19 de novembro de 2011

VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES

O Clero na Igreja

A nossa exposição apologética seria incompleta, se depois de termos estudado o Papado e o Episcopado na Igreja, nada disséssemos do Sacerdócio, que é o vínculo vivo a unir a autoridade docente da Igreja à docilidade discente dos fiéis.

Entre os dois está o Sacerdócio.

O Evangelho de hoje nos mostra o Filho do Homem ressuscitando a filha de Jairo, chefe da Sinagoga de Cafarnaum.

Este mesmo Jesus continua a ressuscitar mortos espirituais através dos séculos, por meio do Sacramento da Confissão. E o ministro principal, o dispensador de misericórdia divina é o Sacerdote.

O seu papel é, pois, importantíssimo na Igreja; é essencial, embora em grau inferior ao do Bispo, que faz parte da Igreja docente, enquanto o simples sacerdote é o canal transmissor da Igreja docente para a Igreja discente, ou fiéis.

Vamos estudar hoje brevemente estes dois pontos importantes.

1. O que é Sacerdócio
2. Como se compõe o Sacerdócio

Estes dois pontos vão revelar umas verdades novas na hierarquia da Igreja, geralmente mal conhecidas.

I. O que é o Sacerdócio

Como já vimos, o Papa e os Bispos formam essencialmente a Igreja docente, mas aí não se limita a sua extensão.

Entre a parte docente e a parte discente, que é formada pelos fiéis, há o Sacerdócio, ou Padres propriamente ditos.

Por numerosos que sejam os Bispos, pois o Papa é livre de multiplicá-los conforme as necessidades, faltaria qualquer coisa à hierarquia da Igreja, à sua adaptação às necessidades, se entre os Bispos e o povo, não houvesse intermediários.

Eis porque um dia, escapou do peito do divino Mestre este brado angustioso: Ó! Como é grande a messe, mas os operários são poucos. (Luc. X. 2)

Que fará Jesus para remediar esse mal?

Além do Papa e dos Bispos, ele cria os Sacerdotes.

Não basta, de fato, ter um governo organizado; é preciso ter oficiais e ministros que, penetrando no meio do povo, transmitam e façam executar as ordens dos chefes, sigam de perto a observância destas ordens e assinalem os abusos que podem introduzir-se no meio do rebanho.

É o papel do simples Sacerdote, do Padre encarregado do ministério das almas, dos missionários semeadores da palavra divina.

Os Sacerdotes são os sucessores dos setenta e dois discípulos, escolhidos e ordenados pelo Salvador, como os Bispos são os sucessores dos doze Apóstolos, como o Papa é o Sucessor de S. Pedro, chefe dos Apóstolos.

Os Padres não possuem os poderes dos Bispos, mas são seus súditos, seus auxiliares no ministério, devendo-lhes submissão, respeito e obediência.

Há uma gradação visível e clara entre o Papa, os Bispos e os Padres.

O Papa deve confirmar os seus irmãos.

O Bispo deve pregar o Evangelho a todas as criaturas.

O Sacerdote deve ir à procura das ovelhas desgarradas.

Ao Papa, Jesus entrega as chaves do reino do Céu.

Aos Bispos, ele impõe as mãos.

Aos Sacerdotes, ele manda irem dois a dois, por todas as cidades.

Não impõe as mãos aos últimos... Não sopra sobre a fronte deles... Ele deixa a seus Apóstolos o encargo de fazê-lo, para bem marcar a dependência em que devem ficar: cordeiros com respeito ao povo; ovelhas com respeito aos Bispos.

Os poderes dos Padres, como os dos Bispos, como os do Papa, vêm diretamente de Jesus Cristo, mas são exercidos sob a dependência hierárquica estabelecida pelo próprio Jesus Cristo.

Os Bispos exercem os seus poderes sob a direção do Papa, os Padres exercem os seus poderes sob a direção dos Bispos.

Do mesmo modo que os poderes dos Bispos não dependem do Papa, assim os poderes dos Padres não dependem dos Bispos; é o exercício destes poderes que está sujeito ao beneplácito do superior.

O Sacerdócio, como o Episcopado e como o Papado, é de instituição divina e como tal é eterno, indestrutível como eles, ou melhor: há apenas um único Sacerdócio cuja plenitude está no Episcopado e cuja fonte e coração está no Papado.

Há, deste modo, três graus na hierarquia: o Papado, o Episcopado, o Sacerdócio.

É uma imagem da Santíssima Trindade neste mundo.

O Papa é o princípio da autoridade.

O Bispo é como o verbo do Papa em sua Diocese.

