6 de junho de 2010

Essência do Santo Sacrifício da Missa - Explicação da Santa Missa

O texto a seguir já foi publicado anteriormente em nosso Blog. Estamos agrupando o mesmo, visando facilitar a leitura e cópia do mesmo.

Fonte: Lista “Tradição Católica”
Padre Martinho de Cochen (1630-1712)
Publicado no http://www.missaest.hpg.com.br/

I. DA ESSÊNCIA DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
Na língua sagrada de nossa mãe, a Santa Igreja católica, no latim, a Santa Missa é designada pelo nome de "sacrificium", sacrifício.
"Um sacrifício é um dom visível, oferecido, exclusivamente, a Deus, por um ministro sagrado, para reconhecer a soberania do Altíssimo sobre todas as coisas".
O sacrifício, portanto, é um culto devido, exclusiva e unicamente, a Deus. A nenhuma criatura, por mais elevada que seja, compete jamais um sacrifício.
Diz Santo Agostinho: "Quem pensaria jamais, que se pudesse oferecer sacrifício, senão ao Deus único e verdadeiro?"
Somente à idolatria insana dos Imperadores romanos ficou reservada a presunção sacrílega de exigir, dos súditos desditosos, sacrifícios de diversas formas.
Indagando a origem do sacrifício, que encontramos entre os povos, sem exceção devemos confessar, com S. Tomás de Aquino, que é uma lei natural oferecer sacrifícios a Deus, e, por este motivo, é que o homem se sente levado a sacrificar, sem insinuação ou conselho de alguém.
Com efeito, Caim e Abel, Noé e Abraão, como outros patriarcas, profetas e reis do antigo testamento ofereceram a Deus sacrifícios espontaneamente.
Porém não só os que conservaram a fé no Deus verdadeiro, mas também os povos que apostataram desta fé, os pobres pagãos, ofereceram sacrifícios a seus ídolos. Pois, o sacrifício, como a religião, da qual é a mais elevada manifestação, é, realmente, uma necessidade da natureza humana, e, por isso, encontramo-lo entre todos os povos de todos os tempos.
Por conveniência imperiosa, Jesus Cristo cuidou de deixar na sua religião, divinamente perfeita, uma forma de sacrifício, como jamais houve entre povo algum; e essa forma de sacrifício é a Santa Missa.
A respeito, ensina o Santo Concílio de Trento: "Segundo o testemunho de S. Paulo Apóstolo, o sacerdócio levítico do antigo testamento não atingiu a perfeição. Assim, desde a origem do mundo, o Deus da Misericórdia determinara, que surgisse um sacerdote podendo aperfeiçoar e completar o sacrifício. Esse sacerdote era Jesus Cristo, Nosso Senhor que, depois de se ter oferecido a seu Pai sobre o altar da cruz, não queria deixar extinto o seu sacrifício, e, na véspera de sua morte, deu a sua esposa mística estremecida, a Santa Igreja, um sacrifício visível, segundo as exigências da natureza humana."
Este sacrifício devia perpetuar o Sacrifício cruento que Jesus Cristo ia oferecer sobre a Cruz; devia perpetuar-lhe a memória até o fim dos tempos e, por sua virtude salutar, nossos pecados quotidianos deviam ser perdoados. Deste modo, Jesus Cristo declarou-se sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, oferecendo a seu eterno Pai seu Corpo e seu Sangue, sob as aparências de pão e vinho, que deu a seus apóstolos também sob as mesmas espécies, instituindo-os sacerdotes do novo Testamento. E, dizendo as palavras: "Fazei isto em memória de mim", ordenou-lhes e aos seus sucessores no sacerdócio, que os oferecessem em sacrifício.
A Santa Igreja nos ensina que, na última Ceia, Jesus Cristo não só mudou o pão e o vinho em seu Corpo e em seu Sangue, mas também ofereceu-os a Deus, seu Pai, e instituiu e ofereceu pessoalmente o Sacrifício do novo Testamento, a fim de que se reconhecesse, nele, este sacerdote de que canta o salmista: "O Senhor jurou e não se arrependerá de seu juramento. És sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec" (Sl. 109, 4). Muito contrário ao costume de sua época, Melquisedec não imolava animais como faziam Abraão e outros patriarcas, mas, por inspiração do Espírito Santo, levantava o pão e o vinho para o céu e oferecia-os por meio de cerimônias e orações especiais. Assim tornou-se a figura de Jesus Cristo, e seu Sacrifício é o símbolo da nova Lei. Como tudo que se relaciona com a pessoa do salvador foi objeto de admiráveis profecias, desde os dias do paraíso até os últimos tempos do antigo testamento, também o sacrifício que havia de coroar e perpetuar a obra redentora na cruz, foi predito séculos antes. Escreve o profeta Malaquias: "Minha afeição não está mais em vós, diz o Senhor dos exércitos, e nunca mais receberei ofertas de vossas mãos, porque, desde o oriente até o ocidente, meu nome é grande entre as nações e, em toda parte, se sacrifica e oferece uma oblação pura".
Esta profecia não se realizou no antigo testamento, como se vê no próprio texto, pois o próprio Deus declara rejeitar os antigos sacrifícios.
Tão pouco a profecia se refere ao sacrifício da cruz, porque esse sacrifício foi oferecido somente uma vez e em um lugar.
É de um sacrifício novo e puro em que Deus tem as complacências, que o profeta fala. Esse sacrifício, infinitamente puro, não pode ser outro senão o sacrifício da Missa. Desde o momento de sua instituição no cenáculo, crêem e confessam isto os apóstolos, os evangelistas, todos os primeiros cristãos, e assim ainda crê e confessa a Igreja católica universalmente, tanto quanto as igrejas cismáticas orientais.
De acordo com o evangelista S. Lucas, a Santa Igreja ensina: "Na véspera de sua morte, Jesus Cristo tomou o pão e, rendendo graças a Deus, partiu-o e deu aos discípulos, dizendo: "Isto é o meu Corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim". Da mesma forma, tomou o cálice depois da ceia, dizendo: "Este cálice é o novo Testamento em meu Sangue, que será derramado por vós." (Lc. 22, 19-29).
Ponderemos bem o que diz e faz o Senhor: Muda o pão em seu Corpo, e o vinho em seu Sangue; e por esta separação mística de seu Corpo e de seu Sangue, constituiu-se em holocausto. As palavras que acompanham a transubstanciação, indicam o sacrifício. "Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós, isto é o meu Sangue, que será derramado por vós". Ainda que se quisesse aplicar estas duas palavras "entregar" e "derramar" ao Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo afirma, claramente, que estas duas ações se realizam na Ceia, e assim afirma também que houve aí sacrifício.
Se os adversários pretendem desvalorizar este ensino de nossa Santa Igreja, dando outras explicações torcidas e infundadas, como é que explicarão as palavras claras de S. Paulo Apóstolo, quando escreve aos Hebreus:
"Temos um altar, e uma vítima da qual os que prestam serviços ao Tabernáculo, (isto é, os judeus) não têm o direito de comer" (Hb. 13, 10). Ora, não poderia existir altar sem oblação, e a palavra "comer" indica, claramente, que não se trata do sacrifício da Cruz, mas de um sacrifício (comestível) nutriente, tal qual Jesus Cristo o instituiu na Ceia.
Lemos também, na vida do apóstolo S. Mateus, que foi morto no altar, quando celebrava os santos mistérios. Na vida de Santo André, refere-se que ele disse ao juiz Egéias: "Ofereço em sacrifício, diariamente, a Deus todo-poderoso, não a carne de touros, nem o sangue dos animais, mas o Cordeiro Imaculado".
É atribuída ainda a S. Tiago e a S. Marcos uma liturgia da Santa Missa. Enfim, atribui-se também a S. Pedro o "Cânon", isto é, a parte da Santa Missa que vai do "Sanctus" até a Comunhão.
Tantos testemunhos provam que o Santo Sacrifício do novo Testamento esteve, desde o começo, em uso na Igreja.
O fato de não se encontrar a palavra "Missa" nas sagradas letras, não pode servir de argumento contra a doutrina da Igreja. A palavra "Trindade" também não se encontra; e, não obstante, os adversários aceitam-na. Mas, em 142, encontramos a palavra Missa tal qual a empregamos. O Papa Pio I faz uso da palavra de maneira que evidencia que o termo era geralmente, adotado e conhecido. Daí em diante, a palavra Missa não desaparece mais dos escritos dos santos Padres e mais escritores da Igreja católica.
A Igreja grega emprega nomes de significação idêntica. Falam, por exemplo, da mesa ou do altar do Senhor, ceia, oferta. Em vista disso, que valem os ataques dos hereges?
Os ataques violentos promovidos, em diversas épocas, contra a Santa Missa, testemunham-lhes à santidade e importância como também o ódio com que o demônio a persegue.
No curso dos dez primeiros séculos, quando numerosos hereges afligiam a Santa Igreja, nenhum deles ousou atacá-la. Era preciso, para isto, um alto grau de perversidade, uma audácia verdadeiramente infernal.
Isto só aconteceu no décimo primeiro século pelo herege Berengar de Cours. Porém, mal havia disseminado as blasfêmias, o orbe católico recuou de espanto e clamou-lhe indignado: "Tornai-vos uma pedra de escândalo para os fiéis, separai-vos de nossa Mãe, a Santa Igreja, pois perturbais a unidade dos cristãos". Berengar, depois de anatematizado por mais de cindo Concílios, por um milagre da misericórdia divina, abjurou os erros, fez penitência, e morreu em 1088, confessando a doutrina verdadeira.
Infelizmente, a heresia sobreviveu-lhe, sendo pregada, alguns anos depois, pelos albigenses, seita perversa que declarava, entre outros erros, o matrimônio como ilícito, e permitia a impureza. Em particular, atacava a Missa privada, vulgarmente chamada Missa-rezada. Aos que assistiam a essas Missas, perseguiam com penas horrorosas e, mais ainda, aos Padres que tinham a coragem de celebrar os santos mistérios.
Após os albigenses, os inimigos mais encarniçados da Santa Missa foram os reformadores do século décimo sexto. O próprio Lutero confessa, no livro "contra a missa", cap. XIX, ter sido impelido por Satanás a abolir a Santa Missa como um ato de idolatria, e que fez sabendo, perfeitamente, que o demônio odiava todo o bem e que seus ensinos eram mentirosos.
Se as trevas infernais não tivessem invadido, inteiramente, toda a inteligência de Lutero, não teria antes raciocinado assim: se Satanás considera a Santa Missa como um ato de idolatria, para que procura abolí-la, em vez de louvá-la e propagá-la, a fim de insultar mais cruelmente o Altíssimo?
Ora, Satanás privou o Santo Sacrifício da Missa a todas as seitas luteranas, causando-lhes tão profundo ódio contra este santo mistério, que vomitaram a espantosa blasfêmia: "A Missa é uma abominável idolatria... aí renuncia-se o sacrifício cruento de Cristo!" Assim se exprime o catecismo dos calvinistas de Heidelberg.
Pobres insensatos! Neste caso, como podem admitir que uma alma se tenha salvo desde Jesus Cristo? Todos os apóstolos, todos os sacerdotes têm celebrado o Santo Sacrifício da Missa, os mártires, os confessores assistiram-no com terna devoção. Acusarão todo este exército de Cristo de idolatria, e, por conseguinte, digno do inferno? O simples bom senso a isso se opõe.
Ah, mais suave é ouvir S. Fulgêncio dizer: "Creio, sem dúvida alguma, que o Filho único de Deus, feito homem por nós, ofereceu-se em sacrifício a Deus Altíssimo, a quem a Igreja católica oferece, sem cessar, na fé e na caridade, o Sacrifício do pão e do vinho".
Tomemos cuidado para não nos acontecer o que aconteceu aos hereges, a quem Satanás tirou a Santa Missa. Não podendo privar-nos inteiramente dela, esforça-se, pelo menos, para cegar-nos sobre o valor infinito do Santo Sacrifício a fim de que, apreciando-o pouco, deixemos de assisti-lo, ou não tiremos os abundantes frutos de graças que poderíamos colher.

II. EXCELÊNCIA DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
A excelência da Santa Missa é tão grande, que os próprios Serafins não podem compreende-la perfeitamente. Experimentemos, entretanto, investigar os ensinamentos da Igreja a este respeito.
São Francisco de Sales diz: "O santíssimo Sacrifício do altar é, entre os exercícios da religião, como o sol entre os astros, porque é verdadeiramente a alma da piedade e o centro da religião cristã, ao qual todos os seus mistérios e todas as suas leis se relacionam; é o mistério inefável da divina caridade, pelo qual Jesus Cristo, dando-se realmente a nós, cumula-nos com suas graças de maneira igualmente amável e magnificente" (Introdução à vida devota).
O sábio Osório julga a Santa Missa acima de todos os outros mistérios da nossa religião: "Entre todos os atos da Igreja, o Santo Sacrifício da Missa é o mais augusto e mais precioso, porque o Santíssimo Sacramento do altar é aí consagrado e oferecido a Deus". E Fornerus de Bamberg acrescenta: "Se bem que todos os Sacramentos estejam cheios de majestade, a Santa Missa excede-os; aqueles são vasos que contêm a divina misericórdia para os vivos, esta é um oceano inesgotável de liberalidade divina pelos vivos e pelos mortos".
Vejamos agora em que se manifesta a excelência da Santa Missa.
Em primeiro lugar, manifesta-se, no cerimonial pomposo da bênção solene ou consagração de uma igreja, ou dum altar pelo Bispo. Longo demais seria narrar aqui toda a cerimônia - aliás rara entre nós, devido a diversas razões; mas é certo que a consagração das igrejas é uma cerimônia tão tocante e insinuante, que facilmente dela se deduz que, das nossas igrejas, muito mais que do templo de Jerusalém, valem as palavras do profeta Isaías: "Conduzi-los-ei à montanha santa, enchê-los-ei de alegria, à invocação de meu nome; a vítima que me oferecerem há de me ser agradável, porque minha casa será chamada por todos os povos, casa de oração".
Desta palavra fez menção Jesus Cristo, quando, cheio de santa indignação, expulsou do templo de Jerusalém os que o violavam pelos negócios gananciosos. Lembremo-nos, também, desta mesma palavra para, cheios de santa fé e religioso respeito, entrarmos em nossas igrejas para adorarmos a Jesus Cristo, corporal e essencialmente, presente no santo altar. Conservemo-nos alheios do costume altamente censurável de fazer dos templos sagrados lugares de conversas e, quiçá, de faltas mais graves.
Em segundo lugar, a excelência da santa Missa nos é demonstrada pelo rito solene da ordenação dos ministros do altar, mormente dos sacerdotes. Dispensamo-nos ainda de expor longamente a administração do santo sacramento da ordem, do sacerdócio, para não se avolumar demais este livro. Quem já teve ensejo de assistir à ordenação de neopresbíteros, não terá deixado de experimentar singular impressão, sentindo a grandeza oculta do ato, seu efeito duradouro do estado sacerdotal e de seu fim elevado de oferecer o santo sacrifício da Missa.
Ainda poderíamos referir-nos aos objetos que servem à celebração da santa Missa e dar outras tantas provas da excelência do mesmo sacrifício da Missa, pois a grande e rigorosa diligência de nossa santa Igreja se inspira na compreensão e estima que tem daquilo que se passa no santo altar. Inspiremo-nos nesta diligência, para assistirmos sempre com rigorosa atenção a tão grande mistério.
Até a língua empregada no sacrossanto sacrifício da Missa, a Igreja faz compreender que no altar se efetua algo de superior ao comum. Não se usa a língua vulgar - mas a língua sagrada da Madre Igreja. Houve quem ousasse censurar o uso do latim na Missa, - mas entendamos bem: A santa Missa não é uma instrução, mas um grande mistério. O sacerdote não celebra para ensinar, mas para santificar-se e ao povo. Para tomarmos parte na santa Missa, não é preciso compreendermos as palavras, basta e cumpre unirmo-nos, afetuosamente, ao que se passa no altar. No emprego da língua latina no santo sacrifício, temos ainda um valioso símbolo da unidade da Igreja: Uma só Igreja, um só sacrifício, uma só língua em todo o mundo no altar.
Passemos agora à prova mais evidente da excelência da santa Missa, que consiste em demonstrar quem é a pessoa do sacrificador, e qual a oferta na santa Missa.
Quem é o sacrificador? - o sacerdote? o Bispo? o Papa? - Não. - Será um Anjo do céu? um Santo? a própria Mãe de Deus, Maria Santíssima? - Oh, não. É o sacerdote dos sacerdotes, o Bispo dos Bispos, o Filho de Deus, Jesus Cristo, "o sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec".
É ele quem dá à santa Missa a excelência incomparável; é ele quem eleva a oferta do pão e do vinho a um sacrifício divino.
Que Jesus Cristo é o sacerdote na santa Missa, prová-lo-emos com estas palavras de S. João Crisóstomo: "O mesmo Jesus Cristo que nos preparou, na última Ceia, esta mesa sagrada, está aqui para abastece-la; pois não é o homem que muda o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Nosso Senhor, mas sim Jesus Cristo que, por nós, foi crucificado".
Com estas palavras S. Crisóstomo prova que Jesus Cristo cumpre, pessoalmente, a parte essencial da santa Missa; que desce do céu, muda em seu Corpo e Sangue, o pão e o vinho, oferecendo-se, em holocausto, a seu Pai pela salvação do mundo, e ora, como fiel mediador, pelos pecados do povo. Os sacerdotes são apenas seus instrumentos: emprestam-lhe a boca, a língua, as mãos para a realização do divino Sacrifício.
Se alguém recusar crer no testemunho de S. Crisóstomo, eis a decisão do grande Concílio de Trento: "O Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa são um só e mesmo sacrifício, porque aquele que se imolou sobre a Cruz, de maneira cruenta, é o mesmo que se imola na santa Missa, de modo incruento, pelo ministério dos sacerdotes".
É pois, doutrina da santa Igreja, que os sacerdotes são simplesmente os servos de Jesus Cristo e que Nosso Senhor se oferece, no altar, tão verdadeiramente como se ofereceu sobre o patíbulo da Cruz.
Que honra! que graça! que inestimável benefício! O divino Salvador digna-se de fazer-se nosso sacerdote, nosso mediador, nosso advogado!
Eis o que também refere S. Paulo em sua Epístola aos Hebreus: "Era justo que tivéssemos um pontífice como este: santo, inocente, sem mancha, segregado dos pecadores, e mais elevado que os céus, que não fosse obrigado, como os outros pontífices, a oferecer vítimas, todos os dias, primeiramente pelos próprios pecados e, em seguida, pelos pecados do povo. A lei antiga estabeleceu, para pontífices, homens fracos, mas a palavra de Deus, confirmada pelo juramento que fez depois da lei, constituiu pontífice o Filho, que é santo e perfeito eternamente" (Heb. 7, 26-28).
Não são estas magníficas palavras do Apóstolo uma prova de quanto Deus nos estima, visto que nos deu, por sacerdote e mediador, não um homem frágil e pecador, mas seu Filho único, a própria santidade?
Consideremos, agora, por que Jesus Cristo não quis confiar seu sacrifício a homem nenhum. A principal razão foi porque este sacrifício devia ser puríssimo como o profeta Malaquias o havia anunciado.
Em todo lugar, sacrifica-se e oferece-se ao meu nome uma oblação pura. Foi por esta razão que Deus reservou o nome a função de sacerdote a seu Filho único, ao sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec.
Deste modo, o sacerdote celebrante não é propriamente falando, o sacrificador, porém apenas o servo do grande sacerdote Jesus Cristo.
Segue-se daí, que toda Missa é de um valor infinito, pois é celebrada pelo próprio Jesus Cristo, com uma devoção, um respeito, um amor acima do entendimento dos Anjos e dos homens. O mesmo Jesus Cristo revelou esta verdade à Santa Matilde: "Só Eu, disse, compreendo, perfeitamente, de que forma me imolo, todos os dias, sobre o altar pela salvação dos fiéis; os Querubins e os Serafins, nenhuma Potestade celeste, saberiam compreende-la inteiramente" (Revelações, I, 19). Oh meu Jesus! que impenetrável mistério e que felicidade para nós, pobres pecadores, sermos admitidos à santa Missa, onde efetuais essa salutar oblação!
Caro leitor, considera bem estas palavras e quanto te é vantajoso assistir à santa Missa, em que Nosso Senhor se oferece por ti; faz-se o mediador entre tua culpabilidade e a justiça divina, e retém o castigo que merecem, cada dia, os teus pecados. Oh, se abrisses bem os olhos a esta verdade, como amarias a santa Missa; como suspirarias pela felicidade de assisti-la. Como a ouvirias devotamente. Como te lastimarias por faltar a uma só! Para poupar um tal prejuízo a tua alma, suportarias, de boa vontade, qualquer dano temporal. Os primeiros cristãos nos deixaram disto o exemplo: preferiram perder a vida a deixar de assistir à santa Missa.
Já insistimos muito na excelência da santa Missa; entretanto, resta-nos ainda a tratar de um ponto importante: o valor da oferta, apresentada à Santíssima Trindade.
É evidente que esta oferta, para ser digna de Deus, deve ser de um preço inestimável, porque quanto maior é a quem se faz uma oferta, tanto mais preciosa ela deve ser. Se alguém ousasse oferecer uma bagatela a um príncipe, cobrir-se-ia de confusão
Ora, o céu e a terra são apenas uma bagatela diante da imensa Majestade de Deus.
"O mundo, perante Deus, é o grãozinho que apenas dá diminuta inclinação à balança, a gota do orvalho da manhã, que cai sobre a terra" (Sabedoria, 11, 23).
Então, onde achar, no universo inteiro, alguma coisa digna de Deus?
Que acharia Jesus Cristo, mesmo no céu, que fosse digno de Deus?
No céu e sobre a terra achou apenas sua santa, imaculada e bendita Humanidade, isto é, o que a onipotência de Deus produziu de maior. "A Humanidade de Jesus Cristo, disse Nossa Senhora à Santa Brígida, foi, e será para sempre, o que há de mais precioso".
Com efeito, a mão liberalíssima de Deus ornou esta Humanidade de tantas graças e perfeições que nada mais lhe podia acrescentar. Não porque Deus não pudesse, absolutamente, conceder mais, porém porque a capacidade da humanidade não as poderia conter.
Todavia, esta Humanidade tão bela, tão pura, tão santa e perfeita, não pode oferecer um sacrifício digno da adorabilíssima Trindade senão em razão de sua união com a pessoa do Verbo eterno, união que dá a todos os seus atos e sacrifícios um valor e merecimento infinitos.
Por esta grande dignidade, durante sua permanência na terra, a santa Humanidade do divino Salvador atraiu a mais profunda veneração, não só de homens piedosos como também de Anjos do céu. Que adoração universal, porém, é prestada agora a esta santa Humanidade no céu, onde se acha gloriosa e imortal em um trono, à direita do Pai celeste!
A santíssima Humanidade de Jesus Cristo forma a única oferta digna de ser apresentada no santo Sacrifício, e, na verdade, é o mesmo Jesus Cristo quem a oferece. Com ela, oferece tudo o que efetuou e sofreu durante os trinta e três anos de sua vida mortal: jejuns, vigílias, orações, viagens, mortificações, pregações, perseguições, insultos, zombarias, lágrimas, gotas de suor, agonia no jardim das oliveiras, flagelação, coroação de espinhos, crucificação, morte e sepultura. Além disto, oferece a Humanidade, inseparavelmente unida à Divindade, porque, embora a Divindade não seja objeto do sacrifício, a Humanidade é nele oferecida no estado de perfeição a que a eleva à união hipostática.
Medi, pois, se podeis, o valor de uma tal oferta. Enfim, Jesus Cristo não oferece sua Humanidade sob a forma que tem no céu, mas no estado em que se acha sobre o altar. No céu ela é tão gloriosa que os Anjos tremem ante sua Majestade: no altar, pelo contrário, sua humilhação é tão extrema que estes mesmos se enchem de espanto.
A Humanidade de Nosso Senhor está, de tal modo, unida e estreitada às espécies eucarísticas que nunca se podem separar, nem mais aí subsistirá, quando forem destruídas as espécies. De que modo contempla a Santíssima Trindade este prodígio de humanidade! Que glória para o Pai celeste! Que virtude, que perfeição não recebe daí a santa Missa onde se cumprem estes divinos Mistérios! Que bênção, que socorro para aqueles em cujas intenções o santo Sacrifício é oferecido! Que consolação, que alívio não recebem as almas do purgatório, quando a santa Missa é celebrada, ou ouvida pelos seu livramento! A Missa quotidiana é a arma, pela qual a graça e a misericórdia sobressaem à justiça.
Agradeçamos, pois, ternamente ao divino Salvador por nos ter legado, a nós, seus pobres filhos, um sacrifício tão poderoso; agradeçamos-lhe por nos ter deixado este meio infalível de atrair as ondas da divina misericórdia.
Para glória da santa Missa, relatamos como se fez a consagração da capela d'Einsiedeln, na Suíça, e como o mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo celebrou o santo Sacrifício como grande solenidade.
Oitenta anos depois da morte de Meinrado, o santo eremita Eberardo, piedoso solitário de nobre família, foi pedir a S. Corado, Bispo de Constança, a graça de consagrar a capela de S. Meinrado. O virtuoso Bispo anuiu-lhe ao pedido. Na festa da Exaltação da santa cruz, em 14 de setembro de 940, devia realizar-se a consagração.
Mas, indo para a capela, a fim de entregar-se à oração, o santo Bispo ouviu os coros dos Anjos cantar as antífonas e os responsórios da consagração. Entrou e viu a capela cheia de Anjos, e, no meio deles, Nosso Senhor, que, revestido de paramentos episcopais, procedia à consagração do santuário. À vista disto, Conrado caiu em santo êxtasis, sem, entretanto, nada perder de sua atenção. Viu e ouviu Nosso Senhor pronunciar as palavras da Igreja e desempenhar-lhe as cerimônias em igual festa. Os apóstolos, os Anjos e uma multidão de Santos assistiam-lhe. A Mãe de Deus, a quem o altar e a capela eram dedicados, aparecia em cima do altar, mais brilhante que o sol, mais resplandecente que o fulgor do relâmpago.
Terminada a consagração, o Senhor começou a Missa solene, depois da qual toda a corte celeste desapareceu, deixando Conrado em transporte de alegria.
Reconheceu, sobre as cinzas que cobriam o solo, as marcas dos pés do Salvador e, sobre as paredes, os traços das unções.
De manhã, o clero veio buscar o Bispo para fazer a sagração, porém ele disse: "Não posso consagrar este santuário, porque já foi consagrado de maneira misteriosa".
Insistem, forçam-no, quando uma voz celeste se faz ouvir e repete por três vezes: "Pára, meu irmão, a capela já está consagrada".
Mais tarde, S. Conrado referiu ao Papa Leão VIII este fato extraordinário, cuja veracidade o mesmo Papa afirmou num rescrito apostólico, em que proibiu tornar a consagrar a capela, e concedeu indulgências especiais aos fiéis, que a freqüentassem (Legende der Heiligen von Ott, p. 2326).
Caro leitor, dizes, com certeza: "Ah! se pudesse assistir a uma festa igual, ver o que viu S. Conrado, ouvir o que ele ouviu! Que prazer, que emoção!".
Entretanto, não está presente, em cada Missa, Nosso Senhor, o grande pontífice? Não nasce, em cada Missa, sobre o altar, e não o cercam os Anjos?
Feliz serás, pois, se considerares que te achas no meio de uma tão alta assembléia, que se digna de unir tuas pobres orações às suas, para faze-las subir até o trono de Deus.

III. SÍMBOLOS DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
Querendo falar dos sublimes e múltiplos mistérios da santa Missa, devemos dizer com o rei David: "Vinde e vede as obras do Senhor e os prodígios que operou sobre a terra" (Sl. 45, 9).
Nosso divino Salvador fez muitos e grandes milagres, quando vivia neste mundo; nenhum, porém, parece tão admirável como a instituição da santa Missa, na última Ceia.
É a Santa Missa o compêndio das maravilhas das obras de Deus, um milagre que contém em si tantos mistérios, que São Boaventura, meditando-os, prorrompeu nestas palavras: "A santa Missa tem tantas maravilhas quantas são as gotas d 'água no oceano, os grãozinhos de poeira no ar, as estrelas no firmamento, e os Anjos no céu. Nela se operam, quotidianamente, tantos mistérios que não sei se, em tempo algum, a mão onipotente de Deus fez obra melhor e mais sublime" (Tom. 6. De Sacramentis).
Palavras admiráveis! Será então verdade que a santa Missa contém tantos mistérios que a língua humana jamais os pode enumerar? O grande teólogo padre Sanchez confirma as palavras de São Boaventura, e acrescenta: "Na santa Missa, recebemos tesouros tão admiráveis, dons tão preciosos, bens tão essenciais para esta vida e uma esperança tão firme para a outra, que nos é necessária, para crê-lo, a virtude da fé. Assim como se pode tirar, sem diminuir, toda a água que se quiser, do mar, ou dos grandes rios, da mesma forma, apesar da abundância das graças que tirardes na santa Missa, não diminuireis nem lhe esgotareis jamais os tesouros" (Thes. Missae, e. 1).
O primeiro símbolo da santa Missa foi o sacrifício do justo Abel, oferecendo, piedosamente, ao Altíssimo as primícias de seu rebanho. Este sacrifício agradou ao Senhor; pois que diz a Sagrada Escritura: "O Senhor lançou os olhos sobre Abel e sobre a sua oferta" (Gen. 4, 4). O sacrifício de Abel partia dum coração submisso e fiel, e era feito em vista do futuro Salvador. O fogo desceu do céu, diz a Sagrada Escritura, e consumiu o holocausto de Abel.
O sacrifício de Abel agradou visivelmente ao Altíssimo; mais lhe agrada, porém o Sacrifício do novo Testamento. Quando o sacerdote oferece, na santa Missa, o pão e o vinho, e pronuncia as palavras da consagração, o fogo divino do Espírito Santo consome o pão e o vinho, mudando-os no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo. Este holocausto, portanto, é infinitamente mais agradável ao Senhor que o de Abel. O Pai celestial o acolhe com grande satisfação, dizendo: "Este é meu Filho bem amado em que pus toda a minha complacência".
São outras figuras do santo Sacrifício da Missa os sacrifícios de Noé, de Abraão, de Isaac e de Jacó, narradas em vários lugares da Sagrada Escritura. Porém, o símbolo mais tocante da Missa foi o sacrifício que Melquisedec ofereceu a Deus todo-poderoso, em reconhecimento da vitória de Abraão. Este sacrifício consistia em pão e vinho, e era acompanhado de preces e de cerimônias particulares. O próprio Melquisedec era uma figura de Jesus Cristo. Seu nome significa: Rei da paz; pois, como Jesus Cristo, era, ao mesmo tempo, rei e sacerdote.
No cânon da Missa, imediatamente depois da consagração, faz-se menção dos sacrifícios antigos, quando o sacerdote diz: "Oferecemos à vossa sublime Majestade o dom de uma vítima (+) pura, de uma vítima (+) santa, de uma vítima (+) sem mancha, o pão sagrado (+) da vida eterna e o cálice da eterna (+) salvação. Outrora aceitastes os sacrifícios dos tenros cordeiros que Vos ofereceu Abel; o sacrifício que Abraão Vos fez de seu filho único, imolado sem perder a vida. Enfim o sacrifício misterioso do pão e do vinho que Vos apresentou Melquisedec". É o suficiente para indicar que esses sacrifícios foram imagens do sacrifício da Missa.
Na santa Missa, são realizados não somente todos os sacrifícios simbólicos, como também se representam os principais mistérios da vida e da paixão do nosso divino Salvador.
David o indica, quando diz: "O Senhor deixou uma lembrança de suas maravilhas; mostrou-se misterioso e compassivo" (Sl. 110, 4). E para que lhe compreendêssemos bem o pensamento, diz, em outra parte: "Acercar-me-ei de vosso altar, a fim de ouvir a voz de vossos louvores e narrar vossas maravilhas". Neste sentido, Jesus Cristo disse também a seus apóstolos, depois da instituição da Eucaristia: "Fazei isto em memória de mim. A obra da redenção vai ser cumprida. Estou prestes a deixar-vos, porém antes de tornar ao meu Pai celeste, instituo a santa Missa como sacrifício único do novo Testamento e lego-vos o poder de efetuá-la a meu exemplo, até que eu volte para julgar os vivos e os mortos. E, para que minha lembrança permaneça viva, encerro neste sacrifício todos os mistérios de minha paixão, que reproduzireis, sem cessar, aos olhos de meus fiéis".
Primeiramente, renova-se na santa Missa o mistério da Encarnação. Na hora da Encarnação, a Virgem obedientíssima ofereceu a Deus o seu corpo e a sua alma a fim de que, segundo as palavras do Arcanjo, o Espírito Santo operasse em suas castas e virginais entranhas a concepção de Jesus Salvador.
De modo mui parecido, quando o sacerdote apresenta e oferece a Deus o pão e o vinho, o Espírito Santo muda-os no verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus Cristo. O sacerdote, no momento da transubstanciação, recebe o filho de Deus em suas mãos tão realmente como a santíssima Virgem o recebeu no seu casto seio.
Analogamente, em segundo lugar, vemos renovar-se, na Missa, o mistério da Natividade. Como Jesus Cristo nasceu do corpo imaculado e inviolado da santíssima Virgem, na Missa Ele nasce dos lábios do sacerdote. Apenas pronunciada a última palavra da consagração, Jesus acha-se nos panos alvíssimos do altar como outrora nas fachas do presépio. Como Maria Santíssima, em sua indizível felicidade, adorava a seu filho Deus humanado, como o apresentava aos pastores, assim o sacerdote adora Jesus e apresenta-o aos fiéis na elevação da santa Missa. E aquele infante divino que os três magos vieram adorar, que o velho Simeão tomou nos braços quando os pais o ofereceram no templo, nos o temos diante dos olhos, em todas as Missas a que assistimos.
E ainda há mais. Jesus nos anuncia, na santa Missa, seu Evangelho pela boca do sacerdote, nos ensina a orar, ora conosco e por nós; soam, na Missa, as palavras do perdão como no Calvário: "Pai, perdoai-lhes". Não resta dúvida, cabem aqui as palavras de Jesus: "Bem aventurados os que não viram, mas creram", pois, aos olhos corporais permanece tudo isso escondido, mas não assim à nossa alma esclarecida pela fé. Ela reconhece, como o apóstolo Tomé, a Jesus debaixo das espécies do pão; inundada de santa alegria percebe a realização da divina promessa: "Eis que estou convosco até a consumação dos séculos". Está conosco Jesus na santa Missa, está conosco como nosso Salvador, nosso Mediador, nossa vítima. Daí se compreende também uma diferença notável entre a hóstia sagrada da custódia e a da Missa, se bem que, numa e noutra, Jesus Cristo esteja igualmente presente. Na custódia ou na âmbula, permanece Jesus presente em nossos altares, oferece-se às nossas adorações, dá-nos a bênção, serve-nos de alimento, - na santa Missa, porém, é nossa vítima, nosso Mediador como no Calvário.
Cristãos! Que meio fácil e eficacíssimo de, na santa Missa, nutrirmos a fé, a esperança, o amor! Que ocasião de acendermos nossa piedade, de estreitarmos a união sagrada com Jesus!
Pode haver graça ou favor necessário, que não nos seja possível obter pelo sacrifício da santa Missa?
Se Jesus nos ensina a pedir, dizendo: "Pedi, e recebereis!" vale este conselho, muito especial e particularmente, na hora da santa Missa. Nos capítulos seguintes haveremos de explicar, mais minuciosamente, tudo isso. Mas, desde já, será permitido perguntar, se não causa perda irreparável de benefícios preciosos, corporais e espirituais, aos cristãos a cegueira de fazer tão pouco caso de tão rico tesouro? Possa a leitura atenta disso e de quanto segue, esclarecer-nos e inspirar-nos grande estima do santíssimo sacrifício da Missa.

