26 de dezembro de 2013

DIA XXVI DE DEZEMBRO.

Uma visita à Gruta de Belém.

Transeamus usque Bethlehem, et videamus hoc verbum, quod factum est — “Cheguemos até Belém, e vejamos o que é isto que sucedeu” (Luc. 2, 15).

I. Tende ânimo, Maria convida todos, os justos e os pecadores, a entrarem na Gruta para adorarem seu divino Filho e beijarem-Lhe os pés. Eia pois, ó almas devotas, entrai e vêde sobre a palha o Criador do céu e da terra, feito Menino pequenino, mas tão encantador, tão radiante que para toda a parte irradia torrentes de luz. Já que Jesus nasceu, a gruta não é mais horrorosa, senão foi feita um paraíso. Entremos e não temamos.

Jesus nasceu, e nasceu para todos. Ego flos campi, et lilium convallium: Eu, assim manda-nos avisar Jesus, eu sou a flor do campo, e a açucena dos vales (1). Jesus se chama açucena dos vales, para nos dar a entender que, assim como Ele nasceu tão humilde, assim somente os humildes o acharão. Por isso o anjo não foi anunciar o nascimento de Jesus Cristo a César nem a Herodes; mas sim a pobres e humildes pastores. Jesus chama-se também flor dos campos, porque, segundo a interpretação do cardeal Hugo, quer que todos o possam achar. As flores dos jardins estão reclusas e não se permite a todos procurá-las e tomá-las. Ao contrário, as flores dos campos estão expostas à vista de todos, e quem quiser as pode tirar: é assim que Jesus Cristo quer estar ao alcance de todo aquele que O desejar.

Entremos, pois a porta está aberta: Non est satelles, qui dicat: non est hora — “Não há guarda”, diz São Pedro Crisólogo, “para dizer que não são horas.” Os príncipes deixam-se ficar fechados nos seus palácios, cercados de soldados, e não é fácil obter-se audiência. Quem deseja falar com os reis, tem de afadigar-se muito, e bastante vezes será mandado embora com o conselho de voltar em outro tempo, por não ser dia de audiência. Não é assim com Jesus Cristo. Está na Gruta de Belém, como criancinha, para atrair a quem vier procurá-Lo. A gruta está aberta, sem guardas nem portas, de modo que cada um pode entrar à vontade, quando quiser, para achar o pequenino Rei, para falar com Ele e mesmo abraçá-Lo, e assim satisfazer a seu amor.

II. Almas devotas, contemplai naquela manjedoura, sobre aquela pobre palha o tenro Menino que está a chorar. Vêde como é formoso; mirai a luz que irradia, e o amor que respira; esses olhos atiram setas aos corações que O desejam, esses vagidos são chamas abrasadoras para os que O amam. No dizer de São Bernardo, a própria gruta e as próprias palhas clamam e vos dizem que ameis aquele que vos ama, que ameis um Deus que é digno de amor infinito, baixou do céu, se fez menino e menino pobre para manifestar o amor que vos tem e para cativar por seus sofrimentos o vosso amor.

Perguntai-Lhe: Ó formoso Menino pequenino, dize-me, de quem és filho? Responde-lhe: Minha mãe é esta linda e pura Virgem, que está a meu lado. E teu pai, quem é? Meu pai é Deus. Mas como? Tu és o Filho de Deus, e és tão pobre, tão humilde? Nesse estado quem te reconhecerá? Quem te respeitará? A santa fé, responde Jesus, me fará conhecer por quem sou, e me fará amar pelas almas que eu vim remir e inflamar em meu amor. Não vim para me fazer temido, senão para me fazer amado, e por isso, quis manifestar-me, a primeira vez que me vedes, como criança tão pobre e humilde, a fim de que assim me ameis com mais ternura, vendo a que estado me reduziu o amor que vos tenho.

Mas dize-me, meu Menino, porque volves os teus olhos para todos os lados? Que estás esperando? Ouço que suspiras, dize-me: para que são estes suspiros? Ó Deus, ouço que estás chorando, dize-me: porque choras?

Ah, responde Jesus, eu olho ao redor de mim, porque estou procurando alguma alma que me queira. Suspiro pelo desejo de ver junto de mim algum coração abrasado em meu amor, assim como estou abrasado em seu amor. Choro, sim, e choro porque não vejo corações, ou vejo-os nimiamente poucos, corações que me procurem e me queiram amar.

Ó Maria, Mãe do belo amor, fazei que o meu coração seja também do número daqueles que buscam e amam Jesus. (*III 729)

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1. Cant. 2, 1

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 84 - 86.)

Festa de Santo Estêvão, Protomártir.

Elegerunt Stephanum, virum plenum fide et Spiritu Sancto — “Elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Epírito Santo.” (Act. 6, 5).

Sumário. Eis aí o belo elogio com que a Sagrada Escritura presta homenagem às virtudes de Santo Estêvão: chama-o cheio de fé, cheio de graça, cheio de fortaleza, em uma palavra, cheio do Espirito Santo. Alegremo-nos com o santo Protomártir, e em seu nome demos graças a Deus. Volvendo depois os olhos a nós mesmos, vejamos se ainda, e em que grau, as mesmas belas virtudes se acham em nossa alma, visto que nos foram infusas pelo sacramento do Batismo.

I. Considera o belo elogio com que o Espirito Santo presta na Sagrada Escritura homenagem às virtudes do Protomártir Santo Estêvão. Chama-o em primeiro logar cheio de fé: Elegeram Estêvão, homem cheio de féElegerunt Stephanum virum plenum fide (1). Ser cheio de fé, segundo Santo Tomás (2), quer dizer, não somente ter uma firmeza eminente em crer todas as verdades reveladas, junto com um amor ardente à revelação e uma conformidade perfeita com a vontade de Deus que revela; mas quer dizer além disso, possuir o depósito inteiro da fé com o conhecimento explicito de todas as suas partes. Por esta razão São Jerônimo diz que Santo Estêvão era doutíssimo na lei. — O Espirito Santo chama Santo Estêvão em segundo lugar cheio de graça e de fortaleza:  plenus gratia et fortitudine, porque advogava a causa de Jesus Cristo ao mesmo tempo com doçura e com zelo ardentíssimo. Temos a prova naquele sublime discurso que fez antes de morrer. Depois de pedir ao povo e aos anciãos que o escutassem em quanto lhes pregasse a salvação, Santo Estêvão expoz-lhes em seguida todos os favores que tinham recebido de Deus e a negra ingratidão com que lhe haviam pago. Vendo, porém, que com bons modos não conseguia abrandar-lhes o coração, começou a deitar-lhes à cara os seus defeitos, e com coragem heróica concluiu dizendo que eram homens duros de cerviz, e de corações e ouvidos incircuncisos, que sempre resistiam ao Espirito Santo (4).— Afinal a Sagrada Escriptura chama Santo Estêvão cheio de todos os carismas celestiais: Cum autem esset plenus Spiritu Santo (5). Por isso se diz que fazia grandes prodigios e milagres entre o povo (6); que não se podia resistir à sua sabedoria (7); que o seu rosto era refulgente como o de um anjo (8); e que pouco antes de expirar teve a ventura de ver os céus abertos, a glória de Deus, e Jesus à direita de Deus (9). — Alegra-te como santo Diácono e dá graças a Deus por havê-lo enriquecido com tantas virtudes. Volvendo em seguida os olhos à tua própria alma, vê se em ti se acham as mesmas virtudes e o modo como as praticas, visto que te foram infusas no sacramento do Batismo.

II. Muito embora Santo Estêvão se avantajasse em todas as virtudes, distinguiu-se todavia particularmente pelo amor de Deus e do próximo. Deu prova de seu amor de Deus sofrendo, o primeiro entre os fiéis, um doloroso martírio pela pregação da fé. Porquanto os judeus, “ouvindo as suas repreensões e ameaças, se exasperaram em seus corações, e rangeram os dentes contra ele. E levantando um grande clamor, taparam os seus ouvidos, e todos juntos arremeteram contra ele, e expelindo-o para fora da cidade, o apedrejaram.” (10)

Mostrou igualmente o seu amor para com o próximo. Desprezando a desmembração de seu próprio corpo e lamentando unicamente a obcecaçâo dos seus algozes, opôs benefícios a injúria, amor ao ódio, doçura à ira, bondade à mal querença. Com uma palavra, o Santo pôs em prática o ensino do divino Mestre:
Rogae pelos que vos perseguem (11); por isso, “pondo-se de joelhos, clamou em alta voz, dizendo: Senhor, não lhes imputeis este pecado. E tendo dito isto, dormiu no Senhor.” (12) Esta caridade heróica agradou de tal forma a Jesus Cristo, que, na opinião de Santo Agostinho, mereceu a conversão do Apóstolo São Paulo, que “dera consentimento à morte de Estêvão”.

Que lição para ti, se a souberes aproveitar! Examina o teu coração para ver se nutre sentimentos de aversão ou de antipatia contra o próximo, e roga ao Senhor, te dê força para perdoar de boa vontade todas as injúrias, ainda que imerecidas, para suportares os defeitos dos outros, assim como estes suportam os teus, e para te mostrares sempre amável para com todos, sem nenhuma exceção.

