Os artífices, os negociantes, os lavradores, abandonavam suas ocupações e sua profissão; não pensavam mais no futuro, nem para si mesmos, nem para suas famílias; os barões e os senhores renunciavam às suas propriedades, conquistadas pelo valor e pelos feitos de seus antepassados. As terras, as cidades, os castelos pelos quais haviam feito a guerra, perderam de repente todo valor aos olhos de seus proprietários e foram dados, por somas módicas, aos que a graça de Deus não tinha tocado e que não eram chamados para a felicidade de visitar os santos lugares e de conquistar o Oriente.
Um só grito retumbava: Deus o quer!
Os autores contemporâneos contam vários milagres que contribuíram para inflamar o espírito da multidão. Haviam-se visto estrelas destacarem-se do firmamento e caírem sobre a terra; mil fogos desconhecidos corriam pelo ar e davam à noite a claridade do dia; nuvens cor de sangue levantavam-se de repente no horizonte e no ocidente; um cometa ameaçador apareceu ao meio dia; sua forma era a de uma espada. Viram-se nas altas esferas do céu cidades com suas torres e defesas, armadas, prestes a combater, seguindo o estandarte da cruz. O monge Roberto refere que, no mesmo dia em que no concilio de Clermont, se decidiu a cruzada, aquela deliberação foi proclamada além dos mares. "Essa notícia, diz ele, tinha reerguido a coragem dos cristãos no Oriente e levado de repente o desespero aos povos da Arábia."Para cúmulo de prodígios, os santos e os reis das idades precedentes saíam de seus túmulos e vários franceses haviam visto a sombra de Carlos Magno exortando os cristãos a combater contra os infiéis.
Não referiremos todos os outros milagres, citados por vários cronistas, mas indicaremos o caráter magnificamente poético desses presságios, que acompanhavam a vasta agitação da cruzada. A imaginação, sonhando somente com batalhas, tinha semeado nos céus as imagens da guerra; a natureza tinha sido associada aos interesses, ao entusiasmo, às paixões da multidão; todas as coisas encontravam-se em harmonia com os sentimentos de todos; e, para que o tempo passado também pudesse entrar, de algum modo, no movimento dessa época, o túmulo tinha permitido a ilustres mortos, misturarem-se com os vivos. Devemos reconhecer nessas maravilhosas visões todo o sublime da epopeia.
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