22 de fevereiro de 2020

A ALMA DE TODO APOSTOLADO
J. B. Chautard

4 - Vida interior e vida ativa mutuamente se reclamam

Parte 1/2

Como o amor de Deus se revela pelos atos da vida interior, assim o amor do próximo se manifesta pelas operações da vida exterior; portanto, não podendo o amor de Deus separar-se do amor do próximo, resulta daí que essas duas formas de vida não podem também, de maneira alguma, subsistir uma sem a outra.
De igual sorte, diz Suárez, não pode existir estado correta e normalmente ordenado para chegar à perfeição, sem que participe em certa medida da ação e da contemplação.
O ilustre jesuíta limita-se a comentar o ensinamento de São Tomás. Aqueles que são chamados às obras da vida ativa, diz o Doutor angélico, erram se julgam que este dever os dispensa da vida contemplativa. Tal dever é um acréscimo desta vida e não lhe diminui a intensidade. Destarte, as duas vidas, longe de se excluir, reclamam-se, supõem-se, misturam-se, completam-se mutuamente; e, se de qualquer das duas se deve fazer um quinhão mais considerável, é por sem dúvida da vida contemplativa, a mais perfeita e a mais necessária.
A ação, para ser fecunda, carece de contemplação; quando esta atinge certo grau de intensidade, difunde sobre a primeira algum tanto do seu excedente e, por meio dela, a alma vai haurir diretamente no coração de Deus as graças que a ação se encarrega de distribuir.
Por isso é que, fundindo-se, na alma de um santo, a ação e a contemplação, em harmonia perfeita, ambas dão à vida dele unidade maravilhosa. Tal, por exemplo, São Bernardo, o homem mais contemplativo e ao mesmo tempo mais ativo do seu século, e de quem faz esta admirável pintura um dos seus contemporâneos: a contemplação e a ação harmonizavam-se nele a ponto tal que este santo a um tempo parecia inteiramente dedicado às obras exteriores e inteiramente absorvido na presença e no amor do seu Deus. Comentando este texto da Sagrada Escritura: Pone me ut signáculum super cor tuum, ut signáculum super bráchium tuum, o padre Saint-Jure descreve admiravelmente as mútuas relações entre as duas vidas. Vamos resumir as suas reflexões:
O coração significa a vida interior contemplativa. O braço, a vida exterior, ativa.
O texto sagrado fala do coração e do braço para mostrar que as duas vidas se podem aliar e harmonizar perfeitamente na mesma.
O coração é indicado em primeiro lugar, porque é um órgão sobremaneira mais nobre e necessário que o braço. Da mesma forma, a contemplação é muito mais excelente e mais perfeita e merece muito mais estima que a ação.
Dia e noite, o coração palpita. Um só instante que este órgão essencial parasse, logo a morte sobreviria. O braço, parte apenas integrante do corpo humano, esse somente se move por intervalos. Do mesmo  modo, devemos algumas vezes dar tréguas a nossos trabalhos exteriores; mas, ao invés, nunca devemos afrouxar na nossa aplicação às coisas espirituais.
O coração dá vida e força ao braço por meio do sangue que lhe envia e, sem este, o braço se dessecaria. Da mesma forma, a vida contemplativa, vida de união a Deus, graças às luzes e à perpétua assistência que a alma recebe desta intimidade, vivifica as ocupações exteriores; só ela é capaz de lhes comunicar simultaneamente o caráter sobrenatural e a real utilidade. Sem ela, tudo fica entanguido, estéril, cheio de imperfeições.

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