24 de abril de 2009

Vida de São João Bosco - NO TRIBUNAL DA PENITÊNCIA

CAPÍTULO XIV

NO TRIBUNAL DA PENITÊNCIA

COM OS REINCIDENTES, OS ESCANDALOSOS, OS TENTADOS E OS INSINCEROS.

Para curar certas doenças espirituais bem caracterizadas, sua ciência de confessor sabia aplicar um tratamento admirável ao mesmo tempo na doutrina, na psicologia, na bondade misericordiosa. Vamos ver por exemplo como se comportava com os penitentes recidivos. Como regra, absolvia-os quase sempre, enfileirando-se com este modo de agir ao lado dos moralistas mais compassivos e talvez mais inteligentes, pois são os que não separam o pecado das múltiplas causas internas e externas que os provocaram, favoreceram, estimularam. O que exigia desses escravos do pecado, como prova de arrependimento sincero e de desejo de emenda, era somente a promessa de voltar freqüentemente. - "Amas de verdade a tua alma? era a sua pergunta. Amas, não é? pois então volta a confessar-te de aqui a uns dias". Que sábio que era o seu modo de proceder! Pois é coisa para admirar que o menino, especialmente um aprendiz, um operário, recaia num pecado já cometido? Lembremo-nos de que o Evangelho fala da contra-ofensiva diabólica que se segue a uma conversão. Lá está escrito que o demônio volta a assaltar o coração purificado, com sete espíritos piores que ele! Sete espíritos malignos contra uma pobre criatura humana! É mesmo preciso ter dó das almas que recaem em pecado e não se admirar nunca de que voltem a confessá-lo.



Com os meninos que se achavam expostos a ocasião próxima de pecado ou que a ela se expunham voluntariamente, seu procedimento era bem diverso, e agia com uma firmeza rara. Se a ocasião era de tal natureza que necessitasse a intervenção de um chefe de secção ou de um superior para afastá-la, Dom Bosco fazia com que o penitente pedisse tal intervenção, ao menos por escrito. Se dependia apenas do próprio penitente, então exigia imperiosamente a promessa de fazê-lo e a absolvição era condicionada a esta promessa.

Um dia, os alunos melhores do Santo tinham persuadido um dos pedreiros que trabalhavam numa obra vizinha a ir confessar-se com Dom Bosco para voltar ao bom caminho abandonado fazia uns cinco anos. Os companheiros de trabalho maravilharam-se ao vê-lo voltar com a cabeça baixa e com ar enleado.

- Que aconteceu? - perguntaram-lhe. Não gostou da confissão?

- Gostei e não gostei. Dom Bosco me disse: "Antes de tudo é preciso fugir de tal ocasião de pecado. Depois disso, mas só depois disso, é que poderemos falar do resto". Ele tem razão, não há dúvida nenhuma. Mas eu não sei se vou ter coragem de fazer o que ele me mandou.

Quando o Santo se encontrava diante de um menino ou de um rapaz cuja conduta, palavras e exemplos eram perniciosos aos companheiros, usava de paciência por um pouco de tempo. Mas se o penitente perseverava em sua obra maléfica, ele lhe pedia e até suplicava que deixasse o Oratório. Para isso ensinava o modo de criar uma ocasião aparentemente natural que justificasse a saída sem causar admiração nos demais.

O Padre Francesia conta a esse respeito o seguinte fato: Quando se tratou de erigir uma estátua a Dom Bosco em sua própria terra natal, um dos membros mais ativos da comissão era um ex-aluno do Oratório. esse ex-aluno, entretanto, até essa época não tinha mostrado muita simpatia para com a memória de seu antigo mestre, de sorte que o Padre Francesia se congratulava com ele por essa mudança. Então ele explicou: Não estranhe, Padre. Agora é que eu compreendi quanto bem me queria Dom Bosco. Quem dos senhores poderia suspeitar que eu mereci umas dez vezes ser expulso? Mas Dom Bosco deu uma arrumação tão boa que minha saída pareceu a coisa mais natural do mundo. Deixei o Oratório para ficar numa pensão vizinha e assim pude terminar tranqüilamente os meus estudos. Nessa ocasião não percebi o grande favor que me fazia Dom Bosco, mas à medida que os anos foram passando fui compreendendo cada vez melhor e agora procuro demonstrar o meu agradecimento.

O caso que acontecia mais freqüentemente era o que ele chamava de menino em poder do demônio mudo, isto é, do menino que se envergonhava do próprio pecado e não tinha coragem de confessá-lo.

"Sei de ciência certa, - dizia muitas vezes a seus filhos - que o demônio causa estragos terríveis nas almas de nossos meninos inspirando-lhes vergonha dos pecados cometidos".

"Nos inícios de meu ministério - disse outra vez - tinha convicção de que era dono do coração de meus pequenos penitentes. Acabei por mudar de opinião. Quantas vezes me tive que convencer que o demônio mudo mos tinha arrebatado! - Que fazer então? Rezar, exortar os meninos a terem a máxima confiança no confessor e depois... esperar que Nosso Senhor lhes ilumine a mente e conforte o coração".

Noutra circunstância chegou a dizer

"Dá pena ver o estado de consciência em que se encontram nove décimos de nossos meninos! E não há remédio. Por mais que usemos todos os meios para tornar fácil fazer boas confissões, é tudo inútil. Quando um menino tem a desgraça de esconder um pecado no coração, todos os remédios se mostram impotentes. Festas religiosas, retiro mensal, retiro anual, mortes repentinas de companheiros, nada consegue descoser os lábios desse infeliz".

"Quantas vezes, - afirmou noutra ocasião, - interrogando com muito jeito o meu penitente, vinha a descobrir que me estava escondendo um pecado havia mais de um ano! À minha pergunta cheia de surpresa, respondia infalivelmente: - Que se há de fazer! Faltava-me coragem!"

Para remediar esse mal e para derrotar o demônio mudo, o Santo convidava freqüentemente confessores extraordinários, aumentava os confessores ordinários, industriava-se de mil maneiras a fim de conseguir que as consciências se abrissem. Mais de uma vez aconteceu-lhe aconselhar um menino que lhe estava ajoelhado aos pés: "Olhe, é melhor que você vá confessar suas faltas a outro confessor. E seja sincero com ele; diga-lhe tudo direitinho!"

No mais das vezes, quando o penitente terminava a acusação dos pecados, o Santo lhe perguntava: "Não tem mais nada que lhe pese na consciência?" E essa simples frase sussurrada em tom afetuoso, como que sacudia todo o indivíduo, - dizia um dia um dos meninos - e muitas vezes saía então dos lábios do penitente a confissão de uma falta que ele estava para ocultar.

Uma vez um de seus padres ia sair para pregar uma missão e lhe perguntou ao se despedir

- Que é que o senhor pensa, Dom Bosco, do que diz São Leonardo de Porto Maurício, que "se tivesse de pregar vinte vezes sobre o sacramento da penitência pregaria vinte e uma sobre a sinceridade da confissão?"

- Aprovo plenamente, respondeu o bom pai.

- Mas, então, se esse é um mal tão espalhado, como é que devemos fazer?

- Ora! Que é que faz Dom Bosco? Vai para o confessionário, ajuda da melhor maneira possível aos penitentes para que sejam sinceros, completos, e depois deixa que Nosso Senhor faça o resto. É ele, é sua graça, que deve fazer falar os mudos e torná-los dignos de produzir frutos de penitência.

Do livro Dom Bosco, de A. Auffray SDB

Tradução de D. João Resende Costa,
Arcebispo de Belo Horizonte

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.