9 de maio de 2009

O Símbolo dos Apóstolos (2o. Artigo)

Explicação dada pelo catecismo referido abaixo acerca do 2o. artigo do Símbolo dos Apóstolos: "E em Jesus Cristo, seu único filho, Nosso Senhor."

(Pag. 10 e 11 do Catecismo editado pela Maison de la Bonne Presse de Paris, traduzido para o português pela Juventude Católica de Lisboa - 1910)

Promessa de um Redentor.

1.Deus criou Adão e Eva, como os Anjos, num estado de inocência e de justiça em que não estavam sujeitos nem às dores, nem à morte.
2.O demônio, disfarçado em serpente, levou os nossos primeiros pais a desobedecerem a Deus, co¬mendo do fruto proibido.
3.Em castigo da sua desobediencia foram expulsos do paraíso terrestre, e condenados a comer o pão com o suor do seu rosto; ficaram sujeitos a ignorancia, a concupiscencia, a dor e a morte, e ficaram excluídos da felicidade do céu.
4.O pecado de Adão transmitiu-se a todos os seus descendentes, de sorte que estes nascem culpados do pecado dos seus primeiros pais e sujeitos às mesmas misérias.
5.O pecado de que todos os homens nascem réus chama-se pecado original, isto é, que vem da nossa origem. (V. gravura LVII.)
6.A Santíssima Virgem foi isenta, por um privi¬légio especial, do pecado original, porque devia ser a Mãe do Filho de Deus (V. gravura LIV.)
7.Deus não abandonou o homem depois do seu pecado. Apiedou-se dele, e prometeu-lhe um Salvador que se chamou o Messias.
8.Deus renovou aos patriarcas Abrahão e Jacob a promessa de um salvador.
9.Deus fez anunciar pelos profetas com muita antecipação a vinda do salvador.
10. Os profetas predisseram a época da vinda do Messias, o seu nascimento de uma virgem em Belém, os seus milagres, a sua paixão, a sua morte, a sua resurreição, e finalmente o estabelecimento da sua religião por toda a terra.
11. O salvador prometido ao mundo é Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Verbo eterno.

12. São João, ao começar o seu Evangelho, descreve assim a geração eterna do Redemptor : “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Este estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele e nada do que foi feito foi feito sem Ele. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a Luz resplende nas trevas, e as trevas não a compreenderam. Houve um homem enviado por Deus que se chamou João, Este veio por testemunho, e para dar testemunho da luz, afim de que todos cressem por meio dele. Este não era a luz, mas vinha para dar testemunho da luz.

O Verbo encarnado.

13.Este era a luz verdadeira que alumia a todo o homem que vem a este mundo. Estava no mundo e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não o conheceu. Vem para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas a todos os que o receberam deu Ele poder de se fazerem filhos de Deus aos que crêem no seu nome, que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus. E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória como do Filho unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. (João 1, 1-14.)

Testemunho do Precursor.

14.João dá testemunho d'Ele e clama dizendo : “Este era o de quem eu disse : O que há de vir depois de mim, foi preferido a mim, porque era antes de mim. E todos nos participamos da sua plenitude e graça por graça. Porque a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus ; o Filho unigênito, que está no seio do Pai, é quem o deu a conhecer. (João r, 15-18.)

Photobucket

Explicação da gravura.

15.Esta gravura representa o milagre da Transfiguração, no qual Deus Pai proclama Jesus Cristo seu Filho.
16.Jesus Cristo subiu ao monte Tabor com os seus discÍpulos, Pedro, Tiago e João, transfigurando- se ali de súbito diante deles. O seu rosto tornou-se brilhante como o sol e as suas vestes brancas como a neve. Vemos aqui Moisés e Elias falando com Ele. Do meio da nuvem luminosa que as cobre, uma voz faz ouvir estas palavras : “Este é o Filho bem amado, em que tenho posto todas as minhas com- placências. Escutai-o.”
Ouvindo isto, os apóstolos que tinham acompanhado Nosso Senhor, são tomados de assombro, prostrando-se por terra. No meio destes, São Pedro exclama : “Senhor, estamos bem aqui; se quereis, façamos aqui três tabernáculos, um para Vós, outro para Moysés e outro para Elias.”

7 de maio de 2009

O Símbolo dos Apóstolos (1o. Artigo, 2a. parte)

Explicação dada pelo catecismo referido abaixo acerca do 1o. artigo (continuação) do Símbolo dos Apóstolos

(Pag. 8 e 9 do Catecismo editado pela Maison de la Bonne Presse de Paris, traduzido para o português pela Juventude Católica de Lisboa)

A criação.

1.Estas palavras do Símbolo : criador do céu e da terra, significam que Deus tirou do nada o céu e a terra com tudo o que estes encerram.
2.Os homens não podem criar, porque para fazer alguma coisa do nada é preciso ser-se onipotente. Só Deus pode criar, porque só Deus é onipotente.
3.Deus não era obrigado a criar o mundo ; criou-o porque assim o quis.
4.Deus criou o mundo pela sua palavra, isto é, por um só ato de sua vontade.
5.As mais perfeitas criaturas de Deus são os Anjos e os homens.

Os Anjos.

6.Os anjos são puros espíritos que Deus criou para o adorarem, e executarem suas ordens.
7.Deus criou-os em estado de graça e de santidade, mas nem todos perseveraram nesse estado; uma parte deles revoltou-se contra Deus perdendo a graça pelo seu orgulho.
8.Deus recompensou a fidelidade dos Anjos bons eomfirmando-os em graça e dando-lhes a posse da felicidade do ceo.
9.As funções dos Anjos bons são louvar a Deus e executar as suas ordens.
10.Os Anjos bons, em especial os Anjos da guarda, velam por nós é protegem-nos.
11.Devemos respeitar a presença do nosso Anjo da guarda, e invocá-lo nas tentações e nos perigos.
12.Deus castigou os anjos rebeldes expulsando-os do céu e condenando-os ao suplício do inferno.
13.Os anjos maus procuram arrastar-nos ao mal, porque são inimigos de Deus e inimigos da felici¬dade eterna que nos está promettida.
14.Deus criou o céu e a terra em seis dias.

Explicação da gravura.

15.Esta gravura representa a obra divina por meio de seis zonas circulares, cada uma das quais reproduz um dos seis dias da criação e a atitude de Deus realizando a sua obra.
16.A primeira zona representa a obra do primeiro dia, isto é, Deus criando a luz.
17.A segunda representa a obra do segundo dia, isto é, Deus criando o firmamento, e separando-o da terra e dos ecos.
18.A terceira representa a obra do terceiro dia, isto é, Deus separando a terra das águas e man¬dando a terra que produzisse todas as espécies de plantas.
19.A quarta representa a obra do quarto dia, isto é, Deus criando o sol, a lua e as estrelas.
20.A quinta representa a obra do quinto dia, isto é, Deus criando as aves no espaço e os peixes na água.
21.A sexta representa a obra do sexto dia, isto é, Deus criando os animais terrestres e fazendo o homem a sua imagem e semelhança.
22. Ao alto da gravura, Deus descança no sétimo dia e consagra-o ao seu serviço. Este descanço é ssimolizado pelo sol velado e pelos astros que presidem á noite, a lua e as estrelas. O triângulo formado por uma nuvem e no qual Deus descança, significa que as três pessoas divinas cooperaram, todas elas, na obra da criação. É o que estas pala¬vras nos revelam : “Façamos o homem á nossa imagem e semelhança.”