IV. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA ENCARNAÇÃO
No capítulo precedente, tratamos sucintamente dos mistérios da santa Missa. Meditemo-los agora, uns após outros, começando pela encarnação.
Foi um inestimável benefício da divina Misericórdia, que, para nossa salvação, o Verbo descesse do céu e, pela operação do Espírito Santo, se fizesse carne no seio imaculado de Maria Santíssima. Este mistério incompreensível, o sacerdote adora-o de joelhos nas palavras do Credo: "Et incarnatus est".
Ora, Jesus Cristo não se contentou com fazer-se homem somente uma vez, antes inventou, em sua infinita sabedoria, o meio de renovar, incessantemente, a satisfação oferecida ao Pai e ao Espírito Santo pela sua primeira encarnação: instituiu a santa Missa.
A encarnação na Missa é mística, porém real. A santa Igreja dá este testemunho nas orações da Missa da 9ª dominga depois de Pentecostes dizendo por que todas as vezes que se oferece este sacrifício comemorativo, renova-se a obra de nossa redenção.
Considerando estas maravilhas, Santo Agostinho exclama: "Oh! sublime dignidade do sacerdote, em cujas mãos Jesus Cristo se encarna de novo. Oh! celeste mistério operado, tão maravilhosamente, pelo Padre, pelo Filho e pelo Espírito Santo, por intermédio do sacerdote!" (Homil. 2. in Os. 37).
Oh! dignidade dos fiéis, acrescentamos, pela salvação dos quais Jesus Cristo se faz carne, de maneira mística, diariamente! Que consolação, para nós, homens miseráveis, de sermos amados tão ternamente pelo nosso Deus!
"A Imitação de Cisto" diz: "Quando celebrares ou assistires à santa Missa, este mistério deve parecer-te tão grande, tão novo como se, nesse dia, Jesus, descendo pela primeira vez ao seio da Virgem, se fizesse homem" (Livro 4, cap. 2).
Vejamos agora como e por quantos milagres, Jesus Cristo renova sua encarnação sobre o altar.
É de fé que o sacerdote, antes da consagração, tem somente entre as mãos o pão, ao passo que, no momento de pronunciar a última palavra da consagração, esse pão, pela onipotência divina, torna-se o verdadeiro Corpo de Jesus Cristo. A esse Corpo está unido, por concomitância, o precioso Sangue, pois um corpo vivo não pode estar privado de sangue.
Não é o maior dos milagres esta transubstanciação do pão e do vinho? Não é a maravilha das maravilhas que não haja mais nem pão nem vinho, apesar de ficarem as aparências, visto que a santa Hóstia e o precioso sangue conservam a forma, a cor, o gosto, que tinham antes da transubstanciação? Não é o prodígio dos prodígios que as espécies subsistem sem aderir a cousa alguma e são conservadas sobrenaturalmente?
Santa Gertrudes aprofundava-se nestes prodígios. Um dia, enquanto se pronunciavam as palavras da consagração, disse a Deus: "Senhor, o mistério que operais agora é tão grande e tão espantoso, que, neste grau de baixeza em que estou, não ousarei levantar os olhos; abater-me-ei e colocar-me-ei na mais profunda humildade, esperando que me cedais uma parte do Sacrifício que dá a vida a todos os eleitos".
Jesus Cristo replicou-lhe: "Se dispuseres tua vontade a sofrer, voluntariamente, toda a sorte de trabalhos e penas, para que este Sacrifício, que é salutar a todos os cristãos, vivos e mortos, se cumpra plenamente e em toda excelência, terás contribuído segundo tuas forças, para o fim de minha obra" (Der heiligen Jungfrau Gertrudis Leben und Offenbarungen, t. 1, p. 174).
A exemplo de Santa Gertrudes, considera, durante a elevação, o grande milagre que Deus opera sobre o altar. Excita em ti o ardente desejo de que este Sacrifício contribua para a maior glória de Deus e a salvação de teus irmãos. Nesta intenção, repete com Santa Gertrudes: "Dulcíssimo Jesus, a obra que ides efetuar agora, é tão excelente que, em minha humilhação, não ouso contemplá-la; por isso, abismando-me em meu nada, espero também, para mim, alguma parte, visto que esta imolação será proveitosa a todos os eleitos. Oh! meu Jesus, se eu pudesse cooperar para ela, empregaria todas as minhas forças, não me espantariam as maiores penas, a fim de que este Sacrifício pudesse totalmente aproveitar aos vivos e aos mortos. Suplico-vos, bom Jesus, que concedais ao celebrante e aos assistentes todas as graças necessárias para este fim".
Consideremos a imensidade do poder consagrador que Jesus Cristo concedeu aos seus sacerdotes. O bem-aventurado Alano fala dele deste modo: "A onipotência de Deus Padre é tão grande que criou do nada o céu e a terra; mas o poder do sacerdote é tal que produz o Filho de Deus na Eucaristia e no santo Sacrifício" (Alanus de Rupe, part. 4, c. 37). Deus provou que "amou tanto ao mundo, que lhe deu o Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna", primeiramente, quando enviou seu Filho à terra, e torna a prová-lo, cada dia, fazendo de novo descer o Verbo para renovar sua encarnação na santa Missa. Pela encarnação no seio de Nossa Senhora, Jesus Cristo adquiriu imensos tesouros de graças; pela santa Missa, distribui esses tesouros a todos os que celebram, ou assistem ao santo Sacrifício.

V. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SEU NASCIMENTO
"Neste dia a suavidade correrá das montanhas e as colinas destilarão leite e mel".
É assim que a Igreja canta, por toda a terra, o doce mistério do nascimento de Cristo. Efetivamente no dia de Natal, aquele que é mais doce do que o mel, aquele que é a própria fonte de toda doçura, tudo suavizou, trouxe a verdadeira alegria, anunciou a paz aos homens de boa vontade, e consolou o mundo com a aurora de um futuro cheio de graças.
Que privilégio para os homens, poderem ver com os olhos corporais o mais belo dos filhos dos homens, apertá-lo nos braços, cobri-lo de santos beijos!
Certamente, felicidade deles era grande, mas a nossa é ainda maior, contemplando, com os olhos da fé, cada dia, o divino Menino, e participando, sem cessar, da alegria do seu nascimento. Sobre este assunto o santo Papa Leão I escreveu: "As palavras do Evangelho e as profecias nos inflamam de tal modo, que o nascimento do Cristo não nos parece um fato passado, porém um acontecimento presente. Também ouvimos a boa nova trazida aos pastores pelos Anjos: "Eis que vos anuncio uma grande alegria: hoje nasceu o Salvador" (Sermo 9, de Nativitate).
Temos a inefável felicidade de assistir a este bem-aventurado nascimento, se assistimos à santa Missa, onde tal é renovado e continuado.
E, se queres saber, caro leitor, como o Cristo nasce, lê essa passagem de São Jerônimo: "Os sacerdotes formam o Cristo pelos seus lábios consagrados", quer dizer: o Cristo nasce dos lábios do sacerdote, quando este pronuncia as palavras da consagração. Por sua vez, o Papa Gregório XIII o afirma, exortando os sacerdotes a dizerem antes de subirem no altar: "Quero celebrar a santa Missa e formar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
A Igreja não cessa de recordar-nos este nascimento espiritual de Jesus Cristo, quando nos ordena entoar o cântico dos Anjos durante a santa Missa: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz sobre a terra aos homens de boa vontade". Que felicidade para nossa alma possuir uma fé viva, e nosso proceder para o Menino Jesus se assemelhar ao porte cheio de amor e de respeito de Maria, de S. José, dos Anjos e dos pastores!
Bem que Jesus Cristo nos oculte a beleza de sua Humanidade, contudo permanece visível aos olhos de Deus e do exército celeste. Em cada Missa, mostra-se num esplendor do qual a Santíssima Trindade recebe uma glória infinita e faz estremecer de júbilo a Santíssima Virgem, os Anjos e os Santos, como nos assegurou o bem-aventurado Alano de la Roche.
Quando os Anjos vêem o Menino Jesus nascer sobre o altar, ajoelham-se humildemente e o adoram, porque, quando Deus introduziu seu Unigênito na terra, disse: "Que todos os Anjos o adorem". É o que a Igreja canta no prefácio: "Os Anjos louvam a vossa Majestade, as Dominações a adoram, as Potestades a veneram tremendo; os céus, as Virtudes dos céus, e os bem-aventurados Serafins celebram a vossa glória com transporte de alegria".
Em união com estes espíritos celestes, agradeçamos a Nosso Senhor que, ao renovar o mistério de seu nascimento, deseja distribuir-nos também os frutos.
O espírito humano é impotente para conceber e explicar o grau de alegria que o céu experimenta na renovação do nascimento de Cristo. A própria ciência dos Anjos não basta, embora essas bem-aventuradas inteligências participem das delícias que proporciona ao céu o santo Sacrifício da Missa.
Quanto ao gozo da Santíssima Trindade, a fé nos ensina que tira de Si própria toda a beatitude. A Sagrada Escritura diz da sabedoria incriada, isto é, do Filho de Deus: "É o esplendor da luz eterna, o espelho sem mancha da Majestade divina, a imagem da sua bondade" (Sab. 7, 26).
Este espelho está desde toda a eternidade, diante dos olhos do Pai celeste que se contempla nele com infinita satisfação. Nele, vê-se eternamente o Senhor poderosíssimo, gloriosíssimo, sapientíssimo, riquíssimo, infinito de bondade e beleza.
Este conhecimento e esta contemplação incessante de sua própria pessoa são, para Ele, um gozo essencial, perfeito, bastando para manter o Pai celeste em uma beatitude infinita.
Este espelho puríssimo, pois, foi colocado, em nova forma, diante de seus olhos no nascimento do Salvador, onde o Cristo é revestido da mais nobre natureza humana, enriquecida das mais preciosas virtudes e ornada de todas as perfeições. O Pai eterno experimentou novas delícias, das quais fez participar toda a corte celeste. Palpitantes de júbilo estes espíritos bem-aventurados cantaram então um cântico melodioso, ao qual nada do que na terra se tinha ouvido era comparável, e derramou sobre os piedosos pastores as ondas de uma alegria inigualável e desconhecida. Ao canto do "Glória in excelsis", os Anjos voaram para Belém, prostraram-se ante o recém-nascido e adoraram-lhe a Divindade.
Todas estas cenas da noite de Natal se renovam cada dia na santa Missa, onde o Filho de Deus nasce da palavra do sacerdote. Não que um novo Cristo seja criado, nem sua pessoa multiplicada. O que se multiplica é sua presença, de modo que, onde sua Humanidade não estava dantes, acha-se agora de modo real, e fica debaixo das santas espécies, por tanto tempo quanto estas aparências subsistirem intactas. Se as espécies se corrompem, cessa a presença real.
O Filho unigênito de Deus nasce de novo dos lábios do sacerdote, e, por suas mãos, esse espelho imaculado ornado de tantas perfeições, é elevado para ser oferecido a Deus; que alegria, que delícias, que infinitas felicidades para o Pai celeste! Não podem ser menores que as da noite de Natal, porque, em Belém e sobre o altar, tem, diante dos olhos, aquele do qual disse: "Este é o meu Filho muito amado, em quem tenho posto toda a minha complacência" (Mt. 3, 17). A única diferença é que no presépio, o Verbo estava oculto sobre a carne mortal, enquanto, na Missa, seu Corpo glorioso, ornado de suas chagas sagradas, como cinco pedras preciosas, está oculto sob as espécies sacramentais. Em Belém, nasceu corporalmente, no altar, nasce de forma mística, ainda que muito real.
Porém, Deus Padre não fica somente cheio de alegria, contemplando este espelho divino; aquele a quem contempla, seu Filho unigênito, lhe corresponde a ternura por um amor infinito, aumentando-lhe, assim a felicidade.
As delícias que a Divindade recebe da santíssima Humanidade de Cristo, excedem todas as que lhe vêm dos louvores dos Anjos, adorações dos Santos, e fidelidade dos homens, porquanto a Humanidade sagrada de Nosso Senhor, unida hipostaticamente à Divindade é a única capaz de honrar, de regozijar, de amar a Divindade conforme sua infinita grandeza. Ora, tudo isto o Salvador Jesus faz com tanta suavidade que nem os Querubins nem os Serafins o compreendem inteiramente. O céu olha cheio de assombro, de coração arrebatado, sem poder medir a extensão do divino júbilo. Como isto se reproduz em milhares de Missas, quem poderia descrever o grau de felicidade que reverte à Santíssima Trindade?
Ó Deus de glória, regozijo-me por vossa infinita felicidade, quereria mesmo aumentá-la por minha piedade, durante o santo Sacrifício. Suplico-Vos, meu Senhor Jesus Cristo, que Vos digneis, em cada Missa, de regozijar a bem-aventurada Trindade, em meu nome, e suprir, superabundantemente, o amor que tenho negligenciado de lhe manifestar, e a alegria que deveria causar-lhe.
"Um pequenino nos nasceu, e um filho nos foi dado" (Is. 9, 6). Esta profecia de Isaias que anunciava o nascimento de Jesus Cristo, deve-se aplicar também à santa Missa. Nela uma criancinha nos é nascida, e um filho nos é dado. Ó rico e piedoso dom! Este menino é o Filho de Deus. Chega de um país longínquo, do paraíso celeste; traz-nos incomparáveis riquezas, a graça, a divina misericórdia, o perdão de nossos pecados, a remissão das penas, a emenda de vida, o benefício de uma morte, o acréscimo da glória futura, bênçãos temporais, um preservativo eficaz contra o pecado.
O texto de Isaías encerra um outro assunto de consolação. O profeta diz, expressamente, que "nasceu-nos um menino, e nos foi dado um filho". Isto significa que, nascendo de novo na consagração Jesus se torna nossa propriedade com tudo o que é, tudo o que tem, tudo o que opera sobre o altar. Portanto, a honra, as ações de graças, as satisfações que oferece à Santíssima Trindade são para nós. Que maior consolação para os que ouvem a santa Missa do que este pensamento: Jesus está para mim!?
Se tivesses estado durante a noite de Natal na gruta de Belém, tomado o doce Menino Jesus em teus braços, e o tivesses oferecido a seu Pai celeste, elevando-o para Ele e suplicando-Lhe que tivesse piedade de ti por amor desse pequenino, pensas que Deus pudesse repelir-te e ficar surdo a tua voz? Não, certamente. Faze, pois, o mesmo durante a Missa, sobretudo no tempo do Advento e do Natal, encaminha-te em espírito para o altar, toma o Menino Jesus, oferece-o a Deus Padre.
Outro ponto importantíssimo é este: O Cristo não somente nasce sobre o altar de maneira mística, mas também toma uma forma tão humilde, que causa admiração ao céu e à terra. Em seu primeiro nascimento, humilhara-se infinitamente, tomando a forma de servo, entretanto, ainda era uma forma humana. Em seu nascimento místico, escolheu humilhação ainda maior, aniquilou-se debaixo das aparências do pão!
Que humilhação inaudita! Que há de mais insignificante que uma espécie sacramental, acidente sem substância? Olhai bem a suprema modéstia de Jesus! Onde lhe está a glória? Onde lhe está a Majestade soberana que faz tremer o céu? Renunciou a tudo isto! Aquele que ocupa um trono à direita do Pai eterno, repousa sobre o altar, ligado como o Cordeiro de sacrifício. Ó abismo insondável de humildade! Ó amor incomparável do mais fiel, do mais amante dos homens.
Para que este excesso de humildade? Uma das razões principais é desarmar a cólera de seu Pai celeste, e desviar dos pecadores um justo castigo.
Não há melhor meio de aplacar o inimigo do que se humilhar em sua presença e pedir-lhe perdão. O proceder de Acab fornece-nos uma prova. Quando o profeta Elias anunciou a este rei ímpio que o Senhor o puniria de morte súbita assim como a sua mulher e a seus filhos, e que seus corpos, privados de sepultura, seriam devorados pelos cães e corvos, "humilhou-se Acab ante o Senhor, rasgou as vestes, cobriu a carne com um cilício, jejuou, dormiu num saco e caminhou cabisbaixo". Então o Senhor dirigiu a palavra a Elias e disse: "Não viste Acab humilhado diante de mim? Já que se humilhou por minha causa, não farei cair sobre ele os males de que o ameacei" (III Reis, 21, 27-29).
Se Acab, "ao qual nunca houve igual em impiedade", segundo a Sagrada Escritura, por sua humilhação, levou Deus Todo-Poderoso a suspender a sentença pronunciada contra ele, o que não obterá junto a Deus a humilhação de Jesus Cristo sobre o altar? Não é mais tocante neste estado de aniquilamento em que o colocou seu amor pelos homens? Vede-o, despojado de suas vestes de gala, oculto sob a aparência da Santa Hóstia não somente curva a cabeça, está atado como holocausto e, do fundo do coração, pede para nós perdão e misericórdia! A este espetáculo, Deus diz a seus Anjos, como outrora dissera a Elias: "Vistes como meu Filho se humilhou diante de mim?". Os Anjos respondem: "Sim, Senhor, vimo-lo, e ficamos admirados". E o Pai celeste continua: "Pois que meu Filho aniquilou-se deste modo, não me vingarei dos pecadores, nem os punirei conforme suas iniqüidades".
Meditemos estas palavras e estejamos persuadidos de que, se Deus não abrevia a vida do culpado, se não o castiga segundo a medida de suas iniqüidades, o pecador deve-o à santa Missa, onde participou da reparação de Jesus Cristo. O Salvador clementíssimo advogou-lhe a causa, humilhou-se em seu lugar e deteve o braço vingador da divina justiça.

VI. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA VIDA
Entre as coisas que encantam os sentidos, o teatro deve ser colocado em primeiro lugar.
Os homens acham-lhe tal prazer que gastam, para assistir às representações teatrais, muito tempo e muito dinheiro.
Se quiséssemos considerar, atentamente, os grandes mistérios da Missa e persuadir-nos que Jesus Cristo se aproxima do altar como ornado de suas vestes de festa, para aí reproduzir, à nossa vista, as cenas de sua vida maravilhosa, correríamos para a igreja ao primeiro toque do sino.
Mas, oh! loucura do mundo, quantos preferem jogar os bens aos comediantes a assistir à santa Missa, onde riquíssima recompensa é concedida a todo e qualquer espectador piedoso!
Responder-me-ás, talvez, caro leitor: "Não é de admirar que as pessoas frívolas prefiram assistir à comédia; querem distrair-se, e, na santa Missa, nada lhes encanta os olhos e os ouvidos".
Oh triste cegueira! Se essas pessoas superficiais tivessem os olhos da fé, gozariam da santa Missa profundamente, porque é o resumo da vida do Salvador e a reprodução de todos os seus mistérios. Não é somente uma representação poética de fatos passados, como seria um drama; é uma repetição verídica do que Jesus Cristo fez e sofreu sobre a terra.
Com efeito, na santa Missa, temos diante de nós o divino Menino, envolto em panos, como o acharam os pastores, qual os Magos vieram adorar, e qual Maria Santíssima colocou nos braços do velho Simeão. O mesmo divino Infante repousa sobre o altar e espera nossas homenagens e nosso amor. Ao Evangelho, esse mesmo Jesus repete-nos sua doutrina pela boca do sacerdote, com o mesmo proveito para a alma crente, que se lhe viesse dos próprios lábios.
Vemo-lo fazer um milagre maior que o de Caná, porque é mais admirável mudar o vinho em sangue, do que a água em vinho. É a renovação da última Ceia e de sua morte na Cruz. As mãos dos algozes não o atingem, porém as do sacerdote oferecem-no, como vítima expiatória, ao eterno Pai.
Aquele que sabe tirar proveito da santa Missa, pode receber dela o perdão dos seus pecados e a abundância das graças celestes.
"Toda a vida de Cristo, diz S. Dionísio, o Cartucho, não foi mais do que uma Missa solene, em que foi Ele o templo, o altar, o sacerdote e a vítima" (Vida sacerdotum, Antwerpiae, Vostermann, 1751).
Na verdade, Jesus Cristo revestiu-se das vestes sacerdotais no santuário do seio materno, onde nos tomou a carne e com ela a vestimenta da nossa mortalidade. Saiu desse santuário na noite sagrada do Natal e começou o "Introito", entrando no mundo. Entoou o "Kyrie eleison", lançando os primeiros vagidos no presépio; o "Glória in excelsis" foi entoado pelos Anjos, quando apareceram aos pastores, e, convidando-os a misturar seus louvores com os deles, conduziram-nos ao berço do recém-nascido.
Jesus disse a "Coleta" em suas vigílias noturnas, onde implorava a misericórdia divina para nós. Leu a "Epístola", quando explicava Moisés e os profetas, demonstrando que os tempos eram findos. Anunciou o "Evangelho", quando percorria a Judéia a pregar a boa nova. Fez o "Ofertório", quando, no mistério da apresentação, ofereceu-se a seu Pai pela salvação do mundo. Cantou o "Prefácio", louvando, por nós, a Deus sem cessar e agradecendo-lhe os benefícios.
O "Sanctus" foi entoado pelos hebreus, no dia de Ramos, quando, na entrada de Jesus em Jerusalém, clamavam: "Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana ao Filho de David!"
A "Consagração", o Salvador efetuou-a na última Ceia, pela transformação do pão e do vinho em seu Corpo e em seu Sangue. A "Elevação" realizou-se, quando foi pregado na Cruz, elevado nos ares e exposto em espetáculo aos olhos do mundo. O "Pater Noster", Jesus o disse na Cruz, pronunciando as sete palavras. A "fração da Hóstia" cumpriu-se, quando sua alma santíssima separou-se de seu corpo adorável. O "Agnus Dei", o centurião o disse no momento em que exclamou: "Verdadeiramente, este homem é o Filho de Deus!". A santa "Comunhão" foi o embalsamamento e a sepultura. A "bênção" no fim, Jesus a deu no monte das oliveiras, estendendo as mãos sobre os discípulos na ocasião da ascensão.
Eis a Missa solene celebrada por Jesus Cristo sobre a terra!
Ordenou que seus apóstolos e, depois deles, todos os sacerdotes, dissessem esta Missa, cada dia, ainda que mais resumida.
Somos, pois, tão favorecidos, e talvez mais do que os que viveram no tempo de Jesus. Eles ouviram uma única Missa, cujas partes foram celebradas em longos intervalos, enquanto nós podemos, cada dia, assistir a muitas e recolher, em pouco tempo, os frutos de toda a vida do Salvador.
Caro leitor, repassa, muitas vezes em teu espírito, a utilidade do santo Sacrifício da Missa, onde Jesus Cristo te faz participar dos méritos infinitos de sua santíssima vida e de sua paixão. Se fosse tão fácil adquirir bens temporais, não perderíamos um instante e não pouparíamos trabalho. Como, pois, somos tão pouco diligentes, quando se trata das riquezas eternas e dos tesouros que nem a ferrugem nem os ladrões podem nos arrebatar?

VII. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA A SUA ORAÇÃO
"Temos, por advogado, junto ao Pai, Jesus Cristo, que é justo e santo; porque é a vítima de propalação por nossos pecados" (I Jo., 2, 1).
De certo é consoladora garantia de nossa Salvação, termos por advogado o próprio Filho de Deus, o Juiz dos vivos e dos mortos! Mas onde e quando Jesus Cristo desempenhou este ofício?
A Igreja ensina ser Ele nosso advogado não somente no céu, mas também na terra.
Eis a doutrina de Suarez: "Cada vez que o santo Sacrifício da Missa é oferecido, Jesus Cristo intercede por quem o oferece e também pelas pessoas em cuja intenção é oferecido" (Tom. 3, disp. 79, sect. 21).
S. Lourenço Justiniano descreve assim a maneira de orar de Nosso Senhor: "Enquanto o Cristo é imolado sobre o altar, clama a seu Pai e mostra-lhe suas chagas para preservar os homens da condenação eterna".
Este zelo do Sagrado Coração pela nossa salvação foi indicado por Lucas: "Jesus subiu ao monte para fazer oração, onde passou a noite, orando a Deus".
E noutro lugar: "De dia, ensinava no templo, e de noite, retirava-se à montanha, chamada das Oliveiras". Ou então: "Foi segundo seu costume, ao monte das Oliveiras, para nele orar".
Isto diz, claramente, que Jesus tinha o costume de passar a noite em oração. Durante sua peregrinação, cada um de seus atos era acompanhado da oração; no término desta santa vida, o adeus aos discípulos foi a oração suprema do Sumo Sacerdote por excelência; suspenso na Cruz, orava por seus inimigos e, quando chegou o momento de voltar ao Pai celeste, levantou a mão sobre os discípulos, em uma última bênção, e subiu ao céu, onde seu Coração continua a interceder pelo gênero humano.
Ora, na santa Missa, Jesus dirige a seu Pai todas estas orações reunidas; mostra-Lhe as lágrimas, os gemidos que as acompanharam; enumera as noites passadas em jejum e oração; oferece todos esses méritos pela salvação do mundo, particularmente por cada um dos que assistem à Missa. Ó Deus, que eficaz oração! Como o perfume do incenso, eleva-se para o Pai celeste, para o trono da Santíssima Trindade! Jesus Cristo não ora somente, imola-se também pela salvação do mundo.
Santa Gertrudes explica este mistério do seguinte modo: "Vi, na elevação, Nosso Senhor erguer, com as próprias mãos e sob a forma de um cálice, o dulcíssimo Coração que apresentou a seu Pai. Imolou-se então em favor de sua Igreja, de maneira incompreensível à criatura". Jesus isto confirmou, quando disse a Santa Matilde: "Eu somente sei e compreendo, perfeitamente, como me ofereço cada dia a meu Pai pela salvação dos fiéis; nem os Querubins nem os Serafins nem as Potestades podem concebe-lo inteiramente".
Notai que Nosso Senhor não se oferece na santa Missa com a majestade que tem no céu, porém em uma incomparável humilhação. Do abismo de sua humildade, a voz eleva-se-lhe tão poderosa para o céu que traspassa as nuvens e atinge o trono da misericórdia.
Quando o rei de Nínive teve conhecimento dos castigos que ameaçavam a cidade no prazo de quarenta dias, levantou-se do trono, despiu as vestes reais, cobriu-se de roupas de luto, deitou cinza sobre a cabeça e pediu a todo o povo que implorasse a misericórdia divina.
Por esta humildade e esta penitência, o rei pagão obteve perdão para si e para a cidade culpada.
Que não obterá Jesus Cristo, que se humilha muito mais na santa Missa, em que, deixando o trono de sua glória, reveste as pobres aparências do pão e do vinho e clama ao Deus de misericórdia: "Graça e perdão para meu povo! Meu Pai, considera minha abjeção; eis-me aqui diante de Vós, não como um homem, mas semelhante a um verme da terra. Os pecadores levantam-se contra Vós cheios de orgulho. Eu me humilho em Vossa presença. Eles Vos irritam, eu, por meu aniquilamento, quero aplacar-Vos. Eles clamam sobre si Vossa justa vingança, eu quero desvia-La por minhas instantes súplicas. Tende piedade deles por amor de mim, meu Pai, e não os castigueis à medida de suas iniqüidades. Não os entregueis a Satanás, porque são meus, resgatei-os com o preço de meu Sangue. E, Pai Santíssimo, imploro, sobretudo, a Vossa misericórdia em favor dos pecadores aqui presentes, pelos quais renovo, durante esta Missa, minha vida e minha morte. Dignai-Vos, em virtude de meu Sangue e de minha morte, preservá-los da morte eterna".
Oh Jesus, até onde vos arrasta o amor para conosco e por que meio poderíamos melhor corresponde-lo senão assistindo, cheios de piedade, à santa Missa?
Quando o divino Salvador se achou suspenso na Cruz, recomendou a seu Pai os fiéis que estavam no pé da árvore da Salvação e lhes aplicou, mui especialmente, os preciosos frutos. Do mesmo modo, ora pelos assistentes, principalmente pelos que recorrem à sua mediação. Ora por eles tão ardentemente, como o fez no momento de sua morte, pelos seus inimigos.
Oh poderosa oração! Quanto não fortifica a esperança da vida eterna, vermos o mesmo Filho de Deus tomar nas mãos os interesses de nossa salvação!
Se a Santíssima Virgem te aparecesse e dissesse: "Não temas, meu filho, prometo-te encarregar-me de teus interesses; pedirei, instantemente, a meu Filho, Jesus Cristo, e não cessarei de pedir até que Ele me assegure tua felicidade eterna", a tua alma não ficaria transportada de júbilo e não exclamaria: "Agora estou consolado, não tenho que duvidar, minha salvação está segura"?
Se temos, pois, uma tão grande confiança na intercessão de Maria Santíssima, por quê esta confiança não será absoluta, quando se trata da intercessão de seu divino Filho, que não promete somente o socorro, mas ora por nós em cada Missa que ouvimos, e faz, por assim dizer, violência à Justiça de Deus, para nos poupar o castigo merecido?
E não era somente. Com ele intercedem, como outras tantas vozes, suas lágrimas, suas chagas, seu sangue, todos os seus suspiros de amor. Quem poderá medir o efeito dessas súplicas sobre o coração do Pai celeste?
Muitas vezes te lastimas da falta de fervor em tuas orações. Na santa Missa, Jesus Cristo orará contigo e suprirá a imperfeição de tua oração. Escuta como convida a todos afetuosamente:
"Vinde a mim vós que sofreis e vos achais em tribulações" (Mt. 11, 28); isto é: vós todos que não podeis orar com ardor, vinde a mim e orarei por vós. Por quê, alma aflita e atribulada, não te rendes a este tão terno convite? Por que não corres à santa Missa?
Em tuas tribulações recorres a amigos para pedir-lhes uma oração. Que é, todavia, a oração dos homens comparada com a oração e intercessão de Jesus Cristo? Tua miséria é extrema, o perigo de tua condenação, iminente. Dize, pois, a Jesus: "Senhor, quem poderá salvar-se?" e Ele responder-te-á: "O que é impossível aos homens é fácil a Deus".
Recorre, pois, a este Deus Salvador que quer te assegurar uma morada na casa de seu Pai.
"Como?, talvez digas, um pobre indigente como eu, pode reclamar as orações do Filho de Deus? Sou indigno disso, e não o ousarei". - oh, não fales deste modo! Convence-te que um só de teus suspiros te dá todo o poder sobre seu Coração. São Paulo o afirma: "O pontífice que temos, não é tal que não possa compadecer-se de nossas fraquezas, porque todo o pontífice é tomado dentre os homens e é estabelecido para os homens no que diz respeito ao culto de Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados".
Jesus Cristo é pontífice, exerce o sacerdócio na santa Missa, sua missão é, portanto, orar pelo povo e oferecer o sacrifício por ele; e não se desobriga desta missão por todos em geral, mas por cada um em particular; assim como sofreu por todos e por cada um, assim se interessa por cada alma de tal sorte, como se fosse a única a salvar.
Eis o zelo, o poder da oração de Jesus no santo altar. Juntemos-lhe nossas pobres súplicas e elas se tornarão excelentes. "As orações feitas em união com o Santo Sacrifício da Missa, disse o bispo Fornero de Hebron, são mais poderosas que todas as outras, mesmo do que as que duram longas horas, e até as orações extáticas, por causa da paixão e morte do Senhor que lhe manifestam a eficácia na santa Missa, por uma admirável efusão de graças. Porque, como a cabeça ultrapassa, em dignidade, todas as outras partes do corpo, assim a oração de Jesus Cristo, que é nossa cabeça, ultrapassa as orações de todos os cristãos, que são os membros de seu corpo místico.
Uma moeda de cobre torna-se preciosa, se é lançada no ouro em fusão; a pobre oração do homem, unida à de seu Salvador, adquire um caráter de alta nobreza e pode ser ofertada como um dom agradável à divina Majestade. Deste modo, uma oração menos fervorosa, oferecida na Missa, vale mais que uma oração fervorosa feita em casa.
Muitos se prejudicam os que, podendo assistir à santa Missa e, durante esta, ocupar-se com os exercícios de piedade que costumam fazer em casa, se afastam do santo Sacrifício. Porque, se fizessem as orações durante a santa Missa com a intenção de assisti-la e somente durante os momentos da consagração interrompessem as orações, a fim de adorar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, ganhariam graças e méritos muito maiores do que se rezam em seu oratório particular.

