26 de novembro de 2011

COMENTÁRIO APOLOGÉTICO DO EVANGELHO DOMINICAL

Introdução
um pouco extensa, mas necessária,
PARA OS SACERDOTES

Peço aos queridos sacerdotes lerem esta introdução: nada de novo lhes ensinará, talvez, porém relembrar-lhes-à umas verdades práticas que facilmente ficam sepultadas no esquecimento.

I. Razão de ser deste trabalho

Um comentário apologético do Evangelho Dominical é quase uma novidade das Homilias, tanto estamos acostumados a ver apenas: comentários literal, dogmático e moral.

Em tempos idos, tais comentários eram suficientes, porque as crianças recebiam dos pais a instrução necessária para firmar sua fé e não deixar dúvidas em seu espírito. Deste modo, podia o sacerdote enxertar, sobre estas noções, comentários evangélicos, dogmáticos e morais, que eram compreendidos porque encontravam alicerces.

Hoje, infelizmente, estamos numa época de “falta de tempo, de gosto e de espírito religioso produtivo”, de modo que raros são os pais que ensinam a doutrina católica a seus filhos; uma mãe cristã ensina ainda a reza, ministra-lhes umas verdades fundamentais, porém, muitas vezes de modo superficial, mal assimilado, feito às pressas, sem deixar uma convicção sólida no espírito da criança.

Este trabalho fundamental e básico da convicção tem que ser refeito pelo sacerdote, no púlpito, nas Homilias do Domingo ou no catecismo de perseverança.

Para muitos, a religião é uma espécie de opinião, igual às opiniões sociais ou políticas: tomam o que lhes agradam, rejeitam o que não agrada e duvidam de uma doutrina que mal conhecem.

Para reagir contra este abuso e retificar esta idéia falsa da religião, é preciso preparar a inteligência e a vontade para a aquisição de um espírito de fé, mais intenso e mais ativo. E tal preparação se faz pela apologética.

E o presente trabalho é de intensa apologética.

II. Que é apologética?

É a demonstração da verdadeira religião contra todos os seus adversários, quer sejam incrédulos, quer sejam heréticos.

O grande ponto de controvérsia está nesta questão: É ou não é a verdade, a doutrina da Igreja Católica?

Esclarecidos pela fé, nós católicos respondemos: Sim, é a pura e imutável verdade!

Mas os adversários têm o direito de pedir provas de uma afirmação tão categórica.

Estas provas são dadas pelo ensino apologético.

Há no mundo um fato público, visível, inegável, para todos: É a existência da Igreja Católica, que há 18 séculos proclama bem alto: Eu sou a única religião verdadeira! Aquele que crer em mim se salvará. Aquele que me rejeitar será rejeitado por Deus!

Para nós, católicos, tal verdade não se discute: é de absoluta certeza.

Infelizmente, há uns que ignoram e outros que negam tal verdade.

A uns e outros a Apologética dá uma resposta.

Tal resposta, para ser completa, deve apresentar três partes em sua demonstração:

1) O fundamento;
2) Os meios;
3) Os fatos.

O fundamento compreende:
a existência de Deus,
a imortalidade da alma,
a Providência divina,
a lei natural,
a necessidade da religião.

Os meios de demonstração são: os milagres e profecias, provando que a religião cristã foi divinamente revelada e divinamente provada pelos milagres.

Os fatos são:
a existência da religião cristã,
a sua admirável história,
a sua preeminência sobre as demais religiões,
a aplicação das profecias,
os milagres do antigo e novo Testamento.

Uma vez provado que a religião cristã é a única religião divina, torna-se fácil provar que esta única religião é conservada e ensinada pela Igreja Católica, tendo, ela só, insculpidos na fronte os característicos da instituição de Jesus Cristo.

Neste novo quadro vêm agrupar-se sucessivamente:

os erros das seitas dissidentes,
o Papado no Evangelho,
a necessidade da infalibilidade,
a hierarquia da Igreja,
a Igreja e o Estado,
o Papa e a Eucaristia.

É tudo isso que vamos expor nestas instruções apologéticas.

III. O preâmbulo da fé

Os teólogos chamam a apologética o preâmbulo da fé. Vejamos a razão e a certeza desta denominação.

Muitos pregadores queixam-se da inutilidade de seus sermões e conferências.

Pode haver nesta queixa muita humildade, que ignora o bem produzido; pode haver também muita verdade.

Estará, talvez, o assunto bem adaptado às necessidades do presente?

Estamos atravessando uma crise de caráter e portanto, de fé.

A fé, embora sincera, é muitas vezes fraca, vacilante, porque não tem base.

A fé é uma virtude sobrenatural, porém, no homem, o sobrenatural está como enxertado sobre o natural.