“Concedei-nos, Senhor, a graça de imitar o que veneramos neste dia, para que, celebrando o natalício daquele que soube rogar pelos seus perseguidores, aprendamos a amar os nossos inimigos.” (13) Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e da nossa amada Mãe Maria.

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1. Act. 6, 5.
2. S. theol.2 2, q. 6, a. 4.
3. Act. 6, 8.
4. Act. 7, 51.
5. Act. 7, 55.
6. Act. 6, 8.
7. Act. 6, 10.
8. Act. 6, 15.
9. Act. 7, 55.
10. Act. 7, 54-57.
11. Matth. 5, 44.
12. Act. 7, 59.
13. Or. festi curr.

 (LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 81 - 84.)

Sermão para o 4º Domingo do Advento – Padre Daniel Pinheiro IBP

[Sermão] Advento: Os Símbolos do Natal do Menino Jesus




Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…

Reforço a grande conveniência de se fazer uma boa confissão nesse tempo do advento em preparação para a festa do Natal. Estarei à disposição após a Missa e no dia 24 a partir das nove e meia da manhã, uma hora antes da Missa, para os que desejam se confessar.
“Vinde, Senhor, e não tardeis, perdoai os crimes de Israel, vosso povo.”
Caros católicos, estamos a três dias do Nascimento de NSJC. A esperança e a verdadeira alegria começam já a encher nossa alma, ao considerarmos que o próprio Deus se fez homem para nos salvar. O desejado das nações, o desejado das colinas eternas, o salvador prometido desde o pecado original de Adão e Eva, o messias esperado durante tantos séculos pelo povo judeu vem ao mundo. O Menino Deus vai nascer no estábulo de Belém. Ele se faz homem, Ele se faz criança, Ele se faz servo, para nos salvar. E o mundo caminha esquecido dEle, mesmo nesses dias de Natal, mesmo no dia em que festejamos a vinda dEle entre nós. Deus vem ao mundo, mostrando todo o seu amor pelos homens. E os homens não o recebem.
O mundo comemora o dia 25 de dezembro sem saber exatamente o porquê. Ele decora suas casas e mesmo os locais públicos com árvores de natal e com luzes sem saber a razão disso. Às vezes, até mesmo o presépio, a cena do nascimento de Cristo, é colocada em locais públicos, mas sem que as pessoas se deem conta do que realmente aconteceu naquela madrugada fria de 25 de dezembro. O jornal de maior circulação em Brasília dá a seguinte explicação para alguns dos símbolos do Natal: (1) árvore de Natal seria simplesmente sinal da vida que surge, sinal de um novo ciclo; (2) as bolas da árvore de natal representariam os frutos de nossas ações durante o ano; (3) os sinos anunciariam a chegada de um novo tempo e as mudanças que vêm com esse novo tempo; (4) as luzes significariam que a alma e as emoções das pessoas estão mais claras ou significariam o despertar de bons sentimentos e boas ações no coração de cada pessoa; (5) o presépio representaria simplesmente a valorização do núcleo familiar e também a simplicidade, por meio do nascimento de Cristo no estábulo; (6) os presentes seriam a manifestação da vontade de se doar aos outros, num gesto de filantropia. Constatamos, pela simples explicação desses símbolos do Natal, o quanto a nossa sociedade está perdida e imersa em um profundo naturalismo, incapaz de compreender as realidades sobrenaturais, ainda que significadas de maneira clara nesses símbolos. O acontecimento mais importante na história da humanidade se encontra reduzido a explicações simplórias, às vezes sem sentido. O nascimento do Menino Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, se encontra diluído num difuso espírito natalino puramente humano, de alegria sem causa e, no fundo, de algo puramente sentimental e irracional.
Os símbolos do Natal, surgidos ao longo da história, nos ajudam, na verdade, a compreender mais profundamente o mistério do nascimento de Cristo, o mistério da redenção, desde o seu início. Assim, (1) a árvore de Natal nos remete às árvores do paraíso terrestre, onde habitavam Adão e Eva quando foram criados. Ela nos remete à árvore da ciência do bem e do mal, da qual nossos primeiros pais estavam proibidos de comer. Ao comerem, enganados pelo demônio, o pai da mentira, introduziram o pecado, a morte, o sofrimento, a concupiscência desordenada. Com o pecado, os homens já não podiam obter a salvação, nem satisfazer pelo pecado, pois a ofensa a Deus foi infinita e nós somos pobres criaturas, portanto, finitas. Precisávamos de um redentor, que pudesse reparar pelo pecado com um ato infinitamente agradável a Deus. Só um homem-Deus poderia fazer isso.   A árvore de Natal nos lembra, assim, o motivo da encarnação de Cristo: o pecado e a consequente necessidade da redenção. Cristo vem ao mundo nos redimir do pecado, satisfazer pelo nosso pecado, alcançar graça de Deus e nos possibilitar a vida eterna. A árvore de Natal nos faz também compreender que Cristo é o fruto da vida eterna, é o alimento da vida eterna, em oposição ao fruto proibido da árvore da ciência do bem e do mal. Ele é o fruto da vida eterna, se somos fiéis à graça que Ele nos dá para acreditar firmemente em tudo o que nos disse e para fazermos a vontade d’Ele em todas as coisas. As (2) bolas da árvore de Natal devem nos lembrar, por um lado, o fruto proibido, que levou nossos primeiros pais ao pecado, mas, por outro, devem nos fazer compreender que Cristo é o fruto que dá a vida eterna. Assim, na Ave Maria, dizemos que Cristo é o bendito fruto do ventre de Nossa Senhora. A árvore de Natal nos lembra também a profecia de Isaías que afirma que o Messias sairá do tronco de Jessé, pai de Davi, e que uma flor brotará da raiz de Jessé. Finalmente, a árvore de Natal nos lembra outra árvore importantíssima que é a Cruz, o madeiro da Cruz. É na Cruz que a redenção se completa, após o nascimento do menino Deus, após sua vida escondida e sua vida pública. A árvore de Natal já nos anuncia a árvore da Cruz, árvore gloriosa que mereceu portar os membros do Deus feito homem. E, na árvore de Natal, vemos, tradicionalmente, no topo, uma estrela, que nada mais é do que a Estrela de Belém, que conduziu os reis Magos ao Menino Deus. Se a estrela está parada, ela nos indica onde está Cristo. A estrela nos diz que aquela árvore, árvore da vida, árvore que nos redime e que nos salva é Cristo.
Os (3) sinos, que são também um símbolo bastante presente no tempo do Advento e do Natal anunciam a alegria da vinda do Salvador, aliado ao canto dos anjos, o Gloria in excelsis Deo. Por isso, na Missa do Galo, os sinos tocam durante todo o Gloria in excelsis Deo da Missa, transbordando de alegria.
As (4) luzes do Natal, que brilham nas noites desse período do ano, são um símbolo manifesto da Luz (com L maiúsculo) que vem ao mundo e que brilha no meio das trevas. As luzes de Natal se veem, sobretudo, à noite, para mostrar que Cristo é a luz do mundo, que apareceu no mundo quando todo o mundo estava imerso nas trevas do pecado e da morte. Cristo é a Luz do mundo não de modo vago ou esotérico. É muito comum ouvirmos as pessoas desejarem às outras muita luz. O que elas querem dizer com isso, porém, é difícil saber. Cristo é a Luz do mundo que ilumina as inteligências com as sublimes verdades divinas e que faz arder nossa vontade com a caridade, com o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus. Cristo ilumina a nossa inteligência ao nos mostrar claramente a bondade divina, que envia seu próprio Filho para nos salvar, para sofrer por nós. Ao mesmo tempo, ao mostrar seu amor por nós, Ele inflama a nossa vontade para que o amemos em retorno, que o amemos efetivamente, fazendo aquilo que lhe agrada. Cristo é a Luz do mundo de modo claro, sem ambiguidade. Ele nos traz a salvação, a união com Deus.  É esse um pensamento que deve acompanhar todos os passos de nossa vida: “O Verbo se fez carne para me salvar, para me levar para o céu. Como tenho retribuído tamanho amor?” As luzes do Natal têm, portanto, um belo significado: nos apontam para a verdadeira luz do mundo, que é Cristo, para a única esperança de salvação e de redenção. Fora de Cristo e de sua Igreja, que nada mais é do que o Corpo Místico de Cristo, só há trevas e escuridão. As luzes do Natal são também um convite para que a Sagrada Família entre em nossas casas, é a afirmação de que aqui eles poderão encontrar a hospedagem que não encontraram em Belém.
O (5) presépio não é simplesmente a evocação do núcleo familiar ou da simplicidade. O presépio nos lembra o momento mais importante da história da humanidade, que é o nascimento do Verbo Encarnado, o acontecimento que divide a história da humanidade. O presépio deve nos fazer considerar a caridade infinita de Deus para conosco e também a virtude dos que estão ali representados, desde Nossa Senhora e São José até os Reis Magos, passando pelos pastores. Sem dúvida, o presépio nos lembra a importância da família, e da verdadeira família – homem, mulher, prole – e nos lembra a simplicidade, mas, sobretudo, deve nos fazer considerar a vinda do Verbo Encarnado para nos salvar, o momento central da história. Deus se faz menino, Deus se faz servo, deus se faz homem. O presépio deve nos lembrar esse sublime fato sobrenatural.
Também os (6) presentes trocados no período de Natal, em algumas culturas no dia da Epifania ou no dia da Festa de São Nicolau, são um símbolo da graça que Deus nos deu no dia 25 de dezembro. Deus nos deu a maior graça possível: a vinda da Segunda pessoa da Santíssima Trindade ao mundo. Os presentes devem servir para lembrar essa graça que nos foi dada.   Os presentes devem ser também um símbolo da caridade para com o próximo. Não um símbolo de simples filantropia, de amor ao homem por amor ao homem, mas de caridade, isto é, de amor ao próximo por amor a Deus. Eles servem, assim, como símbolo de nossa vontade de cooperar com a salvação do próximo. Devemos afastar o espírito consumista do Natal.
As guirlandas de Natal, que vemos por toda a parte também têm seu significado. Na verdade, nada mais são do que coroas. Essas guirlandas remetem às coroas de louro, dadas aos vencedores na Antiguidade.  Elas representam, então, a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o triunfo do Menino Deus sobre a serpente.
O Natal que se aproxima é um tempo de verdadeira alegria espiritual. É o tempo do Senhor, que vem ao mundo para nos redimir com a força de seu braço. É o tempo da Raiz de Jessé, que vem para nos libertar do jugo do pecado. É o tempo da chave de Davi, pois só Cristo pode nos abrir o céu, com seus méritos e nos tirar do cárcere das trevas e da sombra da morte. É o tempo do Oriente, quer dizer, da Luz, que é Cristo, que nasce para iluminar as nossas inteligências e inflamar a nossa vontade. É o tempo do Rei das Nações, da pedra angular, que quer unir todos os povos pela fé e pela caridade e que vem para salvar o homem que Ele mesmo formou do limo da terra. É o tempo Emanuel, isto é, do Deus conosco, nosso rei e legislador que vem para nos salvar. É um tempo sublime. É tempo de misericórdia de Deus e tempo de conversão. Aproveitemos, portanto, a vinda do Menino Deus para nos convertermos inteiramente a Ele, para fazermos tudo por Ele, com Ele e Nele. Peçamos a Deus a graça de sermos participantes da vida divina, assim como Ele participou da nossa natureza ao se encarnar.  Não deixemos passar tão grande graça que nos é concedida no tempo do Natal. Alegremo-nos com grande esperança e façamos uma boa confissão, para que essa alegria não seja puramente exterior.