O Padre, unido ao Papa e ao Bispo, é como o Santificador das almas em sua paróquia.

É pelo Padre que o povo se une ao Bispo e ao Papa.

Todos os fiéis estão representados no Padre.

Todos os Padres estão representados no Bispo.

Todos os Bispos estão representados no Papa.

Augusta e sublime missão a do Padre!

II. Como se compõe o Sacerdócio

O Sacerdócio é um só: - é a participação ao Sacerdócio de Jesus Cristo. Como já disse, os Sacerdotes são os auxiliares dos Bispos na administração dos Sacramentos e na pregação da palavra divina: Sacedotem oportet praedicare.

O Sacerdócio embora único quanto ao Sacramento e a seus efeitos é duplo quanto ao modo de viver: há o Sacerdote regular e o Sacerdote secular.

O primeiro, além de ter as obrigações do Sacerdócio, é ligado a Deus pela prática dos conselhos evangélicos de obediência, castidade e pobreza.

O segundo é ligado por um destes conselhos, pela castidade, mas deve também ao Bispo, em virtude das ordens recebidas, inteira obediência.

Pertencendo ao mesmo Sacerdócio, tanto Padres regulares como seculares, em virtude, do Sacramento da Ordem que receberam, estão na mesma linha: são ministros de Deus, na dispensação das coisas sagradas, como o seu nome indica: Sacra dans: dando coisas sagradas.

O estado de vida destas duas categorias é diferente. O Padre regular, além das obrigações dos votos que faz, sujeita-se a uma regra, que indica o seu modo de viver e de agir. Daí o seu nome regular.

O Padre secular, porém, tem apenas de cumprir os seus deveres de Sacerdote e com as obrigações de seu ministério, podendo ordenar a sua vida como entende. E, como o seu nome indica, vive no meio do século: é secular.

O que, pois, difere é o modo de viver deles. Este modo constitui um estado: estado de perfeição para o Padre regular, ou religioso; e estado secular para o Padre secular.

Comparando, portanto, o Sacerdote regular e o secular, quanto ao Sacerdócio, vemos que são irmãos, que estão na mesma linha.

Comparando-os quanto ao estado, vemos ser o Padre regular superior ao secular, porque o estado que abraçou é mais perfeito e obriga a maior perfeição do que o estado do Padre secular.

Notemos bem que se trata aqui do estado ou modo de viver e não de pessoas inferiores; como num estado inferior pode haver pessoas superiores,
O hábito não faz o monge;
A casa não faz o santo;
O estado não faz a superioridade.

Se cada pessoa cumprisse perfeitamente todos os deveres de seu estado, então sim, existiria praticamente uma gradação. As misérias humanas, no entanto, são numerosas, de modo que pode haver casados mais santos do que certos celibatários e certos celibatários, no mundo, podem sobrepujar um religioso do claustro; assim pode haver, e há de fato, Sacerdotes seculares mais virtuosos e mais zelosos do que certos Sacerdotes regulares. O defeito não é do estado, é da pessoa. Se o regular cumprisse perfeitamente seus deveres de estado, seria, com certeza, mais virtuoso, mais zeloso, mais abnegado que o secular que se contentasse com cumprir simplesmente os deveres que lhe são impostos.

Em outros termos de comparação: tanto o regular como o secular, cumprindo bem os seus deveres de estado, o regular será mais virtuosos.

Se, porém, o secular cumprir bem estes deveres e o regular entregar-se ao relaxamento, claro é que, como pessoa, o secular supera o regular, porque o fervor está acima do relaxamento.

Mas se ambos cumprirem seus deveres, repito, o regular estará muito acima do secular, pela razão de serem seus deveres mais elevados e levarem a mais alta santidade que os do secular.

III. Conclusão

Resumamos a parte doutrinal desta curta exposição.

O sacerdócio é o grande instrumento de santificação para o mundo.

O Sacerdócio é um só, como Sacramento, porém, os sacerdotes podem ter diferente estado de vida: Uns consagram-se a Deus, deixando tudo por amor dele, sem esperança de remuneração temporal: é o clero regular, são os religiosos.

Outros limitam-se aos deveres de seu Sacerdócio ou ministério, ficam no mundo; podem até ajudar aos pais e cuidar de seu futuro, podem possuir bens, etc.: é o clero secular

Há aqui uma tríplice distinção a fazer entre eles: de ordem, de estado, de ofício.

Como Ordem, os dois são iguais, pois só há um Sacramento de Ordem.

Como estado, o religioso é mais perfeito, pois além das virtudes próprias do sacerdote, ele se obriga a cumprir os conselhos evangélicos.