Photobucket

O Homem

23.O homem é uma criatura racional composta de uma alma e de um corpo.
24.A alma é um espírito criado a imagem de Deus para ser unido a um corpo, e que jamais morrerá.
25.A nossa alma é criada a imagem de Deus no que esta é capaz de conhecer, amar e agir livre¬mente.
26.É certo que a nossa alma é imortal, porque é depois desta vida que Deus deve, na sua justiça, recompensar a virtude e punir o vício.
27.Deus criou o primeiro homem formando o seu corpo com terra e unindo a esse corpo uma alma que tirou do nada.
28.Para criar a primeira mulher Deus mergulhou Adão num sono misterioso, e enquando elnle dormia tirou-lhe uma costela de que formou a pri¬meira mulher, unindo uma alma a esse corpo.
29.O primeiro homem chamou-se Adão e a primeira mulher Eva, e deles somos todos nós descendentes: por isso os chamamos os nossos primeiros pais. Deus colocou Adão .e Eva num lugar de delícias chamado
paraíso terrestre.

O SENTIDO ANAGÓGICO DA DEDICAÇÃO DE UMA IGREJA - HUGO DE SÃO VÍTOR

SERMONES CENTUM
SERMO III - SOBRE O SENTIDO ANAGÓGICO DA DEDICAÇÃO DE UMA IGREJA
HUGO DE SÃO VITOR




"Louva, ó Jerusalém, ao Senhor; Louva, ó Sião, ao teu Deus". Salmo 147, 1

Jerusalém, a cidade santa e a cidade do Santo, é a santa Igreja, que se edifica assim como se edifica uma cidade, e, já edificada, adorna-se com diversos ornamentos. Esta cidade santa, isto é, a Igreja, possui as suas paredes, o seus muro, as suas torres, os seus edifícios, as suas portas. Possui as suas pedras, que são os fiéis, os quais estão unidos entre si pela caridade assim como pelo cimento uma pedra está unida à outra. Possui o seu muro pela fortificação das virtudes, pelas quais permanece firme contra os vícios, para que estes não a assaltem e a despojem de seus bens espirituais. Possui suas torres naqueles que são sublimes pela contemplação, pois qualquer homem perfeito se ergue como uma torre na santa Igreja quando, abandonando as coisas da terra, se eleva pela contemplação às celestes. Possui edifícios menores, maiores e máximos; possui edifícios menores pela vida dos casados, edifícios maiores pela vida dos continentes, edifícios máximos pela vida das virgens. A vida dos casados, de fato, pelas obras terrenas e pelo prazer da geração gira em torno das coisas inferiores; a vida dos continentes, pelo exercício das virtudes e pelo oferecimento das boas obras se dirige para algo mais alto e a vida dos que guardam a virgindade, pela pureza do coração e pela integridade da carne se ergue até o que é celeste. Possui edifícios de pedra e edifícios de marfim. Possui edifícios de pedra naqueles que são resplandecentes pela castidade; a pedra, de fato, pela sua firmeza significa a fé, e o marfim, pela sua natureza fria, significa a castidade. Possui portas diversas, pelas quais entram homens de diversas nações e costumes; outrora distantes entre si, tornam-se agora seus cidadãos e membros de uma só família.

Possui também as suas portas, a porta do rebanho, a porta dos peixes, a porta antiga, a porta do vale, a porta do esterco, a porta da fonte, a porta das águas, a porta dos cavalos, a porta judicial, cuja significação mística, tanto quanto Deus o conceder, vo-la darei a conhecer rapidamente.

A porta do rebanho era aquela onde estava a piscina probática, isto é, a piscina das ovelhas, pois ali se lavavam as carnes das ovelhas que eram oferecidas em sacrifício. A porta do rebanho, pois, pelo fato da ovelha ser um animal inocente, significa a inocência. Por esta porta entram os culpados e se tornam inocentes: réus de culpa, tornam-se inocentes pela justiça. Estavam fora pela culpa, agora estão dentro pela justiça: fora como lobos, pela rapacidade; dentro como ovelhas, pela simplicidade. Excelente esta porta, em que tais coisas obrou a destra do Altíssimo.

Chamava-se porta dos peixes aquela porta pela qual eram trazidos os peixes provenientes do mar. Esta porta significa o arrependimento, que possui uma de suas colunas na compunção do coração e outra na confissão da boca. Por esta porta são trazidos os homens agiotados pelas inquietudes do mundo presente, amargosos pelo sal, corrompidos pelo fedor, ensoberbecidos pela elevação das ondas, ásperos pelas escamas do homem velho, conspurcados pela lama dos prazeres carnais, alheios à luz do verdadeiro Sol. Caídos na rede do bem aventurado Pedro, ou daqueles que fazem as suas vezes, removidos das flutuações do mundo, são conduzidos para Jerusalém, isto é, à Igreja, onde se lhes retiram as escamas dos pecados. Há, todavia, alguns que, à semelhança das enguias, agarram-se à pele do homem velho e aderem ao lodaçal dos vícios, freqüentemente ou sempre fugindo da rede do Senhor, nunca vindo para cima para a luz da verdade, onde morreriam para si, mas ganhariam vida nova e viveriam para Deus.

A porta antiga é a caridade, conforme está escrito:


"Caríssimos, não vos escrevi um mandamento novo, mas um mandamento velho, que vós recebestes desde o princípio". I Jo 2, 7

Entram por esta porta aqueles que passam do amor do mundo para o amor de Deus. Por esta porta entrou Maria Madalena a qual, depois de tantos e tão grandes escândalos carnais, de vaso de ignomínia transformou-se em vaso de glória.

A porta do vale, que estava diante do Vale de Josafá, significa a humildade. Por esta porta entram aqueles que da soberba do demônio se voltam para a humildade de Cristo. Fora se consideravam sublimes, dentro se tornam humildes. Fora, pelo seu orgulho, se assemelhavam ao cedro; dentro, pela humildade, se assemelham ao hissopo. Afastados de Deus pelo orgulho, convertidos a Ele pela humildade, esta porta produz uma profunda conversão.

A porta do esterco, que estava na parte inferior da cidade, pela qual eliminavam-se os detritos, significa a excomunhão. Por esta porta não entram, antes são expulsos, aqueles que pelas suas culpas se tornaram a si mesmos próprios como o esterco. Não convém, de fato, que habitem juntos o cabrito e o cordeiro, o pecador e o justo, o puro com o imundo, o adúltero com Cristo, para que não aconteça que o justo, incentivado pelo exemplo do pecador, estenda as suas mãos à iniqüidade.