Em nome do Pai e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

O Diabo, Lutero e o Protestantismo - Pe. Júlio Maria - Capítulo 7

CAPÍTULO VII

SANGUE E LAMA
Muito mais lamentável que os períodos anteriores – pois que todo salpicada de sangue e manchada de lama – é esta nova quadra da existência de Lutero, que vamos percorrer.
Até aqui vimos seguindo, passa a passo, o estado de rev9olta, a decadência do mísero transviado, a princípio nos estreitos limites do convento, depois na universidade, afinal, até em Wartburgo e Wittemberg.
Até agora vimo-lo lançando a semente; verifiquemos agora o resultado da sementeira do mal e das instigações por ele feitas contra a Igreja.
O reformador continuou a sua obra de aparente pacificação, mas sob o disfarce da hipocrisia ia firmando a sua tarefa de destruição e de revolta.
Falecera havia pouco o Papa Leão X, sucedendo-lhe no trono Adriano VI, no governo da Igreja.
O novo sucessor de São Pedro, ansioso de paralisar a situação na Alemanha, pensou logo em reunir um Concílio geral, no ano seguinte, em 1523.
As instâncias de Adriano VI não lograram correspondência, devido a desconfiança geral, conseguindo apenas a promessa – não executada – de entredizerem a Lutero novos ataques e reformas, enquanto não se efetuasse a reunião conciliar.
Estas garantias foram pura falsidade, pois Lutero continuou, sem interrupção, a dirigir seus ataques contra a Igreja e, por outra parte, não veio a efetuar-se a celebração do Concílio, por motivo da morte do Papa em 1523.
O seu sucessor, Clemente VII, abandonou o plano que se tornou irrealizável, devido à guerra entre a França e o Imperador.
É nesta atmosfera de dúvidas, de incertezas, de descrédito, que se inaugura a nova época da vida de Lutero, que passamos a ver.

1. A GUERRA DOS CAMPÔNIOS
Já no decurso dos últimos anos, haviam sido registradas várias sublevações dos camponeses; sendo, porém, movimentos locais, foi possível imediatamente reprimi-los.
As insinuações subversivas e os panfletos incendiários de Lutero haviam preparado este movimento revolucionário, generalizando-se o levante em várias províncias da Alemanha.
As pretensões dos sublevados divergiam em seus pormenores.
Os camponeses da Suábia haviam redigido uma proclamação em doze artigos, exigindo para eles o direito de eleger e de depor párocos, difundir publicamente a reforma, obter isenção de vários impostos e exigências partidas do Império.
Outros, dirigidos por Helferich, apresentaram trinta artigos, quase inteiramente colhidos nos livros de Lutero, a ponto de o 18º. Artigo fazer jurar inimizade a todos os que não aderissem ao reformador.
Os camponeses da Renânia exigiram a liberdade para todos os revolucionários detidos pelo governo. A revolta dos Campônios tornou-se deste modo um movimento social-religioso, cuja orientação estava sujeita às idéias e aos impulsos do mestre, que de tudo se inteirava, pelo seu julgamento e beneplácito. O apóstata, jogando com a sorte do país, pressentia ser o momento próprio para aproveitar o descontentamento popular e a hesitação dos governantes, a fim de lançar entre eles a discórdia, e atrair para si as forças em luta.
Por isso, procurou agradar aos partidos, censurando os príncipes diante deles, como bem o demonstra a sua correspondência de então.
A revolta começou no verão de 1524s, em Hegau, e pouco depois se alastrava por diversas partes da Alemanha (Suábia, Alsácia, Palatinato, etc.), ficando apenas poupada a Baviera, graças ao tacto e à energia governamental.
Na primavera de 1525, após ter excitado os camponeses, o reformador os exortou à paz, censurando os 12 artigos, porém a sua palavra, continuadamente em contradição, não teve eco, tanto mais que, ao mesmo tempo, acusava os príncipes de intoleráveis exações, sendo isso um novo motivo de exasperação para os ânimos dos rebeldes.
A luta não cessou, pois, e mais de 1.000 castelos e mosteiros foram arrasados, sendo preciso usar de força armada para deter os rebelados. A reação dos príncipes tornou-se então decidida, e aproximadamente 50.000camponeses caíram vítimas da luta, sob as armas dos rebeldes.
Em seu escrito “contra os bandos rapaces de camponeses”, Lutero exortou os príncipes a matarem dos lavradores COMO CÃES DANADOS. O conselho foi seguido em toda a parte, de modo que a sublevação só foi dominada em 1525, após verdadeiros massacres em massa, sem misericórdia e sem julgamento.
A sua opinião, aliás, sobre os habitantes dos campos não tinha caráter mais favorável. Ouçamo-lo: “Os camponeses não queriam escutar nada; por isso, era preciso abrir-lhes o ouvido com balas de espingarda para que a sua cabeças voassem pelos ares” (Grisar v. Lther vol.l. p.7l5. Ed. 7912).
“Não quero saber nada de misericórdia”, diz ele ainda, “como já escrevi, escrevo ainda: ninguém se deve compadecer dos camponeses teimosos, obcecados, cegos, mas bater neles com cordas, pau e foice, como de faz com cães furiosos.
“Eles são, com certeza, revoltosos, ladrões, assassinos e blasfemadores, de modo que entre eles não há nenhum que não tenha merecido dez vezes a morte sem compaixão.
O senhores compreendem o que está atrás desta populaça; o burro quer pau, e este povo quer ser governado pela força...”
E o furioso hipócrita conclui indicando o motivo da revolta, “o diabo tem em mira” declara ele, destruir a Alemanha inteira, porque não há outro jeito de implantar o Evangelho!”. Faz ainda esta bela apreciação do povo “Os campônios permanecem campônios; faça-se-lhes o que quiser, têm o rosto, o nariz e os olhos tortos” (Schlaginhaufen Leipzig, 1888, p. 125).
Compreende-se que, depois destas mudanças de opinião, os operários perdessem a estima para com aquele que os traiu tão vilmente.
Lutero sentia este desprezo e temia a vingança popular.
Em 1530 não teve coragem de visitar o pai doente e escreveu: “Não quero tentar a Deus, expondo-me ao perigo, pois sabes quanto me desprezaram senhores e camponeses” (Corresp. VII.. 230 a Hans Luther).

