, respondeu o Pontífice, como desejo ardentemente contentar o vosso imperador. E tão vivo é esse desejo, que se tivesse duas almas, sacrificaria de boamente uma para lhe conceder o favor que pede. Mas, dizei ao vosso soberano que tanto só uma alma, e absolutamente não posso, não devo, não quero perdê-la para agradar a êle.
Belas palavras, que todo cristão deveria ter sempre presentes à memória e pronta na boca para semelhantes circunstâncias!
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É célebre a invenção usada por um rei piíssimo para fazer pensar mais retamente a um cavalheiro de má vida. Convidou-o para uma soberba caçada. Imediatamente depois da caça um jogo de muitas horas. Acabando o jogo, convite para assistir a uma representação. O cortesão estava cansado; mas era convite do rei e precisava aceitar. Depois do teatro que durou quatro horas, uma embaixada anunciava uma sessão de músicos estrangeiros, e pedia ao cavalheiro quisesse honrá-la com a sua presença. O pobre homem murmurou: – Parece que o rei quer matar-me com tanta diversão; se vier mais um convite morro de verdade.
E o quinto convite veio mesmo; no salão da corte havia um baile e aí também o rei o esperava.
– Pobre de mim! ainda um baile? não posso mais ficar em pé!
E excusou-se com o rei:
– A bondade de Vossa Majestade me confunde. Mas, por amor de Deus, um pouco de descanso; dezoito horas ininterruptas de diversão…
– E vos parece muito? replicou ou rei. Não podeis então, aguentar dezoito horas de divertimento e aguentareis a longa eternidade de contínuos sofrimentos não variados, para os quais vos leva vossa vida?
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O Padre Cattaneo narra um fato para nos fazer compreender o medo que devemos ter de nossa sorte futura. E todavia de nós depende a escolha!
Maomé II, senhor dos turcos, aquele que anexou mais de duzentas cidades ao grande império de Constantinopla e invadiria a Itália se a morte lhe não frustrasse a realização dos planos, foi homem crudelíssimo e sanguinário; de uma feita, achando falta de um fruto no seu jardim,
mandou reunir os criados para saber qual tinha sido o delinquente, e porque nenhum deles ousou confessar aquele pequeno furto, mandou abrir o ventre de todos para saber onde estava o corpo de delito; e foi providência de Deus ter-se encontrado o fruto depois de mortos três servos; senão, todos o outros seriam sacrificados.
Ora, êste bárbaro rei fez um parque de caça reservado para si, num lugar onde havia abundância de animais e aves; decretou pena de morte a quem ousasse caçar nesse parque.
– Para suceder no reino basta um; portanto, um se sacrifique para escarnamento de todos e o outro se conserve para segurança da coroa. Mas qual dos dois merece graça? O mais velho? Não! O menor? Não! Tirem a sorte.
Tirou-se a sorte fatal com um majestoso e tremendo aparato. Na grande sala da corte, achava-se o rei, sentado no trono, rodeado pelos vizires, agás e pachás; diante do trono duas mesinhas, uma fúnebre com o baraço, a outra coberta com uma rica toalha, onde se viam o turbante, o colar e a espada. Um taboeiro com os dados; aí foram conduzidos os príncipes para tirarem a sorte: quem obtivesse o menor ponto cingiria a espada e colar; quem obtivesse maior, daria o pescoço ao baraço.
Diante daquele aparato os dois jovens desmaiaram; depois, com o fritilo na mão, dirigiam tristes olhares para a corda e para a coroa; o coração de ambos batia tão forte que levantava as vestes sobre o peito, com afanosos e profundos suspiros, com ânsias de moribundos, por causa da escolha fatídica – a corda ou a coroa – que dependia de um ponto de jogo e do lançar de um dado.
Quem sente compaixão pela situação crítica em que se acharam esses pobres príncipes, dirija a compaixão sobre si mesmo, e diga: – “Na hora da morte, na mesma ou em pior situação me acharei eu. Duas infinitas eternidades terei diante de mim; numa verei cetros, coroas, riquezas, alegrias, prosperidades, tudo para sempre; noutra verei grilhões, infâmias, morte, e não passageiros, mas que duram sempre. E o que caberá em sorte?
De nós depende inteiramente a escolha: se vivermos bem teremos eternidade feliz, se ao contrário, levamos vida má, caber-nos-á o fogo eterno, e desespero eterno e todas as outras penas de que já falamos.