A porta da fonte era assim chamada porque estava diante da fonte de Siloé. Siloé significa Enviado, e significa Cristo, a quem o Pai enviou para a salvação do gênero humano. Esta fonte é o próprio Verbo de Deus, em cuja corrente bebem os sedentos, saciam-se os famintos, são chamados de volta os antes desprezados, recobram a saúde os doentes, reconciliam-se os inimigos, libertam-se os cativos, justificam-se os ímpios, alcançam a bem aventurança os pobres. A porta de Siloé é, portanto, a fé em Cristo. Fora dela estão aqueles que não alcançaram a fé; dentro dela estão os fiéis, membros de Cristo, unidos a Cristo pela fé, enquanto vivem na esperança de serem bem aventurados com Ele na glória.

A porta das águas significa a compunção. Aqueles que por ela entram nela são lavados. Sórdidos quando estavam fora, aqui tornam-se limpos; de negros que eram, tornam-se alvos. Antes cabritos, agora cordeiros.

A porta dos cavalos significa a vitória sobre os vícios. Os que ingressam por ela vencem, pelo freio da temperança, o ímpeto da ira, a cobiça da avareza, a voracidade da gula, o fluxo da luxúria.
A porta judicial significa o discernimento. Aqueles que passam por ela distingüem entre o sagrado e o profano, entre o puro e o imundo, entre o verdadeiro e o falso, entre o bem e o mal, entre a justiça e a culpa, entre a verdade e a mentira, entre o honesto e o desonesto.

Bem aventurado o que entra por estas portas. Esforcemo-nos, irmãos caríssimos, esforcemo-nos para sermos cidadãos de tão gloriosa cidade, e nela imolar a Deus nosso Senhor um sacrifício de louvor, oferecendo-lhe o novilho de nossos lábios, a Ele, que vive e reina pelos séculos.

Amén.

6 de maio de 2009

O SENTIDO MORAL DA DEDICAÇÃO DE UMA IGREJA - HUGO DE SÃO VITOR

SERMONES CENTUM
SERMO II - SOBRE O SENTIDO MORAL DA DEDICAÇÃO DE UMA IGREJA
HUGO DE SÃO VITOR



"O Altíssimo santificou o seu tabernáculo". Salmo 45, 5

O tabernáculo do Senhor, no sentido moral, é a alma. A alma, que é dita tabernáculo do Altíssimo, possui as suas pedras, o seu cimento, e todas as demais coisas que pertencem à construção da Igreja, conforme o descrevemos no sermão precedente. As pedras deste tabernáculo são cada uma das virtudes, bem polidas pelo seu exercício, e estáveis pela sua imobilidade contra os vícios. O cimento é a caridade, pelo qual todas as demais virtudes se abraçam, se unem, se equiparam e em que estão contidas. O fundamento é Cristo, conforme diz o Apóstolo:

"Ninguém pode por outro fundamento senão o que foi posto, que é Jesus Cristo". I Cor 3, 11

Possui paredes pela contemplação dos bens celestes, pelas quais inere mais proximamente a Cristo, seu fundamento, afastada dos afetos terrenos. Possui também um teto pelas boas obras, pelas quais, visando o que é eterno, administra aos necessitados o que é temporal. Possui comprimento pela fé, pela qual crê ser verdade tudo quanto Deus fêz ou fará por si mesmo, pelos anjos ou pelos homens desde o início até o fim dos tempos. Possui atura pela esperança, pela qual se ergue do que é terreno ao que é celeste, do que é passageiro ao que é eterno, do que é visível ao que é invisível, do que é corporal ao que é espiritual. Possui largura pela caridade, pela qual se dilata à direita e à esquerda, à direita para amar aos amigos em Deus, à esquerda para amar aos inimigos por causa de Deus.

Possui sacrário, pelo qual foi feita à imagem de Deus. Assim como no edifício da Igreja nada possui maior dignidade do que o sacrário, assim também na alma nada é mais santo, mais nobre ou mais excelente do que a divina imagem. Possui o seu coro, por ter sido feita à semelhança de Deus. Assim como na Igreja, em que depois do sacrário a primeira coisa que se encontra é o coro, assim também na alma, depois da divina imagem entendemos nada haver de mais sublime do que a divina semelhança. Possui a sua nave pela vida dos sentidos. Assim como na nave da Igreja ficam os casados, assim também encontramos na vida sensitiva os cinco sentidos do nosso corpo, que podem ser chamados de casados porque se estendem às coisas terrenas pelo exercício do conhecimento e às delícias dos prazeres pela experiência natural. Possui o seu átrio pela carne, na qual os impulsos de que se originam os vícios são como os cadáveres da morte. Possui um altar em seu coração, do qual está escrito:

"Não desprezarás, ó Deus, um coração contrito e humilhado". Salmo 50, 19

Possui janelas vítreas em seus sentidos espirituais, pelos quais é iluminada pelos raios do verdadeiro Sol e se liberta da cegueira de sua ignorância. Possui uma torre no nome do Senhor, da qual está escrito:

"O nome do Senhor é uma torre fortíssima, a ele se acolhe o justo, e encontra um refúgio elevado". Prov. 18, 10

Possui sinos pela pregação, pela qual chama ao culto divino os que estão distantes. Possui uma pintura interior pela pureza do coração, e outra exterior pela pureza do corpo. Possui doze velas, pelas quais é iluminada segundo a doutrina dos doze apóstolos, pela qual é enriquecida no conhecimento da fé pelas boas obras.

Seu pontífice é a Santíssima Trindade. O Pai circunda- a pela potência, o Filho pela sabedoria, o Espírito Santo pela benignidade. O Pai pela potência infundiu-lhe o temor, o Filho pela sabedoria conferiu-lhe o conhecimento, o Espírito Santo pela benignidade conferiu-lhe a consolação. O Pai lhe diz:

"Eu fiz o céu e a terra, o mar e todas as coisas que há neles. Não poupei aos anjos pecadores. Expulsei Adão do paraíso. Fiz perecer a primeira humanidade pelo dilúvio. Destruí Sodoma e Gomorra. Submergi o Faraó com o seu exército. Puni o povo de Israel ao ter pecado. Abre-me a tua porta, pois, para que assim também não aconteça contigo".

O Filho lhe diz:

"Eu sou a sabedoria de Deus, saída da boca do Altíssimo. Atinjo fortissimamente desde uma extremidade a outra (Sab. 8,1). Sou a palavra de Deus viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes. Abre-me, pois, a tua porta, para que não suceda que não te poupe".

O Espírito Santo lhe diz:

"Eu procedo do Pai e do Filho, sou o amor de ambos. Levanto os que caem, consolo os feridos. Abre-me, pois, a tua porta; se queres, farei a tua felicidade pela alegria espiritual".

Porém estes três são um só Deus, assim como são um único pontífice. Deste modo a Santíssima Trindade santifica esta Igreja internamente e externamente; internamente purificando-a das manchas do espírito, externamente purificando-a das manchas da carne.