2. LUTERO E O POVO
Após estas cenas, algumas entre elas sangrentas e desumanas, percorramos um instante as cartas e os folhetos de Lutero, para ver de perto a infâmia do pretenso reformador excitando o povo contra a autoridade e a autoridade contra o povo, com o fim previsto.
Num sermão ele sugere o modo como deve ser tratado o povo, nestes gentis termos: “Porque Deus deu a lei, e ninguém a observa, ele instituiu, como suplemento, os senhores da vara, os condutores e os castigadores. Assim a Escritura, por semelhança, dá a função dos legisladores: eles devem ser como os homens que conduzem mulas; é necessário constantemente subjugá-las e chicoteá-las; de outra forma não caminharão. Assim também os legisladores são para conduzir, bater, sufocar, queimar, degolar e destruir o vulgo” (Erlangen ed. XV. 2 p.276).
O novo evangelho de Lutero apresenta, em mais de um ponto, uma admirável semelhança com velho paganismo romano.
O reformador era pior que Herodes, na sua reflexão sobre os pobres lavradores chacinados na revolução, pelo destino dos quais ele se tornara duas vezes responsável.
Notáveis historiadores protestantes confessam francamente ter ele sido a causa imediata de revolta feita em nome do novo Evangelho.
Entretanto, não satisfeito com a derrota dos pobre camponeses, ele estimulou os príncipes à matança. Eis o que, anos depois, o sanguinário reformador teve a coragem de exclamar: “Eu, Martinho Lutero, na rebelião, matei todos os burgueses, pois fui eu quem ordenou que eles fossem levados à morte. Todo o seu sangue está sobre a minha cabeça; mas o deixei com Deus, Nosso Senhor, porque ele me ordenou que assim fizesse” (Tischredden Erlangen ed. Vol.69, p.284). É fácil compreender como Lutero, a quem faltava dignidade e brio, moral e ponderação, chegou a extremos tais.
A princípio ele foi favorável aos príncipes em quem depositava esperança de destruir a Igreja católica, impondo à força a sua reforma ao povo, caso esta não a aceitasse de boa vontade.
Quando se viu frustrado em suas esperanças, voltou-se para o povo, pensando que o mesmo efeito poderia ser produzido por um movimento popular.
Este final, porém, foi desastroso e teve com conseqüência a revolta dos lavradores.
Não foi a carnificina e a destruição que o fizeram virar contra o povo, mas a vingança, por não querer aceitar o seu novo Evangelho, como ele o entendia. O povo revoltado preferia seguir o EXEMPLO de Lutero, e não os seus CONSELHO, e queria interpretar por si mesmo as escrituras como o reformador fazia.
É o que causava indignação ao apóstata. Era heresia contra heresia, era o cisma em sua própria doutrina. E isso ele o considerava um crime de morte.
Os príncipes luteranos se viam também agora em perigo. Que seria então da reforma, se o povo os vencesse? ... Lutero ficou frenético de raiva e, voltando-se contra a sua própria classe, pôs todo o seu poder ao lado dos príncipes. Em termos de uma violência diabólica, ele pediu a todos que “abatessem, apunhalassem e matassem os camponeses, publicamente, secretamente e de qualquer modo, como cães danados” (Hussein: O que Lutero ensinou).

3. LUTERO E A AUTORIDADE
Já conhecemos fartamente suas teorias sobre o poder religioso e civil.
Citemos apenas uns curtos trechos de seus escritos a este respeito. Eis palavras suas: “Seria melhor que todos os Bispos fossem mortos, todas as fundações e mosteiros demolidos radicalmente, de preferência à morte de um só crente.. A coisa mais conveniente que lhes podia suceder seria uma poderosa revolução que os varresse da face da terra. E seria somente objeto de alegria, um tal acontecimento” (Weimar ed. Vol.X 2 p.3).
E o revoltoso em linguagem cada vez mais furiosa continua: “Todos aqueles que ajudarem e arriscarem a sua vida, bens e honra, para destruir os bispados e extirpar o regime dos bispos, serão os filhos querido de Deus e verdadeiros cristãos, enquanto os homens que os suportam serão os próprios escravos do demônio” (Weimar p.140)
Não podiam os camponeses interpretar tais palavras senão como uma declaração de GUERRA SNATA e, assim, de fato, as entenderam.
Palavras de paciência eram ditas por Lutero, somente, para serem retratadas no dia seguinte com uma tempestade de invectivas...
Do mesmo modo as autoridades civis eram denunciadas como „PIORES O QUE LADRÕES E VELHACOS” .
“Um saco de vermes” – era como intitulava o imperador, enquanto declarava abolida toda a autoridade contrária ao seu Evangelho, oposta às suas heréticas idéias.

4. CASTIDADE E CASAMENTO
Acabamos de ver a ação exterior de Lutero: é um homem sanguinário.
O que vimos é apenas uma das facetas de sua pessoa.
Lembremos-nos do que ele era no interior, julgando-o, pelas suas próprias palavras, crapuloso, entregue aos prazeres da mesa e da voluptuosidade, como atrás já se disse.
Havia anos que o reformador, em nome de liberdade evangélica, entrara no caminho da libertinagem, abolindo os votos religiosos e convidando monges e monjas a abandonarem os seus conventos, a renegarem os seus votos, especialmente o de castidade, PALAVRA SEM SENTIDO e aspirações sem realidade para o reformador.
Afinal começou a exaltar o matrimônio e a fazer acreditar que a Igreja Católica considera como pecados mortais todas as palavras e ações das pessoas casadas.
Nenhum católico jamais acreditou nesta absurda doutrina, pois em parte alguma a vida conjugal é considerada tão altamente e tida como tão santo e sagrada, como na Igreja Católica.
Apreciando a castidade do estado virginal, como sendo mais excelente e espiritualmente mais desejável do que a vida matrimonial, a Igreja não rebaixa a esta última, mas apenas repete os
ensinamentos positivos de Jesus Cristo e de São Paulo: “Todo aquele que tiver deixado... mulher... por amor de meu nome, receberá o cêntuplo neste mundo e a vida eterna (São Mateus, 19,29).
“Quem dá a sua filha em casamento faz bem; mas quem não a dá faz melhor! (1 Cor. 7, 38).
Vejamos aqui a tríplice mudança que Lutero introduziu no matrimônio. EM PRIMEIRO LUGAR, NA Igreja o Matrimônio é um SACRAMENTO. Lutero tirou-lhe o seu caráter sacramental, secularizando-o inteiramente... dando-lhe menos valor que ao contrato civil hediondo.
Para ele, casar é uma coisa externa, necessariamente, tanto quanto o comer, o beber e o dormir (Erlangen XVI. P.519). Por isso, o reformador tira esta bela conclusão: “Como eu posso comer, beber, dormir, passear, cavalgar, negociar e tratar com um pagão, judeu, turco e herético, assim também posso casar e permanecer como casado” (Erlangen p.205).
EM SEGUNDO LUGAR, Lutero, e não a Igreja, é quem ensinou que o matrimônio era inevitavelmente pecado. Eis a curiosa expressão dele: “A obrigação matrimonial nunca é desempenhada sem pecado” (Weimar vol. XX. 2 p.304)
Este pecado, que ele atribui aos casados, é descrito por ele como “...não diferindo em nada, por sua natureza, do adultério e da fornicação” (Ibd. Vol. VIII p. 304). Para completar o absurdo da sua doutrina, ele acrescenta que o pecado necessariamente cometido pelos casados, nada vale perante a misericórdia de Deus, “Visto ser impossível evitá-lo, embora sejamos obrigados a abstermos dele” (Ibid. p.654).
Parece loquacidade de um bêbado, de um louco a falar sem lógica e sem saber o que diz.
Imaginem: ¨UM PECADO – QUE NÃO SE PODE EVITAR – mas que é, entretanto, proibido!... Só mesmo Lutero para imaginar três contradições tão ridículas e vergonhosas.
EM TERCEIRO LUGAR, Lutero considera o casamento como uma rigorosa obrigação, apoiando-se erradamente sobre a bênção de Deus, no paraíso, que ele interpreta como lei universal: CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS, Palavras dirigidas, por certo, a homens irracionais, mas não como um ORDEM a todo indivíduo em particular e, sim à espécie humana que, pela fecundidade e expansão, devia propagar-se e encher a terra.
Deste modo Lutero criou um novo mandamento, colocando-se em oposição às palavras de N.Senhor e de S. Paulo já citados, que recomendam altamente a virgindade, mas não impõem este estado como preceito.
Numa carta ao Arcebispo Alberto, em 2 de junho de 1525, ele explica assim a sua lei, até então desconhecida: “É uma coisa terrível para um homem achar-se sem mulher na hora da morte. Ele deve ter ao menos a intenção e a resolução de se casar”.
Que horror! Que há de fazer um moribundo? Só se casando na outra vida, apesar da palavra do mestre: “NA RESSURREIÇÃO, NEM OS HOMENS TLERÃO MULHERELS, NEM AS MULHERES TERÃO MARIDOS; MAS SERÃO COMO OS ANJOS DE DEUS NO LLCÉU” (Mateus 22,30).
Lutero continua: “Que resposta dará ele ao Altíssimo Deus, quando este perguntar: “Eu te fiz homem, não para estares só, mas teres mulher. Onde está a tua mulher?”
Eis Lutero reformando a S. Paulo, que disse: “É BOM QUE O HOMEM NÃO TOME MULHER” (1Cor. 7,1).
Ele continua descaradamente a expor suas opiniões casamenteiras, infringindo doas as leis do pudor: “A palavra de Deus e a sua obra são evidentes: a mulher deve ser usada para o matrimônio ou para a luxúria” (Erlangen. Vol. 61, pág. 6)