VIII. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA PAIXÃO
Entre todos os mistérios do Senhor, a meditação que nos é mais útil e merece de nossa parte mais reconhecimento e veneração, é a Paixão dolorosa, pela qual fomos resgatados. Os santos Padres dizem, a este respeito, coisas sublimes e garantem, da parte de Deus, grande recompensa às almas que nela meditam com fervor. Há muitos modos para bem honrar a Paixão: contudo, nenhum parece mais perfeito do que a piedosa assistência à santa Missa, visto que a Paixão e a Morte do Salvador se renovam no altar.
Com efeito, na Missa, tudo recorda, tudo simboliza a Paixão. A Cruz encima o altar. Por toda a parte, vê-se o sinal da Cruz; é marcado cinco vezes sobre a pedra sagrada. Impresso sobre a Hóstia. Desenhado no missal, na página que precede o cânon. Bordado sobre o amicto, o manípulo, a estola, a casula. Gravado na patena, no pé do cálice. O sacerdote o faz dezesseis vezes sobre si mesmo, e vinte e nove vezes, sobre a oferenda. Quantos indícios do renovamento do Sacrifício da Cruz!
§1. De que maneira Jesus Cristo renova sua Paixão?
Embora Nosso Senhor tenha dito na última Ceia: "Fazei isto em memória de mim", contudo o Sacrifício da Missa não é uma simples memória, porém a renovação da Paixão. A Igreja ensina: "Se alguém disser que o Sacrifício da Missa é apenas a lembrança do Sacrifício consumado na Cruz, seja anatematizado". E noutra parte: "No divino Sacrifício está presente e imolado, de modo incruento, o mesmo Cristo que se ofereceu uma vez, de modo cruento, sobre o altar da Cruz".
Este testemunho, por si, deveria bastar, pois que somos obrigados a crer tudo o que a Santa Igreja nos ensina. Entretanto, a Igreja explica-se da forma seguinte: "A vítima que se oferece pelo ministério do sacerdote, é a mesma que foi oferecida na Cruz; somente difere a forma de oferece-la".
Sobre a Cruz, Jesus Cristo foi imolado, de modo cruento, pelas mãos sacrílegas dos carrascos; no altar, imola-se pelo ministério dos sacerdotes, de modo místico.
A Igreja emprega muitas vezes, no missal, a palavra "imolar". Santo Agostinho serve-se dela igualmente: "Jesus Cristo foi imolado, uma vez, de maneira cruenta, sobre a Cruz; é agora imolado cada dia, sacramentalmente, pela salvação do povo" (Epist. Ad Bonifac). Esta expressão é notável e acha-se, mais de cem vezes, na Escritura Sagrada para designar a oblação dos animais. Se a Igreja se serve dela a respeito da santa Missa, é para indicar que o Santo Sacrifício não consiste somente na pronunciação das palavras da consagração nem na elevação das espécies sacramentais, mas na imolação verdadeira, embora mística, do divino Cordeiro.
"A Paixão de Cristo é o próprio sacrifício que oferecemos" diz São Cipriano (Epist. Ad Caeciliam). Em outros termos: "Quando celebramos a santa Missa, renovamos todas as cenas da Paixão de Cristo". São Gregório é ainda mais explícito: "Aquele que ressuscitou dentre os mortos, diz ele, não morre mais; entretanto, sofre ainda por nós, de maneira misteriosa, no santo Sancrifício da Missa" (Homilia 137). Teodoreto não é menos claro: "Não oferecemos outro sacrifício senão o que foi oferecido sobre a Cruz" (In cap. 8 Hebr.).
Poderíamos citar muitos outros testemunhos, mas para abreviar, contentamo-nos com o da Igreja infalível que reza assim na "Secreta" 9ª dominga depois de Pentecostes: "Concedei-nos, Senhor, nós vos pedimos, celebrar dignamente este mistério porque, todas as vezes que é celebrado, cumpre-se a obra de nossa redenção".
Bem que Jesus Cristo não se imole fisicamente na santa Missa, todavia mostra-se toda a corte celeste sob a forma lastimosa que tinha durante a flagelação, o coroamento de espinhos, a crucifixão e isto tão ao vivo, como se verdadeiramente sofresse todas estas torturas. "A santa Missa, escreve Marchant, não é unicamente uma representação da Paixão, porém sua repetição mística, não cruenta. Se o Cordeiro de Deus tomou, uma vez, sobre Si os pecados do mundo para apagá-los com o seu Sangue, assume, todos os dias, nossas faltas para expiá-las sobre o altar.
Acabamos de mostrar como Jesus Cristo renova sua Paixão na santa Missa; expliquemos agora os motivos que o guiam.
O piedoso Pe. Segneri exprime-se deste modo: "Durante sua vida terrestre, o Cristo, em virtude de sua presciência divina, previa que milhões de homens se condenariam, apesar de sua Paixão. Mas, como verdadeiro irmão, desejava salvar as almas, e encheu-se de uma incomensurável compaixão à vista de sua perdição eterna, a tal ponto que propôs a seu Pai vicar suspenso na Cruz, não três horas, mas até o fim do mundo, para poder, por esse longo tormento, por suas lágrimas contínuas, pela efusão de seu Sangue, por suas ardentes orações, por seus suspiros, aplacar a divina justiça, excitar a misericórdia e assim achar o meio de impedir a perda de tão grande multidão de almas" (Hom. christ. disc. 12).
São Boaventura, o bem-aventurado Ávila e outros atribuem também esta vontade de Jesus misericordiosíssimo.
O Pai eterno não se rendeu ao desejo de seu Filho e respondeu-lhe que três horas de semelhantes torturas eram mais que suficientes e o que não quisesse aproveitar os méritos da Paixão não poderia acusar senão a si mesmo de sua eterna condenação.
Esta recusa não extinguiu o amor do Salvador, pelo contrário, mais o inflamou e levou a um desejo mais vivo de vir em socorro dos pobres pecadores. Foi então que encontrou na infinita sabedoria outro meio de permanecer sobre a terra depois da morte e continuar sua Paixão, orando a Deus pela nossa salvação como fez pregado na Cruz. Este meio foi o santo Sacrifício da Missa.
São Lourenço Justiniano fala assim da constante oração de Jesus: "Enquanto o Cristo é oferecido sobre o altar, clama para seu Pai e mostra-lhe as chagas a fim de que se digne preservar os homens das penas eternas" (Sermo de Corpo. Christ). Quem poderia medir a eficácia desta oração sublime, indo direta do altar ao coração do Pai celeste? Quantas vezes os povos e as nações não teriam perecido, se Nosso Senhor não tivesse orado sobre eles? Quantos milhares de bem aventurados se retorceriam nas chamas do inferno, se Jesus Cristo não os tivesse guardado pela sua intercessão poderosíssima! Pois bem, pecadores, ide pressurosos à santa Missa, a fim de participardes dos efeitos desta oração, de serdes preservados de todo o mal e obterdes, por Jesus Cristo, o que não podereis obter por vós mesmos.
Vedes que o principal motivo pelo qual Jesus Cristo renova sua Paixão na santa Missa, é o de orar por nós e inclinar seu Pai à misericórdia, tão eficazmente como o fez sobre a Cruz. Mas Jesus Cristo quer também, pela santa Missa, aplicar-nos os méritos do Sacrifício da Cruz.
Lembrai-vos que o Salvador, durante toda sua vida e, principalmente, na Cruz, adquiriu um tesouro infinito de méritos que, naquela ocasião, apenas derramou sobre um número limitado de fiéis, que agora derrama em profusão por diferentes vias, principalmente na santa Missa. "O que na Cruz foi um sacrifício de redenção, disse um mestre da vida espiritual, na Missa torna-se um sacrifício de apropriação, em que cada qual participa dos méritos e da virtude do Sacrifício da Cruz". Em outros termos: se assistirmos piedosamente à Missa, a virtude, os méritos da Paixão serão apropriados a cada um de nós, segundo nossas disposições.
E para que Jesus Cristo põe em nosso poder um tesouro tão precioso? Ele o disse a Santa Matilde: "Vê, dou-te todas as amarguras de minha Paixão para que as consideres como teu próprio bem e, depois, tornes a mas oferecer". Portanto, se dizes: "Ó Jesus, ofereço-Vos Vossa dolorosa Paixão", ele vos responderá: "Meu filho, dou-te duas vezes o seu preço". E se continuas: "Ó Jesus, ofereço-Vos Vosso Sangue precioso", o Salvador responder-te-á ainda: "Meu filho, lavo-te nele duas vezes". Em uma palavra, quantas vezes ofereceres ao Senhor qualquer de seus sofrimentos, tantas vezes eles hão de reverte com duplo valor. Que meio fácil de se enriquecer com as melhores graças!
Outra razão do renovamento da Paixão parece-nos esta:
Todos os fiéis não puderam assistir ao Sacrifício da Cruz; o Salvador, entretanto, não quis privá-los de tão grande vantagem; por isso liga à audição da Missa os mesmos frutos que teriam adquirido ao pé da Cruz.
Vede quanto é grande o nosso Sacrifício. Não é somente um memorial do grande, do perfeito, do único Sacrifício da Cruz, mas é este mesmo Sacrifício produzindo todos os seus efeitos. Jesus Cristo ordenou que a Igreja oferecesse sempre o mesmo Sacrifício que ele ofereceu sobre a Cruz, o mesmo em sua essência, diferente embora pela forma, pois não há efusão de sangue; o mesmo quanto à abundância de graças, porque, sendo idêntico ao Sacrifício da Cruz, tem a mesma virtude e aparece ao Pai celeste tão agradável como o Sacrifício cruento da Cruz. A santa Igreja, ainda uma vez afirma-o expressamente, dizendo: "O Sacrifício da Missa e o da Cruz são o mesmo sacrifício".
Não há, por conseguinte, mais dúvida: pela nossa assistência à santa Missa, tornamo-nos tão agradáveis a Nosso Senhor e lucramos tantas vantagens, como se tivéssemos assistido à sua crucifixão. Que imenso favor podermos, quotidianamente, ser testemunhas da Paixão do Salvador e recolher-lhe os frutos; podermos cercar a Cruz do Salvador moribundo, considerá-lo, falar-lhe, lastimá-lo, confiar-lhe nossas penas, receber-lhe socorros e consolações, como o fizeram a Mãe das Dores, o discípulo predileto e Maria Madalena!
Cristãos, aproveitem o santo Sacrifício do Altar, todos os dias, e rendei graças a Jesus, divino zelador de nossas almas!

IX. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA MORTE
"Não há maior prova de amor de que dar a própria vida por seus amigos" (Jo., 15, 13). Estas palavras Nosso Senhor as pronunciou algumas horas antes de cumprí-las.
Com efeito, dar a vida, que é o mais precioso bem do homem, por uma pessoa, é o maior ato de generosidade possível.
O amor de Jesus Cristo foi, incomparavelmente, mais longe ainda, visto que deu a vida, a mais nobre, a mais santa que jamais houve, não somente por seus amigos, como também pelos próprios inimigos! E acrescenta: "Dou minha vida por minhas ovelhas" (Jo. 10, 15). Não disse: Darei minha vida, nem dei-a, mas "Eu a dou", o que significa que continua a dá-la sempre. Esta imolação se realiza, cada dia, na Santa Missa da maneira seguinte:
Era uso, antigamente, representar a Paixão por um drama. Em certos lugares, notadamente em Oberammergau, este costume manteve-se até hoje e atrai milhares de espectadores de todas as partes do mundo. Prega-se na cruz um homem que nela fica suspenso até que pareça exalar o último suspiro em sofrimentos extremos, e isto tão ao natural, que os assistentes fundem-se em lágrimas. Na santa Missa, porém, ninguém faz o papel de Jesus Cristo moribundo, mas é o próprio Senhor que se imola. Não quis Ele confiar o cumprimento deste Sacrifício nem a um Anjo nem a um Santo, porque os julgava incapazes de executa-lo inteiramente, e sabia que sua presença não enterneceria o coração do Pai no mesmo grau. Eis porque renova, em cada Missa, sua morte dolorosíssima tal como se realizou sobre o Calvário.
Quando, na última Ceia, instituiu o Santíssimo Sacramento, não quis faze-lo nem de uma só vez nem de uma só espécie, porém quis consagrar duas vezes e sob duas espécies, e isto para nos lembrar, mais vivamente, sua morte. Ainda que, debaixo da espécie de pão, o Sangue esteja também presente, e ainda que o Corpo se ache sob a espécie do vinho, contudo, pela consagração feita sob as duas espécies e pela força das palavras sacramentais, o Corpo é chamado sob apenas as espécies de pão e o Sangue sob as do vinho, de modo a representar, claramente, a separação de um do outro, o que é a própria morte, embora repetimos, por concomitância, o Corpo esteja também sob a espécie de vinho, e o Sangue, sob a do pão.
Lancício escreve sobre este assunto: "Como a morte é motivada pela separação do sangue do corpo, e como Jesus Cristo morreu sobre a Cruz por esta separação natural, na Missa também, sua morte nos é representada pela separação do seu Sangue" (De Missa, tom. 2, c. 5).
Morrendo sob os olhos de seu Pai, Jesus testemunha-lhe a mesma obediência perfeitíssima que lhe testemunhou, morrendo sobre a Cruz. Foi submisso em tudo, mas nada custou tanto à sua natureza humana como fazer-se "obediente até a morte e a morte de Cruz" (Fil., 2, 8). Também esta obediência foi tão agradável a Deus que, para recompensa-la, "Deus elevou-o soberanamente e deu-lhe o nome que está acima de todo o nome". Como dissemos, esta obediência perfeita o Salvador oferece-a a seu Pai durante a Missa e, com ela, as magníficas virtudes que praticou na perfeita inocência, na profunda humildade, na inalterável paciência, na ardente caridade, não somente para seu Pai celeste, como também para os seus carrascos, seus inimigos e todos os pecadores.
Jesus mostra também a seu Pai as amargas dores sofridas na Cruz: sua agonia inexprimível, os terrores que o oprimiram, os membros deslocados, a lança que lhe traspassou o coração. Tudo isto representado tão ao vivo como se ainda estivesse sobre o Calvário. E como então aplacara a cólera de seu Pai e havia reconciliado o mundo, comove ainda este coração paterno em nosso favor em cada Missa, prosseguindo assim a obra de nossa redenção.
Vejamos também, segundo os doutores, o grande proveito que nos garante esta morte mística.
São Gregório diz: "Este Sacrifício preserva a alma da perdição eterna, renovando a morte do Filho de Deus". Consoladoras palavras para os que, à vista de seus pecados, temem o inferno, pois o santo Papa afirma, expressamente, que a imolação do Salvador se efetua, misticamente, na santa Missa, e proclama-lhe a virtude para nos preservar da morte eterna. Quereis escapar ao inferno? Ouvi bem a santa Missa, honrai a morte de Jesus Cristo e oferecei-a a Deus Padre.
Segundo o sábio Mansi, a santa Missa é um simples memorial do Sacrifício cruento da cruz, visto que a mesma vítima que foi oferecida no Calvário é também nela ofertada; portanto, este sacrifício místico não tem menos valor que o sacrifício cruento.
O que escreve o cardeal Hosius a respeito não é menos consolador. "Bem que, na santa Missa, diz ele, não imolemos Jesus Cristo fisicamente, pela segunda vez, contudo os méritos de sua morte nos são aplicados de modo tão eficaz como se ela fosse atual" (De Euchar. c. 41). E, para nos penetrar bem desta verdade, o cardeal acrescenta: "Sim, neste mistério, a Morte de Cristo e os frutos desta morte nos são apropriados como se Jesus morresse realmente".
Ruperto, abade de Deutz, diz: "Tanto é verdade que Jesus Cristo, suspenso na Cruz, obteve o perdão dos pecados a todos os que tinham esperado sua vinda, desde o começo do mundo, como é verdade que, sob as espécies do pão e do vinho, nos alcança a mesma graça" (In Joann). O padre Segneri trata deste assunto igualmente: "O Sacrifício da cruz foi a causa geral da remissão dos pecados: o Sacrifício do Altar é a causa particular que apropria a este ou àquele os efeitos do precioso Sangue. A Paixão e a Morte do Salvador acumularam este tesouro; a santa Missa o distribui. A Morte de Cristo é a tesouraria, e a santa Missa, a chave para abri-la" (In Homine Christ. disc. 12. c. 9).
Possam essas palavras animar os que são pobres de méritos e tirá-los do Coração de Jesus, pela assistência à santa Missa.
A Santíssima Virgem disse, um dia, ao seu fiel servo Alano: "Meu Filho ama tanto aos que assistem ao Sacrifício que, se fosse possível, morreria por eles tantas vezes quantas ouvissem a santa Missa" (B Alan. rediviv. p. 2; c. 7, n. 26). Palavras apenas críveis, e, entretanto, exprimem somente o amor infinito que leva Nosso Senhor a morrer, diariamente, não uma vez, mas milhares de vezes, pelos pobres pecadores.
Vai, pois, cada dia à Missa, assiste-a com toda a devoção possível; lembra-te que acompanhas a Jesus Cristo ao Gólgota e à morte, "porque, diz o autor da "Imitação de Cristo", quando celebrares, ou assistires a Missa, este divino Sacrifício deve parecer-te tão grande, tão novo, tão digno de amor, como se nesse mesmo dia, Jesus Cristo, suspenso na Cruz, sofresse e morresse pela salvação dos homens".

X. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA A EFUSÃO DE SEU SANGUE
"Moisés", diz o Apóstolo São Paulo na Epístola aos Hebreus, "depois de haver proclamado, diante de todo o povo, os mandamentos segundo o teor da lei, tomou o sangue dos touros e dos bodes e, com água, lã tinta de escarlate e hissopo, aspergiu o livro e todo o povo, dizendo: É este o sangue do testamento que Deus fez em vosso favor. Aspergiu ainda, com sangue, o tabernáculo e todos os vasos que serviam ao culto. E, conforme a lei, quase tudo se purifica com o sangue, e os pecados não são remidos sem efusão de sangue" (Heb. 9, 19).
Essa efusão e aspersão do sangue das vítimas eram o símbolo do precioso Sangue de Nosso Senhor, em que devíamos ser purificados inteiramente como em um banho, como nos diz ainda São Paulo: "Se o sangue dos bodes e dos touros e a aspersão d'água, misturada com a cinza de uma novilha, santificarem os que foram manchados, dando-lhes uma pureza exterior e carnal, quanto mais o Sangue do Cristo que, pelo Espírito Santo, se ofereceu a Deus como vítima sem mancha, purificará nossa consciência das obras mortas e das manchas que temos contraído por nossos pecados, para nos fazer render um culto mais perfeito ao Deus vivo!" (Heb. 9, 13).
Alguém poderia entristecer-se e dizer: "Jesus Cristo derramou o Sangue em sua paixão e aspergiu os fiéis que então viviam; nós, porém, que não éramos nascidos, fomos privados desta graça imensa".
Não te aflijas, leitor, o Sangue do Salvador correu para ti tão abundante, como para os fiéis de então. São Paulo assim diz expressamente. O Cristo resgatou "todos". Morreu por "todos": pelos justos de sua época, por ti, por mim, por aqueles que virão depois de nós. Além disso, achou um meio de derramar o Sangue todos os dias, de aspergi-lo sobre nossas almas, purificando-as. Este meio é a santa Missa.
Demonstramo-lo, principalmente, pelas palavras de Santo Agostinho: "Na Missa, o Sangue de Cristo é derramado pelos pecadores". Está dito assas claramente, de forma que não há necessidade de comentários. São João Crisóstomo ensina também: "O Cordeiro de Deus é imolado por nós; o Sangue corre, misticamente, sobre o altar, para nos purificar; foi tirado do lado traspassado do Salvador e derrama-se no cálice".
Na Missa, as mãos do Salvador são invisivelmente feridas, os pés, traspassados, o lado, aberto, e o Sangue corre-lhe em borbotões. Podemos, pela contrição, apropriar-nos de seus méritos; podemos também consegui-lo por nossos desejos ardentes, pela santa Comunhão, mas, especialmente, pela piedosa assistência à Missa, porque, na Missa, pelas palavras da consagração, o sacerdote tira, do lado de Cristo, o Sangue divino, a fim de que corra para a remissão de nossos pecados, nossa purificação e nossa santificação.
O Sangue que brotou do lado do Senhor acha-se no cálice, onde está para a remissão dos pecados, como o indicam as palavras da consagração: "Este é o cálice de meu sangue, derramado por vós e por muitos, em remissão dos pecados". Estas palavras, proferidas por Jesus na primeira consagração, o sacerdote as repete, seguindo a ordem do próprio Salvador, não como se quisesse simplesmente recordar o que disse Jesus Cristo sobre o cálice - neste caso não consagraria, - mas para realizar e afirmar a mudança do vinho no precioso Sangue.
O sacerdote não diz somente: "Este é o cálice de meu Sangue"; acrescenta: "derramado por vós e por muitos, em remissão dos pecados". Ora, tendo sido infalivelmente cumpridas as primeiras palavras, as últimas devem sê-lo também. Há, pois, efusão de sangue, "por vós e por muitos", isto é, por vós que assistis à santa Missa; pelos ausentes. Pelos que a mandam celebrar; pelos que assistiriam se pudessem; também pelos que são impedidos por moléstias, ou negócios importantes, contanto que se unam ao santo Sacrifício, ou se lhe recomendem.
Oh sublime mistério! O doce Jesus, depois de ter derramado o Sangue até a última gota, quer ainda derramá-lo por nós, cada dia e a cada hora, a fim de que sejamos limpos de pecados, e para nos assegurar a salvação eterna. Que incomparável benefício é, pois, a santa Missa para os que a ouvem devotamente, pois que Santo Ambrósio nos repete: "Para a remissão dos pecados, o Sangue de Cristo é derramado!" (Dal. Mirac. vol. 2: dist. 9, cap. 22, p. 181).
Dentre os muitos fatos miraculosos que apóiam esse artigo de fé, escolhemos o que sucedeu ao padre Pedro Cavanelas, da Ordem dos Jerônimos.
Este religioso vivia, desde muito tempo, oprimido pela dúvida de que o precioso Sangue se achasse também na santa Hóstia. Chegando, um dia, na Missa, às palavras que seguem a elevação: "Supplices te rogamus, - nós vos suplicamos, Deus onipotente, ordeneis que estes dons sejam levados ao vosso altar sublime, em presença de vosso santo Anjo, etc., como se inclinasse profundamente, viu-se inteiramente cercado de uma espessa nuvem que lhe ocultou a santa Hóstia e o cálice". Ficou perturbado, não sabendo o que aquilo significava nem o que ia acontecer. Um instante depois, mão invisível suspendia as santas espécies. O assombro chegou-lhe ao cúmulo, pareceu-lhe ter sido julgado indigno de celebrar a santa Missa. Exercitou, no coração, um profundo sentimento de arrependimento e suplicou a Deus que lhe viesse em auxílio. Afinal, os suspiros lhe foram ouvidos, o cálice voltou a seu lugar, a santa Hóstia pairando-lhe em cima.
Ora, enquanto o pranto de dor se lhe transformava em lágrimas de prazer, considerando, piedosamente, a sagrada Hóstia, o religioso notou que dela corriam gotas de sangue. Imediatamente, compreendeu a significação deste mistério; as dúvidas se lhe desvaneceram, dando lugar à fé inconcussa na presença do precioso Sangue sob as espécies do pão.
Por conseguinte, a santa Humanidade do Senhor acha-se toda em cada espécie, embora, em virtude das palavras da consagração, o Corpo esteja principalmente na santa Hóstia, e o Sangue, no cálice.
Refleti aqui sobre a imensidade da graça que nos é concedida por termos, sobre o altar, o precioso Sangue de Jesus Cristo. Não há bem mais augusto do que esse Sangue divino, do qual uma gotazinha excede, em valor, todos os tesouros da terra e do céu. Este sangue adorável não o temos somente diante de nós; pertence-nos como um dom que recebemos.
O Sangue de Jesus Cristo derrama-se, verdadeiramente, na santa Missa. Procuremos compreender aqui como é derramado sobre todos os assistentes e sobre as almas do purgatório.
O antigo Testamento fornece-nos um símbolo deste mistério, símbolo alegado por São Paulo: "Moisés tomou o sangue dos vitelos e dos bodes, e lançou-o sobre o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus fez em vosso favor" (Heb. 9, 20).
Na Ceia, Jesus pronunciou quase as mesmas palavras sobre o cálice: "Este é meu Sangue, o Sangue da nova Aliança" (Lc. 22, 20). São Paulo diz: "Era necessário, visto que as imagens das coisas que estão nos céus foram purificadas desta maneira (pelo sangue dos animais), que as coisas celestes fossem inauguradas por sacrifícios superiores àqueles".
O Apóstolo quer dizer: A sinagoga, que era a imagem da Igreja, foi purificada pelo sangue dos animais, mas a Igreja é purificada pelo sangue do Cordeiro de Deus. Cousa alguma pode ser purificada com sangue e água sem ser deles inundada; por conseguinte, sendo nossas almas purificadas na Missa pelo Sangue de Cristo, este Sangue é, necessariamente, derramado sobre elas.
São João Crisóstomo diz: "Quando vedes o Senhor imolado e estendido sobre o altar, o sacerdote inclinado sobre a vítima, orando, e todos os assistentes aspergidos do precioso Sangue, ainda vos parece estar neste mundo e entre os homens? Não vos julgais no céu, livres dos apetites da carne, contemplando as maravilhas celestes?" (Bibliothek der Kirchenvaeter, Kempten. Chrysostomus). Considerai a expressão do santo doutor: o povo é aspergido de sangue, por conseguinte, o Sangue de Jesus não é só derramado, mas é aspergido sobre nós.
Marchant afirma: "O precioso Sangue é derramado em sacrifício, na Missa, e os assistentes são aspergidos com ele de modo espiritual". Também escreve São João muito claramente: "Jesus Cristo nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu Sangue" (Apoc. 1, 5). É ainda doutrina de São Paulo: "Sois aproximados de Jesus, o mediador da nossa Aliança, e do sangue da aspersão, que fala melhor que o de Abel" (Heb. 12, 24).
Quando nos aproximamos de Jesus, nosso mediador, senão na santa Comunhão?Sim, verdadeiramente, na santa Comunhão nos aproximamos muito perto de Jesus, visto que o recebemos em nosso coração; contudo, na Comunhão, vamos a ele antes como ao alimento de nossas almas do que como ao nosso mediador, enquanto na santa Missa é o verdadeiro mediador que nos dirigimos, porque Jesus Cristo nela exerce as funções do grande sacerdote e ora, oficialmente, pelo povo.
Aproximando-nos de nosso mediador, aproximamo-nos também do "sangue da aspersão", que inunda, espiritualmente, nossas almas. Em sua Paixão, o salvador derramou o Sangue, porém esta preciosa onda só purpureou as mãos e a roupa dos carrascos, as pedras e a terra. Na Missa, este mesmo Sangue corre novamente, porém sobre as almas dos fiéis. Moisés aspergia o povo com o sangue dos animais; o sacerdote o asperge com água benta; o Salvador asperge as almas com seu Sangue precioso.
Esta aspersão espiritual é, infinitamente, mais eficaz do que a material. Os carrascos e os judeus que cercavam a Jesus Cristo, tiveram o corpo tinto do precioso Sangue e não se converteram: pelo contrário, tornaram-se mais endurecidos. Se o Salvador lhes tivesse aspergido as almas, teriam sido convertidos e purificados. Do mesmo modo, de pouco nos serviria sermos, materialmente, regados com Sangue divino, na santa Missa, sem a aspersão espiritual deste sangue adorável que purifica, santifica e adorna nossas almas.
Santa Maria Madalena de Pazzi diz: "A alma que recebe o Sangue divino torna-se bela como se a vestissem preciosamente, e tão brilhante e fulgurante que, se pudéssemos vê-la, seríamos tentados a adorá-la" (In monitis vitae suae annexis, c. 1, n. 44).
Bem-aventurada, pois, a alma ornada de semelhante beleza! Bem-aventurados, também, os olhos dignos de contemplá-la.
Caro leitor, vai à Missa a fim de que o Sangue rubro do divino Salvador comunique a tua alma este vestido de glória que te tornará digno de ser introduzido na sala do festim, para regozijar-te, eternamente, com os Anjos e os Santos.
Este precioso Sangue purifica e enfeita os piedosos fiéis, torna-os férteis em boas obras, alivia-os nas fraquezas e produz efeitos proporcionados às disposições de cada um; esforça-se por tornar bons os maus, tocar os corações endurecidos, reconduzir os desviados; a todos os inimigos de Deus oferece o perdão e a graça; e, se o pecador é bastante obstinado para persistir no mal, clama por ele ao céu e retém o braço vingador da Justiça divina.
Reconhece, leitor, por estes efeitos do precioso Sangue, quanto é útil a todos, aos justos e aos pecadores, irem, assiduamente, à santa Missa, porque, ainda uma vez, é onde "o Sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado" (Jo. I. Ep. 1, 7); onde os maus são preparados para a justificação.
Se te fosse dado assistir à crucifixão e ser purpureado do Sangue que correu da Cruz, não te julgarias infinitamente favorecido?
É certo que, se ouvires a santa Missa com as disposições que terias levado ao Calvário, a aspersão mística do Sangue de Nosso Senhor te será tão salutar como a primeira.
Uma das principais graças que recebem os assistentes na santa Missa, é o brado do Sangue divino para o céu, a fim de obter misericórdia. Oh! como é útil aos pecadores este apelo. Com que força aplaca a ira divina! A Escritura Sagrada diz, expressamente, que os crimes dos homens clamam pela vingança do céu: "A voz do Sangue de teu irmão clama da terra para mim" (Gen. 4, 10), disse Deus a Caim. E, em outro lugar, "o grito de Sodoma e Gomorra aumenta cada vez mais, e seu pecado chegou ao cúmulo. Descerei e verei se suas obras correspondem a este grito que subiu até mim" (Gen. 18, 20). Aos opressores das viúvas e órfãos, o Espírito Santo diz: "As lágrimas da viúva não correm ao longo de suas faces, chamando vingança contra quem as provoca? Do seu rosto, sobem até mim" (Ex. 22). E São Tiago designa outro pecado deste gênero: "Eis que clama para o céu o salário de que tendes privado os obreiros que ceifaram vossos campos, e os gritos dos segadores subiram até os ouvidos do Senhor dos exércitos!" (S. Tiago, 5, 4). Em Isaías, o Senhor clama o pecado em geral um brado: "A vinha do Senhor é a casa d'Israel, e os homens de Judá eram o ramo no qual achava minhas delícias. Esperei ações justas e vejo apenas iniqüidades e ouço somente clamores dos pecados" (Isaías, 5, 7).
Quem, pois, desarmará a ira do Senhor? Quem desviará sua terrível vingança? Quem? - O precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O clamor de nossos crimes sobe até as alturas do céu, porém muito mais alto ainda sobe a voz súplice do Sangue de Jesus que, infinita e onipotente, não traspassa somente os ares, mas enche o céu e penetra até no coração do Pai celeste. Ante a doçura desta voz, se desvanece o pensamento da vingança que a multidão de nossos crimes havia inspirado ao Altíssimo.
Perguntar-nos-ás: Como é que o precioso Sangue clama ao céu, pois nada se ouve? Perguntamos também: Como o sangue de Abel podia clamar, estando ele morto? Não obstante, Deus disse a Caim: "A voz do sangue de Abel chega até mim".
Este clamor não era material, e, sim, espiritual, mas tão poderoso, que penetrou no Coração do Pai e obteve vingança contra o crime de Caim. Assim também a voz do Sangue de Jesus Cristo, toda espiritual, é de tal poder, que obriga a Deus a nos fazer misericórdia. O mesmo afirma São Paulo, dizendo: "Aproximaste-vos de Jesus, o mediador da nossa Aliança, e deste Sangue do qual se fez a aspersão e que fala mais vantajosamente do que o de Abel".
Enquanto o Sangue de Jesus estava em seu corpo, não se fez ouvir; mas, derramado em sua dolorosa Paixão, sua voz elevou-se poderosíssima, para implorar o perdão em favor do gênero humano.
Na Missa, esta mesma voz se dirige com acentos irresistíveis ao Pai celeste: "Considerai, oh! Deus, com que humilhações, com que dor e em que ignomínia, com que crueldade fui insultado, escarnecido, amaldiçoado e calcado aos pés. Tudo isto suportei com a maior paciência, a fim de salvar os pecadores e abrir-lhes o céu. Mas, Vós, oh Juiz severo, quereis condená-los e precipitá-los no fundo do inferno. Quem me compensará tantos suplícios? Não serão os réprobos, que, no inferno, odiar-me-ão, em vez de agradecer-me. Oh! Deus de misericórdia, escutai minha prece, e, por meu amor, concedei aos pecadores a graça da conversão, e aos justos, a de crescer em vossa graça e em vosso amor".
Como Deus não responderia a tais clamores, pois que, à voz de Abel, amaldiçoou logo o fratricida Caim! O Sangue de Abel bradava vingança, o de Jesus Cristo clama misericórdia, para a qual Deus é muito mais inclinado, como diz a Igreja: "Deus, a quem é próprio perdoar e poupar sempre o castigo". E São Pedro escreve: "Deus nos espera com paciência, não querendo que ninguém pereça, porém que todos voltem a ele pela penitência" (II Ep. São Pedro, 3, 9).
O precioso Sangue clamou em nosso favor na circuncisão, no jardim das oliveiras, na flagelação, na coração de espinhos, na crucifixão de Nosso Senhor, e obteve "a reconciliação do mundo com Deus" (II Cor. 5, 9). Na santa Missa, este Sangue não fala apenas com uma voz, com tantas vozes quantas foram as gotas derramadas. Clama com voz penetrante, com toda a virtude divina e humana, e com ele clamam as inumeráveis chagas do Salvador, seu Coração com todas as palpitações, sua sagrada boca com todos os suspiros que dela se escaparam. Seria possível que este clamor, vindo do Sangue, do Coração, de todas as chagas de Cristo, não traspassasse o Coração do Pai celeste?
Na verdade, ainda quando Deus quisesse esquecer a misericórdia para satisfazer a justiça, este clamor comovente do Sangue de Jesus lhe faria esquecer a resolução.
O precioso Sangue, porém, sobe a Deus não somente como ração poderosíssima, mas também é um incenso de cheiro agradável. É isto o que o sacerdote pede, quando diz no oferecimento do cálice: "Nós vos oferecemos, Senhor, o cálice da salvação, suplicando a vossa clemência que suba ao trono de vossa divina Majestade qual suave perfume para a nossa salvação e a de todo o mundo".
No antigo Testamento, Deus tinha por agradável o odor dos holocaustos. Que, pois, não obterá o perfume do Sangue de Jesus Cristo, derramado sobre o altar e oferecido na santa Missa?
Quando Jesus, como preciosa vítima, foi imolado na Cruz e seu divino Sangue corria sobre a terra, dimanou dele um perfume tão suave, que afastou a fedentina que exalavam os abomináveis sacrifícios dos idólatras e vícios do mundo. É o Apóstolo São Paulo que no-lo afirma: "Jesus Cristo nos amou e entregou-se a Deus por nós, como vítima e oblação de cheiro agradável" (Ep. Efésios, 5, 2).