Como ofício, ambos estão na mesma linha, pois ambos se dedicam de um ou outro modo à salvação das almas.

O Sacramento da Ordem é de instituição divina.

Depois disto, o Senhor escolheu outros setenta e dois e mandou-os, dois a dois, adiante de si, por todas as cidades e lugares, onde ele estava para ir. (Luc. X. 1)

O estado religioso também é de instituição divina: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo quanto tens e dá aos pobres e depois vem e segue-me. (Math. XIX, 21)

O ministério sacerdotal também é de instituição divina: Ide, eis que eu vos mando como cordeiros entre lobos. (Luc. X. 3)

Há uns erros a respeito destas verdades. Há quem pense ter sido a vida religiosa instituída no século 3o. Não! Foi instituída por Jesus Cristo. E a opinião mais provável é que, como diz Suarez, os Apóstolos eram verdadeiramente religiosos ou regulares.

O que foi oficialmente instituído no século 3o são os Institutos religiosos: porém, estado e instituto são completamente distintos.

No princípio, todos os Sacerdotes eram religiosos tendo vida comum. Nosso Senhor mandou-os dois a dois, isto é, em vida comum.

Foi mais tarde, devido ao desenvolvimento da Igreja e a falta de Sacerdotes, que os Bispos se viram na contingência de separar os Sacerdotes e de mandá-los isoladamente à administração das paróquias.

O que começou no tempo de Jesus Cristo foi a vida religiosa e foi no decurso dos tempos que a vida de Padre secular foi se introduzindo nos costumes, devido às necessidades do momento.

Terminemos com a palavra decisiva de Pio IX, em seu breve de 17 de Março de 1866. “Vemos, escreve este Pontífice, que as antigas leis da Igreja, não somente aprovavam, mas ordenavam que os Padres, os diáconos e subdiáconos vivessem juntos, pondo em comum tudo o que lhes vinha do ministério das Igrejas; e era-lhes recomendado que tendessem com todas as suas forças a reproduzir a vida Apostólica, que é a vida comum. Não podemos, pois, senão louvar e recomendar a todos aqueles que se unem para levar este gênero de vida eclesiástica”.

Eis restabelecida e confirmada a confraternização, a unificação do clero regular e secular, seguindo cada um o estado que escolheu, e cumprindo com zelo os seus deveres de estado para trabalharem juntos na salvação das almas e para o triunfo da santa Igreja.

EXEMPLOS

1. Bismarck e o diabo

Conta um jornal católico alemão que um Bismarck passeava no parque de Potsdam, quando foi cumprimentado por um desconhecido, que trajava e falava com distinção e elegância.

Conversavam sobre as Congregações que Bismark estava perseguindo e exilando.

De repente, o Chanceler de Ferro exclamou com ardor violento: Mais uns dias e não haverá mais uma única Congregação, ouçam, nem uma só!

- O senhor é mais forte do que eu, retorquiu o desconhecido. Há 19 séculos que eu trabalho para suprimí-las e nada consegui até hoje.
- Mas quem é o senhor? Interrogou espantado o Chanceler.
- Eu, sou o diabo.
- O diabo... repetiu trêmulo Bismarck, mas o desconhecido, já conhecido agora, desaparecera.

2. Para que servem os Padres

Em Bordeus, vinham no mesmo carro do trem, um senhor de sociedade e um operário.

Numa das estações, um sacerdote estava esperando outro trem.

- Para que serve esta gente? Diz o viajante ao operário, seu companheiro.

O operário ficou calado.

O trem retoma a sua marcha, atravessando um lugar deserto.

O operário, de repente aproxima-se de seu companheiro e com um acento áspero na voz lhe diz à queima roupa:

- Senhor, estamos aqui numa região deserta, longe das estações; se eu quisesse estrangulá-lo aqui, ninguém o saberia.
- Mas, exclama o burguês horrorizado, isso não lhe daria proveito nenhum.
- Desculpe-me, antes de deixar Bordeus, o senhor recebeu no Banco 30 contos de réis, que estão ali na sua maleta...

O homem passou por todas as cores e suando frio, olhava com terror para os braços vigorosos e os punhos de aço do operário.

- Fique sossegado, senhor, eu fui educado pelos Padres e eles me ensinaram a temer a Deus e a respeitar o bem alheio... Está vendo que esta gente ainda serve para qualquer coisa. Sem eles o senhor seria agora um homem morto.

3. Do Cura d’Ars

Deixem uma paróquia sem Padre durante 20 anos e o povo adorará os animais!

4. De Pio X

Precisamos de Padres que queiram ir para a cadeia!

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(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 418 - 427)

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