5. O FEMINISMO DE LUTERO
Eis aqui a lei de Lutero: “Todo o homem deve ter a sua mulher e toda mulher deve ter o seu marido” (Weimar. Vol.20 pág.276)
Ele admite umas exceções, mas estas são feitas por Deus e são ADMIRÁVEIS e ninguém pode pretender a um tal milagre.
Quereis agora saber como Lutero, o reformador enviado pro Deus, no conceito protestante, considera a mulher? Lede o seguinte tópico de uma das suas cartas: “O corpo das mulheres não é forte, e a sua alma é ainda mais fraca, no sentido comum.
Assim lê um assunto sem importância que o Senhor coloque uma selvagem ou civilizada ao nosso lado. A mulher lê meio criança. Aquele que toma uma mulher deveria considerar-se como o guarda de uma criança... ela é semelhante a um ANIMAL CAPRICHOSO (ein tolles tier). Reconhecei a sua fraqueza. Se nem sempre passeia por caminhos direitos, guiai a sua fraqueza. Uma mulher permanece eternamente mulher” (Weimar – Vol. XV. p. 420).
Eis uma pequena amostra de suas idéias neste assunto.
Muitas outras passagens há em seus escritos, porém vergonhosas demais, paras serem citadas em público.
É conhecida a licença dada por Lutero ao Landgrave de Hesse, para ter duas mulheres ao mesmo tempo.
O reformador dá-lhe a licença pedida, exigindo segredo, porque, diz ele, “... a seita protestante é pobre e miserável, e precisa de justos legisladores” (De Wette vol. V – pg. 237).
O direito de possuir muitas mulheres era abertamente pregado por Lutero: “Não é proibido ter o homem mais de uma mulher. Hoje eu não poderia proibir isto” (Erlangen vol. 33 – pág. 324).
“Confesso”, diz ele ainda, “que se um homem deseja casar com muitas mulheres, eu não posso proibir isto, pois não é oposto à S. Escritura” (Ego sane fateor me non posse prohibere, si quis plures uxores velit ducere, nec repugnat sacris litteris) – (De Wette vol. II p. 459).
Com tais princípios a porta da poligamia estava escancarada e cada qual, transpondo-a, podia trilhar o caminho da animalidade.
O Landgrave de Hesse o compreendeu muito bem e melhor ainda o aplicou: “Se é justo em consciência perante Deus”, disse ele, “que me importa o mundo amaldiçoado?”.
O adultério, com o consentimento do marido, é também expressamente sancionado pelo reformador, quando do casamento não resultar família.
A criança, assim gerada, diz ele, deve atribuir-se ao marido legal (Weimar vol II. P. 558).
Conservar uma amásia também é fortemente recomendado àqueles que por votos se devem conformar com a lei do celibato.
O moralista da lama escreve sobre os transgressores das leis matrimoniais: “Deixemos que casem secretamente com a sua cozinheira” (Landerbach: Tagebuch, p. 198)
Aos membros da Ordem Teutônica (cavaleiros seculares) a quem era imposto o celibato pela lei da cavalaria daquele tempo, e que pensavem pedir dispensa desta ao Concílio (o que lhes era permitido, pois eram seculares), ele escreveu assim: “Eu preferia confiar na graça de Deus com relação àquele que tem duas ou três concubinas a confiar em quem possui uma esposa legal com o consentimento do Concílio” (Weimar. Vol. XII p.237)
Quando ao que o apóstata diz da esposa que recusas a sua obrigação, lê vergonhoso citar as palavras do inflame moralista. Ele escreve: “Se a mulher não quiser, deixemos vir a criada. O marido tem somente que deixar ir Vasti e tomar uma Ester, como o rei Assuero” (Ibid. Vol. X.
p.290) “E se a esposa reclamar, o marido deve responder à admoestação: Vá para o diabo” (Ibid. vol III. P. 222).
Passagens tais são abundantes nos escritos do reformador.
Apesar de bastante repelentes, convinha citar estas, para mostrar a verdadeira fisionomia do libertino Lutero, o homem que os protestantes dizem divinamente apontado por Deus para a missão de reformar a Igreja Católica.
Às vezes, de acordo com as necessidades, Lutero tem passagens diametralmente opostas a estas aqui mencionadas; é o resto da sua herança católica. O que está aqui expresso é dele e só dele; é a sua doutrina reformada – é o seu evangelho.
Poderá uma senhora protestante simpatizar com este seu fundador e modelo que trata tão mal e desrespeitada de modo tão claro a fama e o pudor da mulher?...
É simplesmente infamante e horrendo, baixo e vil o conceito de Lutero sobre as mulheres que garante serem todas impuras e pecaminosas (Erleangen vol. II pág. 66).
Pobres protestantes, é para cobrirdes o rosto de pejo, diante de um tal pai...
Suponho que não sois bons protestantes, porquanto, se o fosseis, seguiríeis o exemplo de vosso pai... e não acredito que o façais.
Prefiro supor-vos maus protestantes, para vos poder considerar bons cristãos... homens de fé e pessoas de moral.

6. RAPTORES E RAPTADAS
As idéias do “reformador” sobre o matrimônio nos revelam a podridão moral dele e da sociedade de então em plena decadência e sem freio moral.
Numa atividade furibunda, febril, parecendo excitada pelo próprio demônio, Lutero multiplica pasquins dirigidos a todos, seculares e religiosos, homens e mulheres sem exceção. Leram-nos uns por curiosidade, atraídos pelo tom inflamado do estilo e, outros, por perversidade, a fim de com os maus levar avante a infernal Reforma.
Até mesmo nos conventos as doutrinas perversas penetraram.
Lutero considerava a castidade como um milagre conforme escreveu ao prior de Lichtemberg: “Os votos religiosos”, escreve ele, “são nulos, pois exigem o impossível. A castidade não está em nosso poder, como não está a faculdade de fazer milagres. O homem não pode vencer a inclinação natural ao casamento. Quem quiser ficar solteiro deve depor o título de homem e provar que é um anjo ou um espírito, pois Deus não concede isto a um homem”.
O pobre prior, que por fraqueza sentia imenso desejo de depor o jugo divino, seguiu o conselho de Lutero e afinal se casou.
Tais doutrinas atraíram certas monjas ou falsas freiras que haviam abraçado a vida claustral, sem vocação, por interesse ou por desgosto do mundo, achando elas na doutrina do falso frade um meio de se libertarem de um fardo que não podiam suportar, pois haviam abraçado a vida claustral sem vocação, por interesse ou por desgosto.
Havia em Nimbschen, perto de Grimnia, um convento de Cistercienses, onde imprudentemente as superiores haviam admitido moças mundanas, que ali procuravam antes salientar-se do que santificar-se.
Umas dentre elas entraram em entendimento com Lutero, que as aconselhou a deixarem o convento e a se reunirem perto dele a fim de se casarem.
O reformador organizou um rapto, que confiou a seu amigo Leonardo Koppe, mestre na arte.
Na quarta-feira Santa de 1523, com 16 companheiros, já invadira ele o convento dos franciscanos de Torgan, lançando por cima do muro os religiosos que se haviam oposto e arrancando portas e janelas, porque os franciscanos não aceitaram a reforma, nem a liberdade proposta.
Koppe, sob as ordens de Lutero, preparou para as monjas de Nimbschen uma fuga dramática.
No sábado de Aleluia entrou no convento com um carro coberto, cheio de mercadorias, para a provisão das religiosas.
As monjas rebeldes ficaram de sobreaviso e tomaram as suas providências.
Enquanto descarregavam a carga, 12 monjas sorrateiramente ocuparam o caminhão vago, sem que o resto da comunidade desse pela evasão das luteranizadas, que seguiram para Wittemberg, onde foram acolhidas por várias famílias protestantes.
Lutero intitulou Koppe de “Bem-aventurado ladrão! E o comparou ao Cristo que também, tal um vencedor sublime, havia arrancado o seu reino das garras do príncipe do mundo. O pastor Amsdorf ofereceu logo uma das fugitivas em casamento ao vigário apóstata, dizendo como se se tratasse de coisa qualquer: “Se quiseres uma mais nova, podes escolher entre as mais belas” (Kolde Analecta Lutherana, p. 443)
O que nos dizem os contemporâneos sobre a moralidade destas infelizes egressas às quais se havia pregado a inutilidade das boas obras e a irrestibilidade da concupiscência, é realmente doloroso e humilhante (Leonel Franca: Lutero e o Sr. Fr. Hansen).
Melanchton, referindo-se às relações de Lutero com estas infelizes decaídas, deplorava a sua influência amolecedora, por se capaz de baquear os caracteres de mais rígida têmpera.
Outro luterano, Eoban Esse, afirmava em 1523 que tais apóstatas não se deixavam vencer, em lascívia, por nenhuma cortesã (Nulla Phylles nonnis est nostri mammosior –Epíst. Fam. Morpugi p.87)