XI. A SANTA MISSA É O HOLOCAUSTO MAIS EXCELENTE
Havia, na antiga lei, quatro espécies de sacrifícios: o holocausto ou sacrifício latréutico, pelo qual se reconhecia o soberano domínio de Deus; o sacrifício de louvor e de reconhecimento; o sacrifício pacífico, quer fosse eucarístico, quer impetratório, pelo qual se atraíam os benefícios de Deus; e o sacrifício expiatório, em que Deus era honrado como Juiz; era oferecido pela remissão dos pecados e pela expiação das culpas. Cada um destes sacrifícios tinha um rito particular.
Desde a criação do mundo até a vinda do Messias, inumeráveis holocaustos foram oferecidos ao Senhor, e a Sagrada Escritura afirma que agradavam a Deus. A lei de Moisés ordenava aos judeus o sacrifício perpétuo ou sacrifício da manhã e da tarde, que consistia na imolação de um cordeiro. Nos sábados, o número era dobrado. Em cada lua nova, imolavam sete cordeiros, duas cabras e um carneiro. O mesmo número devia ser oferecido durante oito dias, na Páscoa e no Pentecostes. Na festa dos Tabernáculos, o número das vítimas aumentava, eram quatorze cordeiros, treze cabras, dois carneiros e um bode que se imolavam cada dia durante todo o oitavário. Além destas oblações obrigatórias, cada um apresentava ainda, segundo sua piedade, ou suas posses, bois, cabras, ovelhas, carneiros, pombas, vinho, incenso, pão, sal e óleo.
Citamos tudo isto para mostrar como eram custosos os sacrifícios impostos aos patriarcas e aos sacerdotes judeus, bem que não trouxessem a Deus senão uma exígua honra, e não merecessem senão pequena recompensa, como disse São Paulo em sua Epístola aos Hebreus. Não obstante, agradavam a Deus, porque eram símbolos do Sacrifício incruento de Jesus Cristo. Comparai com tudo isto o nosso holocausto que é pouco custoso, fácil de oferecer, sendo, entretanto, o sacrifício mais agradável a Deus, o mais precioso para o céu, o mais útil para o mundo, e o mais consolador para o purgatório.
Se um homem tivesse imolado todas as vítimas que foram sacrificadas desde o começo do mundo até Jesus Cristo, sem dúvida, teria rendido uma grande homenagem a Deus. Mas que seria este culto comparado ao que rendemos à divina Majestade por uma só Missa?
Eis como São Tomás de Aquino expõe a essência e o fim do nosso holocausto: "Confessamos, pelo santo Sacrifício, que Deus é o autor de toda a criatura, o fim supremo de toda a beatitude, o Senhor absoluto de todas as coisas, a quem oferecemos, como testemunho de nossa submissão e adoração, um sacrifício visível, que figura a oferenda invisível, pela qual a alma se dá inteiramente a Deus como a seu princípio e a seu fim". O holocausto somente pode ser oferecido a Deus, que o reservou para si: "Eu sou o Senhor, é este o nome que me é próprio. Não darei a outrem a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o louvor que só a mim pertence" (Is. 42, 8).
Esta proibição do Senhor de oferecer sacrifícios a outros, diz, claramente, que o santo Sacrifício da Missa não poderia ser oferecido a nenhuma criatura, nem a Santa Virgem, nem aos Santos; jamais poderíamos oferecer-lhes a santa Missa. Eis neste sentido a doutrina do Concílio de Trento: "Embora a Igreja tenha costume de celebrar a Missa em honra e memória dos Santos, não ensina que lhes seja oferecido o sacrifício, porém, a Deus, que os coroou" (Sess. 22, c. 3). Também o sacerdote não diz: "São Pedro, São Paulo, ofereço-vos este Sacrifício", mas, agradecendo a Deus de lhes haver concedido a vitória, implora-lhes o socorro, a fim de que se dignem interceder por nós, no céu, enquanto lhe celebramos a memória na terra.
Sendo a vida de Jesus Cristo mais nobre do que a de todos os homens, sua morte foi mais meritória e preciosa aos olhos de Deus. E, visto que o Salvador renova sua morte em cada Missa, segue-se que Deus Pai recebe do santo Sacrifício maior honra e glória do que se todo o gênero humano lhe fosse imolado em holocausto.
Que é a santa Missa senão uma embaixada à Santíssima Trindade, para oferecer-lhe uma oferta de valor inestimável, pela qual reconhecemos-lhe a soberania e lhe testemunhamos nossa inteira submissão?
Esta oferta quotidiana é Jesus Cristo, o próprio Filho de Deus, o único que conhece a infinita Majestade do Senhor e a honra que lhe é devida. Ele somente pode, com efeito, render esta honra e lha rende dignamente, imolando-se sobre o altar. E Jesus Cristo, a adorável vítima, dá-se-nos tão inteiramente, que nos é possível oferece-lo ao Deus três vezes santo, como nosso próprio bem.
Pobres pecadores, prestamos-lhe, deste modo, o culto e a honra que lhe é devida. Sem a santa Missa, ficaríamos eternamente devedores de Deus.
Caro leitor, não desejais oferecer cada manhã o mais precioso dos dons a teu Senhor e Deus? Que desculpa terás, no dia do juízo, de tua negligência?

XII. A SANTA MISSA É O MAIS SUBLIME SACRIFÍCIO DE LOUVOR
Deus é inefável. Não há criatura que possa exprimir-lhe a santidade e a glória. É a mais rigorosa justiça, a mais doce misericórdia, a beleza personificada, em uma palavra, é o conjunto de todas as perfeições.
Bem que os Anjos e os Santos o amem de todo o coração, tremem em presença de sua sublime Majestade e adoram-no prostrados com o mais profundo respeito. Louvam, exaltam e bendizem-lhe as infinitas perfeições sem jamais poderem saciar-se.
O sol, a lua, as estrelas imitam-nos. Todas as outras criaturas: os animais, as árvores das florestas, os metais e as pedras, bendizem ao Senhor, conforme a espécie e os meios, e contribuem assim para sua maior glória.
Se, pois, todos os seres devem louvar ao Senhor, quanto mais o homem, que foi criado para este fim com uma alma racional.
David, rei e profeta, cumpriu, excelentemente, este dever. Convidou a terra e o céu, os seres animados e inanimados, para com ele bendizerem ao Senhor, a fim de que as gerações futuras continuassem a celebrar a glória de seu nome.
Mais estritamente que o povo judeu, somos obrigados para com Deus, a quem "predestinou sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo, segundo o propósito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça" (Ef. 1, 5-8).
Em outros termos, Deus adotou os cristãos para que louvassem e bendizessem a magnificência de sua graça. Eis o dever sagrado ao qual não nos poderemos subtrair sem pecado grave. Para cumprir este dever, imperadores, reis, príncipes piedosos edificaram magníficos templos e fundaram mosteiros, onde os louvores ao Senhor deviam seguir-se noite e dia, pelo canto das horas canônicas. É por essa razão que a Igreja obriga seus clérigos, desde que recebem o subdiaconato, à recitação quotidiana do breviário, obrigação que estende sobre a maior parte das Ordens religiosas de um e de outro sexo. Todos se conformam com isto alegremente e "elevam a glória do Senhor tão alto quanto podem, e elevam sua grandeza quanto possível, porque ele está acima de todo louvor".
Para que, porém, o nosso louvor seja um tributo digno de ser recebido pela imensa Majestade de Deus, Jesus Cristo, conhecendo a fraqueza humana, instituiu a santa Missa, o "sacrifício de louvor" por excelência, oferecido ao Senhor todos os dias e a toda hora.
Recordai, sob este ponto de vista, as diferentes partes da santa Missa. Que hino magnífico o "Glória in excelsis; 'laudamus te', nós Vos louvarmos; 'benedicimus te', nós Vos benzemos; 'adoramus te', nós Vos adoramos; 'gloricamus te', nós Vos glorificamos!"
Que cântico ardente o "Sanctus": "Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos; Vossa glória enche os céus e a terra. Hosana nas alturas, bendito seja quem vem em nome do Senhor!"
O profeta Isaías, em um êxtasis, ouviu os coros dos Anjos que cantavam, alternadamente, este cântico, e o hosana de alegria partia do coração dos judeus, quando Jesus entrou em Jerusalém, seis dias antes de sua Paixão. Unindo, na santa Missa, nossas fracas vozes e essas melodias celestes, rendemos a mais pura glória que possa ser rendida a Deus no céu e na terra.
"A Santa Igreja, pela Carne e pelo Sangue de Jesus Cristo, oferece um sacrifício de louvor", diz Santo Agostinho. E São Lourenço Justiniano escreve: "É certo que Deus não poderia ser mais louvado do que pelo Sacrifício da Missa, instituído para esse fim pelo Salvador".
Na Missa, o Filho de Deus oferece-se a seu Pai e rende-lhe toda a honra, toda a glória que lhe rendia sobre a terra. Desta sorte e assim unicamente, o Pai é glorificado de maneira digna dele: eis porque Deus recebe, de uma só Missa, mais honra e glória do que poderiam proporcionar-lhe todos os Anjos e Santos.
Se, em honra da Santíssima Trindade, o céu inteiro organizasse uma procissão, à frente da qual marchasse a Mãe de Deus, seguida dos nove coros dos Anjos e do exército inumerável dos Santos e bem-aventurados, Deus seria certamente muito honrado por ela. Mas, se enviasse a Igreja militante um só de seus sacerdotes para rematar esta augusta procissão pelo santo Sacrifício da Missa, verdadeiramente, este pobre sacerdote, pela única Missa que celebrasse, renderia a Deus uma homenagem infinitamente maior do que a que resultaria de uma tão tocante cerimônia; homenagem tão elevada acima da primeira, como o Filho de Deus está elevado sobre todas as criaturas.
"Quando, um dia, assistia à Missa, conta-nos Santa Brígida, pareceu-me, no momento da consagração, o sol, a lua, as estrelas, todo o firmamento e suas evoluções cantarem as mais doces e penetrantes harmonias. Unia-se-lhes uma multidão de cantores celestes, cujos acentos eram tão melodiosos que nem se pode imaginar. Os coros angélicos contemplavam o sacerdote e inclinavam-se diante dele com o mais profundo respeito, enquanto os demônios fugiam, tremendo de espanto. Logo que as palavras sacramentais foram pronunciadas sobre o pão, percebi um cordeirinho em lugar da hóstia; tinha a figura de Jesus; os Anjos o adoravam e o serviam. Uma infinidade de almas santas louvavam também, com os Anjos, o Altíssimo e o Cordeiro imaculado" (Lib. 8, c. 56).
Caro leitor, estás no meio desta assembléia celeste, quando assistes à santa Missa e ajudas a louvar ao Senhor. Ele repara as blasfêmias, os insultos que os homens insensatos proferem diariamente. Sem este augusto sacrifício de louvor, o mundo não subsistiria. A santa Missa retém o braço de Deus; opõe aos ultrajes dos ímpios as homenagens dignas de sua divina Majestade.
Agradece, pois, sem cessar, a nosso bom Mestre a instituição da santa Missa e aproveita, cada vez mais, deste meio eficacíssimo de louvar ao Senhor.

XIII. A SANTA MISSA É O MELHOR SACRIFÍCIO DE AÇÃO DE GRAÇAS
Os benefícios de Deus para conosco estão acima de todo o número e de todo o alcance. Criou-nos, concedeu-nos os sentidos e todos os membros do corpo; deu-nos uma alma feita à sua imagem e semelhança; santificou-a pelo batismo, escolheu-a para ser-lhe esposa; confiou-a à guarda de um Anjo. Cuida de nós, noite e dia, perdoa-nos os pecados pelo Sacramento da Penitência, e sustenta-nos com sua Carne no Sacramento da Eucaristia. Suporta, pacientemente, nossas ofensas, dá-nos boas inspirações, aguardando nossa conversão. Instrui-nos pela boca de seus sacerdotes, atende as nossas fracas orações e preserva-nos de mil perigos. É nossa consolação nas penas, nosso escudo nas tentações, a recompensa em qualquer circunstância. Como se tantas graças não fossem suficientes, acrescentou mais uma, excelente entre todas: adotou-nos por seus filhos.
"Considerai que amor o Pai nos testemunhou, fazendo que nos chamássemos filhos de Deus e que efetivamente o fôssemos", escreve o Apóstolo São João (I Epístola, 3, 1). "Se somos filhos", diz, por sua vez, São Paulo, "somos também herdeiros de Cristo" (Romanos, 8, 17). Não é excesso de bondade que pobres mendigos sejam admitidos à adoção e à herança do Rei dos reis?
Depois deste dom incomparável, sua mão paterna não se fechou; tendo o pecado nos colocado sob o poder de Satanás, Deus libertou-nos por seu Filho Jesus. "Deus amou tanto ao mundo que lhe deu seu Filho único" (Jo. III, 16), não só revestindo-o de nossa natureza, porém entregando-o por nós à morte mais dolorosa.
Se Deus não nos tivesse concedido outra coisa além de um olhar favorável, quem poderia agradecer-lhe bastante? Não é Ele a Majestade infinita, e nós, pobres criaturas? Como então agradecer a Jesus Cristo sua encarnação, vida, paixão e morte? Não devemos dizer com o rei David: "Que renderei ao Senhor por todos os bens de que me tem cumulado?" (Sl. 115) ou com o profeta Miquéias: "Que posso oferecer ao Altíssimo que seja digno dele?" (5, 6). E eis a resposta inspirada do santo rei: "Oferecerei um sacrifício em ação de graças e cumprirei meus votos ao Senhor" (Sl. 115).
Este sacrifício de ação de graças é a santa Missa, e assistí-la com esta intenção é, por conseguinte, uma maneira perfeita de agradecer a nosso soberano Benfeitor. "Este santo Sacrifício, diz Santo Irineu, foi instituído a fim de que não fôssemos ingratos para Deus" (Lib. 4, contra haer. C. 22). Fora deste Sacrifício, nada acharíamos para oferecer à Santíssima Trindade, na proporção de seus benefícios.
Também as palavras do missal indicam, claramente, o caráter de ação de graças da santa Missa. Além dos versículos já citados do "Glória", se diz no "Prefácio": "Agradeçamos ao Senhor, nosso Deus. É verdadeiramente justo e razoável, é proveitoso e salutar agradecer-Vos, sempre e em todo o lugar, Senhor santo, Pai poderosíssimo, Deus eterno, por Jesus Cristo, nosso Senhor".
Imediatamente antes da consagração, o sacerdote diz: "Ele tomou o pão em suas mãos santas e veneráveis, e, levantando os olhos para o céu, rendeu graças".
Oh! amável elevação dos olhos de meu Jesus! Oh! poderoso testemunho de gratidão, substituindo nossos agradecimentos incompletos! O que Jesus fez depois da última Ceia, renova-o em cada Missa. E nesta ação de graças duma pessoa divina, sendo infinita, Deus encontra uma satisfação incomparável.
Pesai agora o valor desta ação de graças. Se, desde a infância até agora, tivésseis agradecido a Deus os inumeráveis benefícios, teríeis feito menos do que assistindo apenas a uma Missa em ação de graças. Se tivésseis convidado todas as almas piedosas a unir os cânticos de agradecimento aos vossos, e, durante toda a vida, todos juntos, tivésseis unido vossas vozes e vossos corações, o resultado jamais atingiria ao da celebração da santa Missa. Dizemos mais, se o próprio exército celeste tivesse assumido esta tarefa, não se aproximaria da perfeição do reconhecimento testemunhado a Deus por Jesus Cristo sobre o altar.
Oh! Deus, faça-nos compreender o tesouro, oculto na santa Missa. Tal conhecimento nos tornaria felizes e ávidos de assistirmos ao divino Sacrifício!
"As graças, diz São Tomás de Aquino, devem ser referidas ao seu autor pela gratidão, e isto pelo mesmo canal com que no-las transmitiu".
Jesus, porém, é o caminho pelo qual nos chega todo o bem. Logo, por Jesus Cristo, imolado sobre o altar, nossas ações de graças devem subir ao céu.
Também São Paulo, escrevendo aos Coríntios, diz: "Rendo ao meu Deus continuadas ações de graças, por vós, pela graça que vos foi feita em Jesus Cristo. Porque nele fostes cumulados de riquezas, de maneira que não ficais inferiores a ninguém em toda a sorte de graças" (I Cor. 1, 4)
Considerai, pois, piedoso leitor, quanto és devedor pela instituição da santa Missa, visto que, sem ela, não terias o meio de agradecer, dignamente, a Deus. Praza a Deus que possas apreciar bastante nossa felicidade. No santo Sacrifício, Jesus torna-se nossa propriedade; com ele possuímos-lhe os méritos, de maneira que, em união com a Vítima divina, podemos oferecê-los ao Rei celeste e apagar a dívida que nos acabrunha.

XIV. A SANTA MISSA É O SACRIFÍCIO MAIS EFICAZ DE IMPETRAÇÃO
Na lei de Moisés, Deus não somente prescreveu ao povo de Israel sacrifícios em testemunho de sua soberania e poder divino, mas também sacrifícios de paz e de impetração. E estes eram de uma eficácia maravilhosa, porque faziam descer sobre Israel graças e bênçãos de preservação.
Lê-se, na Sagrada Escritura (I Reis 7,7), que os israelitas, ameaçados pelos filisteus, pediram a Samuel que orasse por eles. Samuel imolou um cordeiro, implorou ao Senhor, e, de repente, um pânico apoderou-se dos inimigos, que fugiram em desordem.
Mais tarde, quando Deus castigou seu povo com a peste, o rei David ofereceu igualmente o sacrifício de paz, e o flagelo desapareceu. Exemplos semelhantes encontram-se, freqüentemente, no antigo Testamento.
Se Deus prodigalizou ao povo hebreu um tal meio de apaziguá-los, os cristãos receberam outro incomparavelmente mais eficaz. Com efeito, que não obterá o Cordeiro divino, imolado sobre o altar, quando os cordeiros dos judeus aclamaram tão favoravelmente o Altíssimo! Os sacrifícios da sinagoga só podiam ser oferecidos em uma intenção e com um rito particular: a santa Igreja, bem que tenha um sacrifício, pode oferece-lo em diversas intenções e obtém muito mais graças do que os múltiplos sacrifícios dos judeus.
Assim posso assistir à santa Missa ou celebrá-la para maior glória de Deus e alegria de Maria Santíssima, em honra dos Anjos e dos Santos, para minha salvação, para conservar ou recobrar minha saúde, para ser preservado de males temporais, obter a remissão de meus pecados, a emenda de minha vida, a graça duma boa morte. Tudo isto posso pedi-lo para meus parentes e amigos e para todos os fiéis.
Os doutores da santa Igreja são unânimes em proclamar o poder da santa Missa como sacrifício impetratório. "Ela é soberanamente eficaz, diz assim deles, por causa do preço da Vítima e da dignidade do grande Sacerdote sacrificador. Não há graças nem dons que, por seu intermédio, não se possam obter. O número de suplicantes não influi, todos receberão segundo seu pedido, porque, sendo Jesus Cristo o principal sacrificador, sua oferta é, infinitamente, agradável a Deus Pai; seus méritos apresentados, neste momento, são inesgotáveis, suas chagas têm um valor ilimitado".
São Lourenço Justiniano fala no mesmo sentido: "Nenhum sacrifício é maior, mais agradável à divina Majestade, que o Sacrifício da Missa, onde as chagas de nosso divino Salvador, sua flagelação e todos os suplícios e opróbrios que sofreu por nós, são de novo oferecidos a seu Pai, e este, vendo de novo imolar-se aquele que enviou ao mundo, concede o perdão aos pecadores, socorro, aos fracos, a vida eterna, aos justos" (Sermo de Corp. Christi).
Pela oblação do santo Sacrifício, damos mais do que podemos pedir. Por quê, pois, temer que nossa prece seja rejeitada? Para obter qualquer coisa finita, oferecemos uma Vítima de preço infinito. Como o Deus liberalíssimo, que prometeu uma recompensa por um copo dágua dado em seu nome, deixaria nossas súplicas sem resposta, quando lhe apresentamos o cálice cheio do Sangue de seu Filho, deste Sangue que implora graças e misericórdia por nós?
Depois da última Ceia, nosso bom Mestre disse: "Em verdade, em verdade vos digo, tudo o que pedirdes a meu Pai, em meu nome, Ele vo-lo dará". Que momento mais próprio para pedir em nome do Filho senão aquele em que Jesus, morrendo novamente por nós, é apresentado aos olhos de seu Pai?
São Boaventura dá uma outra razão da eficácia do santo Sacrifício: "Quando um soberano está prisioneiro, dá-se-lhe a liberdade somente pelo preço dum forte resgate. Não deixeis, pois, sair Jesus do altar, onde é nosso cativo, sem que vos tenha concedido o perdão de vossos pecados e a entrada no céu" (Tom. 4 in Expositione Missae). Quando o sacerdote eleva a sagrada Hóstia, parece dizer ao povo: "Vede, aquele que o mundo não pode conter, está em nossas mãos: não o deixemos retirar-se sem ter-nos concedido o que pedimos". Sim, repitamos com Jacó, dirigindo-se ao Anjo: "Não vos deixarei ir sem que me abençoeis".
Pela rica e agradável oblação da santa Missa, podemos obter de Deus tudo o que é necessário à nossa salvação.
Por quê é então que Deus nem sempre atende aos que oferecem a santa Missa? A esta pergunta de Santa Gertrudes, Nosso Senhor respondeu: "Se nem sempre atendo a tuas orações e a teus votos, é para preparar-te qualquer coisa mais útil, porque não és capaz, por causa da fragilidade humana, de conhecer o que te é mais vantajoso". Outra vez a mesma Santa queixava-se humildemente, dizendo: "De que servem minhas orações para aqueles em cujo favor as ofereço? Não vejo frutos". - "Não te admires, disse-lhe o divino Salvador, de não veres o efeito de tuas orações, visto que disponho das graças segundo minha sabedoria impenetrável; entretanto, podes estar certa de que, quanto mais se rezar por uma pessoa, mais feliz será, porque nenhuma oração sincera fica sem efeito, ainda que esse efeito possa conservar-se oculto".
Se, conforme a palavra de Jesus Cristo, cada oração sincera produz frutos, qual não será o fruto de uma Missa?
Lê-se na vida de São Severino, que uma nuvem de gafanhotos caiu nos arredores do castelo Corul. Os frutos, as árvores, toda a vegetação foi devastada. O povo dirigiu-se ao abade Severino, implorando-lhe a intercessão junto a Deus para afastar o flagelo.
Cheio de compaixão, o santo religioso convidou o povo a entrar na igreja e aí pregou sobre a penitência e a oração, terminando com as seguintes palavras: "Não conhecendo oração mais eficaz do que a santa Missa, vou oferecê-la em vossa intenção; oferecei-a comigo, e ponde nela toda a vossa confiança".
Todos se apressavam em obedecer, à exceção de um só que dizia: "Vã é a vossa confiança. Embora ouçais todas as Missas que se celebram no mundo inteiro e fiqueis o dia todo em oração, não afastareis um só gafanhoto". Dito isto, dirigiu-se para a sua tenda de trabalho. O povo, porém, piedosamente unido ao sacerdote celebrante, suplicou a Deus que o livrasse do terrível flagelo.
Terminada a santa Missa, saíram todos para seus campos e pastos e verificaram, com surpresa e reconhecimento, que os gafanhotos, apesar de serem tantos que formavam uma nuvem espessa, se retiraram: a alegria reinava, por isso, em todos os corações. Também o leviano que, pouco antes, zombava da santa Missa, associou-se aos outros fiéis, admirado pelo que viu. Grande, porém, foi a sua surpresa, quando a nuvem de gafanhotos, já bastante longe, de repente, como em castigo, voltou para o seu campo e só se afastou, depois de haver destruído completamente a sua colheita.
Este caso histórico mostra-nos, mais uma vez, a eficácia da oração durante a santa Missa, e o castigo reservado àqueles que a desprezam.
Tenhamos, pois, à semelhança daquele povo, grande confiança no santo Sacrifício. O Apóstolo São Paulo anima-nos a isso, dizendo: "Marchemos cheios de confiança para o trono de graça, a fim de obtermos misericórdia e merecermos o socorro oportuno".
Este trono de graças não é o céu, pois não podemos ir até lá, mas, sim, o altar, sobre o qual é imolado, todo dia, o Cordeiro, a fim de obter para nós graça e misericórdia.
Vamos cada manhã a este trono de graças, procurar os socorros necessários; vamos com alegria e confiança, porque é o trono da graça e não da vingança, da misericórdia e não da justiça.

XV. A SANTA MISSA É O MAIS PODEROSO SACRIFÍCIO DE RECONCILIAÇÃO
Depois de seus filhos se terem banqueteado, Jó, levantando-se de madrugada, ofereceu um sacrifício por cada um deles, dizendo: "Talvez meus filhos tivessem ofendido a Deus no coração" (Jó, 1, 5).
Este proceder mostra que a razão natural basta para reconhecer a necessidade do sacrifício expiatório. Já era usado entre os antigos Patriarcas, antes de tornar-se uma lei no tempo de Moisés. "Se alguém pecou, tome do rebanho uma ovelhinha ou uma cabra e a ofereça, e o sacerdote reze por ele e pelo seu pecado. Se não tiver os meios para oferecer uma ovelhinha ou uma cabra, que ofereça duas rolas ou dois pombinhos: um pelo pecado e outro pelo holocausto. O sacerdote ore por este homem e por seu pecado, e este ser-lhe-á perdoado" (Lev. 5, 6).
Possuindo o Antigo Testamento tal sacrifício, a santa Igreja devia ter o seu; sacrifício tanto mais elevado, acima do primeiro, quanto o cristianismo é superior ao judaísmo. Este sacrifício expiatório é, evidentemente, o sacrifício sanguinolento da Cruz, pelo qual o mundo foi reconciliado com a Justiça divina.
Diz, pois, com muita razão, um grande mestre da vida espiritual, Marchant: "Como Nosso Senhor Jesus Cristo, sofrendo, tomou sobre si os pecados do mundo para lavá-los com o seu Sangue, assim colocamos, no altar, sobre ele, as nossas faltas como sobre uma vítima conduzida à imolação, para que as expie em nosso lugar" (Candel. myst. Tract. 4. 15, prop. d). É por isso que o sacerdote se inclina profundamente, ao pé do altar, pois representa a vítima carregada de nossas iniqüidades que se apresenta, humildemente, perante o Senhor, para obter o perdão para todos. Prostrado assim, lembra ainda Jesus Cristo no jardim das oliveiras, onde o peso de nossos crimes o prostrou, banhado em suor de sangue, e lhe arrancou o mais comovente clamor de perdão. Como ele, em seu lugar, o sacerdote intercede pelos pecados do mundo inteiro.
Belas e consoladoras palavras para o coração arrependido, e muito próprias para nos estimular o zelo em assistir à santa Missa, onde se opera o benefício de nossa reconciliação!
Na liturgia de São Tiago, lê-se: "Nós vos oferecemos, Senhor, este Sacrifício incruento pelos pecados que cometemos por ignorância". É certo que cometemos muitas faltas, das quais não nos apercebemos, que não confessamos, de que, porém, havemos de dar contas a Deus. O rei David pensava nestas faltas ignoradas, quando exclamou: "Senhor, não vos lembreis dos pecados de minha juventude e de minhas ignorâncias" (Sl. 24) e "Quem conhece seus desvios? perdoai-me os que ignoro" (Sl. 18).
Por conseguinte, se não quisermos comparecer diante de Deus cobertos destes pecados de ignorância e malícia, como de uma veste abominável, aproveitemo-nos da santa Missa que serve de expiação por nossos pecados que não conhecemos, apesar de um sincero exame de consciência.
"Pela oblação do santo Sacrifício, diz o santo Papa Alexandre I, o Senhor reconcilia-se conosco e perdoa a multidão de nossos pecados".
Deveríamos muito alongar-nos, se quiséssemos lembrar todos os textos dos santos Padres sobre este assunto. Citaremos somente a doutrina da Santa Igreja, declarada no Concílio de Trento: "O Sacrifício da Missa é, verdadeiramente, o sacrifício propiciatório, por meio do qual, se nos apresentarmos a Deus com coração reto e fé sincera, com temor e respeito, com contrição e arrependimento, obteremos misericórdia e receberemos os socorros de que temos necessidade" (Sess. 22, c. 2).
Perguntará, talvez, o piedoso leitor: Para que um sacrifício de reconciliação, visto que podemos reconciliar-nos com Deus por sincera contrição? Certamente, a contrição "perfeita" nos põe em graça, porém, onde o pecador achará esta contrição? Sentí-la por si mesmo, lhe é tão impossível quanto ao morto ressuscitar por própria vontade. Com efeito, se cada um pudesse, pelas próprias forças, provocar, em si sentimentos de penitência e arrependimento, o inferno não estaria tão povoad
o, porque cada um aplicar-se-ia a isto, na hora da morte, e morreria no estado de graça. E, se alguma vez acontecer que se achem pecadores comovidos e penetrados de compunção, durante um sermão ou uma leitura piedosa, ficai certos que tal efeito é de uma graça particular da parte de Deus, e que não a concede, ordinariamente, sem ser pelo menos solicitado. Ora, para abrir o tesouro das graças divinas, não há chave mais segura do que o santo Sacrifício do Altar. A justiça severa do Pai celestial muda-se em amor, em compaixão, em misericórdia. De que ternura para os pobres pecadores não se sente comovido, durante sua imolação, Nosso Senhor Jesus Cristo, a divina Vítima! Suas palavras a Santa Gertrudes, meditadas atentamente, serão para nós de grande consolação. Foi, numa quinta-feira santa, no momento em que se cantavam, no coro, as palavras: "Foi oferecido porque quis", que Nosso Senhor disse à Santa: "Se acreditas que ofereci a Deus, meu Pai, somente porque quis me oferecer, crê também que desejo agora oferecer-me por cada pecador a Deus, meu Pai, tão prontamente como me ofereci então pela salvação de todos os homens em geral. Assim não há ninguém, por carregado de pecados que esteja, que não possa esperar o perdão, oferecendo a minha Paixão e Morte, contanto que acredite poder, efetivamente, obter o fruto e o dom da graça. Deve persuadir-se de que a memória de meus sofrimentos unida a uma fé viva e verdadeira penitência é o mais poderoso remédio contra o pecado" (Livro 4, c. 25).
Em outra ocasião, disse o divino Mestre: "Minha filha, venho à Missa com tal mansidão que não há, entre os assistentes, pecador tão pervertido que não suporte, perdoando-lhe com alegria, se o desejar" (Lib. Revel. c. 18).
Oh!, admirável Sacrifício do altar, quão grande é tua força! Quantos pecadores não convertestes da morte eterna! Que gratidão não devemos a Jesus Cristo, que nos torna tão fácil a reconciliação com Deus! Que loucura, pois, a de não aproveitar este grande Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo!
"O homem, diz ele, perdoa a injúria que recebeu, se o ofensor lhe oferece um presente equivalente ou lhe presta um relevante serviço. Da mesma forma, Deus nos perdoa pela honra que lhe rendemos, assistindo, piedosamente, à santa Missa, e pelo dom sublime que lhe fazemos da oblação do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
Se, na santa Missa, oferecermos a Deus tão justamente irritado contra nós, as virtudes, os méritos, a Paixão e a Morte de seu dileto Filho, mudamos-lhe os sentimentos a nosso respeito, mais depressa do que Jacó mudou o coração de Esaú, visto que os nossos dons são mais preciosos aos olhos de nosso Deus. "Toda a cólera e indignação de Deus, diz Alberto Magno, dissipa-se diante desta oferta".
Convém fazer aqui uma pergunta: Pela virtude da santa Missa um pecador "impenitente" será reconciliado com Deus? Em outros termos, uma pessoa em estado de pecado mortal que assistir à santa Missa, que a fizer celebrar, ou pela qual alguém a mandasse celebrar, recobraria a graça por este simples fato? Não, porque a graça somente se recupera por uma sincera contrição.
Então, perguntará alguém, que fruto tira o pecador do Sacrifício? É-lhe muito útil, respondemos, tanto para o temporal como para o espiritual. Preserva-o de muitas desgraças e atrai-lhe bênçãos, porque Deus nunca "deixa o menor bem sem recompensa. Certamente a recompensa da santa Missa é, antes de tudo, espiritual, porém, não sendo o pecador susceptível desta graça superior, Deus, na infinita bondade, concedeu-lhe, em primeiro lugar, o bem inferior dos favores temporais. Não obstante, na ordem espiritual, a vantagem fica ainda mais preciosa. Ensinam os Santos que a Santa Missa atrai, sobre a alma, a graça necessária, para reconhecer e detestar os pecados mortais, dispondo-a para o arrependimento e a confissão. Esta graça não opera, em todos, com a mesma eficácia. Este converter-se-á logo, aquele não voltará senão lentamente, conforme a docilidade do coração, para deixar agir as influências divinas".
A fim de tornar ainda mais clara esta doutrina, dizemos: Na Missa, Nosso Senhor derrama uma bálsamo salutar sobre o coração ulcerado do pecador. Este bálsamo Jesus o compôs, sobre a Cruz, de seus sofrimentos, de suas lágrimas, de seu Sangue. Se o pecador deixar agir este remédio precioso, a cura é certa; se em sua malícia infernal, arrancá-lo da chaga, a morte eterna também é certa. A malícia humana não tira ao santo Sacrifício o caráter de reconciliação, tem, porém, o terrível poder de recusar esta reconciliação que Deus lhe oferece.
Entre os pecadores que se achavam ao pé da Cruz, alguns somente se converteram batendo no peito e dizendo: "Na verdade, este era Filho de Deus" (Mt. 27, 54). Os outros, obstinados na malícia, repeliram o raio de luz e misericórdia que brotava do Coração traspassado de Jesus. Entretanto, no dia de Pentecostes, a palavra de São Pedro achou o terreno preparado, e três mil pessoas tornaram-se, pelo seu convite, discípulos do divino Mestre.
Diz ainda Marchant: "A santa Missa excita-nos ao arrependimento ou faz-lhe nascer o desejo. Isto acontece, às vezes, durante a celebração do santo Sacrifício, outras vezes, mais tarde. Muitos pecadores converteram-se por graça especial, sem pensar que a devem à virtude da santa Missa, outros permaneciam impenitentes, porque rejeitam a graça ou abusam dela" (Candel. myst. tract. lect. 15, prop. 4).
A alma, porém, que suspira por ver-se livre de seus pecados, obterá, pela santa Missa, a graça de reconciliar-se com Deus por uma sincera contrição e confissão, porque a santa Igreja ensina: "Se assistirmos à santa Missa com sentimentos ou desejos de contrição, Deus reconcilia-se conosco, concede-nos a graça da penitência e perdoa-nos os crimes, por abomináveis que sejam" (Concílio de Trento, Sess. 22).
Que palavras consoladoras para todos os pecadores e almas desanimadas! Digam, pois, todos, na santa Missa, a Deus: "Senhor, por este augusto Sacrifício, deixai-Vos aplacar e atraí, para Vós, a minha vontade rebelde". Deus escutará esta oração, e, pelo amor de seu Filho imolado sobre o altar, inundará vossa pobre alma com uma chuva de graças.
Objetar-nos-á alguém com a Sagrada Escritura: "A própria oração de quem não cumpre a lei será execrável aos ouvidos de Deus" (Prov. 21, 14). A isto responde São Tomás de Aquino: "Ainda que a Sagrada Escritura nos diga, em várias passagens, que a oração de uma alma, em estado de pecado mortal, não agrada ao Senhor, Deus não rejeita a que sai de um coração sincero".
Supondo mesmo que Deus despreza a oração do pecador, quando este lhe oferece o Sacrifício da Missa, não pode deixar de aceitá-lo com prazer. Repara bem: não dizemos que a oração do pecador, durante a santa Missa, é agradável a Deus, mas, sim, o próprio Sacrifício da Missa que o pecador oferece à divina Majestade. Se te achasses em extrema necessidade, e se um inimigo te mandasse dez mil reais por intermédio de seu servo, sem dúvida alguma, aceitarias este presente, dizendo contigo: Apesar de vir de meu pior inimigo, muito me servirá. - Da mesma maneira Deus, em presença do Corpo e do Sangue de seu Filho, oferecido por um pecador, estremecerá de emoção e dirá: Ainda que este presente me venha de um inimigo de quem tenho horror, não posso deixar de estimá-lo e aceitá-lo. E, como o pecador, por esta oferta, me dá grande honra, quero recompensá-lo com a oferta de minha graça; se aceitá-la, esquecerei todas as suas injúrias e dar-lhe-ei minha amizade.
Coragem, pois, oh pecador desanimado! tua salvação não é impossível; vê Jesus quebrar as cadeias de teus maus costumes enquanto assistes ao santo Sacrifício; segue-lhe as divinas inspirações e tua alma tornar-se-á mais branca do que a neve.
Talvez pergunte o benévolo leitor: Se uma pessoa piedosa assiste à Missa e a oferece em louvor de um pecador, que fruto lucra este?
Santa Gertrudes no-lo ensina. Um dia ela pediu a Deus, durante a santa Missa, que comovesse os pecadores com sua divina graça, para que se convertessem mais cedo, mas não ousou rezar pelos que morrem na impenitência. Nosso Senhor, porém, repreendeu-a, dizendo: "A dignidade e a presença de meu Corpo Imaculado e de meu Sangue precioso não merecem conduzir à vida melhor aqueles que estão no caminho da perdição?". Animada por estas palavras, a Santa pediu logo: "Suplico a Vossa divina Majestade, disse, conceder o estado de graça também às pessoas que vivem em pecado e estão em perigo de perecer". A estas palavras Nosso Senhor, cheio de bondade, respondeu: "A confiança pode facilmente obter tudo" e, em seguida, assegurou-lhe ter tirado diversas almas do caminho da perdição (Lib. III, c. 9).
Pais cristãos, não esmoreçais jamais, se vossas exortações, vossos bons exemplos ficam, aparentemente, sem resultado para as almas que vos são confiadas; recorrei à santa Missa e oferecei-a pelos que vos são caros, e a hora do triunfo virá, tanto mais depressa quanto mais completa for a vossa confiança.
Outro bem inestimável que recolhemos do santo Sacrifício da Missa é a expiação dos pecados veniais, que ofendem a Deus muito mais do que se pensa.
São Basílio torna saliente a malícia deste pecado em uma parábola: "Que se diria, pergunta ele, de um filho que racionasse assim: Acautelar-me-ei para não trair meu pai ou cometer contra ele um atentado qualquer que o obrigue a deserdar-me; fora disso farei como me agradar, quer meu procedimento lhe agrade quer não!"
Eis a nossa atitude para Deus, quando cometemos o pecado venial de caso pensado. É como se disséssemos: Sei perfeitamente, que dependo, inteiramente, de Deus, que tudo lhe devo, que me cumula de benefícios todos os dias; também não quero ofende-lo gravemente, porém, enquanto se trata de pequenas imperfeições, deve suportá-las. Minha vaidade lhe desagrada, entretanto não estou disposto a renunciá-la; meus movimentos de cólera lhe são desagradáveis, não quero, porém, aplicar-me a domá-los; contrário à sua vontade, sei muito bem, é perder horas inteiras na ociosidade, falar a torto e a direito, rezar com indolência, apegar tão estreitamente meu coração às coisas mundanas, perder as ocasiões de fazer o bem, contudo não tenho vontade de combater estes defeitos.
Oh Deus, que terrível seria o nosso julgamento, se não tivéssemos para apaziguar Vossa indignação, em face de um tal procedimento, um sacrifício de reconciliação, "a fim de que, por sua virtude, nos obtenha a remissão das faltas quotidianas" (Concílio de Trento, sess. 22. c. 1). Estas faltas quotidianas são, evidentemente, os pecados veniais.
Diz um escritor, eclesiástico muito explícito a respeito deste assunto: "O santo Sacrifício se renova cada dia, porque pecamos cada dia e cometemos faltas inerentes à fraqueza humana". Nosso Senhor, é verdade, deu-nos outros meios para reparar essas faltas diárias, como a oração, o jejum, a esmola; nenhuma, entretanto, é tão eficaz como a santa Missa.
Teologicamente falando, também o pecado venial não obtém perdão sem a contrição. Mas é certo que, assistindo à santa Missa, para obtermos a expiação de nossos pecados, aí trazemos, pelo menos implicitamente, a contrição e o desejo de sermos purificados. Segundo o padre Gobat, os que assistem à santa Missa obtêm o perdão dos pecados veniais, mesmo quando a contrição é imperfeita.
Soares é da mesma opinião: "Jesus Cristo instituiu, escreve ele, o santo Sacrifício da Missa e lhe apropriou os méritos de sua morte, para que, em virtude de seus merecimentos, os pecados quotidianos nos sejam perdoados" (Tom. 3 dist. 79, sect. 5).
São João Damasco escreve: "O Sacrifício imaculado da Missa é a reparação de todo o dano, e a purificação de todas as manchas" (Lib. 4 c. 14). Isto Nosso Senhor o prometera pelo profeta Ezequiel: "Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados de todas as vossas culpas" (Ez. 36, 25). Esta água purificadora brotou do Sagrado Coração de Jesus, donde jorra, sob o golpe da lança do soldado, segundo estas palavras proféticas: "Neste dia haverá uma fonte aberta na cada de David, para lavar as manchas do pecador" (Ez. 12, 7). Desta fonte sagrada, irrompe, na santa Missa em borbotões, o precioso Sangue, a água simbólica, da qual todos podem aproximar-se e purificar-se. Sua abundância é inesgotável. Nunca a sua entrada está vedada.
Oh, quantos pecadores já vieram e beberam, com alegria, das águas da salvação! A todos convida São João, dizendo: "O que tem sede venha; e o que quiser receba, gratuitamente, a água da vida" (Ap. 22, 17).
Poderias ficar afastado de uma fonte tão maravilhosa, cujo movimento salutar se faz sentir em cada Missa? De hora em diante, não te apressarás em chegar ao pé do altar, animado dum ardente desejo de reaver, para tua alma, as vestes brilhantes da pureza batismal?