Esforçai-vos, portanto, irmãos caríssimos, cada um de vós esforçai-vos, dizia eu, para que, segundo as coisas que acabamos de mencionar, se construa um tabernáculo de Deus, para que nele Deus se digne habitar. Grande, de fato, é a honra, grande a segurança, grande é a glória de se possuir a Deus habitando em nós. Seja para nós a maior de todas as obras fazer com que sejamos tais interna e externamente, internamente pela fé, externamente pela boa obra, para que o Deus da majestade se digne vir a nós e em nós fazer a sua casa. Mas porque não poderemos ser assim sem a sua graça, é necessário que a imploremos incessantemente pela oração. O Senhor nos dará a graça, e não apenas a graça, como também a glória: a graça nesta vida, a glória na pátria celeste; a graça no mundo, a glória no céu; a graça no presente, a glória no futuro; a graça no caminho, a glória na chegada; a graça no tempo, a glória na eternidade; a graça na justificação, a glória na bem aventurança; a graça no mérito, a glória no prêmio do mérito, no qual Ele vive e reina por todos os séculos dos séculos.

Amén.

5 de maio de 2009

O SENTIDO ALEGÓRICO DA DEDICAÇÃO DE UMA IGREJA - HUGO DE SÃO VITOR

SERMONES CENTUM
SERMO I - SOBRE O SENTIDO ALEGÓRICO DA DEDICAÇÃO DE UMA IGREJA
HUGO DE SÃO VITOR


"O Altíssimo santificou o seu tabernáculo". Salmo 45,5

Irmãos caríssimos, o tabernáculo do Senhor, isto é, a santa Igreja, possui suas pedras, seu cimento, seus fundamentos, suas paredes, seu teto, seu comprimento, largura e altura, seu santuário, seu coro, sua nave, seu átrio, seu altar, sua torre, seus sinos que soam, suas janelas de vidro, sua pintura interior e exterior, suas doze velas, seu pontífice que a dedica. Todas estas coisas que mencionamos são plenas de sacramentos, e são para nós documentos de realidades espirituais. Cada uma de suas pedras são cada um daqueles que crêem em Cristo, quadradas e firmes, quadradas pela estabilidade da fé, firmes pela virtude da paciência. O cimento é a caridade, que acomoda entre si cada um dos indivíduos, os une e vivifica e, para que não destoem entre si por alguma discórdia, nivela-os em um mesmo plano. Os fundamentos são os profetas e os apóstolos, conforme está escrito:

"Edificados sobre o fundamentos dos apóstolos e dos profetas, sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular". Ef. 2, 20

As paredes são os contemplativos, edificados sobre o fundamento de Cristo, que se afastam do que é terreno e aderem ao que é celeste. O teto neste edifício espiritual não se destaca por estar no alto, mas por pender para baixo, por diferir no material de que é feito o restante do edifício, e por possuir uma disposição distante e dessemelhante do mesmo: são os ativos, próximos das ações terrenas, menos preocupados com as coisas celestes por causa de suas imperfeições, que administram as coisas terrenas conforme as necessidades do próximo. O comprimento da santa Igreja é considerado segundo a longa duração do tempo; a largura, segundo a multidão do povo; a altura, segundo a diferença dos méritos. De fato, a Igreja se estende em comprimento segundo três tempos, o tempo da lei natural, o tempo da lei escrita e o tempo da graça, que abarca desde o primeiro até o último justo. Estende-se também em largura, na medida em que se dilata pela numerosidade de muitos povos. Ergue-se em altura, na medida em que se eleva pela diferença entre os menores e os maiores. Podemos também dizer que o comprimento da santa Igreja vai do oriente até o ocidente, e sua largura do setentrião até o meridião. De seu comprimento foi dito:

"Virão muitos do oriente e do ocidente que se sentarão com Abraão, Isaac e Jacó no reino dos céus". Mat. 8, 11

De sua largura foi dito:

"Eu direi ao aquilão: dá-mos cá; e ao meio dia: não os retenha; traze os meus filhos de países remotos, e minhas filhas das extremidades da terra". Is. 43, 6

E de ambos foi dito:

"Levanta-te e recebe a luz, Jerusalém, levanta em roda os olhos, e vê: teus filhos virão de longe, e tuas filhas surgirão de todos os lados". Is. 60, 1-4

A altura também pode ser considerada segundo os graus de dignidade. A Igreja de fato se ergue para o alto na medida em que sobre os leigos está colocada a ordem sacerdotal, e sobre a sacerdotal a episcopal, e sobre esta a arquiepiscopal, e sobre todas finalmente está colocado o Papa, bispo dos romanos. O sacrário significa a ordem das virgens; o coro, a ordem dos continentes; a nave, a ordem dos casados. O santuário, de fato, é mais estreito do que o coro, e o coro é mais estreito do que a nave, assim como menor é o número das virgens do que o dos continentes, e o dos continentes menor do que o dos casados. O lugar do santuário também é mais sagrado do que o coro, e o do coro mais do que o da nave, assim como o coro das virgens possui maior dignidade do que a ordem dos continentes e a ordem dos continentes possui maior dignidade do que a dos casados. O átrio são os falsos cristãos, que foram santificados pelo fato de terem sido batizados, mas são plenos da podridão dos cadáveres por estarem plenos da corrupção dos vícios. Deste átrio foi escrito:

"Mas o átrio, que está fora do templo, deixa-o de parte e não o meças, porque ele foi dado aos gentios"; Apoc. 11, 2

pois os falsos cristãos serão condenados juntamente com os gentios, e serão entregues aos demônios para serem punidos.

O altar é Cristo, sobre o qual oferecemos não apenas o sacrifício das boas obras, mas também das orações, quando dizemos, na celebração da missa:

"... por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo".

A torre da Igreja é o nome do Senhor, sobre o qual está escrito:

"O nome do Senhor é uma torre fortíssima, a ele se acolhe o justo e encontra um refúgio elevado". Prov. 18, 10

Os sinos são os pregadores, que anunciam a palavra de Deus. As janelas de vidro são os homens espirituais, pelos quais resplandece sobre nós o conhecimento divino. A pintura interior significa a pureza do coração; a exterior, a pureza do corpo. As doze velas são os doze apóstolos, que pregaram pelas quatro partes do mundo o estandarte da cruz e a fé na paixão de Cristo.
A estes segue-se o pontífice, que significa o próprio Cristo, que circundou a sua Igreja, primeiro no tempo da lei natural ensinando-a através dos patriarcas, depois no tempo da lei escrita ensinando-a pelos profetas e finalmente, no tempo da graça, por si próprio, circundando-a e nela entrando, externamente ensinando-a pela doutrina, internamente santificando-a pela graça. No primeiro circuito ele disse:

"Não comereis carne com sangue". Gen. 9, 4

No segundo disse:

"Não matarás". Ex. 20, 13

No terceiro disse:

"Ouvistes o que foi dito aos antigos: `Não matarás'. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão será réu de julgamento". Mat. 5, 21-2

Muitos julgam estarem contidos no interior deste edifício pela santidade, estando na realidade longe e afastados dele pela maldade. Fora dele estão os impuros, os fornicadores, os concubinários, os adúlteros, os incestuosos, os ébrios, os usurários, os avarentos, os ladrões, os desonestos, os possuídos pelo ódio, os homicidas, os mentirosos, os perjuros, e todos aqueles que

"chamam ao seu irmão de louco", Mt. 5, 22

e que

"olham para uma mulher cobiçando-a". Mt. 5, 28

Estes não são nem pedras, pois não participam da caridade. Procuremos, pois, irmãos, viver uma tal vida que possamos ser pedras de Deus. Que a isto se digne de nos ajudar aquele que vive e reina por todos os séculos dos séculos.