7. CATARINA DE BORA
Entre as egressas, saído do convento por influência de Lutero, se achava Catarina de Bora.
“Sem ser uma beldade, diz Grisar, Catarina ambicionava esposar Lutero ou Amsdorf”. Para ilaquear o seu preferido, multiplicou as armadilhas da astúcia feminina.
Pelas referências contemporâneas, os precedentes de Catarina não recomendavam muito sua moralidade.
A 10 de agosto de 1528, Joaquim de Heyden escrevia à própria Catarina, recriminando-lhe o haver entrado em Wittemberg, como uma bailarina, e de aí ter vivido com Lutero, antes do casamento, como uma miserável decaída (Enders Vol. VI p.334).
Em 1523 já estivera em relações amorosas com Jerônimo Baumgastner, que mais tarde (1529) se casou com outra.
No mesmo ano (1523) Cristiano [II], rei da Dinamarca, desterrado, passou por Wittemberg e aí conheceu Catarina, que deste encontro conservou como lembrança significativa o presente de um anel (Koestlin: Luter I. p.728).
Eis os predicado de tal “nobre senhora, digna de todo respeito, pelos seus dotes de espírito e de coração” tal como os protestantes o pretendem.
Vê-se logo, pelos fatos, que Catarina era uma criatura viciada, namoradeira, à cata de casamento, pouco diferindo de uma mulher perdida.
Lutero se deixou “fisgar” por ela. É a palavra de Melanchton.
Qual teria sido a vida e quais as relações de Lutero e de Catarina, antes do casamento?
Pelo que vimos atrás descrito sobre a sua vida e os excessos praticados em Wittemberg, é difícil conjeturá-lo, se bem que a história não o relate, pois são coisas que não se descrevem e que o pouco de vergonha nele ainda existente o impedia divulgar.
Escrevendo a Ruthel, conselheiro de Mansfeld, o reformador disse: “Se puder, a despeito do demônio, ainda hei de casar com Catarina” (De Wette II. p. 655).
Todas as suas liberdades com ela transpareciam em público e davam pasto às murmurações e comentários desfavoráveis. O apóstata resolveu por termo a todos os boatos, pela realidade do fato.
No sermão sobre o matrimônio Lutero havia dito: “Do mesmo modo que não está em meu poder deixar de ser homem, assim também não posso viver sem mulher, e isto me é mais preciso que o comer e beber” Considerando uma necessidade, o reformador quis satisfazê-la, e decidiu tomar por companheira a “sua” Catarina, ex-monja Cisterciense.

8. O “CASAMENTO” DO LUTERO
Lutero seguiu de maneira apressada os conselhos que dava aos outros.
Examinando de perto a história, nota-se claramente que não se tinha casado logo, depois de sair do convento, por medo de desagradar ao seu protetor Frederico de Saxe que manifestara várias vezes repulsa por estas “uniões de ex-monjas com ex-monges”.
Em 5 de maio de 1525 Frederico faleceu... e em 13 de junho ecoou no mundo reformado, como uma novidade inesperada, a notícia do casamento do ex-monge de Wittemberg, “o enviado de Deus, para restabelecer a pureza do Evangelho e da moralidade”...
O concubinato de Lutero foi, para Melanchton, um verdadeiro estampido de raio, tal o escândalo que lhe causou: os outros discípulos do chefe riram-se a valer.
Para o mundo era uma novidade; para Lutero e Catarina era coisa velha...
Na noite de 13 de junho foram realizadas, na casa de Lutero, as formalidades de tal concubinato, pelo pastor, ex-vigário de Wittemberg: Johan Bugenlagen. Poucas testemunhas foram admitidas. Somente puderam entrar Justus Jonas, o pintor Lucas Cranach e esposa, e o professor Dr. Apel. A festa exterior ficou marcada para os primeiros dias de julho.
Eis Lutero e Catarina, ambos ligados pelos votos de castidade, feitos sacrílegos das suas promessas, não podendo casar-se, mas entrando solenemente numa vida de concubinato que duraria até a morte.
Eis as sete principais razões que próprio Lutero aduziu para justificar a sua aliança sacrílega:
1) Fechar a boca dos que o acusavam de relações ilícitas com Catarina;
2) Compadecer-se da pobre monja abandonada;
3) Envergonhar os católicos que pretendiam que o casamento seja antievangélico (segundo Lutero);
4) Seguir o conselho de seu pai, que chamou os seus votos um obra do demônio;
5) Costurar a boca de seus amigos, que zombavam de seu plano de casar-se;
6) Resistir ao ódio do demônio, em conseqüência da guerra dos camponeses, pois estes estavam furiosos contra Lutero, devido às suas atitudes hipócritas;
7) Podemos juntar a isto a expectativa de Lutero segundo o qual brevemente o mundo haveria de acabar, e Deus o encontraria assim casado.
Temos, deste modo, diante de nós um curioso fenômeno psicológico: um candidato à morte e ao casamento.
Eis o que ele escreveu após o concubinato: “Com este casamento, eu me fiz tão covarde e desprezível; espero que os amigo há de rir, e que os diabos hão de chorar. O mundo, com os seus sábios, não reconhece ainda a fervorosa e santa obra de Deus e só para mim a consideram uma obra ímpia e diabólica”.
O amigo de Lutero, Jerônimo Schurf, havia declarado pouco antes do amacebamento: “Se este monge tomar mulher, o mundo inteiro e até o diabo darão gargalhadas” (Annales Evangelii I. p.274).
Erasmo ridicularizou assim o reformador: “Outros terminam tragédias com casamento; aqui é um drama que assim finda.”
Entre os cômicos o barulho acaba igualmente pelo casório, e tudo fica em paz...
Entre os protestantes acontece o mesmo... Lutero deu o exemplo... Ele se torna agora mais calmo e não se exalta mais tanto na pena. Ninguém é tão bravo que a esposa não possa acalmá-lo” (Op. Lugd. Batav. 1703, III Coll. 900 Dec. 1515).
A 13 de maio de 1526, Erasmo teve de dizer o contrário da última frase, declarando estar Lutero mais furibundo do que antes.
Eis como terminavam as façanhas de Lutero e onde terminam as farsas de todos os seus imitadores: os renegados e apóstatas. Todos eles podem repetir a frase de seu pai: carnis meae indomitae uror magnis ignibus, eis que deixei, em troca de uma mulher, a minha dignidade, a minha fé, e vendi a minha alma.
É a história a repetir-se sempre: a mesma corrupção e idêntico remédio.
Quando um infeliz sacerdote, roído no íntimo pelo cancro da impureza, lança ao mundo o seu EUREKA: “Achei a luz...” e publica o seu panfleto “Porque deixei a Igreja Romana”, basta apenas examinar-se atrás da cortina: ali estará oculta a “sua” Catarina.
São apóstatas, porque são libertinos.
Deixam a Igreja que exige a castidade de seus ministros, porque em suas almas entrou o vício da devassidão.
São frutos que caem, por estarem apodrecidos por dentro. São capim inútil, ervas daninhas, que, segundo as expressão protestante de Klaus Harm, foram relegadas, porque, “quando o Papa limpa os seus domínio, joga o que não presta no arraial protestante”.

9. CONCLUSÃO
É tempo de cessarmos a exposição de uma cena tão triste, mais parecida com um quadro de romance imaginário, que com um episodio da vida real.
Tudo o que os adeptos do “pai” do protestantismo escreveram sobre os predicados morais do “grande homem”, não passa de invencionice. Elemento mais perdido e baixo é impossível aparecer.
A pequena amostra acima é o suficiente para demonstrá-lo. E note-se bem nada ter sido aqui inventado, mas baseia-se tudo nos escritos do próprio reformador e de seus contemporâneos que, de certo, não aumentaram, mas restringiram o mais possível o lado vergonhoso dos fatos. Seria este crapuloso homem aquele que Deus destinara para reformador da Igreja Católica?
O verdadeiro retrato de Lutero, o único que a posteridade pode admitir, é o que a nós foi transmitido pela história real e genuína dos fatos.
À vista de tais delitos e baixezas, bem podemos repetir a palavra do divino Mestre: “EX FRUCTIBUS EORUM CONGOSCETIS ILLOS: Pelos seus frutos os conhecereis. Vimos de perto os frutos da reforma: são tristíssimos, mas são dignos rebentos da árvore que Lutero plantou com sua triste rebelião e o exemplo de sua mais deplorável vida.

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 2

MEDITAÇÃO II.