XVI. A SANTA MISSA É O MAIS DIGNO SACRIFÍCIO DE SATISFAÇÃO
Bem que o sacrifício de satisfação esteja compreendido no sacrifício de conciliação, existe, entretanto, uma notável diferença entre os dois: o sacrifício de reconciliação torna Deus favorável ao pecador, ao passo que, pelo sacrifício de satisfação, resgatamos as penas temporais. Parece, pois, conveniente tratar de cada um em capítulo particular.
O pecado produz um duplo mal: o da "culpa" e o da "pena". A "culpa" faz-nos perder o favor de Deus e é perdoada pelo sacramento da Penitência. A "pena" poderia ser também remida, inteiramente, pela Confissão, mas, em geral, por causa da imperfeição com a qual se recebe este Sacramento e, talvez, devido a certas circunstâncias produzidas por nossos pecados, é somente remida em parte.
Ora, tudo o que fica da pena devida ao pecado, podemos expiar, neste mundo, pela oração, por vigílias, jejuns, esmolas, peregrinações, recepção freqüente dos santos Sacramentos, e sobretudo, ganhando indulgências. Se morremos sem ter, completamente, satisfeito nossa dívida, iremos expiá-la no purgatório.
As penitências da vida presente custam muito à pobre natureza, e a lembrança do purgatório nos aterra com razão. Não haverá pois, um meio de satisfazer, inteiramente, neste mundo, e não podemos evitar o purgatório, ou pelo menos, abreviar-lhe a duração e diminuir a intensidade de suas chamas?
Sim, existe um meio, - e esse meio de pagar toda a dívida é fácil: oferecendo o santo Sacrifício da Missa, o divino Criador ficará satisfeito. Lembra-te, porém, quando assistes ao santo Sacrifício da Missa, que é tua propriedade, conforme a vontade de Deus. É o que afirma o sacerdote em cada santa Missa, quando, voltando-se para os assistentes, lhes diz: "Orai, meus irmãos, para que o meu e o vosso sacrifício seja agradável a Deus, o Pai onipotente".
Compenetrado, pois, do valor do tesouro que se acha em teu poder, dize ao teu Criador: "Quanto vos devo, Senhor? cem? mil? dez mil talentos? Reconheço minha grande dívida e estou pronto a satisfazê-la, não por mim, mas pelos ricos méritos de vosso divino Filho, presente aqui sobre o altar. Ofereço-vos este tesouro, tirai daí quanto for preciso para satisfazer minha dívida".
Que todos se apliquem a fazer valer este tesouro, e os pobres pecadores se apressem, logo que caírem, a assistir à santa Missa, a oferecer este santo Sacrifício em expiação de sua falta! Deus lhes ajudará a fazer uma boa Confissão, apagando-lhes as penas temporais e preservando-os das reincidências.
A compreensão e meditação das verdades que acabamos de expor, despertará, sem dúvida, em teu espírito, legítima curiosidade de saber em que medida as penas temporais nos são perdoadas pela piedosa audição da santa Missa.
Não podemos responder melhor a esta pergunta do que lembrando, novamente, o infinito valor do Sacrifício de nossos altares. Escuta o que diz o Padre Lancício: "O valor do santo Sacrifício da Missa é infinito pela própria virtude. Apesar de ser agora oferecido pelas mãos dos sacerdotes, o preço lhe é tão elevado como quando, a última ceia, Jesus Cristo em pessoa o oferecia a seu Pai, visto que ele fica sendo Sacrificador e Vítima. Este primeiro Sacrifício, como todas as obras que Jesus Cristo praticou sobre a terra, eram de um valor infinito em virtude da dignidade de sua divina Pessoa. Segue-se daí que o santo Sacrifício da Missa é ainda e será sempre de um valor infinito" (Lib. II de Missa, n. 294).
O Padre Lancício demonstra, em seguida, como, apesar desse valor infinito da santa Missa, seu mérito não se aplica aos fiéis de maneira infinita. Não fosse assim, uma única Missa seria suficiente para obter-nos a remissão de tudo quanto devemos à eterna justiça e toda penitência tornar-se-ia desnecessária. Concorda isto com o ensino da santa Igreja afirmando que, pela virtude do santo Sacrifício, muitas das penas podem ser remidas e até todas, se nossa devoção for muito grande.
Entretanto, não se deve interpretar falsamente estas explicações e dizer: Visto que a santa Missa é de valor infinito e constitui o meio mais fácil de ficar quite com a divina Justiça, ouvi-la-ei da melhor forma possível, dispensando-me de fazer penitência: isto seria querer enganar-se a si próprio, visto que as penas temporais não são remidas senão quando nos tornamos dignos da remissão, por um coração contrito e humilhado; ora, a contrição, o arrependimento sincero do pecado levar-te-á sempre às diversas práticas da penitência.
A santa Missa não torna, pois, inúteis as outras boas obras, antes nos obriga a fazê-las, para nos tornar mais dignos de obter, pelo santo Sacrifício do Altar, a remissão de uma grande parte de nossas penas. Por isso, diz o venerável Luis de Argentina: "As obras de penitência não são supérfluas. Pelo contrário, são muito necessárias, pois contribuem para a correção dos defeitos e a emenda da vida". Sim, as penitências afastam-nos do pecado, pondo um freio às nossas paixões, tornam-nos mais prudentes e mais vigilantes, fazem desaparecer os maus costumes pelos atos das virtudes contrárias.
Aqui te ouvimos perguntar: "Qual é, pois, a eficácia da santa Missa pelo alívio das almas do purgatório?". Caro leitor, Deus não julgou necessário revelá-lo à sua Igreja, como também não revelou a extensão da pena aplicada a este ou aquele pecado. Mas, quando consideramos que nada de impuro entra no céu e que o purgatório é um cárcere donde ninguém sai sem ter pago até o último ceitil, e se, de outro lado, rememoramos o caráter e a duração das penas impostas outrora pela santa Igreja, devemos concluir que a demora das almas no purgatório é prolongada. A incerteza neste ponto estabeleceu o uso dos aniversários, cerimônias que podem ser mantidas durante séculos. O que sabemos infalivelmente é que podemos socorrer às almas do purgatório pela oração e, sobretudo, pelo santo Sacrifício da Missa. Logo, se amamos estas almas, - e quem não as amaria? - façamos celebrar por elas a santa Missa, ou assistamo-la em sua intenção.
Os teólogos acreditam, comumente, que as almas do purgatório tiram tanto mais fruto do santo Sacrifício quanto maior lhe foi o zelo em assistí-lo sobre a terra. Sê, pois, esperto, caro leitor, e diminui à tua alma, quanto for possível, a duração das chamas do purgatório. Supõe que, tendo cometido um grande crime, te condenassem a ficar estendido meia hora sobre uma grelha em brasa, ou a ouvir uma santa Missa. Sem dúvida, precipitar-te-ias para a igreja, para aí ouvir não uma, mas diversas missas, a fim de não incorreres no suplício do fogo.
Ora, não é provável que, na tua morte, tua alma vá diretamente para as alegrias do céu; é quase certo que, antes de chegar ao gozo eterno, deverás purificar-te pelas penas do purgatório. Que leviandade, pois, descuidares-te da santa Missa que diminui, suaviza e apaga, tão eficazmente, as chamas do purgatório.
Se insistires ainda para saber qual a eficácia de uma Missa que fazes celebrar por tua alma, responderemos: Quem faz celebrar o santo Sacrifício obtém, naturalmente, mais graça para expiação de suas penas temporais do que o que se limita a assistí-lo, porque os frutos do santo Sacrifício lhe pertencem, em grande parte, por direito, quer da parte de Deus, quer da parte do sacerdote. A soma exata, porém, que se lhe concede, Deus não a revelou. Quem, não contente de mandar celebrar a santa Missa, também a vai assistir, receberá lucro aumentado, porque, ainda que obtenha ausente, a parte de graças que o sacerdote lhe aplica, ficará privado da vantagem que lhe seria atribuída se a assistisse.
Segue-se uma conseqüência geralmente ignorada. Quando mandares celebrar uma Missa, seja para honrar um Santo, seja para obter uma graça, sem determinar a quem as graças "satisfatórias" deverão ser aplicadas, estas voltarão ao tesouro da Igreja, salvo se Deus, por compaixão pela ignorância, muitas vezes involuntária, dispõe delas em teu favor. Seja, portanto, bem determinada tua intenção, e dize a Nosso Senhor: Desejo mandar celebrar esta Missa em honra de tal Santo... para obter a graça ... e vos peço que apliqueis as graças satisfatórias do santo Sacrifício a mim ou a tal alma... Desta maneira teu proveito será duplo, pois honras o Santo de tua devoção e favoreces a própria alma, pagando as dívidas das penas temporais, como também qualquer outra, em cujo favor aplicares a virtude satisfatória da santa Missa.
Estas considerações são muito próprias para inflamar nosso amor pela santa Missa: sendo possível, ouçamo-la todos os dias. Tenhamos, nos domingos e dias santos, a devoção de, além da Missa de obrigação, assistir ainda a outras.
Deus não esquece nenhuma das nossas faltas, portanto hás de escolher: "aut poenitendum aut ardendum - ou expiar ou queimar". Não será melhor satisfazer aqui, do que cair, carregado de dívidas, nas mãos da divina Justiça? Se, pois, as mortificações das almas heróicas te espantam, procura supri-las pelo meio agradável e fácil da piedosa assistência à santa Missa.

XVII. A SANTA MISSA É A OBRA MAIS EXCELENTE DO ESPÍRITO SANTO
Quase em cada página deste livro, entrevimos alguma relação da santa Missa com Deus Pai e Deus Filho. Estudemos agora a parte que toma a terceira Pessoa divina no santo Sacrifício.
Os dons e graças, com que o Espírito Santo cumula a Igreja e a alma cristã, são inumeráveis: não há língua que possa especificá-los. O Espírito Santo é amor e misericórdia: aplica-se, continuadamente, em acalmar a Justiça divina e em preservar os pecadores da condenação eterna. É quem começou e há de acabar a obra de nossa santificação. Começou-a, quando, por sua operação, o Verbo divino se fez carne no seio imaculado de Maria Santíssima, que a alma de Jesus Cristo uniu a seu corpo, a divindade à humanidade. Terminou-a, comunicando-se, no dia de Pentecostes, aos apóstolos e discípulos, e pela conversão das almas que ficaram insensíveis ao espetáculo de Cristo moribundo. Hoje, este mesmo Espírito habita no coração dos verdadeiros fiéis. Não abandona, inteiramente, aqueles que o ofendem, mas fica-lhes à porta do coração e esforça-se para reconquistá-los.
Esta operação à redenção, quem não chamará uma obra grande e magnífica? Não obstante mantemos o título do presente capítulo e dizemos: a santa Missa é a obra mais excelente do Espírito Santo.
Todos os teólogos consideram o mistério da Encarnação, isto é, a união da divindade com a humanidade em uma pessoa, como a maior das maravilhas. Esta maravilha, como todas as obras exteriores de Deus, é comum às três Pessoas divinas. A santa Igreja, porém, e o ensino dos santos Padres, atribuem-na, com especialidade, ao divino Espírito Santo, a quem se deve atribuir, com maioria de razão, a obra prima do amor.
Apesar disso, o milagre que se efetua sobre o altar ultrapassa o primeiro, porque o Homem-Deus aí se aniquila até ocultar-se na menor partícula da Hóstia sagrada. Ora, na liturgia de São Tiago, lê-se, expressamente, antes da fórmula da consagração: "Mandai, Senhor, sobre estes dons, o Verificador, o Divino, o Eterno, que, um convosco, Deus Pai, e com o vosso Filho único, reina, a fim de que, por sua santa, salutar e gloriosa presença, este pão seja santificado e transubstanciado no Corpo, e este vinho, no Sangue precioso do vosso Cristo".
Oração semelhante encontra-se na liturgia de São João Crisóstomo: "Abençoai, Senhor, este pão, mudai-o no Corpo adorável do vosso Cristo. Abençoai o santo cálice e transformai, pelo Espírito Santo, o que contém, no precioso Sangue de Cristo".
Nos primeiros missais, a transubstanciação é sempre atribuída ao Espírito Santo, que se invoca, que se chama para efetuar esta obra, como efetuou a obra da Encarnação, segundo a palavra do Anjo Gabriel dirigida a Maria Santíssima: "O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá de sua sombra" (Lc. 1, 35). O sacerdote indica esta participação da terceira Pessoa divina, quando, erguendo os braços, suplica-lhe que desça do céu, dizendo: "Vinde, Santificador onipotente, Deus eterno, e abençoai este sacrifício preparado em honra de vosso santo nome" (Missal Romano: Ofertório).
Santo Ambrósio ora da mesma maneira antes da Missa: "Fazei, Senhor, que a invisível Majestade de vosso Santo Espírito desça sobre ele, como desceu, outrora, sobre as vítimas dos nossos antepassados". Esta descida do Espírito Santo é claramente descrita por Santa Hildegardes: "Enquanto o sacerdote, diz ela, ornado de vestes sacerdotais, caminhava para o altar, vi descer do céu uma claridade deslumbrante que cercou o altar, durante a celebração da Missa. Ao "Sanctus" uma chama muito forte caiu sobre o pão e o vinho, penetrando-os como os raios do sol penetram o vidro. Entretanto, elevou as duas espécies ao céu para trazê-las em breve; não houve mais então senão a Carne e o Sangue de Jesus Cristo, se bem que permanecessem, aparentemente, o pão e o vinho. Enquanto considerava as santas espécies, vi passar, diante de meus olhos, tais quais se cumpriram na terra, a Encarnação, o Nascimento, a Paixão e Morte do Filho de Deus.
O antigo Testamento possuía duas belas figuras deste mistério; uma, o sacrifício de Arão: "A glória do Senhor, diz a Sagrada Escritura, apareceu a toda a assembléia do povo e um fogo que saiu, devorou o holocausto e as gorduras que estavam sobre o altar, e o povo, vendo-o, louvou ao Senhor, prostrando-se com o rosto em terra" (Lev. 1, 23).
A outra se realizou na consagração do templo: "Salomão, ao acabar a prece, viu o fogo descer do céu e consumir os holocaustos e as vítimas, e a Majestade de Deus encheu toda a casa. Os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória do Senhor, sobre esse Templo, prostravam-se, a face em terra, adorando e louvando o Altíssimo, e diziam: "Quanto é bom o Senhor! sua misericórdia é eterna" (II Paralip. 7, 1 e 3).
Compreendes bem, agora, a infinita bondade do Espírito Santo? Não é uma prece que dirige por nós a Deus Padre, são gemidos inenarráveis. Confia, pois, em um amigo tão fiel, retribuindo-lhe, e visto que ora por ti, sobretudo na santa Missa, assiste-a, algumas vezes, também em sua honra e em ação de graças por seus benefícios.

XVIII. A SANTA MISSA É A MAIS DOCE ALEGRIA DA MÃE DE DEUS E DOS SANTOS
Nosso Senhor disse, uma vez, ao Bem-aventurado Alano: "Da mesma maneira que a divina Sabedoria escolheu uma virgem, entre todas, para ser a Mãe do Salvador, assim instituiu o sacerdócio para distribuir ao mundo, em todo o tempo, os tesouros da redenção pelo santo Sacrifício da Missa e pelos santos Sacramentos. Eis a maior alegria da minha Mãe, as delícias dos Bem-aventurados, o socorro mais seguro dos vivos e a melhor consolação das almas do purgatório" (Alanus rediv. part. E, c. 27).
A Mãe de Deus e todos os Santos gozam duma felicidade dupla: da bem-aventurança essencial e da bem-aventurança acidental. A primeira consiste na vida e na posse de Deus, conforme o grau de glória, em que foram confirmados, no momento de sua entrada no céu. Esta bem-aventurança essencial não pode aumentar nem diminuir. A bem-aventurança acidental consiste nas horas particulares que Deus, os outros Santos ou os homens rendem aos felizes habitantes do céu. Podemos acreditar, por exemplo, que, quando lhes celebramos a festa aqui na terra, eles recebam, no céu, honras particulares e todas as nossas orações e boas obras feitas em sua honra lhes sejam apresentadas por nossos Anjos, como um ramalhete de perfume delicioso.
O Evangelho indica esta crença claramente, por estas palavras de Nosso Senhor: "Assim vos digo que haverá júbilo entre os Anjos de Deus por um pecador que faz penitência" (Lc. 15, 10). Esta alegria renova-se pelo bom Pastor, pelos Anjos e pelos Santos a cada volta de uma ovelha desgarrada, porém, cessa logo que o pecador deixa de novo o aprisco por uma recaída no pecado.
Este curto esclarecimento fará compreender em que sentido a santa Missa é a maior alegria de Maria Santíssima.: é a maior alegria acidental e ultrapassa todas as outras felicidades desta ordem.
Se, em honra da Rainha do Céu, recitasse o terço, o ofício, as ladainhas, ou entoasse cânticos, enquanto um outro assistisse, piedosamente, à santa Missa, este cumpriria um ato de religião muito superior e causaria um prazer, infinitamente maior, à Santíssima Virgem.
O que torna ainda a santa Missa muito cara à Mãe de Deus, é o zelo que tem pela glória de Deus, que a divina Majestade faz consistir, sobretudo, na salvação das almas. Pelo santo Sacrifício do Altar, prestamos à augusta Trindade a única homenagem digna dela e lhe oferecemos, ao mesmo tempo, o preço da redenção do gênero humano. Ainda uma vez, que prazer agradável, suave, perfeito para Maria Santíssima ver-nos cercar o altar, onde seu amado Filho é adorado, onde choramos os pecados, onde contemplamos a dolorosa Paixão e onde o precioso Sangue é derramado sobre nossas almas!
Daí ainda expor a vantagem da santa Missa para os outros Santos.
Devemos homenagem aos Santos. São amigos de Deus que os honra; seguem a Cristo vestido de branco, "porque disso são dignos" (Apoc. 3, 4) e é deles que Nosso Senhor diz: "Quem vos glorifica, a mim glorifica" (II Reis, 2, 35). Durante a vida fugiram das honras, desprezaram-se a si próprios, sofreram, com paciência, as injúrias, os insultos, as perseguições dos maus. Por essa razão, Deus manifesta-lhes a inocência e a virtude e quer que sejam reverenciados por toda a cristandade.
Sob a inspiração do Espírito Santo, a Igreja exprime a admiração pelos filhos vitoriosos com os ofícios próprios do breviário, com cânticos, prédicas, procissões, peregrinações, mas, principalmente, pelo Sacrifício da Missa. - "Assim será honrado a quem o Rei dos Céus quiser honrar".
Na verdade, a honra mais excelente é prestada aos Santos pelo santo Sacrifício do Altar, se mandamos celebrá-lo, ou se o assistimos com a intenção de aumentar-lhes a honra acidental. - Para honrar a um príncipe, dá-se, às vezes, uma representação teatral, e, ainda que, na peça, não se faça menção dele, o príncipe não deixa de experimentar prazer. Da mesma maneira, apesar de, na santa Missa, representar-se apenas a vida e a paixão do divino Salvador, os Santos sentem grande alegria e delícias singulares, quando este espetáculo se realiza em sua honra, e todo o céu se regozija.
Quando o sacerdote pronuncia o nome dos Santos, o coração se lhes enternece, porque, observa São João Cirsóstomo, tendo o rei alcançado a vitória, o povo, querendo exaltar-lhe os feitos, nomeará também os companheiros d'armas do herói que, valentemente, destroçou o inimigo. Da mesma forma, é grande honra para os Santos serem nomeados, em presença de seu divino Mestre, do qual se celebram, como em triunfo, a paixão e morte, ouvindo louvar as vitórias alcançadas sobre o inimigo infernal. O escritor Molina diz sobre este assunto: "Não podemos ser mais agradáveis aos Santos do que oferecendo o santo Sacrifício em seu nome à Santíssima Trindade, em reconhecimento das graças que receberam, em lembrança dos méritos adquiridos" (Tract. 4, c. 10).
Observa que não se oferece o santo Sacrifício a São Miguel nem aos outros Anjos, mas a Deus Pai. Não encontrarás, em nenhum lugar, que o Santo Sacrifício possa ser oferecido à Maria Santíssima, aos Anjos ou aos Bem-aventurados. É sempre oferecido em honra da Santíssima Trindade; apenas se menciona o nome dos felizes habitantes do céu, porque, diz Santo Agostinho, "não é aos Mártires que erigimos altares, mas unicamente a sua memória". Qual o sacerdote que disse jamais no altar em que se acham as relíquias dos Santos: "A vós, São Paulo, a vós, São Pedro, oferecemos o Sacrifício?". Nunca. Jamais.
O Concílio de Trento usa quase dos mesmos termos: "Se bem que a Igreja tenha o costume de celebrar a santa Missa em hora dos Santos, não pretende oferecê-la aos Santos, porém a Deus, que os coroou". Também o sacerdote não diz: "Ofereço-vos este sacrifício, oh! São Pedro, São Paulo", mas agradecendo a Deus a vitória concedida a tal Santo pede àqueles de quem celebramos a festa na terra que intercedam por nós no céu.
Aproveita, pois, caro leitor, do excelente poder de aumentar a felicidade acidental dos habitantes do céu, oferecendo o santo Sacrifício em honra da Santíssima Trindade e, na elevação da Sagrada Hóstia, dize a Deus: "Ofereço-Vos Vosso querido Filho para maior glória e alegria do Bem-aventurado N. ...".
Para este fim, antes de ir à igreja, tem cuidado de consultar o calendário sem jamais esquecer teu padroeiro, e, na hora da morte, bendirás o dia em que abraçaste esta prática.

XIX. A SANTA MISSA É O MAIOR BEM DOS FIÉIS
Os Santos Padres e os autores de obras religiosas falam, tantas vezes e com tanta abundância, sobre a utilidade da santa Missa, que é impossível resumi-los; não citaremos, pois, senão alguns textos.
São Lourenço Justiniano diz: "Nenhuma língua humana poderá exprimir os frutos de graças e bênçãos que atrai o oferecimento do santo Sacrifício da Missa. O pecador aí acha a reconciliação com Deus, o justo uma justificação mais ampla; as virtudes aumentam, os pecados são perdoados, os vícios extirpados, os méritos multiplicados, os embustes do demônio descobertos" (Lib. de obedientia).
O Padre Antônio Molina, religioso cartucho, deixou-nos em seus escritos expressões muito próprias para inflamar o coração de um grande amor pela santa Missa. "Nada, diz ele, é tão vantajoso ao homem nem tão útil às almas do purgatório quanto o santo Sacrifício da Missa. Sua excelência é tal, que todas as outras obras e a prática das melhores virtudes não têm o menor valor, comparadamente" (Tratado sobre a dignidade do sacerdote).
O sábio Fornero, Bispo de Hebron, exprime-se do modo seguinte: "Aquele que, com a alma isenta do pecado mortal, assiste à santa Missa com devoção, adquire maior número de méritos do que se cumprisse, pelo amor de Deus, as obras mais peníveis, as peregrinações mais longínquas. Isto é evidente, visto que as obras pias tiram todo o valor e dignidade de seu objeto; ora, que haverá de mais nobre, mais precioso e mais divino do que o santo Sacrifício da Missa?" (Sermão 23).
Marchand assinala a dignidade de nosso Sacrifício nestes termos: "A Igreja católica não possui homenagem mais perfeita para oferecer a Deus, nada tem de mais agradável para apresentar a Maria Santíssima, aos Anjos e aos Santos; nada mais salutar para os justos e para os pecadores do que o santo Sacrifício da Missa".
No prefácio do missal, a Igreja exorta o sacerdote "a ter uma alta idéia da excelência da santa Missa, e a ficar convencido de que, por uma única oblação, rendemos a Deus onipotente uma homenagem mais agradável do que praticando toda a sorte de virtudes e suportando todos os sofrimentos". - Sabes por quê, caro leitor? - É porque, na santa Missa, Jesus Cristo pratica todas as virtudes e as oferece a seu Pai com a soma dos méritos da paixão, e estes atos de louvor, de amor, de adoração, de reconhecimento que do Coração de Jesus se elevam ao céu, durante sua imolação sobre o altar, ultrapassam, infinitamente, o culto dos Anjos e dos Santos.
Enfim, a prova mais evidente é o testemunho da Igreja que diz: "Reconhecemos que os cristãos não podem fazer cousa mais santa e mais divina do que este estupendo mistério, no qual a Vítima vivificadora, que nos reconcilia com Deus Pai, é oferecida, diariamente, pelas mãos do sacerdote sobre o altar" (Concílio de Trento, sess. 22).
A santa Igreja quer dizer com isto que o ato mais divino que os sacerdotes possam efetuar, é a celebração da santa Missa, e para os fiéis o ato mais santo é ouví-la, ajudá-la, mandá-la celebrar e unir-se, intimamente, às intenções do sacerdote.
Caro leitor, abre os olhos e vê, abre os ouvidos e ouve, abre, sobretudo, o coração e goza da consoladora doutrina de tua Mãe, a santa Igreja. Podes fazer grande número de boas e excelentes obras, nenhuma, porém, será tão salutar, útil e meritória para tua alma quanto a piedosa assistência à santa Missa. Como o sol ultrapassa em brilho e em força, todos os planetas, e é mais útil à terra que todos os outros astros, da mesma maneira, a audição da santa Missa sobrepuja, em dignidade e em méritos, todas as outras ações do dia. E depois de tudo isto considerado, como terás ainda a coragem de assistir ao santo Sacrifício com tantas distrações ou perdê-lo sob ligeiro pretexto?
Se, não obstante, tua preferência fosse pela meditação da Paixão e Morte de Nosso Senhor, exortar-te-íamos a fazê-la durante a santa Missa, pois, estes mistérios aí são renovados. Desejas entreter-te com Jesus Cristo? Ei-lo presente sobre o altar, Homem e Deus. Não julgues que as cerimônias da santa Missa possam perturbar-te a oração; não é distração, mas antes verdadeira atenção, seguir os movimentos do celebrante e lembrar-se da significação das cerimônias.