Amén.


4 de maio de 2009

Símbolos da Fé - 2ª Parte

PROFISSÕES DE FÉ ARTICULADAS

ESQUEMA TRIPARTIDO TRINITÁRIO

A estrutura gramatical dos Símbolos deste esquema corresponde à tríplice pergunta do batismo acerca da fé na Trindade divina. São compostos de três partes principais, referindo-se a cada pessoa divina. É difícil a conexão dos artigos que exprimem a fé na Igreja, na remissão dos pecados, na ressurreição etc. Geralmente ligam-se aos artigos sobre o Espírito Santo. Tal explicação, porém, não leva em conta o desenvolvimento histórico. Como fica claro a partir dos Símbolos simples, estes artigos primeiro tinham um lugar próprio, ao lado daqueles sobre as três pessoas divinas. Depois que as secções trinitárias foram desenvolvidas e ampliadas, original caráter de acréscimo ficou esfumado ou ocultado. Do ponto de vista histórico, portanto, é melhor entender estes artigos como “apêndice” ou “cláusula final” de um Símbolo tripartido. Não obstante, os textos dos Símbolos são aqui apresentados como o requer a estrutura gramatical.


FÓRMULAS OCIDENTAIS

SÍMBOLO DOS APÓSTOLOS

Este nome designa uma determinada fórmula de fé que por muitos foi tida como composta pelos próprios Apóstolos e que, por isso, gozava de maior autoridade. Os indícios mais antigos dessa convicção se encontram no fim do séc. IV: cf. a carta do Sínodo de Milão (presidido por Ambrósio), mandada em 390 ao Papa Sirício, na qual aparece pela primeira vez o nome “Símbolo dos Apóstolos.
O Símbolo se desenvolveu em duas formas: a forma mais antiga, romana (designada com “R”), foi introduzida em Roma e se encontra em grego e em latim. A forma mais recente é o texto geralmente aceito(“T”), que provavelmente se formou pelo séc. VII na Gália meridional e que mais tarde foi introduzido também em Roma. Em seguida, também o resto da Igreja latina acolheu a forma “T”. Com a publicação do Catecismo Romano (1566) e do Breviário Romano (1568) se pôs fim à evolução.


Roma, início do séc. III (forma paralela ou próxima a “R”)
Hipólito de Roma: Traditio Apostolica (versão latina)

Hipólito de Roma (presbítero; de 217 a 235 antibispo) escreveu, em 215 ou 217, a obra Traditio apostolica. O texto original grego foi perdido; há porém compilações orientais de cânones nos quais a obra está contida em parte, embora com ampliações ou lacunas: as Constituições da Igreja Egípcia, os Canones Hippolyti, as Constitutiones Apostolorum VIII e o Testamentum Domini Nostri Iesu Christi. No Ocidente, foi conservada somente uma tradução latina, fragmentária, mas fidedigna, no código palimpsesto de Verona LV 53 (por volta do ano 400). A profissão de fé nele contida está em forma interrogatória, mais antiga que a proclamatória. A primeira parte do Símbolo, cheia de lacunas, pode ser completada com os Canones Hippolyti. Esta versão não se pode fazer derivar da forma romana antiga que conhecemos, mas talvez tenha uma raiz comum subjacente.

[Crês em Deus Pai onipotente?]
Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo, da Virgem Maria,
e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e morreu, e foi sepultado, e ao terceiro dia ressuscitou vivo dos mortos, e subiu aos céus, e está sentado à direita do Pai, e virá para julgar os vivos e os mortos?
Crês no Espírito Santo e a santa Igreja e a ressurreição da carne?


Roma, séc. III (“forma romana antiga” = “R”):
Saltério do rei Etelstano

Símbolo da fé incluído como conclusão do saltério num livro litúrgico monástico do início do séc. IX, escrito em grego com caracteres anglo-saxões. O Símbolo faz parte das formas mais antigas do tipo “R”.

Creio em Deus Pai [- !] onipotente,
e em Cristo Jesus, seu Filho unigênito, nosso Senhor,
que nasceu do Espírito Santo e Maria Virgem,
que sob Pôncio Pilatos foi crucificado e sepultado, e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos, subiu aos céus e está sentado à direita do Pai, de onde vem para julgar os vivos e os mortos:
e em Espírito Santo [no Santo Espírito], a santa Igreja, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne [, a vida eterna].


Codex Laudianus

O códice Laudiano grego 35 (séc. VI-VII), conhecido como códice “E” dos Atos dos Apóstolos, pelo fim contém um símbolo da fé, latino, da forma “R”.

Creio em Deus Pai onipotente,
e em Cristo Jesus [Jesus Cristo], seu único Filho, nosso Senhor,
que nasceu do Espírito Santo e Maria Virgem,
que sob Pôncio Pilatos foi crucificado e sepultado, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu nos [aos] céus,está sentado [sentou-se] à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos:
e no Espírito Santo, a santa Igreja [Católica], a remissão dos pecados, a ressurreição da carne.


Milão, fim do séc. IV (forma “R” modificada):
Ambrósio, bispo de Milão: Explanatio Symboli

Esta Explanatio foi desenvolvida por um escriba que a colheu da boca de Ambrósio (+ 397). A afirmação do autor de ter transcrito o Símbolo romano não deve ser tomada muito rigorosamente; ele não tem em vista uma transcrição literal, mas só o segundo sentido.

Creio em Deus Pai onipotente,
e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo, de Maria Virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, morreu e foi sepultado, ao terceiro ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos;
e no Espírito Santo, a santa Igreja, a remissão dos pecados e a ressurreição da carne.


Agostinho: Sermão 213 (= Sermo Guelferbytanus 1), na entrega do Símbolo


Aurélio Agostinho, bispo de Hipona (396-430), nos dá a conhecer profissões de fé de diversos tipos [[em linguagem técnica: “formas”]]. Os sermões 212-214, se bem que pronunciados em Hipona, apresentam a forma oriunda de Milão. O sermão 215 traz a forma de Hipona. O sermão 214, do ano 391 ou 392, é o mais antigo. No Liber de Fide et Symbolo, Agostinho não oferece a forma exata do símbolo, como ele mesmo diz nas Retractationes I, 16. Seguimos como texto principal o sermão 213, chamado, segundo o manuscrito mais antigo, Sermo Guelferbytanus, sendo assinaladas [entre colchetes] as diferenças com os sermões 212 e 214.