JESUS NASCE MENINO.
Considera que a primeira indicação dada pelo anjo aos pastores para reconhecerem o Messias recém-nascido, foi que o acharam sob a forma duma criança: Achareis um menino envolto em paninhos e reclinado num presépio. A pequenez das crianças é um grande atrativo para os corações; mas esse atrativo deve ser bem maior e poderoso para nós em Jesus, que, sendo Deus infinito, se fez pequeno por nosso amor, como observa S. Agostinho.
Adão apareceu no mundo em estado de homem perfeito; mas o Verbo eterno quis nascer criança: Parvulus natus est nobis; e isso a fim de atrair mais fortemente nossos corações a seu amor. “Assim quis nascer, diz S. Pedro Crisólogo, Aquele que queria ser amado”. Não vem à terra espalhar o terror, mas conquistar o amor; eis porque quer mostrar-se primeiro como uma pobre e tenra criança. O Senhor é grande e infinitamente digno de louvores, exclama S. Bernardo, com o profeta-rei; mas considerando em seguida a Jesus feito uma criancinha no estábulo de Belém, o santo ajunta com ternura: “Esse Deus tão grande, meu soberano Senhor, se fez pequeno para mim, e se tornou excessivamente amável”.
Ah! quem olha com fé um Deus feito menino a chorar e gemer sobre a palha, numa gruta, por amor de nós, como poderia deixar de amá-lo e convidar a todos a amá-lo, como fazia S. Francisco de Assis que dizia: Amemos o Menino de Belém, amemos o Menino de Belém! É uma criança, não fala, só solta vagidos, que são outros tantos gritos de amor com que nos convida a amá-lo e a dar-lhe o nosso coração.
Considera ainda que as crianças ganham o afeto por sua inocência. Todavia todas as outras crianças vêm ao mundo com a mancha do pecado original, ao passo que Jesus nasce em perfeita santidade, sem mancha alguma. O meu Dileto, dizia a Esposa sagrada, é todo rubro de amor e branco de inocência e pureza. Esse celeste Menino constitui as delícias do Padre eterno, porque, como diz S. Gregório, é o único absolutamente puro a seus olhos.
Mas, consolemo-nos, embora sejamos pobres pecadores; esse divino Infante veio do céu para comunicar-nos a sua inocência por sua Paixão. Os seus méritos, se deles soubermos aproveitar-nos, podem mudar-nos de pecadores em santos. Ponhamos pois toda a nossa confiança nos méritos de Jesus Cristo; peçamos sempre por eles ao Pai eterno as graças que desejamos, e tudo nos será concedido.

Afetos e Súplicas.
Pai celeste, eu miserável pecador digno do inferno, nada tenho para oferecer-vos as lágrimas, as penas, o sangue, a morte desse Menino inocente, que é vosso Filho, e peço-vos misericórdia por seus méritos. Se não tivesse esse divino Filho para vo-lo oferecer, estaria perdido, e não haveria mais esperança para mim; mas vós mo destes a fim que, oferecendo-vos os seus méritos, tenha esperança de salvação. Senhor, bem grande foi minha ingratidão, porém maior ainda é a vossa misericórdia. E que maior misericórdia podia eu esperar de vós que de me dardes o vosso próprio Filho por Redentor e como vítima que eu vos pudesse oferecer por meus pecados? Pelo amor de Jesus Cristo, perdoai as minhas ofensas; arrependo-me de to-do o coração de vos haver desgostado, Bondade infinita! E também pelo amor de Jesus dai-me a santa perseverança. Ah! meu Deus, se tornasse a ofender-vos depois que me esperastes com tantas paciência. me aclarastes com tantas luzes, e me perdoastes com tanto amor, não mereceria um inferno cria-do expressamente para mim? Ah! meu Pai, não me abandoneis; tremo ao pensar nas infidelidades de que me tornei culpado para convosco; quantas vezes vos voltei as costas depois de ter prometido amar-vos! Ó meu Criador, não permitais tenha eu a deplorar a desgraça de ver-me de novo privado da vossa graça e separado de vós. Não permitais me separe de vós! não permitais me separe de vós! Repito essa prece e quero repeti-la até o derradeiro suspiro de minha vida; mas dai-me a graça de repeti-la sem cessar Não permitais me separe de vós! Meu Jesus, ó caro Infante, prendei-me a vós pelas cadeias do vosso amor; amo-vos e quero amar-vos eternamente; não permitais me separe jamais de vosso amor.
Amo-vos também, Maria, minha Mãe; dignai-vos amar-me também, e como penhor de amor, obtende-me a graça de não cessar jamais de amar o meu Deus.

25 de dezembro de 2013

Jesus nasce Menino.

Invenietis infantem pannis involutum, et positum in praesepio — “Achareis um menino envolto em panos e colocado numa manjedoura” (Luc. 2, 12).

Sumário. A pequenez das crianças é um grande atrativo de amor, por causa da inocência. Mas atrativo muito mais poderoso nos deve ser a pequenez do Menino Jesus, que, sendo Deus imenso, se fez pequeno para atrair com mais força os nossos corações. Ah! Como será possível contemplar com fé um Deus feito Menino, chorando e gemendo numa gruta, sobre um pouco de palha, e não amá-Lo e não convidar todos a seu amor, como fazia São Francisco de Assis? Amemus puerum de Bethlehem — “Amemos o Menino de Belém”.

I. Considera que o primeiro sinal que o Anjo deu aos pastores para reconhecerem o Messias nascido foi este: que o haviam de achar como menino: invenietis infantem — “achareis um menino”. A pequenez das crianças é um forte atrativo do amor; mas atrativo muito mais forte deve ser para nós a pequenez de Jesus Menino, que, sendo Deus imenso, se fez pequeno para atrair com mais violência os nossos corações. Sic nasci voluit, qui voluit amari. Jesus não veio ao mundo para ser temido, mas para ser amado, e por isso quis mostrar-se na sua primeira vinda como menino tenro e pobre.

Magnus Dominus et laudabilis nimis, dizia São Bernardo — O meu Senhor é grande e por isso digno de todo o louvor, pela sua majestade divina. Mas, contemplando-o depois o Santo, feito pequenino na gruta de Belém, acrescentou com ternura: Parvulus Dominus et amabilis valde. — O meu grande e supremo Deus se fez pequenino por meu amor, e por isso é extremamente amável. — Oh! Quem poderá contemplar com fé um Deus feito menino, chorando e gemendo numa gruta, sobre um pouco de palha, e não O amar, e não convidar todos a seu amor, como os convidava São Francisco de Assis, dizendo: Amemus puerum de Bethlehem — “Amemos o menino de Belém”! Ele é pequenino, não fala, apenas geme: mas, ó Deus, aqueles vagidos são outras tantas vozes pelas quais nos convida a seu amor e nos pede os nossos corações.

Considera que as crianças atraem o afeto pela sua inocência. Todas as crianças, porém, nascem manchadas pelo pecado. Jesus nasce pequenino, mas nasce santo: sanctus, innocens, impollutus (1) — “santo, inocente, impoluto”. “O meu amado”, assim dizia a Esposa dos Cânticos, “é todo rubicundo pelo amor, e todo cândido pela sua inocência, sem mancha de qualquer culpa” — Dilectus meus candidus et rubicundus, electus ex millibus (2). Consolemo-nos, nós pobres pecadores, porque este divino Menino veio do céu para nos comunicar pela sua Paixão a sua inocência. Os seus méritos, contanto que os aproveitemos, podem mudar-nos de pecadores em santos; ponhamos, pois, neles toda a nossa confiança; peçamos por eles todas as graças ao Eterno Pai, e tudo alcançaremos.

II. Ó Pai Eterno, miserável pecador como sou e digno do inferno, nada tenho para Vos oferecer em expiação dos meus pecados. Ofereço-Vos as lágrimas, as penas, o sangue, a morte deste Menino, que é vosso Filho, e Vos peço misericórdia por seus merecimentos. Se não tivesse este divino Menino para Vos oferecer, perdido estaria, não haveria mais esperança para mim. Mas Vós m´o haveis dado, a fim de que, oferecendo-Vos seus merecimentos, possa esperar minha salvação. Senhor, tem sido muito grande minha ingratidão; maior é, porém, a vossa misericórdia. E que maior misericórdia podia esperar de Vós do que me dardes vosso próprio Filho para redentor e vítima de expiação por meus pecados?

Pelo amor, pois, de Jesus Cristo, perdoai-me todas as ofensas que Vos fiz e das quais me arrependo de todo o coração, por Vos ter desagradado a Vós, bondade infinita. Pelo amor de Jesus Cristo Vos peço a santa perseverança. Ah! Deus meu, se Vos ofendesse ainda depois de me haverdes esperado com tanta paciência, esclarecido com tantas luzes e perdoado com tanto amor, não mereceria um inferno feito de propósito só para mim? Ah, meu Pai, não me abandoneis. Tremo ao pensar nas minhas traições. Quantas vezes tenho prometido amar-Vos, e cada vez Vos virei as costas!

Ah! Meu Criador, não permitais que tenha de chorar a desgraça de me ver novamente privado da vossa amizade: Ne permitas me separari a te — “Não permitais me aparte mais de Vós!” Repito-o e quero repeti-lo até o meu último suspiro, e peço-Vos a graça de repeti-lo sempre: Não permitais me aparte mais de Vós! Meu Jesus, ó doce Menino, prendei-me a Vós pelos laços do amor. Amo-Vos e quero sempre amar-Vos. Não permitais me separe mais do vosso amor. — Amo-Vos também, ó minha Mãe Maria; dignai-vos igualmente amar-me. Se me amais, eis aí a graça que me deveis alcançar: a de nunca deixar de amar a meu Deus. (II 365).