XX. A SANTA MISSA AUMENTA EM NÓS A DIVINA GRAÇA E A GLÓRIA CELESTE
É uso, nas cidades e nos arrabaldes, haver mercados e feiras, onde se vendem toda a espécie de objetos úteis.
A própria Igreja, e o céu também, têm, diariamente, um mercado. Que oferecem? A graça divina e a glória celeste. Mas são cousas preciosas; onde achar bastantes meios para comprá-las? Não tenhas nenhum receio pois podem-se adquirir gratuitamente. O profeta Isaías no-lo afirma: "Vós que não tendes dinheiro, vinde, aproximai-vos, comprai sem troca" (Is. 55, 1). Com efeito, o Senhor as dá sempre gratuitamente, porém, raras vezes, com tanta abundância como na santa Missa, o que provaremos neste capítulo.
Em primeiro lugar, porém, devemos compreender bem o que é a graça.
A graça é um dom, um socorro sobrenatural que Deus nos concede em virtude dos méritos de Jesus Cristo. Distinguem-se duas espécies de graça: a "santificante" e a "atual".
A graça "santificante" é um estado de alma que nos torna justos aos olhos de Deus e nos dá o direito de herdar os bens eternos. Esta graça, elevando-nos acima da nossa própria natureza, nos torna participantes da natureza divina. Segundo o Concílio de Trento, não é somente "a remissão de nossos pecados com favor sensível da bondade de Deus", porém "um estado divino, uma luz brilhante, que nos embeleza a alma", a qual permanece neste feliz estado até que percamos a graça pelo pecado mortal.
A graça "atual" é um socorro passageiro, pelo qual Deus ilumina-nos o entendimento e comove-nos a vontade, para evitar o mal e fazer o bem. Se nossa alma está morta, a graça atual ajuda a recuperar a graça santificante; se, pelo contrário, está na amizade de Deus, a graça atual, ajudando-nos a fazer boas obras, aumenta, de mais a mais, esta amizade divina.
São Tomás de Aquino ensina que "a graça concedida a uma alma vale mais que o mundo inteiro e tudo quanto encerra". O próprio céu com o seu esplendor não lhe pode ser comparado.
Grandiosos são os efeitos da graça de Deus: reveste, em primeiro lugar, a alma de uma beleza sem igual. Comparando com este esplendor o sol, as estrelas, as flores, parecem embaciadas, descoradas, sem encantos. Se te fosse dado vê uma alma em estado de graça, tudo o que então tivesse algum brilho para ti, aparecer-te-ia, depois, sem encanto, segundo a palavra do Bem-aventurado Blósio: "Se a beleza de uma alma em estado de graça pudesse ser contemplada, ficaríamos arrebatados".
Em segundo lugar, a graça é o laço da caridade entre Deus e o homem. Por ela o Criador e a criatura tornam-se, um para a outra, ternos e confiantes amigos, segundo a palavra de Jesus Cristo: "Não vos chamarei mais servos, e, sim, amigos" (Jo. 15, 15).
Ora, que há de maior, de mais excelente do que ser chamado amigo de Jesus Cristo e sê-lo realmente? Esta dignidade ultrapassa a natureza humana, porque tudo serve ao Senhor e nada existe que não esteja sob seu domínio. É por isso que Deus eleva os servos a uma dignidade sobrenatural, chamando-os seus amigos e tratando-os como tais. E quando, por nossa infelicidade, pelo pecado, quebramos o laço desta terna amizade, Deus não se afasta inteiramente, fica esperando à porta de nossa alma, bate docemente e pede para entrar: "Eis que estou à porta e bato: se alguém me ouvir a voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo" (Apoc. 3, 20).
Enfim, terceiro, a alma santificada é de tal modo enobrecida, que se torna a própria filha de Deus. Que honra para o filho de um mendigo ser adotado por um príncipe! Que honra infinitamente maior sê-lo pelo soberano Senhor!
A este pensamento São João exclama como em êxtase: "Considerai, o amor que nos mostrou o Pai foi tal que chegamos a ser chamados filhos de Deus e o somos" (I Jo. 3, 1). E São Paulo acrescenta: "Se somos filhos, também somos herdeiros, verdadeiramente, herdeiros de Deus, e coerdeiros de Cristo" (Rom. 8, 17).
Ser herdeiro de Deus! que sorte, que glória! Nada poderia fazer-nos melhor compreender a excelência da graça desta adoção divina, que é, ao mesmo tempo, a prova manifesta do amor infinito de Deus por suas pobres criaturas.
Ora, esta graça santificante é, sem cessar, aumentada pela nossa correspondência à graça atual, pela qual Deus orna a alma de virtudes, de piedade, cumula-a de consolações, inspira-lhe santos desejos, concede-lhe a alegria espiritual, protege-a, fortifica-a, governa-a, une-se-lhe, enfim estreitamente e lhe dá tudo o que contribui para a vida e a piedade.
Estas explicações ensinar-te-ão a conhecer o valor infinito da graça.
Agora provaremos, até a evidência, primeiro, que a santa Missa aumenta poderosamente a graça, depois, que nos aumenta a glória futura, e finalmente, insistiremos sobre a Comunhão espiritual como sobre uma parte da santa Missa muito própria para enriquecer-nos a alma de novas graças.
Um piedoso autor dizia: "Não somente o sacerdote, mas também os que mandam dizer a Missa ou a assistem, podem, conforme sua piedade, merecer um acréscimo de graça ou de glória, e este benefício lhe é abonado em virtude de sua cooperação ao santo Sacrifício.
O sacerdote é o primeiro beneficiado; os que mandam dizer a Missa, por si ou por outrem, tiram igualmente os preciosos frutos e um aumento de graças, se estão na amizade de Deus. Finalmente, os assistentes têm parte, não somente pela devoção para com o santo Sacrifício, como também em recompensa das virtudes múltiplas que exercem; assistindo-a, renovam, no coração, a dor de haver pecado, cada vez que batem no peito; exercem a fé, reconhecendo a presença real de Jesus na santa Hóstia e sua imolação pelos pecados dos homens. Esta crença é o fundamento de nossa salvação. Além da fé, produzem ainda atos de adoração interior e, se bem que estes sentimentos sejam devidos a Nosso Senhor, contudo nosso bom Mestre não os julga menos agradáveis e neles se compraz particularmente.
Se, na elevação da Hóstia e do Cálice, ofereces este dom divino ao Pai eterno, fazes um ato de grande merecimento e, se oras pelos vivos e pelos mortos, acrescentas um ato de caridade; finalmente, se participas do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, ao menos pela Comunhão espiritual, mereces graças particulares.
Além disso, por causa do desprezo dos hereges pelo divino Sacrifício do Altar que consideram idolatria, Deus olha, amorosamente, para os que reparam estes insultos por sua piedosa assistência. Os Santos Padres falam, freqüentemente, nas recompensas especiais, concedidas a este ato de reparação. São Cirilo diz: "Os dons espirituais serão, abundantemente, distribuídos aos que assistirem à santa Missa". São Cipriano nota por sua vez: "O pão sobrenatural e o cálice consagrado contribuem para a vida e a salvação do homem". Também o Papa Inocêncio III afirma: "Pela eficácia do santo Sacrifício, todas as virtudes nos são aumentadas e os frutos da graça nos são profusamente distribuídos". São Máximo, exorta aos cristãos "a não desprezarem a santa Missa, porque as graças do Espírito Santo nela são comunicadas aos assistentes".
Citamos ainda o testemunho de Osório: "Deus Padre vos dá, na santa Missa, seu Filho único, em quem reside, unida à humanidade, a plenitude da divindade e onde se acham ocultos todos os tesouros da sabedoria. Dando-nos seu Filho, dá-nos tudo".
Sim, dá-nos Jesus com seus méritos, suas satisfações, seu corpo e sua alma. Que poderia dar mais? E que meio mais cômodo poderia inventar, para permitir-nos participar destes tesouros infinitos? Certamente, se tua alma está na indigência, deves, unicamente, ao teu imperdoável torpor, à tua preguiça espiritual.
Oh delicioso e incompreensível dom da glória celeste para a qual fomos criados e pela qual nosso coração suspira ardentemente! Como poderemos tratar de aumentá-la, visto que o Apóstolo exclama: "Os olhos não viram, nem o ouvido, nem jamais veio à mente do homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam!" (Cor. 2, 9). A santa Igreja ensina, é verdade, que as boas obras aumentam a graça e a glória futura, porém não indica o grau desta glória.
Contentemo-nos, pois, com as palavras de Nosso Senhor a Santa Gertrudes: "O cristão aumenta os méritos para a vida eterna cada vez que assiste, devotamente, à santa Missa". É desta recompensa eterna que o Evangelho diz: "Derramar-vos-ão, no seio, uma boa medida, bem cheia e recalcada e transbordante". (Lc. 6, 38).
Efetivamente, na Missa merecemos um novo grau de glória. O santo Sacrifício é como uma escada celeste: cada vez que o fiel assiste, sobe um degrau e torna-se mais belo, mais resplandecente, mais glorioso, mais estimável aos olhos de Deus e dos Santos. Cada vez que assistes à Missa, o céu o registra e te assegura um grau de glória mais elevado. Esta glória pode ser roubada pelo pecado mortal, mas, pela extrema bondade de Deus, ela te será restituída após uma humilde confissão. Que glória, que riqueza, que felicidade te esperam lá em cima, se todos os dias assistires ao santo Sacrifício!
"Aquilo que de tribulação nos vem no presente, momentâneo e leve, produz em nós, de modo incomparável e maravilhoso, um peso eterno de glória". Grava, cristão, estas palavras no coração, e convence-te de que, se o Apóstolo promete tão bela recompensa aos sofrimentos momentâneos, Deus reserva graças muito mais insignes aos fiéis que assistem à santa Missa, porque a esta prática ligam-se uma multidão de pequenas mortificações, e bem as conheces. A igreja acha-se afastada de tua casa; é necessário levantar-se mais cedo; o caminho é mau e perigoso no inverno, o vento frio sopra-te no rosto; no verão, o sol dardeja sobre ti os ardentes raios; depois, o ofício é, algumas vezes longo, o fervor desaparece, um trabalho urgente te espera, um lucro te escapa. Mas, coragem! Na santa Missa, há tantos títulos de glória, tantos tesouros para o céu!
Depois de haver declarado ser o desejo da santa Igreja que todos os fiéis fizessem a santa Comunhão na Missa que assistem, o santo Concílio de Trento recomenda, instantemente, aos que se reconhecem indignos da recepção da Eucaristia, fazer, pelo menos, a Comunhão espiritual que consiste no ardente desejo de receber Jesus Cristo. Esta prática não seria tão recomendada, se não fosse proveitosíssima às nossas almas e um dos principais meios de aumentar-nos a graça divina e a glória celeste.
Quando Jesus Cristo estava na terra, fez muitas curas pela imposição das mãos; a muitos, porém, restituiu a saúde de longe, sem estar presente, como, por exemplo, à filha da Cananéia e ao servo do centurião. A infinita generosidade de Nosso Senhor não se limita às almas que se aproximam dignamente de seu Sacramento de amor, estende-se também as que não podem recebê-lo sacramentalmente. Não diz ele: "Eu sou o pão da vida; o que vem a mim não terá mais fome, e o que crê em mim, não terá mais sede"? Ir a Jesus é crer nele e amá-lo. Quem for a ele deste modo será saciado. Jesus Cristo não ligou sua graça à santa Comunhão, de forma que não possa concedê-la sem a recepção do Sacramento. Uma Comunhão espiritual, feita com ardentes desejos, produz-nos mais graças que uma Comunhão sacramental feita sem fervor. A intensidade de nossos desejos é a medida da graça que nos vem pela Comunhão espiritual.
Mas, como fazer para bem comungar espiritualmente? O sábio Fornero, bispo de Hebron, no-lo ensina: "Todos os que ouvem a santa Missa com boas disposições, são nutridos, de maneira mística, com o corpo de Jesus Cristo. A virtude da santa Missa é tão grande que basta unir-se espiritualmente ao sacerdote, para participar com ele do fruto do Sacrifício" (Sermão 83). - Esta doutrina é muito consoladora, para os que desejam fazer a Comunhão espiritual e não sabem fazê-la. Basta dizer: Uno minha intenção com a do sacerdote, e desejo, comungando com ele, participar do santo Sacrifício.
"Assim como os nossos membros que não comem, acrescenta o bispo de Hebron, nutrem-se tão bem como a boca, da mesma maneira, os que assistem à santa Missa nutrem-se, espiritualmente, por intermédio do sacerdote, sem comungar realmente. Também é justo que o que está em espírito com o celebrante à mesa do Senhor, seja nutrido em espírito com ele. Se os convidados de um rei não saem com fome da sala do festim, como nosso divino Salvador deixaria ir embora, sem ficarem saciados, os que vieram adorá-lo na santa Missa!"
A santa Missa; a grande ceia do Senhor; aí, cada um recebe sua parte a não ser que feche, obstinadamente, a boca de sua alma diante da mão de Jesus Cristo, que lhe oferece o Corpo em alimento.
A Comunhão espiritual é, portanto, santa e salutar. A santa Igreja diz expressamente: "Aqueles que, pelo desejo, comem deste pão celeste, sentem-lhe o fruto e a utilidade, em virtude da fé viva que a caridade torna fecunda" (Conc. de Trento, sessão 13).

XXI. A SANTA MISSA É A ESPERANÇA SEGURA DOS MORIBUNDOS
Somente quando se experimentam os horrores da morte, se pode saber quanto é amarga; não obstante, aprendemos a conhecê-la um pouco, cada vez que assistimos a agonia de um de nossos irmãos. Então sentimos quanto Aristóteles, grande sábio da antiga Grécia, tinha razão em dizer: "Entre todas as coisas horrorosas, a mais horrorosa é a morte".
Na verdade é, não somente porque é a separação de nossa alma do nosso corpo, mas, principalmente porque é a porta da eternidade e nos lança diante do justo tribunal de Deus. A viva representação destas duas cousas terríveis inspira ao moribundo um tal terror, que o coração lhe treme e um suor frio lhe orvalha a fronte.
Que fazer em semelhante agonia? Como consolar esta alma? Como encorajá-la em que segurança a devemos pôr, a fim de que o demônio não a arraste ao desespero? Ah!, que se lance no seio da infinita misericórdia de Deus, e sua esperança não será baldada.
São Gregório nos diz: "Aquele que fez tudo quanto pode, deve confiar na divina Misericórdia, porque ela não o abandonará; o que, ao contrário, mostrou-se negligente, não terá razão de confiar nela, pois enganar-se-ia". - Mas, onde está a alma que foi sempre, perfeitamente, fiel? Haverá uma sobre mil? Todos, tais como somos, não poderíamos viver melhor, se quiséssemos?
Com que pode contar o moribundo na última hora? Afirmamos que não há para ele mais legítimo motivo de esperar do que a santa Missa, se, durante a vida, amou-a e ouviu-a devota e assiduamente. O profeta David confirma esta crença: "Oferecei sacrifícios de justiça e esperai no Senhor" (Sal. 4, 6).
Este sacrifício não é outro senão a santa Missa, pela qual nos desobrigamos com a divina Justiça, vantagem que não tinham os sacrifícios da antiga Lei. Eis porque não se podia, propriamente falando, chamá-los sacrifícios de justiça. David não se dirige, com essa exortação, aos sacerdotes judeus, porém a todos os cristãos e aos sacerdotes católicos, para que ponham todo o zelo na celebração da santa Missa, a fim de aplacar a cólera de Deus e apagar a pena ligada ao pecado.
Tudo isto é tão justo que o salmo conclui dizendo: "O coração em paz, por causa do sacrifício, dormirei meu último sono e repousarei para a eternidade porque me tendes, Senhor, fortalecido nesta esperança".
Fala em nome do cristão moribundo, indicando-nos com o que devemos contar, com mais certeza, na hora da morte. A santa Igreja assim o compreende por estas palavras do Ofício dos mortos: "Requiescant in pace - Senhor, concedei-lhes o repouso" - Deste modo, aquele que, durante a vida, ofereceu, com o sacerdote, o "sacrifício de justiça", pode esperar firmemente na misericórdia divina e dizer com David, no momento da morte: Senhor, cheio de confiança no santo Sacrifício, dormirei em paz e me deitarei no túmulo até que raia o grande dia da eternidade. Não temo a morte eterna, porque em vós lancei a âncora da minha esperança. Não, Senhor, não posso crer que me haveis de repelir, visto que Vos tenho oferecido, freqüentemente, o "Sacrifício da Justiça", cuja virtude purificadora e santificante há de ter apagado meus pecados e satisfeito as exigências de vossa Justiça. Eis minha doce esperança: sossegado por ela, já não receio comparecer ao vosso rigoroso tribunal.
É de fé que os méritos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo constituem as bases mais legítimas das nossas esperanças. Ora, na santa Missa, estes méritos são distribuídos a todos os assistentes em estado de graça. Apoiar-se, cheio de confiança, sobre a santa Missa, é, pois, apoiar-se sobre os méritos do próprio Salvador.
Poderia alguém objetar: Todo o moribundo, qualquer que seja, pode contar com a Paixão e Morte do divino Salvador, visto que sofreu por todos, a fim de satisfazer por todos os pecados e preservar-nos da condenação eterna.
Respondemos: De que servirão à nossa alma os frutos da Paixão e Morte de Jesus Cristo, se não aplicados? E, como revestí-la, deles, mais seguramente, senão pela santa Missa, visto que a santa Igreja ensina "que os frutos do Sacrifício cruento da Cruz são distribuídos, da maneira mais abundante, pelo Sacrifício não cruento da santa Missa, e esta foi instituída, para que a virtude salutar do Sacrifício da Cruz fosse aplicada em remissão de nossos pecados quotidianos" (Conc. Trento, Sess. 22).
O cristão que espera desta maneira, não se firma, nem em si, nem nos próprios méritos, porém em Jesus Cristo, nas orações, nos méritos do divino Salvador, dos quais participa no santo Sacrifício do Altar; apóia-se sobre o dom perfeitíssimo que, pelas mãos do sacerdote, ofereceu ao Pai celeste; apóia-se sobre o precioso Sangue que jorra do altar sobre sua alma; confia na oração de Jesus, em que pode e deve confiar.
Esta confiança é tão infalível que Sanchez diz: "A santa Missa nos autoriza a uma esperança da vida eterna tão segura que, para crer, nos é precisa a graça da fé". - Isto compreenderam bem os Santos e, por isso, preparavam-se para a morte pela devota celebração, ou audição da santa Missa.
Fortificada pelo pensamento da santa Missa, a alma deixa este mundo e vai apresentar-se no tribunal de Deus.
Achar-se em presença do justo Juiz! Homem altivo, qual será a tua situação? Que postura terás então?
Nossos pecados se mostrarão sob formas horríveis; nossas boas ações ali também estarão, para nos animar e, se tivermos ouvido muitas Missas, virão sob figuras encantadoras que, pela agradável presença, nos dissiparão os terrores. "Vamos acompanhar-te ao tribunal do justo Juiz, - dirão - nós, as missas que, fielmente, assististe; lá te desculparemos; testemunharemos tua piedade para o santo Sacrifício; diremos quantos pecados apagaste, quantas dívidas saldaste. Tem coragem! Acalmaremos a cólera do justo Juiz e te obteremos o perdão"
Que consolação para tua alma opressa, achar amigos tão fiéis, e tão poderosos advogados!

XXII. A SANTA MISSA É O MAIS EFICAZ ALÍVIO DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
Não podendo compreender, durante esta vida, o rigor das chamas do purgatório, virá, porém, o dia em que o experimentaremos. Meditemos, enquanto podemos, a doutrina dos Santos e Doutores da Igreja.
Santo Agostinho diz: "O eleito e o condenado são atormentados pelo fogo, cuja ação é mais violenta que tudo quanto, sobre a terra, se pode imaginar, ver e sentir" (Sermão 41). Fosse este testemunho o único, e bastaria para espantar-nos, porque os males de que a terra está cheia, são incalculáveis, e nossa capacidade de sofrer é um abismo de que ninguém sondou a fundo. Pensa nas terríveis doenças que corrompem o corpo; lê, no martirológio, as torturas espantosas, a que foram submetidos os confessores da fé, e persuadir-te-ás de que tudo isto é apenas uma pálida imagem do que te espera, segundo a afirmação de São Cirilo: "Todas as penas e torturas, diz ele, todos os tormentos desta vida, comparados à menor pena do purgatório, parecem ainda uma consolação". São Tomás de Aquino afirma também: "A menor faísca desse fogo é mais cruel que todos os males desta vida" (In e. Sent. dist. 20, qu. 1. c. 2).
Meu Deus! Como minha alma suportará essas dores terríveis? Ora, é quase certo que não chegará ao céu sem passar por essas chamas purificadoras, porque, longe de ser bastante perfeita para evitá-las, está repleta de manchas e de más inclinações.
Há vários meios eficazes de aliviar as almas do purgatório; porém, o mais salutar, declara o Concílio de Trento, é o santo Sacrifício da Missa: "As almas do purgatório são aliviadas pelas orações e sufrágios dos fiéis, principalmente pelo sacrifício do Altar" (Conc. Trento, Sess. 25). Dois séculos antes, São Tomás de Aquino dizia: "Segundo o uso geral, a Igreja sacrifica e ora pelos defuntos e, assim, liberta-os, prontamente, do purgatório".
A razão é porque, na santa Missa, o sacerdote e os assistentes não somente pedem misericórdia, mas oferecem também a Deus um resgate preciosíssimo. As almas do purgatório não estão fora dos favores de Deus, visto que, por sua contrição e confissão, reconciliaram-se com Ele, porém ficam prisioneiras, para se purificarem das chamas. Por conseguinte, se cheio de compaixão, orares por elas, cedendo-lhes teus méritos, contribuis para saldar uma parte desta dívida de que o Juiz supremo diz: Toma cuidado "para que não sejas lançado na prisão, donde não sairás sem ter pago o último ceitil" (Mt. 5, 25-26). Entretanto, se assistes, ou fazes celebrar a santa Missa por uma destas almas, satisfarás grande parte de sua dívida.
Ignora-se em que medida são remidas as penas do purgatório pelo santo Sacrifício. Em todo o caso, fica certo que uma Missa celebrada, ou ouvida durante tua vida, serve-te mais do que outra oferecida em tua intenção depois da morte, segundo a palavra de Santo Anselmo: "Uma única Missa assistida por uma pessoa durante a vida, lhe é mais vantajosa do que muitas oferecidas, em sua intenção, depois da morte". Eis porque:
1. Se estiveres em estado de graça, quando ouvires, ou mandares celebrar a santa Missa por ti, obterás um aumento de glória para o paraíso; vantagem que, mesmo cem missas, celebradas depois de teu falecimento, não poderiam merecer-te, visto que o tempo de merecer acabou.
2. Se estiveres em estado de pecado mortal, a santa Missa te atrairá, pela infinita misericórdia de Deus, a luz necessária para reconhecer os pecados e a dor de havê-los cometidos, dor que te põe em graça com ele, cousa impossível depois da morte. Se, em vida, já estás marcado com o selo da reprovação, a santa Missa pode ainda deter-te na beira do abismo infernal e conceder-te o inestimável benefício de morreres na graça de Deus.
3. Missas ouvidas, ou celebradas te esperam além do túmulo, onde, como outros tantos advogados eloqüentes, solicitarão, para ti, o perdão no tribunal da Justiça divina. Se não te preservam inteiramente do purgatório, abreviar-lhe-ão a duração e diminuir-lhe-ão a intensidade. Apesar de Deus aplicar-te todo o fruto de uma Missa após tua morte, seria ainda mister que fosse celebrada, e deverias esperá-la.
Supõe qeu morras à tarde e devas permanecer nas chamas do purgatório somente até a hora da Missa do dia imediato, oh, como seria longa esta única noite! Supõe mesmo o caso mais favorável em que tua pena duraria o tempo de uma Missa; caro leitor, esta meia hora te pareceria ainda uma eternidade. Se te obrigassem a ter a mão em fogo vivo durante o tempo em que se pode celebrar uma santa Missa, quanto não darias para escapar a uma prova tão cruel? Entretanto, não atingiria senão a um membro de teu corpo, e não se pode comparar à pena muito mais intensa que tem sede na alma. Poderíamos ter menos compaixão de nossa alma que de nosso corpo? Em todo caso, é melhor que as Missas nos esperem na outra vida do que termos que esperá-las. Amontoemos, pois, tesouros no céu, pela piedosa assistência à santa Missa, porque a noite virá, e quem trabalhará então por nós?
4. A esmola que consagras para fazer celebrar a santa Missa, é um dom espontâneo, voluntário, muito agradável a Deus, ao passo que, depois de tua morte, não será mais dado por ti, mas por teus herdeiros. Não vemos, todos os dias, como demoram a satisfazer os piedosos desejos dos moribundos?
Acredita-nos, é mais conveniente assegurar o futuro, desde a vida presente, enquanto podes dispor de teus bens.
5. Enfim, não esqueçamos que o tempo presente é o tempo da misericórdia, e o tempo futuro, o da justiça. São Boaventura diz: "Assim como uma palheta de ouro é mais preciosa do que um pedaço de chumbo, também uma pequena penitência, a que nos submetemos, voluntariamente, nesta vida, é mais agradável aos olhos de Deus do que uma grande penitência feita na outra.
Ah, se pudesses contemplar, com teus olhos mortais, os rios de graças que, do altar, se derramam sobre o purgatório, com que pressa procurarias, para as almas exiladas, este divino benefício! Não objetes tua pobreza. É verdade, a pobreza pode privar-te do prazer de mandar celebrar os divinos Mistérios; porém, não te explicamos que a simples audição da santa Missa é, por si, muito meritória? Pede a teus amigos que ouçam também uma ou mais Missas, na intenção das almas do purgatório.
Era o conselho de um homem de Deus a uma pobre viúva que lamentava não poder mandar celebrar Missas por seu defunto marido: "Assisti, freqüentemente, ao santo Sacrifício por ele; deste modo será mais prontamente libertado do que por uma ou duas Missas celebradas em sua intenção". Este excelente conselho o damos, de bom grado, aos pobres; não que seja menos vantajoso fazer celebrar a Missa, quando se pode, porém, é uma consolação para a alma do purgatório ver-te oferecer, por ela, nosso Senhor a seu Pai. Então o precioso Sangue inunda-a como orvalho celeste. Jamais um doente devorado pela febre foi tão aliviado por um copo d'água fresca, como nossos caros defuntos, quando na santa Missa, derramamos, misticamente, sobre eles algumas gotas deste Sangue divino.