Creio em Deus Pai onipotente,
e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria [212 214: de Maria Virgem], [212 214: padeceu] sob Pôncio Pilatos [,] foi crucificado e sepultado, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, sentou-se à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos:
e no Espírito Santo, na [212 214: a] santa Igreja, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne.


Ravena, séc V (forma “R” modificada)
Pedro Crisólogo: Sermões 57-62

Nos sermões 57-62 de Pedro Crisólogo, bispo de Ravena (433-458), nos é transmitido o Símbolo inteiro. Apresenta, contudo, ligeiras variantes.

Creio em Deus Pai onipotente,
e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo, de Maria virgem, que sob Pôncio Pilatos foi crucificado e sepultado, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos [58 60 61:-!], subiu aos céus [62: nos céus], está sentado à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos:
Creio [60: Cremos] no Espírito Santo, a santa Igreja [62: católica], a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna [61: -!].


Aquiléia, fim do séc. IV (forma “R” modificada)
Tirânio Rufino: Expositio (ou Comentarius) in symbolum

O autor escreve por volta do ano 404. Na explanação do Símbolo de sua cidade natal, Aquiléia, presta conta dos raros pontos em que este diverge do Símbolo romano. A fórmula da descida aos infernos, inicialmente difundida entre os semi-arianos, aparece aqui, pela primeira vez, num Símbolo não ariano.

Creio em Deus Pai onipotente, invisível e impassível,
e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo, de Maria virgem, crucificado sob Pôncio Pilatos e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos:
e no Espírito Santo, a santa Igreja, a remissão dos pecados, a ressurreição desta carne.


Florença, séc. VII (forma “R” modificada)
Missal e sacramentário florentino

O livro data do séc. VII e contém um tratado sobre o Símbolo.

Creio em Deus Pai onipotente,
e em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, nascido do Espírito Santo e de Maria virgem, sob Pôncio Pilatos foi crucificado e sepultado, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu ao céu, está sentado à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos;
e no Espírito Santo, na santa Igreja, na remissão dos pecados, a ressurreição da carne.


Mésia, ou Dácia, séc. IV (forma “R” ampliada)
Nicetas, bispo de Remesiana: Explicação do Símbolo

Esta explicação encontra-se no livro V da obra fragmentária Competentibus ad baptismum instructionis libelli VI, no passado atribuído a Nicetas, bispo de Aquiléia, hoje a Nicetas, bispo de Remesiana (ou Romaciana/Mésia Superior), + depois de 414.

Creio em Deus Pai [, Criador do céu e da terra,]
e no seu Filho Jesus Cristo, [nosso Senhor (?),] nascido do Espírito Santo da Virgem Maria, tendo padecido sob Pôncio Pilatos, crucificado, morto, ao terceiro dia ressuscitou vivo dentre os mortos, subiu aos céus, está sentado à direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos;
e no Espírito Santo, a santa Igreja católica, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne e a vida eterna.


África, séc. V-VI
Agostinho: Sermão 215, na devolução do Símbolo

Esta versão era usada muito provavelmente em Hipona (Hippo Regius), a sede episcopal de Agostinho.

Cremos em Deus Pai onipotente, criador de tudo, rei dos séculos, imortal e invisível.
Cremos também em seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, nascido do Espírito Santo, da virgem Maria, foi crucificado sob Pôncio Pilatos, morto e sepultado, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, esta sentado à direita de Deus Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos.
Cremos também no Espírito Santo, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna por meio da santa Igreja católica.


Pseudo-Agostinho [Quodvultdeus de Cartago]: Sermões sobre o Símbolo

A versão africana foi reconstituída por G. Morin na base de quatro sermões pseudo-agostinianos, por ele atribuídos a Quodvultdeus.

Creio em Deus Pai onipotente, criador de tudo, rei dos séculos, imortal e invisível.
Creio também em seu Filho [-!] Jesus Cristo [, seu Filho único, nosso Senhor], que nasceu do Espírito Santo, da Virgem Maria; [que] foi [-!] crucificado sob Pôncio Pilatos e [foi] sepultado, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos [-! (?)], foi assunto aos céus [subiu ao céu] e está sentado à direita do Pai [sentou-se à direita de Deus], de onde virá julgar os vivos e os mortos.
Creio também no Espírito Santo, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne para a [e a] vida eterna por meio da santa Igreja.


Espanha, séc. VI I VII (forma intermédia entre “R” e “T”)
Ildefonso de Toledo: De cognitione baptismi

O Símbolo do arcebispo Ildefonso de Toledo (659-669) é colhido dos cc. 36-83 desta obra.

Creio [MBr: Crês...?] em Deus Pai onipotente,
e em Jesus Cristo, seu único Filho, Deus e Senhor nosso,
que nasceu do Espírito Santo e [MBr: de] Maria virgem,
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressuscitou vivo dos mortos, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai onipotente [MBr: do Pai], de onde virá julgar os vivos e os mortos.
Creio [MBr: Crês...?] no Santo Espírito [MBr Eth: Espírito Santo], a santa Igreja católica, a remissão de todos os pecados, a ressurreição da [LOMoz: desta] carne e a vida eterna.


Gália meridional, séc VI I VII (forma intermédia entre “R” e “T”
Fragmentos de um Símbolo gálico antigo

Cipriano, bispo de Toulon, carta ao bispo Máximo de Genebra, escrita entre 516 e 533.
Fausto, bispo de Riez (de 450 a 480), na sua obra De Spiritu Sancto I, 2, relata um fragmento, antes atribuído ao diácono Pascásio.
Não obstante sua distância no tempo, os dois fragmentos são tão próximos um do outro pela estrutura do texto e pelo lugar de procedência, que chegam a se completar e a formar um único Símbolo.

Creio em Deus pai onipotente.
Creio também em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor, que foi concebido do Espírito, nasceu de Maria virgem, tendo padecido sob Pôncio Pilatos, morto e sepultado, subiu aos céus, está sentado à direita do Pai, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
Creio também no Espírito Santo, a santa Igreja, a comunhão dos Santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna.


Gália e Alamânia, séc VII I início VIII (forma inicial “T”)
Missale Gallicanum Vetus: Sermão [9 de Cesário de Arles] sobre o Símbolo

O Missale Gallicanum Vetus (do início do séc. VIII) contém duas versões do Símbolo, pouco divergentes uma da outra; aqui é representada só a primeira, tomada do Sermo de Symbolo de Cesário de Arles (+543).

Creio em Deus onipotente, criador do céu e da terra.
Creio também em Jesus Cristo [var. acus./ablat.], seu filho unigênito sempiterno, que foi concebido [concebido] do Espírito Santo, nasceu [nascido] de Maria virgem, padeceu [padecido] sob Pôncio Pilatos,crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Santo Espírito [var. acus./ablat.], a santa Igreja católica, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna.


