4 de janeiro de 2014

Jesus é alimentado.

Quis mihi det te fratrem meum, sugentem ubera matris meae? — “Quem te dará a mim por irmão, que tomara o leite da minha mãe?” (Cant. 8, 1.)

Sumário. Quando o Menino Jesus foi envolto em paninhos, suspirou pelo alimento da Virgem Maria, e tomando-o já pensava em como havia de mudá-lo naquele sangue com que deveria um dia resgatar as almas sobre a cruz e alimentar nelas a vida da graça pela Comunhão. Roguemos à divina Mãe que nos alimente com o leite de uma devoção terna e amorosa à Infância de Jesus.

I. Depois que o Menino Jesus foi envolto nas faixas, pediu por vagidos a alimentação de Maria. A esposa dos Cânticos desejava ver seu irmãozinho tomando o alimento maternal — Quis mihi det te fratrem meum, sugentem ubera matris meae? Aquela esposa desejava-o, mas não foi atendida. Nós, ao contrário, temos a ventura de ver o Filho de Deus, feito homem e nosso irmãozinho, pedir a Maria o alimento próprio da sua idade. Que espetáculo era para o Paraíso ver o Verbo divino feito criança, nutrir-se com o leite que lhe oferecia uma virgenzinha, sua criatura! Aquele que nutre todos os homens e todos os animais da terra, ei-lo reduzido a tal estado de fraqueza e de pobreza, que precisa de um pouco de leite para sustentar a vida. Soror Paula Camaldulense, ao contemplar uma imagem de Jesus tomando leite, sentia cada vez o coração abrasado de terníssimo amor para com Deus.

Jesus, porém, alimentava-se poucas vezes por dia, e cada vez em pequena quantidade. Foi revelado à Soror Mariana, da ordem franciscana, que Maria Santíssima alimentava o Filho só três vezes cada dia. Ah! Como foi precioso para nós aquele leite que nas veias de Jesus Cristo devia mudar-se em sangue e assim preparar um banho salutar, no qual pudéssemos lavar as nossas almas! — Ponderemos ainda que Jesus tomava o leite a fim de nutrir este corpo que queria deixar-nos como nosso alimento na santa Comunhão. Ó meu pequenino Redentor, enquanto tomais alimento, estais pensando em mim; pensais em como aquele leite se transformará no sangue que um dia derramareis antes de morrer, a fim de resgatar por tão alto preço a minha alma e alimentá-la com o Santíssimo Sacramento, que é o leite salutar por meio do qual o Senhor conserva as nossas almas na vida da graça. Lac vestrum Christus est, diz Santo Agostinho, — O vosso leite é Jesus Cristo.

Ó meu amado Menino, ó Jesus meu, permiti que eu também exclame com a mulher do Evangelho: Beatus venter qui te portavit, et ubera quae suxisti (1) — “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que foste criado”. Bem-aventurada sois vós, ó divina Mãe por terdes tido a sorte feliz de alimentardes o Verbo encarnado. Por piedade: admiti-me, em companhia do vosso divino Filho, a receber de vós o leite de uma devoção terna e amorosa à infância de Jesus e a vós, minha amadíssima Mãe.

II. Ó dulcíssimo e amabilíssimo Jesus Menino! Vós sois o Pão do céu, que sustenta aos anjos; Vós dispensais alimentos a todas as criaturas. Como é, pois, que estais reduzido à necessidade de pedir a uma virgenzinha um pouco de leite para sustentardes a vida? Ó amor divino! Como pudestes reduzir um Deus a tal estado de pobreza, que precisa pedir algum alimento? Mas já Vos entendo, ó meu Jesus: nessa gruta aceitais o leite de Maria a fim de mudá-lo em vosso sangue, e oferecê-lo um dia a Deus como sacrifício em satisfação pelos nossos pecados. Ó Maria, continuai a alimentar o vosso Filho, porque cada gota desse leite servirá para limpar a minha alma das suas culpas, e a nutri-la depois na santa Comunhão. Ó meu Redentor, como poderá deixar de Vos amar aquele que crê tudo que tendes feito e padecido pela nossa salvação? E eu, como me foi possível saber tudo isso e ser-Vos tão ingrato?