XXIII. DA PRECE DO SACERDOTE E DOS ANJOS PELOS QUE OUVEM A SANTA MISSA
É uma queixa geral, entre as pessoas piedosas, de serem perseguidas pelas distrações durante a oração. Para isso, não conhecemos remédio melhor que a freqüente assistência à santa Missa, onde nossa pobre oração se une à de Jesus e a de seu sacerdote. Do mesmo modo que uma moeda de cobre se torna bela e brilhante, quando imersa no ouro em fusão, nossa oração, fraca e distraída, torna-se, por esta maneira, atenta e fervorosa.
Por isso disse o sábio e piedoso bispo Fornero: "A oração feita na Missa, em união com o Sacrifício, é mais eficaz do que todas as outras, embora cheias de fervor perfeito e longa duração".
Exporemos, neste capítulo, a razão de tão consoladora doutrina.
O sacerdote que celebra deve orar não somente pelos fiéis em geral e oferecer o Sacrifício por sua salvação, mas é ainda obrigado a orar, particularmente, pelos assistentes e apresentar-lhes as súplicas ao Altíssimo. Assim a oração do começo, chamada "Coleta" e a "Secreta" que se segue ao Ofertório, a "Post-Comunhão", e, em geral, todas as orações em que o pedido é feito em nome de muitos, são ditas pelos assistentes, por ti, portanto, se és do número deles, e te são proveitosas como se estivesses só na igreja com o sacerdote.
A fim de que saibas, minuciosamente, as orações em que tens parte oficial, vamos enumerá-las umas após outras.
Ao começar a santa Missa, o ministrante recita o "Confiteor", em nome do povo, sobre o qual o sacerdote pronuncia a absolvição seguinte: "O Senhor onipotente se compadeça de vós, e, perdoados os vossos pecados, vos conduza à vida eterna! Assim seja". Em seguida, subindo ao altar, continua: "Apagai, Senhor, Vos suplicamos, nossas iniqüidades, para que mereçamos, com pureza, entrar no lugar santo. Por Cristo Senhor Nosso. Amém".
Ao "Kyrie", que é um grito, um pedido de socorro à Santíssima Trindade; ao "Glória in excelsis", como também à "Coleta", o sacerdote fala em seu nome e no teu. Saúda a assembléia, reunida ao redor do altar, com a santa saudação: "Dominus vosbiscum - o Senhor esteja convosco!" Era a saudação do Anjo a Gedeão; de Booz aos ceifadores; do Arcanjo Gabriel à Santíssima Virgem. Por estas palavras, oito vezes repetidas, o sacerdote deseja salvação e bênção ao povo, porque, se Deus está conosco, que pode nos faltar?
Ao "Credo" pronuncia, em seu nome e em nome dos fiéis, a confissão da fé católica, em que desejamos todos viver e morrer.
"A oblação do pão" diz: "Recebei Pai Santo, onipotente e eterno Deus, esta Hóstia imaculada que eu, indigno servo, vos ofereço, meu Deus vivo e verdadeiro, por todos os meus inumeráveis pecados e ofensas e negligências, por todos os presentes, e por todos os fiéis cristãos, vivos e defuntos, para que a mim e a eles aproveite e seja a salvação na vida eterna. Amém".
Quando deita a água e o vinho no cálice, diz: "Deus, que criaste, maravilhosamente, a dignidade da humana natureza e, mais admiravelmente, a reparaste, concede-nos, por este mistério da água e do vinho, que sejamos consortes da divindade daquele que se dignou de fazer-se partícipe de nossa humanidade, Jesus Cristo, teu Filho, Senhor nosso que contigo reina na unidade do Espírito Santo, Deus por todos os séculos dos séculos. Amém".
A "oblação do cálice", o sacerdote diz: "Oferecemos-te, Senhor, o cálice da salvação, rogando-te a clemência, para que suba à presença da divina Majestade o suave perfume, por nossa salvação e de todo o mundo".
Depois do "Lavabo", diz o sacerdote, inclinando-se: "Recebei, Santíssima Trindade, esta oblação que te oferecemos em memória da Paixão e Ressurreição e Ascensão de Jesus Cristo, nosso Senhor, e em honra da Bem-aventurada Virgem Maria, do Bem-aventurado São João Batista, dos Santos Apóstolos São Pedro e São Paulo, e de todos os Santos; para que lhes seja em honra e a nós em salvação, e estes, cuja memória celebramos na terra, se dignem de interceder por nós no céu. Pelo mesmo Cristo, Senhor nosso. Amém". Voltando-se para o povo, continua: "Orai, irmãos, para que o sacrifício vosso e meu seja aceito por Deus onipotente"; e o ministrante responde: "Receba o Senhor o sacrifício de tua mão, para louvor e glória de seu nome e também para proveito nosso e de toda a sua santa Igreja".
A "Secreta", oração misteriosa, segue-se em voz baixa e, nela, o sacerdote reza também por todo o povo. Ordinariamente são três, outras vezes mais, nas grandes festas, uma apenas.
No "Prefácio", o sacerdote excita a assembléia a unir os louvores aos seus, dizendo: "O Senhor seja convosco. - Erguei os vossos corações! - demos graças ao Senhor, nosso Deus! - verdadeiramente é justo, conveniente e salutar que, sempre e em toda a parte, demos graças, Senhor santo, Pai onipotente, Deus eterno, porque, pelo Mistério do Verbo encarnado, resplandeceu, aos olhos de nossa mente, uma nova luz de tua claridade; de sorte que, enquanto conhecemos a Deus visivelmente, sejamos por ele arrebatados ao amor das cousas invisíveis. E por isso, com os Anjos e Arcanjos, com os Tronos e Dominações e com toda a milícia do celestial exército, cantemos o hino de tua glória, dizendo sem cessar: - Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos exércitos! Cheios estão o céu e a terra de tua glória. Hosana nas alturas! Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!"
Logo depois começa o "Cânon", parte da santa Missa que se reza em voz baixa, e da qual lembraremos somente o "Memento" pelos vivos: "Lembrai-vos, Senhor, de vossos servos e servas N. N. ..... e de todos os circunstantes, cuja fé e devoção vos são conhecidas, pelos quais vos oferecemos este sacrifício de louvor, por eles e por todos os seus, pela redenção de suas almas, pela esperança de sua salvação e incolumidade, e vos tributam os votos, a vós, eterno Deus, vivo e verdadeiro".
Aprende, por estas palavras, a não te afligir, se tua pobreza te priva de mandar celebrar Missas. Aquela que ouves é oferecida em tua intenção pelo sacerdote que aplica o mérito também a ti e aos teus, segundo tua piedade e teu desejo.
O sacerdote continua: "Nós, que participamos duma mesma comunhão, honramos, em primeiro lugar, a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe de Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus, e a dos Bem-aventurados Apóstolos e Mártires, Pedro e Paulo... e todos os Santos; pedimos que nos concedais, pelos seus merecimentos e rogos, que, em todas as cousas, sejamos defendidos pelo auxílio de vossa proteção. Por Cristo, Nosso Senhor. Amém".
As mãos estendidas sobre a oferta, o sacerdote prossegue ainda: "Por isso vos pedimos, Senhor, que recebais, favoravelmente, esta nossa oferta, e de toda a Igreja; e que, enquanto vivermos, gozemos de vossa paz e, depois, sejamos livres da eterna condenação e contados entre o número de vossos escolhidos. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém".
Depois da "elevação", diz: "Portanto, Senhor, nós, teus servos e teu povo santo, lembrando-nos da Paixão de Cristo, teu Filho e Senhor nosso, de sua Ressurreição saindo vitorioso do sepulcro, e de sua gloriosa Ascensão aos céus; oferecemos à tua gloriosa Majestade, de teus mesmos dons e dádivas, a Hóstia pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada, o Pão santo da vida eterna, e o Cálice da salvação perpétua. Sobre estes dons te dignes lançar um olhar favorável e recebê-los benignamente, assim como recebestes as ofertas do justo Abel, teu servo, e o sacrifício de nosso patriarca Abraão, e o que te ofereceu o sumo sacerdote Melquisedec, santo sacrifício, Hóstia imaculada".
O sacerdote faz, depois, uma profunda reverência, humilhando-se diante de Deus, e continua: "Ó Deus onipotente, nós te suplicamos, com humildade profunda, que mandes levar estes dons pelas mãos de teu santo Anjo, a teu sublime altar, na presença de tua divina Majestade, para que todos nós que, participando deste altar, recebamos o sacrossanto Corpo e Sangue de teu Filho, fiquemos cheios de toda a graça e bênção celestial. Pelo mesmo Cristo, Nosso Senhor. Amém".
Ao "Memento" dos defuntos, o sacerdote ora, em primeiro lugar, por todos os fiéis defuntos, depois por todos aqueles em cuja intenção celebra ou que lhe foram recomendados, e acrescenta: "E também a nós pecadores, que esperamos na multidão de tuas misericórdias, te dignes dar alguma parte e sociedade com teus santos Apóstolos e Mártires: com João, Estevão, Matias, Barnabé, Inácio, Alexandre, Marcelino, Pedro, Felicidade, Perpétua, Águeda, Lúcia, Cecília, Anastácia, e com todos os santos, em cuja companhia te rogamos nos admitas generoso, não considerando nossos méritos, mas a tua indulgência. Por Cristo, Nosso Senhor. Amém".
Em seguida, reza o "Padre-Nosso" por si, e acrescenta: "Livrai-nos, te rogamos, Senhor, de todos os males passados, presentes e futuros e, pela intercessão da gloriosa sempre Virgem Maria e de teus Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, de André e de todos os Santos, dá-nos benigno a paz em nossos dias; para que, ajudados com o socorro de tua misericórdia, vivamos sempre livres do pecado e seguros de toda a perturbação. Pelo mesmo Senhor nosso, teu Filho Jesus Cristo, que contigo vive e reina em unidade com o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém".
Depois faz a fração da sagrada Hóstia, dizendo: "Esta mistura e consagração do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, aproveite-nos para a vida eterna. Amém". - Inclinando-se então profundamente, diz três vezes: "Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós ... dai-nos a paz".
Depois da "Comunhão", seguem-se algumas orações que o sacerdote reza por si, mas, antes de abençoar os fiéis, diz ainda: "Agradável vos seja, Santíssima Trindade, o obséquio de minha servidão, fazei que este Sacrifício, que eu, indigno, Vos ofereci, aos olhos de vossa Majestade, seja aceito por Vós, e por vossa misericórdia se torne propiciatório para mim e todos aqueles por quem o ofereci. Por Cristo Nosso Senhor. Amém".
Enfim, o sacerdote te abençoa em nome de Jesus Cristo e de sua Igreja para que estejas preservado do mal durante o dia.
Eis as orações que o ministro de Deus diz em teu favor. Simples na aparência, têm, todavia, uma maravilhosa eficácia, pois são inspiradas pelo divino Espírito Santo, compostas e sancionadas pela santa Igreja. O sacerdote não as diz em seu nome, porém em nome de Jesus Cristo e de toda a cristandade, da qual é o representante. Com efeito, a santa Igreja, isto é, todos os fiéis enviam o sacerdote como seu representante ao altar e o encarregam de seus pedidos, para que os exponha a Deus, durante a santa Missa, e trate da felicidade eterna e temporal de todos os fiéis e, em particular também, da libertação das almas do purgatório. As palavras deste sublime entretenimento acham-se ditadas e encerradas no missal pela própria Igreja; de maneira que, quando o sacerdote chega ao altar e se apresenta diante da divina Majestade, Deus não o considera mais como pecador, porém como embaixador da Igreja, como representante de seu Filho, do qual traz as vestes e as insígnias, e em nome do qual pronuncia as palavras da consagração: "Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue". Nestas condições, sua oração vale junto a Deus tanto como a oração do próprio Jesus. E não somente ora o sacerdote, mas oferece também um dom, uma jóia de valor infinito: o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Este dom, Deus não o pode repelir, nem recusar ao sacerdote os piedosos pedidos. Unamos, pois, nossa fraca oração à do sacerdote e assim tornar-se-á mais eficaz, mais nobre e obterá o que nunca obteríamos sozinhos.
Talvez perguntes: Todas as santas Missas são igualmente boas? - Antes de responder, dizemos que deves bem distinguir entre o sacrifício e a piedade de quem o oferece. O sacrifício, sem dúvida, é igualmente santo e agradável a Deus, tanto do bom como do mau sacerdote, pois quem é oferecido, em todas as Missas, é o próprio Jesus Cristo. A celebração, isto é, a recitação das orações na santa Missa, porém, não é igualmente agradável a Deus em todas as Missas. Neste sentido, o maior ou menor agrado depende do fervor e da devoção do celebrante. O sacerdote bem o sabe e, por isso, pede em cada Missa, freqüentemente, a Deus as suas graças, e aos assistentes, que o ajudem com as orações, a fim de que seu sacrifício seja agradável a Deus onipotente. É o sentido do "Orate fratres": "Orai, irmãos", diz o sacerdote voltando-se para o povo, "para que o vosso sacrifício e o meu seja agradável a Deus onipotente".
São Boaventura escreve: "Todas as Missas são igualmente boas no que diz respeito ao divino Salvador, com relação ao celebrante, porém, há Missas melhores e menos boas".
O cardeal Bona acentua este pensamento, quando diz: "Quanto mais santo e agradável a Deus for o sacerdote, tanto mais agradável será o acolhimento reservado à sua oração e ao seu sacrifício e mais útil a sua Missa, porque se dá com a santa Missa o mesmo que se dá com as outras obras pias: os frutos obtidos são proporcionais ao fervor".
É certo que os Anjos estão presentes à santa Missa. A Igreja o afirma. O profeta real assim cantou: "Ordenou a seus Anjos que te guardem em todos os teus caminhos". Segue-se que os Anjos nos acompanham os passos. Quando, porém, nos dirigimos para o altar do Senhor, é, com mais alegria e maior satisfação, que desempenham o ofício, afugentando os maus espíritos que querem perturbar-nos a devoção, impondo-lhes silêncio ao cochichar dissipado que chamamos distrações. Há, pelo menos, o mesmo número de Anjos presentes à santa Missa quanto de pessoas, visto que cada assistente tem seu Anjo da guarda, ajudando-o a orar e adorar a Jesus Cristo sobre o altar. Pede, pois, ao teu que ouça a santa Missa por ti e contigo, e sua oração inflamada suprirá as misérias da tua.
Além dos Anjos da guarda, príncipes da milícia celeste estão, igualmente, presentes no altar, porque ao Rei dos Anjos, descendo do céu, em pessoa, convém que seus ministros rodeiem e lhe prestem homenagens.
Assistindo à santa Missa, podemos, pois, dizer a Deus com o rei David: "Adorar-vos-ei, em vosso santo tabernáculo, cantarei vossos louvores, na presença dos espíritos celestes, e bendirei vosso santo nome" (Sal. 137). Está, portanto, ajoelhado no meio destes espíritos puros que ouvem a santa Missa contigo e oram, ardentemente, por tua salvação.
"Lembra-te, ó homem, diz São João Crisóstomo, junto de quem te achas, durante este misterioso Sacrifício. Estás entre Querubins e Serafins, entre as Potências celestes. Comporta-te, pois, de modo a não entristecê-los com a tua impiedade, pelo contrário, regozija-os com o teu fervor".
Quando o sacerdote celebra o sublime e temível Sacrifício, os Anjos assistem-no e, com coro, elevam a voz para cantar a glória daquele que se imola sobre o altar. Neste momento, não oram somente os homens, mas os próprios Anjos dobram os joelhos ante Deus e intercedem por nós, e esta oração dos Anjos, é mais poderosa do que a nossa. É o tempo propício, pois o santo Sacrifício está ao dispor destas potências celestes. Entretanto, unidos os nossos rogos aos dos Anjos, os nossos pedidos atravessam as nuvens e são mais facilmente ouvidos do que se tivéssemos orando em casa, sozinhos.
Os Anjos não somente estão presentes à santa Missa, como também oferecem ao Altíssimo o santo Sacrifício e as nossas orações. São João viu-os nesta sublime função e no-lo refere assim: "Veio, então, o Anjo e pôs-se ante o altar, trazendo um turíbulo de ouro; lhe foram dados muitos perfumes, a fim de que fizesse a oferta das orações de todos os Santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono de Deus. E a fumaça dos perfumes, emanados das orações dos Santos, subiu da mão do Anjo até a presença de Deus" (Apoc. 8, 3 e 4).
Assim os Anjos apressam-se em recolher-te as orações durante a santa Missa, para leva-las ao céu e espalhá-las como perfume, em presença de Deus. E, se estas orações são unidas às de Jesus Cristo e às dos Anjos, seu perfume é infinitamente agradável à divina Majestade e tem uma eficácia muito maior, que todas as orações feitas fora da santa Missa. Novo motivo, pois, para assistires, todos os dias, ao santo sacrifício, onde tão poderosos Anjos te esperam e transmitem-te os votos a Deus, vivificando-os com os seus santos ardores.

XXIV. A SANTA MISSA NÃO PREJUDICA AO TRABALHO, ANTES O FAVORECE
Um dos principais pretextos alegados pelos homens, para dispensar-se da santa Missa, é o trabalho. Dia e noite a ele se entregam, lastimam a perda de tempo, se devem consagrar uma hora ao serviço de Deus, e qualificam de preguiçosos os que encaram, de modo sobrenatural, o emprego da vida. Que erro grosseiro é o destes insensatos!
Se encontram um amigo, quando vão para o trabalho, param de bom grado para ouvir novidades, conversam sobre isto ou aquilo; tratando-se, porém, de ouvir a santa Missa, a lembrança do trabalho os atormenta. Não vê que o inimigo é quem os torna tão apressados para as cousas da terra e tem grande interesse em afastar da santa Missa? Longe, porém, de prejudicar o trabalho, o santo Sacrifício o adianta e o torna mais lucrativo.
Nosso divino Mestre nos recomenda a procurar, antes de tudo, o reino de Deus e sua justiça, porque tudo o mais nos será dado por acréscimo. Estas palavras podem se interpretar assim: Não te inquietes do alimento corporal, porém, antes de principiar o trabalho, procura ouvir a santa Missa, ou pelo menos que um membro da família o assista em nome da família toda. Assim prestes a Deus, o culto que lhe é devido, e Deus, em troca, te dará o pão de cada dia.
Se prestares um serviço importante e agradável a um príncipe deste mundo, não serás recompensado? Ora, assistindo à santa Missa, rendes a Deus uma homenagem relevante, uma glória infinita, uma incomparável satisfação: ofereces um presente mais precioso que o próprio céu. O Senhor, riquíssimo e bondosíssimo, deixaria este ato sem recompensa? Jamais! Se todo e qualquer bem é recompensado por Ele, quanto mais o maior de todos os bens!
Sim, a santa Missa é o tesouro de que fala o livro da Sabedoria: "É um tesouro inestimável para os homens; os que nele têm parte gozam da amizade de Deus". É uma mina donde se extrai o ouro terrestre e o celeste. O que assiste a este Sacrifício, sai enriquecido dos méritos de Jesus Cristo, cumulado de bênçãos do Pai celeste: a bênção da santa Missa é, ao mesmo tempo, temporal e espiritual, assim como vemos pela oração que se segue à consagração: ... "para que todos, participando deste altar, recebendo o sacrossanto Corpo e Sangue de teu Filho, fiquemos cheios de toda a graça e bênção celestial".
Em virtude desta oração e do santo Sacrifício, és abençoado em teu corpo e tua alma, em tuas empresas e teus trabalhos.
Todos reconhecem a verdade do velho provérbio: "Tudo depende da bênção de Deus". Por maiores que sejam o zelo e a habilidade do homem no trabalho, sem a mão de Deus, não frutificará. Ora, não há meio mais eficaz neste mundo, de atrair os favores celestes, do que a piedosa audição da santa Missa. Numa visão, Santa Brígida viu o divino Salvador que, depois da elevação da sagrada Hóstia, traçava com a mão direita o sinal da cruz sobre o povo, dizendo: "Eu vos abençôo a vós todos que credes em mim". - Avalia, pois, o prejuízo, mesmo no teu trabalho, se, podendo assistir à santa Missa, por descuido, lhe perderes as graças abundantes.
Não digas, caro leitor, que a santa Missa de pouco serve, materialmente falando. Pois, só a ignorância pode afirmar isto e não duvidamos de que a leitura deste livro te iluminará a inteligência e te fará apreciar o valor e eficácia do santo Sacrifício dos nossos altares. "No dia em que ouvires a santa Missa, diz Fornero, bispo de Hebron, teu trabalho andará melhor, tuas penas serão mais aliviadas, tua cruz menos pesada". "O Senhor te fortificará no corpo e na alma, acrescenta outro autor de vida espiritual, os Anjos te cercarão mais afetuosamente e, se vieres, neste dia, a morrer, Jesus te assistirá no último momento, como o assististe pela manhã na santa Missa".
A audição da santa Missa favorece o trabalho; nossa própria experiência no-lo testemunha.
Lemos, na vida de Santo Isidoro, que cultivava as terras de um rico senhor. Entregava-se ao trabalho com todo o zelo possível, sem, todavia, faltar à santa Missa um dia. Sua devoção agradou de tal modo ao bom Deus, que Ele mandou que os Anjos ajudassem-no nos trabalhos campestres. Quando sua esposa lhe levava a refeição, via, não raras vezes, dois Anjos trabalhando ao lado de Isidoro. Este não os via e a piedosa mulher nada dizia, com receio de incitá-lo ao orgulho.

XXV. DA MANEIRA DE OFERECER A SANTA MISSA E DO VALOR DA OBLAÇÃO
Caro leitor, lê neste capítulo com grande atenção; grava-o, profundamente, em tua memória, segue os conselhos que encerra e tirarás, do santo Sacrifício, imenso proveito.
Já ficou dito que a santa Missa, único sacrifício do cristianismo, é um ato de adoração, uma oferta divina. O grande Sacerdote, o verdadeiro Sacrificador, é Nosso Senhor Jesus Cristo. Depois dele vem o celebrante, o instrumento que lhe empresta as mãos e a boca. Em terceiro lugar, vêm os assistentes, que mandam celebrar a santa Missa, os que oferecem os objetos necessários ao culto, enfim, todos os que, impedidos por ocupações de assistir, se unem, espiritualmente, aos assistentes. Todos oferecem, em certo sentido, a divina Vítima e participam dos frutos desta preciosa oferta. Sem a oblação do divino Sacrifício nem mesmo ouvirias a santa Missa como deves: porque ouvir a Missa não é somente assistí-la, é oferecer o Sacrifício em união com o sacerdote e pelas mãos do sacerdote. Por conseguinte, os fiéis que, na santa Missa, se entregam a toda sorte de devoções particulares, sem se ocuparem da oblação do santo Sacrifício, privam-se de um número infinito de graças.
Não acharás, certamente, inútil que te expliquemos, minuciosamente, a maneira de oferecer a Deus o santo Sacrifício.
Supõe que uma pessoa recite, devotamente, muitos terços, oferecendo-os a Jesus Cristo e à sua Santíssima Mãe, enquanto outra pessoa assiste a uma só Missa, oferecendo-a. Qual das duas, pensas, dará mais e será, mais profusamente, recompensada? Sem dúvida, a segunda. Pois, que oferece a primeira? Uma prece, muito santa, ensinada, na maior parte, por Jesus Cristo e por seu Anjo, mas que tem todo o valor da piedade pessoal da pessoa que reza, e fica, por conseguinte, muito imperfeita. Que se oferece, porém, na santa Missa? Um dom absolutamente sobrenatural, perfeitíssimo, divino: o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, suas lágrimas, sua morte, seus méritos.
Dir-me-ás, talvez: A pessoa que oferece os terços oferece um dom que ela própria adquiriu, ao passo que, na santa Missa, oferecem-se méritos que pertencem a Jesus Cristo. Afirmamos, porém, de novo: Aquele que oferece a santa Missa, oferece um bem próprio, porque, pelo Sacrifício não cruento da santa Missa, recebem os frutos do Sacrifício cruento na Cruz.
Que imenso favor, pois, é aquele com que o Senhor te enriquece, quando, na santa Missa, te constitui, espiritualmente, sacerdote e te concede o poder de oferecer a Deus, seu Pai, segundo a maneira dos sacerdotes, não só por ti, como pelos outros. É neste sentido que o celebrante diz depois do "Sanctus": "Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas e de todos os circunstantes, pelos quais vos oferecemos, e eles mesmos vos oferecem este sacrifício de louvor por si e por todos os seus amigos, benfeitores, vivos e mortos".
Para esta cooperação, o sacerdote já convidou os fiéis no "Orate fratres", dizendo: "Orai, meus irmãos, para que meu sacrifício, que é também o vosso, seja agradável a Deus Padre todo poderoso".
Em outras palavras: Este sacrifício vos pertence tanto quanto a mim, é tanto obra vossa quanto minha; peço-vos que me ajudeis a oferecê-lo.
Depois da "Elevação do cálice", o sacerdote diz: "Portanto, Senhor, nós, teus servos e teu povo santo, oferecemos à tua gloriosa Majestade, de teus mesmos dons e benefícios, esta Hóstia pura, Hóstia santa, Hóstia imaculada. Pão santo da vida eterna, Cálice da salvação perpétua".
Tua cooperação pela oblação é, pois, muito real, o celebrante conta com ela. Se não lhe aceitares o convite e não unires a voz e o coração à sua ação, engana-lo-ás em sua expectativa e a ti mesmo, privando-te do benefício da oblação. "Aqueles, diz o bispo Fornero de Hebron, que deixam de oferecer a santa Missa por si e pelos seus, privam-se dum imenso benefício". É, pois, igualmente um ato de injustiça para contigo mesmo faltar à Missa ou não oferecê-la quando a assistires. O oferecimento é a melhor das práticas; quanto mais o renovares, mais alegrarás o céu, maior número de dívidas pagarás, maior glória futura adquirirás. Dizer a Deus: Eu te ofereço, significa na Missa: Eu te pago, com o ouro dos merecimentos de Jesus Cristo, o resgate de meus pecados, os bens celestes, o livramento das almas do purgatório.
É verdade que se pode dizer, fora da santa Missa, a qualquer hora e com muita vantagem: "Senhor, eu te ofereço o caro Filho, te ofereço sua dolorosa Paixão e Morte, seus méritos". Entretanto, esta oblação não é senão espiritual, enquanto que, na santa Missa, é real. Aí Jesus Cristo está, realmente, presente e com ele suas virtudes e seus méritos; aí se imola de novo e renova sua Paixão e sua Morte, nos dá seus méritos, a fim de que os ofereçamos a seu Pai celeste.
Santa Mechtildes ouviu, uma vez, durante a santa Missa, Nosso Senhor lhe falar desta forma: "Concedo-te meu amor divino, minha oração e minha Paixão, a fim de que possas mas oferecer por tua vez. Dai-mas, eu tas restituirei multiplicadas, e, toda vez que mas ofereceres, novamente as duplicarei. É assim que o homem recebe o cêntuplo no tempo e uma glória infinita na eternidade" (Lib. Revelation I, cap. 14).
Entre todas as orações da santa Missa, diz Sanchez, nenhuma é mais consoladora do que a que se segue à elevação do cálice, quando o sacerdote oferece ao Pai celeste o "Cordeiro" imaculado, dizendo: "Senhor, nós, que somos vossos servos e vosso povo santo, oferecemos à vossa sublime Majestade a Hóstia pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada, etc.". Chama o povo, isto é, os assistentes, santos, porque são santificados pela santa Missa, conforme a palavra de Jesus Cristo: "Eu me santifico por eles, a fim de que sejam santificados na verdade" (Jo. 22, 19).
Ele os santifica pela "aspersão do sangue divino", como diz o Apóstolo São Paulo (Heb. 13, 12).
Quão preciosa é a Hóstia pura, santa, sem mácula! É a carne puríssima, a alma santíssima, o sangue imaculado de Jesus! A que pode se comparar esta oferta, se a terra inteira não é senão um grão de poeira ao seu lado! Que dizemos? A imensidade do céu nada contém de mais precioso. O que dás ao Deus onipotente, oferecendo esta Hóstia, é o dom perfeitamente digno de sua Majestade infinita, é seu Filho com sua humanidade santa, é o próprio Deus!
Se todos os súditos de um monarca poderoso oferecessem a seu soberano, em testemunho de seu amor e fidelidade, por embaixadores escolhidos, uma taça artística do ouro mais puro, ornada de pedras preciosas de inestimável valor, a satisfação e o reconhecimento do príncipe seria, sem dúvida, muito grande. Se porém, esta taça contivesse uma jóia do valor de um reino, a admiração e alegria do rei seriam ainda mais profundas. Na santa Missa, porém, oferecemos ao Altíssimo a humanidade de Jesus Cristo, isto é, o que sua mão onipotente criou de mais excelente e mais sublime. Eis a taça preciosa; a jóia de um valor incomparável que encerra, é a divindade do Salvador; é nele que "reside a plenitude da divindade" (Col. 2, 9).
Propriamente falando, não é a divindade, mas a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo que oferecemos à adorável Trindade; as duas naturezas, porém, são estreitamente unidas, e nunca realmente separadas, de sorte que as oferecemos juntas. Que satisfação para o Pai eterno quando recebe de tuas mãos este dom incomparável, aquele do qual disse: "É meu Filho predileto em quem pus todas as minhas complacências!" (Mt. 3, 17). Avalia a recompensa que te espera em troca, e a soma de dívidas que pagas por esta preciosa oferta.
Henrique I, rei da Inglaterra, ouvia, todos os dias, três Missas, ajoelhado ao pé do altar. Chegado o momento da consagração, aproximava-se do celebrante e sustentava-lhe os braços durante a elevação do Corpo e Sangue de Nosso Senhor. Era a maior consolação do piedoso monarca. Se houvesse ainda este piedoso costume, qual não seria a tua pressa em tomar lugar junto ao sacerdote! Deus se contenta, porém, com teu desejo, dize-lhe somente do íntimo do coração: "Senhor, ofereço-vos vosso caro Filho pelas mãos do sacerdote". Deus muito bem saberá interpretar-te a intenção.
A oferta da santa Hóstia é preciso unir a do preciosíssimo Sangue. É um meio excelente de salvar as almas. Lê-se, na vida de Santa Maria Madalena de Pazzi, que o próprio Senhor a instruíra neste assunto, fazendo-lhe conhecer quanto a oferta de seu precioso Sangue é própria para apaziguar a cólera de Deus. O divino Salvador se queixava do pequeno número dos que trabalham para acalmar a Justiça de seu Pai celeste, e exortava a santa a aplicar-se a isto. Desde então, ela oferecia o preciosíssimo Sangue até cinqüenta vezes por dia, pelos vivos e pelos mortos; e seu celeste Esposo lhe mostrou, muitas vezes, as almas que tirava do purgatório por este meio.
"Quando ofereces o precioso Sangue ao Pai celeste, diz a mesma Santa, lhe ofereces um dom tão agradável, que ele se reconhece teu devedor". Como efeito, que haverá, no céu e sobre a terra, que iguale, em valor, o precioso Sangue, do que diz São Tomás de Aquino, uma só gota vale mais que um mar de Sangue dos Mártires; do qual uma só gota seria assas poderosa para purificar o mundo de todos os pecados. Por conseguinte, se, em troca da oferta do precioso Sangue, Deus te concede o céu, não te retribui um bem de igual valor.
Se tivesses presenciado a crucificação do divino Salvador e recolhido o Sangue adorável que lhe corria das chagas sagradas, e tivesses elevado este precioso Sangue ao céu, implorando misericórdia para ti e para o gênero humano, o Pai celeste ter-se-ia enternecido, sem dúvida; todos os teus pecados teriam sido perdoados. Ora, é isto que fazes quando, durante a santa Missa, ofereces o precioso Sangue ao Deus altíssimo.

XXVI. COMO PODEMOS PARTICIPAR DOS FRUTOS DE VÁRIAS MISSAS QUE, AO MESMO TEMPO E NA MESMA IGREJA, SE CELEBRAM
Já explicamos como todos os sacerdotes oram e oferecem o santo Sacrifício na intenção dos assistentes. É, pois, vantagem considerável achar-se numa igreja onde se celebram grande número de Missas de uma vez. Se celebrar um só sacerdote, terás uma única oração, havendo mais, teu proveito espiritual aumentará.
Ora, para tirar proveito de várias Missas celebradas no mesmo tempo, é preciso cooperar para cada uma numa certa medida. Não dizemos seguir várias Missas ao mesmo tempo, isto seria impossível; aconselhamos simplesmente seguir uma, com toda a atenção possível, e recomendar-se às outras, dizendo: "Meu Deus, oferece-vos também este Sacrifício que vai se cumprir". Quando vires, porém, em outro altar, levantar-se a Hóstia consagrada e o Cálice, adora o divino Salvador e oferece-o ao Pai celestial.
Dir-me-ás talvez: Se me entregar a esta prática, ela me impedirá de seguir e satisfazer minhas devoções quotidianas. - Escuta esta parábola: Um vinhateiro, trabalhando na sua vinha, achou um tesouro. Levou-o para casa, muito escondidamente, e voltou ao trabalho. Ao cabo de algumas horas, descobriu outro tesouro que levou por sua vez para casa. Enfim, sua enxada encontrou um terceiro, levou-o, correndo, e anunciou sua felicidade à sua mulher. "Como, lhe disse esta muito admirada, tomas isto por felicidade? É uma verdadeira infelicidade, porque, se continuares assim, nunca tua vinha será cultivada e não haverá colheita". O marido sorriu a este raciocínio, e disse: "Queira Deus que continue a achar tesouros semelhantes e pouco me importa que haja ou não uvas!"
Aplica ao caso o sentido da parábola e verás que a oblação reiterada de Cristo, no altar, é incomparavelmente, mais útil que outra.
Nota ainda isto: Quando entras numa igreja e vês que a santa Missa se acha depois da consagração, faze, todavia, a oblação de nosso Senhor até que o sacerdote consuma as santas espécies. Desta maneira te tornarás participante de muitas e grandes graças. Se no momento em que entras, vês dois sacerdotes consagrarem, ao mesmo tempo, faze o teu ato de adoração na intenção de oferecer Jesus presente sobre os dois altares. Não é preciso, para assistir à santa Missa, ver o celebrante. Basta ser advertido pelo toque da campainha. Não deixes a igreja, imediatamente, antes da consagração, espera que Jesus apareça, adora-o e pede-lhe a bênção.
Na vida de Santa Isabel, rainha de Portugal, refere-se o seguinte: Um príncipe da corte real, estando para morrer, disse ao filho: "Meu filho, deixo este mundo na esperança da Misericórdia divina. És o único herdeiro de minhas posses; porém, antes de tudo, deixo-te esta recomendação: ouve a santa Missa todos os dias e sê fiel a teu rei".
Depois da morte do pai, o jovem veio à corte real como pajem de honra da rainha Isabel. Ela o estimava muito, por causa da sua piedade, dava-lhe sábias instruções e empregava-o, muitas vezes, na distribuição de suas esmolas, testemunhando-lhe um interesse materno. Havia, na corte, outro pajem de costumes maus. Este, invejoso do favor de que gozava o colega, caluniou-o junto ao rei da maneira mais odiosa. O rei, que levava uma vida desregrada, acreditou facilmente no que lhe havia referido o pajem mau e jurou a morte do inocente.
Um dia que passeava montado, nos arredores de sua capital, meditando sobre o modo de vingança, avistou ao longe uma caeira em atividade. Seu plano foi, então, determinado: vai diretamente ao dono da caeira e lhe dá ordem de lançar nela o pajem da corte que havia de vir, no dia seguinte, pela manhã, perguntar se as ordens do rei havia sido executadas.
Ao voltar a seu palácio o rei, mandou vir o pajem, tão injustamente caluniado, e ordenou-lhe que fosse, no dia seguinte, muito cedo, à caeira, informar-se da execução das ordens reais. O jovem partiu, ao romper do dia, tristonho de não poder ouvir Missa antes de sair e receando não poder assistí-la neste dia. No caminho, encontrou uma igreja, onde se dava justamente o sinal da consagração. Entrou, pois, adorou Cristo, Nosso Senhor, e ofereceu-o a Deus por sua salvação eterna e temporal. Terminado a santa Missa, saiu contente por ter podido ouvir uma parte importante da santa Missa.
Instantes depois, achava-se diante de outra igreja, onde tocavam igualmente à consagração, o que lhe causou nova alegria. Também nesta entrou e cumpriu a sua devoção, recomendada por seu pai moribundo, mas demorou-se um só instante, porque as ordens do rei eram apressadas. Aconteceu, entretanto, que o caminho o conduzisse a terceira igreja. O sino tocava e o pajem entrou ainda esta vez, para adorar Nosso Senhor. Sua devoção foi tão grande, que ficou até o fim da santa Missa.
No entanto, o rei ardia por saber se sua obra de vingança fora consumada. Por isso, mandou o outro pajem à caeira informar-se da execução de suas ordens. Este espreitava a ocasião de satisfazer a inveja, e, sabendo perfeitamente o que isto significava, partiu alegre e ligeiro. Chegando, fez logo a pergunta ao caeiro. Mas, oh terror, foi preso, e apesar de sua resistência e de seus protestos, foi precipitado na fornalha ardente.
Pouco depois, apareceu também o pajem inocente. Cumpriu a sua mensagem, recebeu a resposta que tudo se fizera como o monarca havia mandado, e, voltou, sem suspeitar a visível proteção que a divina Providência acabava de testemunhar-lhe.
Ao ver o mancebo e ouvir-lhe as palavras, o rei compreendeu que o acusador tinha sofrido a pena de fogo, humilhando-se no coração perante Deus, protetor da inocência.
Os que se acham na impossibilidade de assistir à santa Missa, devem, pelo menos, dizer: "Meu Deus, deixai-me compartilhar dos frutos preciosos de todas as Missas que se celebram, hoje, em todo orbe católico. Oxalá, possa eu aproximar-me do altar e oferecer com o sacerdote, o Cordeiro Imaculado!" - Deus lhes abençoará a boa vontade e lhes concederá o que pedirem, segundo o grau de sua caridade.
Não é verdadeiramente consolador para os doentes e pessoas que moram muito longe da igreja, poder, unindo-se espiritualmente ao santo Sacrifício, participar de seus méritos? Aproveitemos, pois, todas as ocasiões para pedir aos sacerdotes que se lembrem de nós no altar do Senhor. É a mais preciosa de todas as lembranças. Eis como fala um piedoso autor: Tendes grande motivo de felicitar-vos, quando um sacerdote vos promete seu "Memento" à santa Missa. Deveríeis recomendar-vos a todos os sacerdotes conhecidos. Deste modo, teríeis, por assim dizer, outros tantos tesoureiros que vos abrissem a tesouraria de Nosso Senhor Jesus Cristo.