Pirmínio: Compilação de textos canônicos

Pirmínio (melhor: Primínio), originário da Septimânia ou Gália Narbonense, bispo missionário e abade do convento de Reichenau sobre o lago de Constança, divulgou o Símbolo de sua região de origem na obra Scarapus, chamada também Dicta Sancti Pirminii abbatis, escrita entre 718 e 724. Este Símbolo, que aparece duas vezes em forma declamatória (cc. 10 e 28ª) e uma vez em forma interrogatória (c. 12 = *28), oferece todos os elementos do texto que foi depois comumente recebido (“T”). Tem a forma do último estágio de desenvolvimento, que ainda hoje vigora.

Crês em Deus, Pai onipotente, criador do céu e da terra?
Crês também em Jesus Cristo, seu Filho único, nosso Senhor, que foi concebido do Espírito Santo, nasceu de Maria virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, sentou-se à direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os vivos e os mortos?
Crês no Espírito Santo, a santa Igreja católica, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna?


Irlanda, fim do séc. VII (forma “T” modificada)
Antifonário de Bangor

Manuscrito litúrgico produzido entre 680 e 691 no mosteiro de Bangor (Ulster do Norte).

Creio em Deus Pai onipotente, invisível, criador de todas as criaturas visíveis e invisíveis.
Creio também em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, Deus onipotente, concebido do Espírito Santo, nascido de Maria virgem, que padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus e sentou-se à direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
Creio também no Espírito Santo, Deus onipotente, que tem uma só substância com o Pai e o Filho, que santa é a Igreja católica, a remissão dos pecados, a comunhão dos santos, a ressurreição da carne. Creio a vida depois da morte e a vida eterna na glória de Cristo.
Tudo isto creio em Deus.


Gália, Alamânia, séc. VIII e seguintes; Roma, séc. X em diante (forma “T”)
Ritual batismal romano (Ordo Romanus XI ed. Andrieu = VII ed. Mabillon)

O texto do Símbolo deste Ordo, originalmente indicado só com as palavras iniciais, por ser usado com os livros cerimoniais, encontra-se copiado na íntegra, em forma vernácula, nos manuscritos gálicos do séc. IX em diante. Quando, no séc. X, a antiga tradição litúrgica romana se interrompeu, Roma recebeu juntamente com outros elementos da liturgia gálica também esta forma do Símbolo.

Creio em Deus Pai onipotente, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, seu Filho único, nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo, nasceu de Maria virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai onipotente; de onde virá [PsG: havendo de vir] para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, [Cat: creio] a santa Igreja católica, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, [ORA: e] a vida eterna.

O Símbolo dos Apóstolos (1o. Artigo, 1a. parte)

Explicação dada pelo catecismo referido abaixo acerca do 1o. artigo do Símbolo dos Apóstolos

(Pag. 6 e 7 do Catecismo editado pela Maison de la Bonne Presse de Paris, traduzido para o português pela Juventude Católica de Lisboa)

1o. Artigo (parte 1) : Creio em Deus Padre todo poderoso.

1. Deus pode falar aos homens, pois lhes deu a faculdade de se entenderem.
2. Deus falou verdadeiramente aos homens; é o que se chama revelação.
3.Sem a revelação não nos poderíamos salvar, visto como nos seria impossivel saber, por nós próprios o que é preciso crer e fazer para obtermos a salvação.
4. Distinguem-se tres revelações 1o a revelação primitiva, feita por Deus a Adão e aos patriarcas; 20 a revelação Moisaica, feita por Deus a Moisés; 30 a revelação cristã que nos foi feita por Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Símbolo dos Apóstolos


5. O símbolo dos Apostolos é uma profissão de fé que os Apóstolos nos deixaram e que, em doze artigos, encerra as verdades principais que devemos crer.
6. A primeira dessas verdades é que há um Deus, e um só, exclusivamente.
7. Cremos em Deus, porque Ele próprio nos revelou a sua existencia.
8. Também a razão nos diz que há um Deus, porque, se o não houvera, o mundo não poderia existir. Com efeito, o mundo não poderia criar-se a si mesmo, como nem sequer podem criar-se uma casa ou um relógio.
9. Deus é um puro espírito, infinitamente perfeito, criador do céu e da terra, e soberano senhor de todas as coisas.
10. Digo que Deus é um puro espirito, porque não tem corpo, e não pode ser visto pelos nossos olhos, nem tocado pelas nossas mãos.
11. Digo que Deus é infinitamente perfeito, porque Ele possue todas as perfeições e as suas perfeições não tem limites.
12. Deus tem existido sempre ; nunca teve princípio, e nunca há de ter fim.
13.Deus está no céu, na terra, e em toda a parte,
14. Deus conhece todas as coisas, o passado, o pre­sente, o futuro, e até os nossos pensamentos e desejos; vê-nos sempre, mesmo quando nos ocultamos para o ofender.

O mistério da Santíssima Trindade.

15. Um mistério é uma verdade revelada por Deus, e que nós devemos acreditar, embora a não possamos compreender.
16. O mistério da Santissima Trindade é o mistério de um só Deus em três pessoas, a saber, o Pai,
Filho, e o Espirito Santo.
17. O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só e o mesmo Deus; são iguais em todas as coisas, porque têm uma só e a mesma substancia, e por tanto uma só e a mesma divindade.

Explicação da gravura.

Photobucket

18. A Santíssima Trindade está representada ao centro por um grande triângulo, no qual se vê Deus Padre sobre o globo do inundo, segurando os braços da cruz a qual está pregado Jesus C risto, seu Filho; o
Espirito Santo, sob a forma de uma pomba, derrama os seus raios de luz entre o Pai e o Filho, o que nos dá a entender que procede do Pae e do Filho.
19. Ao alto da gravura vê-se, a esquerda, a Jesus Cristo, conferindo aos apóstolos, antes de subir ao céu, a missão de ensinar todas as nações e de as batizar em nome do Padre, e do Filho, e do Espirito Santo.
20. Vê-se, a direita, o batismo de Jesus Cristo, no qual se manifestaram as três pessoas divinas. (V. a gravura 19.)
21.Embaixo, a esquerda, vemos Abrahão recebendo a visita de três Anjos; Abrahão viu-os aos tres, e apenas saudou a um, dizendo “Senhor, se achei graça diante de teus olhos, não preterirás a casa de teu servo.”
22. A direita, vêmos a Santo Agostinho e uma criança, — Um dia, o santo bispo de Hipona passeava a beira do mar, querendo aprofundar o mistério da Santissima Trindade. De súbito, vê uma criança entretida a encher uma pequena concha e a vasar-lhe a água numa covasita que abrira na areia. “Meu filho, que pretendes tu fazer? — Quero meter neste buraco toda a água do mar. — Mas tu bem vês que este buraco é muito pequeno para tanta água. — Mais fácil me será meter o mar neste buraco, do que tu compreenderes o mistério da Santíssima Trindade. — E dizendo isto, a criança desapareceu. Era um anjo que tomara aquela forma para advertir o santo de que o mistério da Santíssima Trindade era impenetrável a todos os espíritos criados.