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1. Hebr. 7, 26.
2. Cant. 5, 10.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 490-493.)

Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Impleti sunt dies ut pareret (Maria); et peperit filium suum primogenitum — “Completaram-se os dias em que (Maria) devia dar à luz; e deu à luz o seu filho primogênito” (Luc. 2, 6).

Sumário. Imaginemos ver a Jesus já nascido na gruta de Belém, e ouvir os anjos cantar glória a Deus e paz aos homens de boa vontade. Quais devem ter sido os sentimentos que então se despertaram no coração de Maria, ao ver o Verbo divino feito seu filho! Qual a devoção e ternura de São José ao apertar contra o coração o santo Menino! Unamos os nossos afetos com os desses grandes personagens.

I. Quando Maria Santíssima entrou na gruta, pôs-se logo em oração. De súbito vê uma refulgente luz, sente no coração um gozo celestial, abaixa os olhos, e, ó Deus! que vê? Vê já diante de si o Menino Jesus, tão belo e tão amável, que enleva os corações. Mas treme e chora; segundo a revelação feita a Santa Brígida, estende as mãozinhas para dar a entender que deseja que Maria o tome nos braços. Maria, no auge de santa alegria, chama José. — Vem, ó José, disse ela, vem e vê, pois já nasceu o Filho de Deus. Aproxima-se José, e vendo Jesus nascido, adora-O por entre uma torrente de doces lágrimas.

Em seguida, a santa Virgem, movida de compaixão maternal, levanta com respeito o amado Filho, e conforme a já citada revelação, faz por aquecê-Lo com o calor de seu rosto e do seu peito. Tendo-O no colo, adora o divino Menino como seu Deus, beija-Lhe os pés como a seu Rei, e beija-Lhe o rosto como a seu Filho e procura depressa cobri-Lo e envolvê-Lo nas mantilhas. Mas ai, como são ásperos e grosseiros os paninhos! Além disso, são frios e úmidos, e naquela gruta não há lume para, aquentá-los.

Consideremos aqui os sentimentos que surgiram no coração de Maria, quando viu o Verbo divino reduzido por amor dos homens a tão extrema pobreza. Contemplemos a devoção e a ternura que ela experimentou quando apertava o Filho de Deus, já feito seu filho, contra o coração. Unamos os nossos afetos aos de tão boa Mãe e roguemos a Deus Pai “que o novo nascimento do seu Unigênito feito homem, nos livre do antigo cativeiro, em que nos tem o jugo do pecado” (1) .

II. Jesus nasceu! Vinde, ó reis, príncipes e todos os homens da terra, vinde adorar o vosso Rei. Mas quem é que se apresenta? ... Ah! o Filho de Deus veio ao mundo, e o mundo não o quis conhecer.

Porém, se não vêm os homens, vêm ao menos os anjos adorar o seu Senhor, e cantam jubilosos: Gloria in altissimis Deo, et in terra pax hominibus bonae voluntatis (2) — “Gloria a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens de boa vontade”. Glória à divina Misericórdia, que, em vez de castigar os homens rebeldes, fez o próprio Deus tomar o castigo sobre si, e assim os salvou.  Glória à divina Sabedoria, que achou meio de satisfazer à Justiça, e ao mesmo tempo, de livrar o homem da morte merecida. Glória ao divino Poder, que de um modo tão admirável venceu as forças do inferno.  Glória finalmente ao divino Amor, que induziu um Deus a fazer-se homem e a levar uma vida tão pobre, humilde e penosa. Meu irmão, unamos as nossas adorações às dos anjos e digamos com a nossa santa Madre Igreja:

Gloria in excelsis Deo! Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens de boa vontade. Nós Vos louvamos, Vos bendizemos, Vos adoramos, Vos glorificamos. Graças Vos damos por vossa grande glória, Senhor Deus, Rei do céu, Deus Pai todo-poderoso. Ó Senhor, Filho unigênito de Deus, Jesus Cristo, Senhor Deus, Cordeiro de Deus, Filho do Pai: Vós, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós. Vós, que tirais os pecados do mundo, aceitai as nossas súplicas. Vós, que estais sentado à mão direita do Pai, tende piedade de nós. Porque só Vós, ó Jesus Cristo, sois Santo, só Vós o Senhor, só Vós o Altíssimo, com o Santo Espírito, na glória de Deus Pai. Assim seja”. (3) (*III 728)

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1. Or. festi.
2. Luc. 2, 14.
3. Miss. Rom.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 79-81.)

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 1

MEDITAÇÕES PARA A OITAVA DE NATAL E OS DIAS SEGUINTES ATÉ A EPIFANIA.

MEDITAÇÃO I.

DO NASCIMENTO DE JESUS.
O nascimento de Jesus Cristo foi motivo de alegria para todo o mundo. Ele era o Redentor esperado há tantos anos e o objeto de tantos suspiros que foi chamado o “Desejado das nações” e o “Desejo das colinas eternas”. Eis que veio; nasceu numa pequena gruta. Imaginemos que o anjo nos anuncia hoje esse grande motivo de júbilo que anunciou aos pastores de Belém: Eis que vos anuncio uma grande alegria que será partilhada por todo o povo, pois nasceu-vos hoje o Salvador.
Que festa num reino por ocasião do nascimento do primeiro filho do rei! Devemos porém regozijar-nos ainda mais vendo nascer o Filho de Deus, que premido pelas entranhas de sua misericórdia, do céu veio visitar-nos. Estávamos perdidos, e eis que ele veio ao mundo para salvar-nos. Eis o pastor que veio salvar suas ovelhas da morte, dando sua vida por seu amor. Eu sou o bom Pastor, diz ele, o bom Pastor dá sua vida por suas ovelhas. Eis o Cordeiro de Deus que veio imolar-se para nos obter a graça divina, e para ser o nosso libertador, a nossa vi-da, a nossa luz, e até nosso alimento no Santíssimo Sacramento.
Segundo S. Máximo, um dos motivos pelos quais Jesus quis, nascendo, ser colocado num presépio, onde os animais tomam seu alimento, foi dar-nos a entender que se fez homem não só para salvar-nos, mas também para ser o nosso alimento. Ainda mais, nasce todos os dias na Missa entre as mãos do sacerdote pela consagração: o altar é o presépio onde nos saciamos de sua carne divina. Há pessoas que desejariam receber em seus braços o santo Infante, como o santo velho Simeão; ora, a fé nos ensina que quando comungamos temos não só nos braços, mas no coração esse mesmo Jesus que estava no presépio de Belém. Nasceu precisamente para dar-se inteiramente a nós: Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho.

Afetos e Súplicas.
Andei errante, como ovelha, que se desgarrou; busca o teu servo. Senhor, sou essa pobre ovelha que, para seguir seus gostos e caprichos, se perdeu miseravelmente; mas vós, Pastor e Cordeiro divino, viestes do céu para salvar-me imolando-vos sobre a cruz como vítima de expiação por meus pecados: Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira o pecado. Se quero pois corrigir-me, que tenho a temer? não devo confiar inteiramente em vós que nascestes justamente para salvar-me? Eis que
Deus é meu Salvador; agirei com confiança e nada temereis. E que maior prova de misericórdia poderíeis dar-me, meu doce Redentor, para obrigar-me a confiar em vós, do que o terdes-vos dado a mim? Ó caro Menino, quanto sinto ter-vos ofendido! Eu vos fiz chorar no estábulo de Belém, mas, sabendo que vi-estes para me buscar, lanço-me aos vossos pés; e embora vos veja tão aflito e humilhado nesse presépio em que repousais sobre palha, reconheço-vos por meu Rei e meu soberano Se-nhor. Ouço os vossos ternos vagidos, que me convidam a a-mar-vos, e me pedem o coração; ei-lo, Jesus, estou agora aos vossos pés para vo-lo oferecer; transformai-o e inflamai-o, já que viestes ao mundo para abrasar os corações de vosso santo amor. Ouço-vos dizer-me do presépio: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração; e eu respondo: Ah! meu Jesus, se não amo a vós que sois meu Senhor e meu Deus, a quem a-marei então? Vós vos declarais minha propriedade pois que nasceis para vos dar todo a mim; e eu recusaria ser vosso? Não, meu amado Senhor, dou-me todo a vós, e amo-vos de todo o meu coração. Sim, amo-vos, amo-vos, amo-vos, ó Bem supremo, único amor de minha alma! Por favor, recebei-me hoje, e não permitais eu cesse jamais de amar-vos.
Ó Maria, minha Soberana, eu vos conjuro pela alegria de que fostes inundada a primeira vez que os vossos olhos viram vosso divino Filho em seu nascimento e os vossos braços o apertaram contra o vosso seio materno, pedi-lhe aceite a oferta que lhe faço de mim mesmo, e me prenda a ele para sempre pelo dom de seu santo amor.