XXVII. INSTANTE EXORTAÇÃO PARA OUVIR DIARIAMENTE A SANTA MISSA
Depois de tudo quanto dissemos até aqui, pareceria desnecessário exortar-te a ouvir a santa Missa todos os dias. Entretanto, acrescentaremos algumas reflexões próprias, para afirmar, em ti, a esta resolução.
Não há dúvida de que nenhuma hora do dia é tão preciosa como a da santa Missa. É verdadeiramente uma hora de ouro, e, por sua influência, tudo o que fizeres no correr do dia será, por assim dizer, transformado em ouro. Sem esta bênção que se recebe do altar, não ganharíamos senão vil metal.
Objetar-nos-ás talvez: "O trabalho me é mais necessário que a audição da santa Missa, visto que, por ele, sustento minha família". - Mas, caro leitor, não dizemos que não trabalhes, quereríamos apenas ver-te dar a Deus pequena meia hora, cada manhã. Abençoado por sua mão paterna, teu trabalho terá melhor êxito.
O desejo de nosso coração, caro leitor, é levar-te a ouvir, quotidianamente, a santa Missa. Por isso procuramos detalhar-te os numerosos e nobres motivos sobre os quais esta excelente devoção é baseada.
Escuta e considera: Foste criado por Deus, para serví-lo: a santa Missa é o culto divino por excelência; tens a obrigação de agradecer-lhe os benefícios espirituais e temporais: a santa Missa é o mais perfeito sacrifício de ação de graças; estás no mundo, para louvar a divina Majestade do Deus onipotente: a santa Missa é o mais perfeito sacrifício de louvor; tens contraído uma dívida enorme: a santa Missa é o mais rico sacrifício de satisfação; o pecado, a doença, a morte te ameaçam: a santa Missa é o mais eficaz sacrifício de impetração; o demônio te persegue, armando ciladas, esforça-se para arrastar-te ao inferno: a santa Missa é o escudo contra o qual se despedaça o poder infernal; a morte te espanta: a audição da santa Missa será para ti a maior consolação na hora da morte.
Quando não te seja possível assistir, cada dia, à santa Missa, faze, pelo menos, que uma ou outra pessoa de tua família a assista na intenção de todos os teus.
A prática de ouvir a santa Missa, uns em favor dos outros, é, extremamente, vantajosa e perfeitamente possível. Há uma diferença notável entre a audição da santa Missa e a sagrada Comunhão. Diz-se: Comungarei por ti, pelas almas do purgatório, etc., o que, porém, não tem a mesma significação que dizer: Ouvirei a santa Missa por ti. É tão impossível receber um sacramento por outra pessoa como é impossível tomar alimento por ela. Não obstante, tua Comunhão será muito vantajosa ao próximo, porque todas as boas obras apagam parte da pena devida a teus pecados, vantagem que podes ceder a teu irmão: demais, a Comunhão, aumentando-nos a graça, torna a oração mais ardente e mais eficaz.
Observa, porém, que Jesus Cristo não instituiu a santa Missa somente pelo que a celebra, ou a assiste, mas também quer tenham os ausentes sua parte, e lhes é feita ao "Memento dos vivos": "Lembrai-vos Senhor", diz o sacerdote, "daqueles pelos quais vos oferecemos ou que vos oferecem este Sacrifício de louvor por si e por todos os seus".
Enfim, cada um pode despojar-se, em favor do próximo, dos méritos que adquire, ou dos tesouros satisfatórios que recebe no santo Sacrifício. Parece, pois, mais vantajoso ouvir a santa Missa por uma pessoa do que comungar por ela.
As palavras persuadem, os exemplos arrastam. Se nossas instantes exortações ainda não te convenceram, citar-te-emos o exemplo dos Santos que, apesar dos numerosos e importantes trabalhos, colocavam a Missa acima das ocupações.
Santo Agostinho refere de sua mãe, santa Mônica, que não deixava passar um dia sem assistir ao santo Sacrifício, tanto estimava o valor desta oblação, cuja virtude salutar apaga os vestígios de nossas faltas. Sentindo-se morrer longe da pátria, recomendava ao filho que não lhe fizesse exéquias pomposas, porém que levasse cada dia, sua lembrança ao altar.
Santa Hediviges, duquesa da Polônia, ouvia, todos os dias, várias Missas, e, quando não se achavam bastantes sacerdotes na corte, mandava chamar os outros para satisfazer a devoção.
São Luis, rei de França, assistia a duas Missas, às vezes até a quatro. As pessoas de sua comitiva o criticavam, achando que o rei devia antes ocupar-se dos negócios do governo. O Santo, porém, respondia-lhes: "Admira-me tanta inquietação. Se empregasse o duplo deste tempo no jogo, ou na caça, ninguém me criticaria". Excelente resposta que, não somente serve aos cortesãos de Luís IX, mas a nós todos. Quando, em dia útil, nos aconteceu assistir a muitas Missas, parecem prejudicados nossos negócios?... entretanto, passamos, sem escrúpulo, horas inteiras a falar, a jogar, a comer, a dormir, mesmo a enfeitar-nos! Que cegueira, pois!
Citamos acima o rei da Inglaterra, Henrique I, a quem o peso dos negócios do Estado nunca impedia de ouvir três Missas, cada dia. Numa entrevista com o rei de França, os dois príncipes vieram a falar em questões religiosas. "Julgo, observou o último, que a assiduidade ao sermão é preferível à da Missa" - "Por mim, retorquiu Henrique, prefiro olhar para meu Amigo divino a ouvir celebrar-lhe os louvores".
É também nossa opinião, caro leitor, sem querermos menosprezar a utilidade das instruções religiosas.
São Venceslau, duque da Boêmia, dava os mesmos exemplos. Refere-se, na sua vida, que durante a assembléia nacional dos Estados da Alemanha, em Worms, o imperador Óton convocou, um dia, todos os príncipes para uma hora matutina.
Todos aí se acham pontualmente, exceto Venceslau que fora à Missa, antes de ir à assembléia. O soberano disse em tom de impaciência: "Comecemos os trabalhos e, quando Venceslau vier, ninguém se levante para dar-lhe lugar". Entretanto, terminada a santa Missa, o duque chegou ao palácio. O imperador o viu entrar acompanhado de dois Anjos que lhe condecoravam o peito com uma cruz de ouro. Imediatamente deixou o trono, foi-lhe ao encontro e abraçou-o com ternura.
A assembléia teve um movimento de surpresa ao ver Óton ser o primeiro a contradizer as próprias ordens. Este, porém, desculpou-se, dizendo: "Vi dois Anjos que acompanhavam o duque, como teria eu ousado não lhe render esta honra?". Alguns dias depois, Venceslau era investido do poder real e coroado rei da Boêmia.
O célebre escritor Barônio relata que o imperador Lotário assistia, cada manhã, a três Missas, mesmo no acampamento. E Súrio afirma que Carlos V não faltou a santa Missa senão uma única vez, por ocasião de uma guerra na África.
O Breviário Romano nos faz admirar a ardente devoção de São Casimiro durante o Ofício solene, ao qual assistia todos os dias. Sua alma abrasava-se de tamanho amor de Deus, que parecia não estar mais sobre a terra.
O heróico confessor da fé, Tomás Mourus, que deu a vida por Jesus Cristo em 1535, tinha em alta estima a santa Missa. Por urgentes que lhe fossem os negócios de chanceler do império britânico, não deixava de assistí-la, cada manhã. Uma vez, enquanto orava ao pé do altar, durante o santo Sacrifício, um mensageiro veio, a toda a pressa, dizer-lhe que o rei o chamava: "Paciência, disse-lhe; devo, em primeiro lugar, prestar minhas homenagens a um príncipe maior, e assistir, até o fim, à audiência divina".
Meu Deus, que diremos, que desculpas apresentaremos no dia do juízo, nós que negligenciamos a santa Missa pelas ocupações, muitas vezes, insignificantes, ao passo que personagens encarregados dos negócios de reinos inteiros, achavam o tempo necessário para ouvir, cada dia, uma ou mais Missas?!
Não digas: "Deus não me condenará por ter deixado de ouvir a santa Missa em dias úteis, desde que é obrigatório somente aos domingos e dias de festa". Sem dúvida, Deus não tratará esta omissão como transgressão positiva; porém, far-te-á expiar este descuido, em seu santo serviço. O servo preguiçoso que foi lançado nas trevas extremas, não havia desperdiçado nem perdido, no fogo, o talento que o dono lhe havia confiado: tinha somente enterrado e foi condenado, por se ter descuidado de utilizá-lo. Toma cuidado que Deus não proceda assim contigo. Viu-se muitas vezes, com que rigor Deus pune a indiferença a respeito do santo Sacrifício.
Quanto aos pais que impedem os filhos de assistirem à santa Missa, em dia de domingo, ou de festa, bem poderiam incorrer no castigo de Gerôncia, mãe de Santa Genoveva. Um dia de festa que ela pretendia proibir à filha ir à Missa, Genoveva lhe disse com firmeza: "Minha mãe, não posso, em consciência, faltar à Missa, hoje: prefiro descontentar-vos a descontentar a meu Deus". Irritada com esta resposta, Gerôncia esbofeteou-a, chamando-a desobediente. O castigo de Deus, porém, não se fez esperar. Gerôncia cegou imediatamente e não recuperou a vista senão dois anos depois, devido às orações da piedosa filha.
Os pais e as mães de família têm obrigação de mandar à santa Missa não só os filhos, como também os criados; devem cuidar deles na igreja e exortá-los a terem grande respeito, para o santo Sacramento. O Apóstolo São Paulo prescreve-o claramente: "Se alguém, diz ele, não toma cuidado dos seus e, particularmente, dos de sua casa, renunciou à fé e é pior do que um infiel" (Tim. 5, 3). A palavra "cuidado" significa, segundo São João Crisóstomo, a conservação da alma assim como do corpo. Ora, se um pai de família deixasse de fornecer ao filho e às pessoas de sua casa alimento e vestuário, seria, aos olhos de Deus, pior do que um infiel. E não será mais desprezível ainda o que não se inquieta da salvação eterna dos seus?
Patrões cristãos, prestai atenção à maneira pela qual cumpris os deferes a este respeito. Deixai toda a liberdade a vossos empregados para ir à Missa, quando a proximidade da Igreja e a hora matutina lhes fornecem a facilidade? Não pareceis dizer com a vossa atitude: "Não é a Deus, mas a mim a quem deveis servir, porque não é Deus, sou eu quem vos paga; trabalhareis, pois, toda a semana para mim somente?" Na verdade, tais cristãos são piores que os pagãos, mas saberão, à hora da morte, a enormidade de seu pecado.

XXVIII. EXORTAÇÃO PARA OUVIR PIEDOSAMENTE A SANTA MISSA
Quanto não se aflige a Igreja, por ver tantos filhos assistirem, sem piedade, ao santo Sacrifício! Ocupam-se os fiéis, não raras vezes, com o que se passa ao redor, porém, não do que se realiza no altar; observam quem entra e quem sai; oram somente com os lábios, sem que o coração tome parte. Eis seu proceder na presença de Deus três vezes santo! Perguntamos se lhes existe ainda uma faísca de fé na alma e se merecem o nome de católicos. Oh! quanto nos dói o coração à vista de tão culpada irreverência, no momento em que tudo nos convida à mais ardente piedade.
A Igreja católica impõe o respeito para a santa Missa, por estas palavras: "Reconhecer que os cristãos não podem cumprir obra mais santa, mais divina que este assombroso mistério é também reconhecer que não se pode pôr cuidados e diligência suficientes para desempenhá-lo com pureza de coração, com piedade e edificação (Concílio de Trento). Não é necessário, para isso, experimentar uma devoção sensível; basta a vontade firme de assistir atenta e respeitosamente.
A verdadeira piedade, com efeito, não consiste na doçura interior, mas no fiel serviço de Deus.
A piedade ou devoção consiste, segundo todos os mestres da vida espiritual, numa vontade pronta e generosa de fazer tudo quanto Deus quer, e sofrer corajosamente tudo quanto quer que soframos. As doçuras e as consolações sensíveis não são, pois, a devoção, mais um estímulo para a devoção que o Senhor concede conforme nossas necessidades e sua sabedoria. O espírito de fé está sempre ao nosso dispor e podemos, agindo segundo esta fé, servir a Deus com inteira fidelidade e ser do número dos justos que vivem da fé.
Se não tivesses desejo algum e não fizesses nenhum esforço para sair de tua indiferença, então somente, haveria culpa e te privarias de muitos méritos. A este respeito lembrar-te-emos das palavras de Nosso Senhor à Santa Gertrudes.
Esforçando-se, uma vez, em unir alguma intenção particular a cada nota e cada palavra de seu canto, e, sentindo que se achava, muitas vezes, impedida pela fraqueza de sua natureza, dizia no interior, com muita tristeza: "Ah que fruto posso tirar deste exercício visto que sou sujeita a tão grande mudança?". Nosso Senhor, porém, apresentou-lhe nas mãos o Sagrado Coração sob o emblema duma lâmpada ardente, dizendo: "Eis que exponho, aos olhos de tua alma, meu Coração caridoso que é o órgão da Santíssima Trindade, a fim de que lhe peças, com confiança, que faça em ti tudo o que não serias capaz de operar, e desta sorte, eu nada veja, aí, que não seja extremamente perfeito; pois, da mesma maneira que um servo está sempre prestes a executar as ordens de seu amo, assim meu Coração será sempre disposto, em qualquer hora, a reparar os efeitos de tua negligência" (Líber III, c. 25). Santa Gertrudes admirava, tremendo, o excesso da bondade do divino Salvador, julgou, porém, que seria inconveniente que o Coração adorável de seu Deus suprisse os defeitos de sua criatura. Mas o Senhor animou-a com esta comparação: "Não é verdade que, se tivesses uma bela voz e achasses extremo prazer em cantar, encontrando-te com uma pessoa que tivesse a voz tão áspera, tão desagradável e desafinada que sentisse muita pena em pronunciar e em formar os menores sons, acharias mal que, oferecendo-te para cantar, ela não to quisesse permitir? Assim, meu Coração divino, reconhecendo a inconstância e a fragilidade da natureza humana, deseja com ardor que o convides, senão por palavras, pelo menos por outro sinal, a operar e cumprir em ti o que não és capaz de operares e cumprires".
Oh que palavras de animação e conforto! Estás distraído à santa Missa? Desprovido de piedade? Vai a Jesus, dizendo-lhe: "Deploro amargamente estar tão distraído e rogo a vosso divino Coração que se digne suprir a minha negligência".
Para ajudar a tua boa vontade, indicar-te-emos também a maneira de te comportares na santa Missa. Primeiro, indo à igreja, considera aonde vais e o que vais fazer. Não subas ao templo como o fariseu e o publicano para orar somente, mas entras aí para "oferecer", segundo a palavra de David: "Senhor, sou vosso servo, oferecer-vos-ei uma hóstia de louvor e invocarei vosso santo nome" (Sl. 115).
Entras aí para prestar a Deus o culto mais perfeito, para apresentar a oferta que lhe é mais cara. "A audição da santa Missa, diz um escritor eclesiástico, não é somente uma oração, é um ato de adoração, é uma oferta, um sacrifício divino, visto que todos os assistentes bem dispostos unem-se à ação e às intenções do sacerdote". O mesmo autor explica então o sentido da palavra "sacrificar" e diz que a ação mais excelente, é praticar a mais alta virtude, porque, sacrificando, atestamos a soberania de Deus, seu direito de ser, infinitamente, honrado e glorificado; confessarmos, ao mesmo tempo, nossa dependência absoluta como criaturas, das quais pode dispor à vontade. É por isso que o Sacrifício é o ato de religião mais agradável ao Senhor, e o mais útil aos homens.
Penetrado destas verdades, chega ao pé do altar; formula aí a intenção de ouvir a santa Missa. Tens algumas orações particulares que fazer? Faze-as até a consagração. A elevação, não te ocupes senão com Nosso Senhor: adora-o, oferece-o a seu Pai eterno, expondo-lhe tuas necessidades. Há pessoas que têm escrúpulo de renunciar a suas orações quotidianas pelas da santa Missa. É um erro. Tuas orações quotidianas, comparadas com as da santa Missa, são tão inferiores como o cobre é inferior ao ouro. Além disso, estas orações podem fazer-se em outro tempo que não seja à hora da Missa, ao passo que não podes dizer as da Missa, tão utilmente, em outro tempo como quando o santo Sacrifício se efetua; e, se te acontecesse não achar um momento para desempenhar estas devoções particulares, esta omissão seria menos prejudicial que a primeira.
Logo que o sacerdote pronunciou, no momento solene, as palavras da consagração, o pão tornou-se o Corpo de Nosso Senhor. "O homem deve tremer, diz São Francisco de Sales, o mundo estremecer, o céu inteiro ficar arrebatado, quando, sobre o altar, o Filho de Deus se entrega nas mãos do sacerdote". Oh! admirável humildade, o Mestre de todas as coisas abaixa-se, para a salvação do homem, até ocultar-se sob as aparências do pão.
Mas, porque os nossos sentidos não percebem a presença do Senhor, não lhe prestamos atenção, e, entretanto, os demônios fogem espavoridos e os Anjos tremem diante de sua face. Assim disse Jesus Cristo a Santa Brígida: "Do mesmo modo que à palavra 'Sou eu!' meus inimigos caíram por terra, às palavras da consagração 'Isto é o meu Corpo!' os demônios fogem".
A semelhança dos Anjos e dos Santos, apliquemo-nos a glorificar o Senhor sobre o altar, e a participar de seu adorável Sacrifício. É excusado dizer que, no momento da elevação, devemos deixar toda outra oração, a fim de levantar os nossos olhos para o altar e adorar, humildemente, o Cordeiro de Deus, oferecendo-o ao Pai celestial. Estes exercícios de fé e caridade devem ocupar-nos todo o tempo, até que Jesus seja consumido pela Comunhão do sacerdote.
Infelizmente, grande número de fiéis não se conforma a nenhuma destas práticas. Continuam a receitar suas orações costumeiras, dedicando-se a uma espécie de devoção rotineira, como se Nosso Senhor não estivesse presente e não fosse preciso ocupar-se dEle. Caro leitor, não procedas mais assim; no momento da consagração, cai de joelhos como o sacerdote e, repleto de fé e amor, adora aquele que se mostra a teus olhos, sob as espécies de pão e de vinho.

XXIX. QUE DEVOÇÃO SE DEVE PRATICAR DURANTE A ELEVAÇÃO
Imediatamente depois da consagração, o sacerdote procede à elevação das santas espécies, cerimônia sublime, prescrita pela santa Igreja, para que o povo possa gozar e aproveitar, mais perfeitamente, da presença real do divino Salvador. É desta elevação e da devoção que, durante ela, se deve praticar, que queremos tratar neste capítulo.
Oh! que júbilo pra o céu! Que fonte de salvação para a terra! Que refrigério para as almas do purgatório! Que terror para o inferno! Nesta elevação, se oferece o dom mais precioso que possa ser apresentado ao Altíssimo! Sabes sob que forma a santa humanidade de Jesus é oferecida a seu Pai, pelas mãos do sacerdote? Esta humanidade que é a imagem, muito perfeita, da Santíssima Trindade, jóia única dos tesouros celestes e terrestres.
É oferecida debaixo de várias formas, porque entre as mãos do sacerdote, o Verbo encarna-se novamente, nasce de novo e sofre a Paixão; o suor de sangue, a flagelação, a coroação de espinhos, a crucificação, a morte... oh, que emoção para o coração do Pai eterno, durante esta elevação de seu Filho predileto!
Entretanto, o sacerdote não é o único a expor Jesus Cristo aos olhos de seu Pai, o próprio Salvador se expõe: "À elevação, vi Jesus Cristo apresentar-se a seu Pai e oferecer-se de uma maneira que ultrapassa toda a compreensão", refere Santa Gertrudes no seu "Livro das Revelações". Mas, se não podemos fazer idéia deste encontro do Pai com o Filho, a fé deve nos levar a uma oração muito mais fervorosa no momento em que se realiza".
São Boaventura convida o sacerdote e os fiéis a dizerem então, ao Pai celeste: "Vede, ó Pai eterno, vede vosso Filho, que o mundo inteiro não pode conter e tornou-se nosso prisioneiro. Não o deixaremos ir sem que nos tenhais concedido o que vos pedimos em seu nome: o perdão de nossos pecados, o aumento da graça, a riqueza das virtudes e alegria da vida eterna".
O sacerdote, ao mostrar a sagrada Hóstia, poderia ainda dizer ao povo: "Eis cristãos, vosso divino Salvador, vosso Redentor. Olhai-o com fé viva e derramai vossos corações diante dele em ardentes súplicas. Bem-aventurados os olhos que vêem o que contemplais! Bem-aventurados os que crêem, firmemente, na presença de Jesus Cristo, nesta santa Hóstia!" Se adoras assim, asseguras a salvação de tua alma, e poderás repetir com o patriarca Jacó: "Vi a Deus face a face, a minha alma foi salva" (Gen. 32, 30).
À elevação, todo o povo deve levantar os olhos para o altar e olhar, com piedade, o Santíssimo Sacramento. Jesus Cristo revelou a Santa Gertrudes quanto é útil à alma esta prática. "Cada vez, escreve ela, que olharmos para o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, oculto no Sacramento do Altar, aumentamos o grau de nosso mérito para o céu, o prazer, o gozo da vida eterna". Não te inclines, pois, tão profundamente à elevação que te seja impossível ver a sagrada Hóstia.
A santa Igreja também não o deseja; ela prescreve ao sacerdote levantar as santas espécies, alguns instantes, acima da cabeça, a fim de que o povo possa vê-las e adora-las. A eficácia deste olhar para o divino Salvador foi figurada no antigo Testamento: "Ao povo de Israel, que tinha murmurado contra o Senhor e contra Moisés, mandou o Senhor cobras, cujas mordedura queimavam como fogo. Muitos, tendo sido feridos, foram ter com Moisés, dizendo: "Pecamos; roga ao Senhor para que nos livre destas serpentes". Moisés fez uma serpente de bronze, colocou-a como sinal, e os que, sendo feridos, olhavam para ela, ficaram curados" (Num. 21, 8).
O santo Evangelho vê, neste fato, um símbolo tocante de Cristo, porque diz: "Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim o Filho do homem deve ser levantado sobre a cruz" (Jo. 3, 14). Se a imagem da serpente de bronze tinha a virtude de curar os israelitas e de preservá-los da morte, com maior de razão, a piedosa contemplação do próprio Jesus curará as almas feridas, aflitas e desanimadas.
A fim de tornar muito eficaz este olhar para o divino Salvador, faze atos de fé em sua presença real e no Sacrifício que ele oferece a seu Pai celeste, por nós, pobres pecadores. Estes atos de fé valer-te-ão uma insigne recompensa. "Bem-aventurados os que não viram e creram" (Jo. 20, 29). Estas palavras podem bem se aplicar àqueles que têm uma fé viva na presença real de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento.
Tendo adorado a Santa Hóstia, faze dela oferta ao Rei celeste. Já expusemos a virtude deste ato; acrescentamos somente a seguinte palavra da Santa Gertrudes: "A oblação da sagrada Hóstia é a mais eficaz satisfação por nossas culpas". Com isso quer dizer que, pobres pecadores como somos, devemos concentrar todas as forças de nossa alma, para oferecer a Deus a Hóstia santa, a fim de obter-lhe o perdão e a misericórdia.
À elevação da santa Hóstia, sucede a do Cálice sagrado, cerimônia igualmente significativa. É então que o precioso Sangue corre, de maneira mística, sobre os circunstantes, como se vê das palavras do missal: "Isto é o Cálice de meu Sangue, do novo e eterno Testamento: mistério da fé que será derramado por vós e por muitos, para o perdão dos pecados". Neste momento, recebes a mesma graça como se estivesses, cheio de arrependimento, debaixo da Cruz no Calvário e o precioso Sangue te inundasse.
Deus disse, no Antigo Testamento, ao povo de Israel: "Imolai um cordeiro e marcai, com seu sangue, as portas e os portais; e o Anjo exterminador passará a porta de vossa casa, quando vir este sangue" (Ex. 12, 22). Se o sangue do cordeiro pascoal preservou os israelitas dos golpes do Anjo exterminador, mais poderosamente, o Sangue do Cordeiro sem mancha nos protegerá contra a raiva do anjo das trevas que, como um leão rugidor, anda em redor de nós, procurando a quem possa devorar.
Vejamos ainda o que devemos fazer depois da elevação do Cálice. Muitas pessoas têm o costume de rezar então cinco Padre-Nossos em honra das cinco chagas; excelente prática, porém muito mal colocada. Outros que se sobrecarregam de orações, continuam a fazê-las. Seria, infinitamente, melhor fazer o que faz o sacerdote; pois, o Sacrifício nos pertence tanto quanto a ele. Apesar das ofertas reiteradas antes da elevação, o sacerdote continua a oferecer depois. Nada aliás poderíamos fazer mais agradável a Deus. É por isso que o sacerdote diz, depois de ter posto o Cálice sobre o altar: Por esta razão, Senhor, nós, vossos servos, mas também vosso povo santo... oferecemos à vossa augusta Majestade de vossos dons e dádivas, a Hóstia pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada, o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação perpétua".
Sanchez diz destas palavras: "Em toda a Missa, o sacerdote não pronuncia palavras mais consoladoras; pois, nem ele nem o povo poderiam fazer cousa melhor do que oferecer a Deus o augusto Sacrifício". Compreende, portanto, como prejudicas a teus interesses, substituindo esta preciosa oferta por tuas pobres e tíbias orações.
Criaturas indigentes que somos, desprovidos de méritos e virtudes, como não nos apoderaríamos, avidamente, de imenso tesouro que podemos apresentar, como sucesso, ao Pai celestial? E este tesouro, Deus no-lo dá em cada Missa, e, com ele, nos entrega todas as suas riquezas, para que as empreguemos em saldar nossas dívidas. Oferece, pois, a santa Missa, oferece-a ainda, oferece-a sempre.
As pessoas que não sabem ler os excelentes métodos de oferecer o santo Sacrifício, contido nos formulários de orações, podem decorar a oração seguinte:
Meu Deus, eu vos ofereço esta Santa Missa; ofereço-vos vosso caro Filho, sua encarnação, seu nascimento, sua dolorosa paixão; ofereço-vos seu suor de sangue, sua flagelação, sua coroação de espinhos, sua via sacra, sua crucificação, sua morte, seu precioso Sangue. Ofereço-vos, para vossa maior glória e a salvação de minha alma, tudo quanto vosso caro Filho fez, padeceu, mereceu, e todos os Mistérios que ele renova nesta santa Missa. Amém.

XXX. RESPEITO COM QUE SE DEVE ASSISTIR À SANTA MISSA
Diz o Concílio de Trento: "Se somos, forçosamente, obrigados a confessar que os fiéis não podem exercer obra mais Santa nem mais divina do que este Mistério terrível, no qual a Hóstia vivificadora, que nos reconciliou com Deus Pai, é, todos os dias, imolada pelos sacerdotes, parece bastante claro que devemos ter muito cuidado para fazer esta ação com grande pureza de coração e com a maior devoção exterior possível". Estas palavras dizem respeito tanto aos fiéis como ao celebrante.
O historiador Flávio Josefo relata que, no templo de Salomão, setecentos sacerdotes e levitas estavam ocupados, todos os dias, em imolar as vítimas, em purificá-las, em queimá-las sobre o altar, e que isto se fazia com profundo silêncio e perfeito respeito. Entretanto, estes sacrifícios eram somente símbolos do Sacrifício da Santa Missa. Com que fervor, com que silêncio e atenção devemos assistir, pois, ao sacrifício verdadeiro!
Os primeiros cristãos nos deram admiráveis exemplos a este respeito. Segundo o testemunho de S. João Crisóstomo, ao entrar na Igreja, beijavam, humildemente, o assoalho e guardavam, durante a Santa Missa, tal recolhimento que se julgava estar em lugar deserto. Era de observar o preceito da liturgia de S. Tiago: "Todos devem se conservar no silêncio, no temor, no medo e no esquecimento das coisas terrestres, quando o Rei dos reis, Nosso Senhor Jesus Cristo, vem imolar-se e dar-se em alimento aos fiéis". São Martinho conformou-se, exatamente, com esta recomendação. Nunca se sentava na igreja; de joelhos, ou em pé, orava com ar compenetrado de um santo assombro. Quando lhe perguntavam pela razão desta atitude, costumava dizer: "Como não temeria, visto que me acho em presença do Senhor?".
Como outrora a Moisés, Deus poderia ainda dizer-nos hoje: "Tirai os sapatos de vossos pés, porque o lugar onde estais é Santo". Mais santas ainda são as nossas igrejas sagradas, com tanta profusão de unções e orações, e santificações, cada dia, pela oblação do Santo Sacrifício. Caro leitor, David eleito de Deus, tremendo, aproximava-se da Arca da Aliança, e nós não tremeríamos, ao entrar na igreja, onde se acha o Santíssimo Sacramento? Não nos esqueçamos da severa advertência do Senhor: "Tremei diante de meu santuário" e da exclamação de Jacó: "Quanto é terrível este lugar! É, verdadeiramente, a casa de Deus e a porta dos céus" (Gen. 28, 17).
À vista disto, que pensar dos cristãos que se comportam, na igreja e durante a Santa Missa, como se estivessem na rua, ou em casa? Os Anjos adoram, tremendo e prostrados, a divina Majestade, e entre os assistentes há cristãos que lançam, aqui e acolá, olhares curiosos e provocadores; ocupam-se das pessoas presentes, pensam nos negócios do mundo, nas suas vaidades, falam sem pudor em coisas inúteis, talvez, más, semelhantes aos vendedores no templo que "faziam da casa de oração uma casa de ladrões". As nossas igrejas são mais que uma casa de oração: são a casa de Deus, habitada por Jesus Cristo, dia e noite.
Ora, se o próprio Jesus expulsou, a chicote, os profanadores do templo, como tratará estes cristãos audaciosos?
Dizes: "É mister responder a quem interroga". - Não é proibido responder a uma pergunta útil nem dizer uma palavra necessária; é proibido, conversar coisas inúteis, fazer observações sobre o próximo, saudar-se mutuamente, como se estivesse na rua, e outras coisas semelhantes que impedem seguir, atentamente, a Santa Missa. Jesus Cristo nos preveniu: "Os homens darão conta, no dia do Juízo, de toda palavra ociosa" (Mt. 12, 36). Ora, haverá palavras mais inúteis do que as proferidas durante o tremendo Mistério do Altar?
São Crisóstomo opina que os que falam e riem, durante a Santa Missa, merecem ser fulminados na Igreja. Com esta ameaça, o santo Doutor aponta também os que, por direito e dever, deveriam impedir as irreverências: os pais que não repreendem nem corrigem os filhos dissipados; os mestres e amos que não vigiam a atitude de seus alunos e criados.
Testemunhamos ainda nosso respeito, assistindo à Santa Missa, de joelhos. São Paulo nos convida, quando diz que, "ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e nos infernos" (Fl. 2, 10). Com mais razão ainda, devemos guardar esta atitude durante a presença real do divino Salvador, isto é, desde a elevação até a Comunhão. Muitas pessoas, homens sobretudo, têm o mau costume de ficar em pé durante toda Missa; apenas inclinam-se à consagração para levantar-se logo depois, como se Jesus não estivesse presente. Quem não puder permanecer de joelhos durante toda a Missa, poderia ficar em pé até o momento da consagração e depois da Comunhão. A presença real de Nosso Senhor torna também inconveniente o costume de muitas pessoas de sentarem-se, sem motivo de força maior, imediatamente depois da elevação. Se estivessem na presença dos grandes da terra, em alguma reunião mundana, a força não lhes faltaria, mesmo para tomar atitudes muito mais penosas do que a de estar de joelhos!
A piedosa imperatriz Leonor, esposa de Leopoldo I, assistia sempre, de joelhos, à Santa Missa. Quando lhe aconselhavam poupar a saúde e servir-se duma cadeira de braços, dizia: "Todos se inclinam diante de mim, pobre pecadora, ninguém de minha corte ousaria sentar-se em minha presença, e teria eu a coragem de faze-lo em presença de meu Deus e Criador?"
Aconselharíamos, de boa vontade, às mães, que não trouxessem à Missa os pequenitos que, com os choros, poderiam perturbar o silêncio e incomodar o sacerdote no altar: quanto aos que estão bastante crescidos para aí ficarem quietos, é muito bom conduzí-los.
Terminando, reprovamos ainda outro deplorável abuso: o das senhoras e moças que vão à Missa vestidas à última moda, às vezes bastante indecente para lugar tão santo. Estas pessoas não medem a imensa dívida que contraem para com Deus. Jesus Cristo, do alto da cruz, parece dizer-lhes: "Vê, minha filha, estou atado a este lenho, inundado de sangue, coberto de chagas, para pagar o escândalo de teus trajos inconvenientes. Tu, por ironia cruel, apareces aqui ostentando a elegância; não te envergonhas de mostrar-te a meus fiéis? Toma cuidado para que teu luxo e tua vaidade não te lancem ao fogo do inferno!"
A garridice, o luxo é como um archote que acende desejos ilícitos até no coração dos justos; que fogo não acenderá nos levianos e impuros! As pessoas adornadas com tanto cuidado são sempre perigosas: desviam do altar a atenção dos homens e são a causa de distrações e pensamentos criminosos. Quem prepara o veneno comete um pecado mortal, mesmo que não o tome aquele a quem é destinado; o mesmo acontece com estas pessoas: pecam pelo único fato de expor os outros à tentação. Sua falta é ainda mais escandalosa, quando assim se apresentam na Santa Missa. Como responderão por suas vítimas no dia do Juízo? Acrescenta a isso que são uma ocasião de pecado para outras senhoras, a quem servem de figurinos de imitação.
Terminamos, caro leitor, com uma súplica: [...] lê e relê com atenção. Teu amor para o divino Sacrifício e a Santa Comunhão crescerão, porque, de mais a mais, compreenderás a excelência da Santa Missa, e o tesouro imenso que lucras, assistindo a ela fielmente. Será, porém, na hora da morte, principalmente, que experimentarás quanto o Senhor é bom para os que honram os sagrados Mistérios do Altar, ao passo que os indiferentes e tíbios meditarão, num amargo, mas inútil arrependimento, o prejuízo que fizeram a seus interesses eternos.
Rogamos a Deus que, por Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Filho único, e pela virtude do Espírito Santo, esclareça a inteligência e fortifique a vontade dos que lerão estas linhas, a fim de que aproveitem para sua alma e nos façam participar de suas orações, no Santo Sacrifício.

Apêndice: BIOGRAFIA DO PE. MARTINHO DE COCHEM
Martinho de Cochem nasceu em 1625 ou, como querem outros, em 1630, justamente na época em que os terrores da célebre guerra dos Trinta Anos assolava a Alemanha. Cochem é o nome duma pequena cidade, situada nas belas margens do Mosela onde, pouco tempo antes do nascimento de Martinho, os padres capuchinhos haviam construído um convento de sua Ordem.
Assim foi que o jovem, desde criança, estimava e amava os bons religiosos, de sorte que, tendo o consentimento de sua família, pediu-lhes o hábito de S. Francisco.
Feito capuchinho, distinguiu-se pela extraordinária piedade e também pelo brilhante resultado de seus estudos, de maneira que lhe foi confiada a cadeira de teologia na Ordem.
Por muitos anos, instruiu Martinho os seus jovens irmãos de hábito nos segredos da ciência sagrada, até que, em 1666, o terrível espantalho da peste estendeu suas asas negras sobre a Alemanha, vitimando milhares de pessoas, especialmente nas vizinhanças do Reno. Cheios de zelo pela salvação das almas, os padres capuchinhos saíram da solidão do convento para dedicar-se ao tratamento dos doentes, e muitos desses santos homens deixaram a vida, mártires da caridade.
A escola, onde lecionava frei Martinho, foi dissolvida, sendo os noviços, seus discípulos, enviados para suas casas.
Martinho aproveitou estas férias inesperadas e forçadas para escrever um catecismo popular, no intuito de instruir o povo católico nos princípios da religião. E com tanta felicidade saiu-se desta incumbência, que os Superiores lhe mandaram renunciar definitivamente ao magistério e ocupar-se em editar livros e escritos religiosos que estivessem ao alcance de todos. Conhecendo nesta ordem à vontade de Deus, frei Martinho dedicava-se, com grande zelo, aos trabalhos da pena, editando numerosas obras, vivas testemunhas de que o seu autor tinha profundo conhecimento das necessidades religiosas de seu tempo, assim como do modo prático de remediá-las.
Seus escritos salientam-se pela linguagem simples e ingênua, pelo jeito admirável de falar ao coração humano, como também pela vivacidade e clareza do estilo.
Não podia deixar de suceder que o nome do padre Martinho se tornasse célebre e atraísse a atenção dos altos príncipes da Igreja. Com razão calculavam que o homem que, em seus escritos, sabia, de modo tão insistente e enérgico, propor ao povo o poder e a verdade da religião, ainda mais conseguiria pela força da palavra, ensinando e iluminando o mundo pela luz de suas acrisoladas virtudes. Eis o motivo por que os arcebispos de Mogúncia e Treveris o encarregaram de pregar missões e de realizar a visita canônica em quase todas as freguesias de suas dioceses.
Obediente às ordens dos Superiores e pronto a sacrificar-se pela salvação das almas, ia instruir o povo nas verdades de nossa santa religião, procurando transmitir, com especialidade, a seus inúmeros ouvintes, pelo menos uma faísca daquela devoção ao Santíssimo Sacramento que lhe abrasava o coração, e inspirando-lhes o desejo ardente de assistir, com regularidade e devoção, ao Santo Sacrifício da Missa, plenamente convictos de que o que se passa sobre o altar, não é senão a repetição incruenta da morte do Salvador.
Assim trabalhou incessantemente e sem cessar, até que, em idade avançada, foi chamado pelo Retribuidor do Bem, falecendo aos 10 de Setembro do ano de 1712.

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