1 de maio de 2009

São Francisco de Assis

Fonte:
São Francisco de Assis
Escritos e biografias de São Francisco de Assis
Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano
9ª Edição
Editora Vozes e FFB
Petrópolis 2000


SÃO FRANCISCO DE ASSIS

O CÂNTICO DO IRMÃO SOL

Quase moribundo, compôs São Francisco o Cântico das criaturas. Até ao fim da vida queria ver o mundo inteiro num estado de exaltação e louvor a Deus. No outono de 1225, enfraquecido pelos estigmas e enfermidades, ele se retirou para São Damião. Quase cego, sozinho numa cabana de palha, em estado febril e atormentado pelos ratos, deixou para a humanidade este canto de amor ao Pai de toda a criação. A penúltima estrofe, que exalta o perdão e a paz, foi composta em julho de 1226, no palácio episcopal de Assis, para pôr fim a uma desavença entre o bispo e o prefeito da cidade. Estes poucos versos bastaram para impedir a guerra civil. A última estrofe, que acolhe a morte, foi composta no começo de outubro de 1226. A oração do santo diante do crucifixo de São Damião e o Cântico do sol são as únicas obras de São Francisco escritas em italiano antigo e, por isso, são dos mais importantes documentos literários da linguagem popular. Foi nesta língua que ele certamente ditou a maioria e seus escritos, antes que os irmãos versados em letras os traduzissem para a língua comum da época, o latim.


Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Teus são o louvor, a glória, a honra
E toda a benção.

Só a ti, Altíssimo, são devidos;
E homem algum é digno
De te mencionar.

Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.

E ele é belo e radiante
Com grande esplendor:
De ti, Altíssimo, é a imagem.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formaste claras
E preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, ou nublado
Ou sereno, e todo o tempo,
Pelo qual às tuas criaturas dás sustento.

Louvado sejas, meu Senhor
Pela irmã Água,
Que é mui útil e humilde
E preciosa e casta.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Fogo
Pelo qual iluminas a noite.
E ele é belo e jucundo
E vigoroso e forte.

Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas.

Louvado sejas, meu Senhor,
Pelos que perdoam por teu amor,
E suportam enfermidades e tribulações.

Bem aventurados os que as sustentam em paz,
Que por ti, Altíssimo, serão coroados.

Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a Morte corporal,
Da qual homem algum pode escapar.

Ai dos que morrerem em pecado mortal!
Felizes os que ela achar
Conformes à tua santíssima vontade,
Porque a morte segunda não lhes fará mal!

Louvai e bendizei a meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande humildade.


BILHETE PARA FREI LEÃO

Este documento, também do próprio punho de São Francisco, guarda-se como preciosa relíquia no Sacro Convento de Assis. Contém louvores a Deus e a conhecida benção para Frei Leão. Data: outono de 1224.

a. Louvores a Deus

Vós sois o santo Senhor e Deus único, que operais maravilhas (Sl 76,15).
Vós sois o Forte.
Vós sois o Grande.
Vós sois o Altíssimo.
Vós sois o Rei onipotente, santo Pai, Rei do céu e da terra.
Vós sois o Trino e Uno, Senhor e Deus, Bem universal.
Vós sois o Bem, o Bem universal, o sumo Bem, Senhor e Deus, vivo e verdadeiro.
Vós sois a delícia do amor.
Vós sois a Sabedoria.
Vós sois a Humildade.
Vós sois a Paciência.
Vós sois a Segurança.
Vós sois o Descanso.
Vós sois a Alegria e o Júbilo.
Vós sois a Justiça e a Temperança.
Vós sois a plenitude da Riqueza.
[Vós sois a Beleza.
Vós sois a Mansidão.
Vós sois o Protetor.
Vós sois o Guarda e o Defensor.
Vós sois a Fortaleza.
Vós sois o Alívio.
Vós sois nossa Esperança.
Vós sois nossa Fé.
Vós sois nossa inefável Doçura.
Vós sois nossa eterna Vida, ó grande e maravilhoso Deus, Senhor onipotente, misericordioso Redentor].

Obs: O trecho entre colchetes ficou ilegível no documento original, mas consta na presente formulação em todos os manuscritos antigos.

b. Benção a Frei Leão

No verso da mesma folha se lê:

“O Senhor te abençoe e te proteja.
Mostre-te a sua face e se compadeça de ti.
Volva a ti o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6,24-26).
Frei Leão, T o Senhor te abençoe.

Acima destas palavras Frei Leão escreveu a tinta vermelha:

Dois anos antes da sua morte passou o bem-aventurado Francisco a Quaresma no Monte Alverne, em honra da bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, e do bem-aventurado São Miguel Arcanjo, desde a festa da Assunção da Santa Virgem Maria até a festa de São Miguel em setembro. E fez-se sentir sobre ele a mão do Senhor: depois duma visão e colóquio com um Serafim, e depois da impressão dos estigmas de Cristo no seu corpo, compôs ele estes Louvores e os escreveu de próprio punho no verso desta folha, rendendo graças ao Senhor pelo benefício recebido.

Depois da palavra “pacem” (paz) a mesma mão escreveu:
O bem-aventurado Francisco escreveu esta benção de próprio punho para mim, Frei Leão.

Sob o sinal do T encontra-se um desenho feito a tinta (uma cabeça?) quase indecifrável hoje em dia. Frei Leão escreveu a respeito desse sinal:
Igualmente desenhou ele de próprio punho este sinal T com a cabeça.

A expressão signum tau cum capite (verbalmente “o sinal Tau com a cabeça”) dificulta um tanto a explicação devido à múltipla significação do vocábulo caput (cabeça, cabeçalho, capítulo), pois o único desenho correspondente feito ao pé da trave vertical do sinal Tau já não é reconhecível com clareza. Houve em conseqüência as mais variadas tentativas de interpretação. Poder-se-ia, no entanto, tratar do desenho duma verdadeira cabeça, de cuja fronte erigia o sinal Tau. Resultaria daí uma alusão muito profunda às palavras do Apocalipse: “Não façais mal à terra nem ao mar nem às árvores, até que tenhamos selado em suas frontes os servos de nosso Deus” (7,3). Ora, o sinal Tau foi muitas vezes interpretado como esse “selo” dos eleitos, porquanto se lê em Ez 9,6: “Cuidado para não tocar em ninguém que esteja assinalado com o sinal Tau”. Pode-se concluir de 3C 3 e 159 que S. Francisco considerava esse sinal como as armas dos frades menores. Pode-se dizer o mesmo com relação à Legenda Maior de S. Boaventura, De miraculis, § 10, n. 7. E as iluminuras medievais comprovam que se gostava muito de fazer surgir da fronte, em tamanho acima do normal, o sinal dos eleitos.