Faltando a disposição natural na pessoa, o sobrenatural não encontra base sólida e, afora um milagre, não se sustenta.

É fácil provar isto. Basta analisar o ato de fé.

A fé completa percorre três etapas:

A credibilidade (é crível).
A credidade ou conveniência (convém crer).
A fé propriamente dita (creio).

Deve a fé apresentar-se com títulos sérios ou credenciais que mostram que esta ou aquela verdade é crível: são os motivos da credibilidade.

À vista destas credenciais, o espírito convence-se especulativamente de que deve crer em tais verdades críveis: é o assentimento de simples credibilidade.

Depois, saindo da ordem teórica, o espírito passa à determinação prática e diz: Se tal coisa é crível, convém, pois, crer! Sãos os ato de credidade.

A vontade, então orientada pela inteligência, faz o ato livre de fé: Á crível, convém crer, creio!

IV. O ato da fé

Estes três atos que acabamos de assinalar encadeiam-se e não podem ser separados.

Para que a fé penetre numa alma é preciso recorrer aos motivos que iluminam a inteligência e estimulam a vontade: são os motivos de credibilidade.

Os motivos de credidade são uma espécie de impulso dado à vontade para crer: convém crer!

A vontade tira a conclusão e diz: creio. – É o ato de fé.

A graça divina intervém nestas várias operações para iluminar a inteligência e inspirar a parte afetiva; ela é menos necessária, talvez, para a credibilidade, mas absolutamente necessária para a credidade (convém crer) e para a adesão final: creio.

O motivo da fé é a autoridade de Deus revelador; o meio ordinário e a regra comum é a autoridade da Igreja.

Pode-se comparar estas três etapas da fé às três etapas da impressão de um livro:

O censor do livro: Nihil Obstat. É bom... não há impedimento.
O Bispo diz: Imprimi potest: pode ser impresso...
O autor, entregando o livro à tipografia, tira a conclusão e diz: Imprimatur. Seja o livro impresso.

Em suma, estes três atos são: É bom – convém – faço!

Assim, o homem ouvindo uma exposição apologética, aprende os motivos de credibilidade: É crível. A sua vontade instruída diz logo: - Creia pois! (credidade) e, estimulada pela graça e pela inteligência, a vontade exclama: creio, Senhor!

V. Necessidade da apologética

Bem compreendido o que acabamos de dizer do ato de fé integral, podemos, com segurança, tirar uma conclusão de grande alcance.

A falta de fé sólida e convicta é o grande mal da nossa época.

É preciso, não simplesmente ensinar a doutrina, o dogma e a moral; é preciso, antes de tudo, aumentar e fundamentar a fé.

Ora, o caminho desta fé integral é o que chamamos, - introduzir nos espíritos os preâmbulos da fé.

Estes preâmbulos são a Apologética, contendo:

1o. Os motivos de credibilidade, mostrando as razões, as belezas, os atrativos, o lado racional das verdades religiosas: é preciso mostrar que a religião é crível.

2o. É preciso deduzir destas noções a necessidade de abraçar e praticar esta religião, pelos motivos de credidade ou conveniência. Se a religião é crível, convém crer nela.

3o. Só depois deste preparo do espírito e da vontade, haverá um ato de fé integral, baseado de um lado sobre o conhecimento da religião e de outro lado sobre a autoridade de Deus, revelador da religião.

Assim sendo, o primeiro ensino a dar aos fiéis é o ensino apologético; donde a necessidade de um curso completo sobre o assunto, durante um ano inteiro, na pregação dominical.

VI. Conclusão

Concluamos que o presente curso de Apologia é de incontestável necessidade, para preparar as almas ao dom da fé, que lhes mostra a religião, não mais como uma simples opinião, mas como uma verdade revelada por Deus.

A exposição destas verdades, longe de ser árida, como uns pensam, excita nos ouvintes um imenso interesse de conhecer melhor a religião e de praticá-la integralmente.

Fruto de longa experiência no púlpito e na administração paroquial, o presente livro não tem outra ambição senão a de ajudar os zelosos sacerdotes no desempenho de sua atarefada e às vezes espinhosa missão de instruir os fiéis e de excitar neles uma fé sincera, fundada e ativa.

Nada de novo ensina, é certo, aos sacerdotes, porém, coordena, divide, adapta e deduz do Evangelho, numa ordem lógica, umas tantas verdades, que não se nota à primeira vista, mas cuja explanação relembrará aos pregadores o que sabem e lhes mostrará o modo prático de expor estas verdades ao povo.

Seja este livro nas mãos do nosso clero zeloso, um instrumento para a salvação das almas, é a única aspiração do autor.

P. Júlio Maria S.D.N

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(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 9 - 16)

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