Mas, a vossa bondade é a minha esperança, porque me ensina que basta querer a vossa graça para obtê-la. Pesa-me, ó meu supremo Bem, de Vos ter ofendido e amo-Vos sobre todas as coisas. Ou, para dizer melhor, não amo nada senão a Vós, e só a Vós quero amar. Vós sois e sereis sempre o meu único bem, o meu único amor. Meu amado Redentor, concedei-me, Vô-lo peço, uma terna devoção à vossa santa infância, como a concedestes a tantas almas que com pensarem em Vós, ó Deus-Menino, se esqueciam de todas as coisas e, ao que parece, não pensavam em mais nada senão em Vos amar. Verdade é que elas são inocentes, e eu sou pecador; mas Vós Vos fizestes menino para Vos fazerdes amar também pelos pecadores. Pecador tenho sido; mas agora amo-Vos de todo o meu coração e nada mais desejo senão vosso amor. — Ó Maria, concedei-me uma parte dessa ternura com que alimentastes a Jesus Menino. (II 367.)

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1. Luc. 11, 27.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 117 - 119)

3 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 10

MEDITAÇÃO X.

OCUPAÇÕES DE JESUS MENINO NO ESTÁBULO DE BELÉM.
As duas ocupações principais dum eremita são: orar e fazer penitência: na gruta de Belém Jesus Menino nos dá o exemplo disso. No estábulo, que escolheu por oratório sobre a terra, não cessa de orar a seu Pai eterno; lá faz continuamente atos de adoração, de amor e de súplica.
É certo que já antes desse tempo a Majestade divina tinha sido adorada pelos anjos e pelos homens; mas não recebera certamente de todas as criaturas a honra que lhe prestou o Menino Jesus, adorando-a no estábulo em que nasceu. Unamos pois sempre as nossas adorações às que Jesus ofereceu a Deus enquanto se achava no mundo.
Quão puros e perfeitos eram os atos de amor que o Verbo encarnado oferecia a seu Pai na meditação! O Senhor ordenara aos homens o amassem de todo o coração e de todas as forças; mas esse preceito nunca fora perfeitamente observado por nenhum homem: a primeira mulher que o cumpriu foi Maria; e o primeiro homem foi Jesus Cristo que o cumpriu duma maneira imensamente mais extensa do que Maria. Pode-se dizer que o amor dos Serafins era frio em comparação do divino In-fante. Aprendamos dele a amar o nosso Deus como o devemos, e peçamos-lhe nos comunique uma centelha do amor puríssimo com que amava seu Pai eterno no estábulo de Belém.
E quão belas também, e perfeitas e agradáveis a Deus eram as preces do Menino Jesus! Orava ao Pai em todos os instantes, e as suas preces eram todas para nós, e para cada um de nós em particular. Todas as graças que cada um de nós recebeu do Senhor, como a vocação à verdadeira fé, o tempo de fazer penitência, as luzes, o arrependimento dos pecados cometidos, o perdão, os santos desejos, as vitórias alcançadas contra as tentações, e todos os outros atos de virtude que fizemos ou que faremos, como de confiança, humildade, amor, agradecimento, oferecimento, resignação, foi Jesus que nos obteve tudo, tudo é feito das preces de Jesus. Quando pois lhe devemos, e quanto lhe devemos, e quanto lhe devemos agradecer e amar!

Afetos e Súplicas.
Ah! quanto vos devo, meu caro Redentor! Se não tivésseis orado por mim, em que estado de ruína eu me acharia! Agradeço-vos, meu Jesus, as vossas preces me obtiveram o perdão dos meus pecados, e, espero, me obterão ainda a perseverança até à morte. Orastes por mim, agradeço-vos de todo o coração; mas, conjuro-vos, não cesseis de pedir. Sei que, mesmo no céu, continuais a ser o novo Advogado: Nós temos, diz S. João, um advogado junto do Pai, Jesus Cristo. Sei que continuais a pedir por nós: Ele intercede ainda por nós, ajunta S. Paulo. Continuai, pois, meu Jesus, mas pedi mais particularmente por mim que, mais do que os outros, necessito das vossas preces. Confio que, em consideração dos vossos méritos, já me tenhais perdoado; mas como tenho caído tantas vezes, posso cair ainda: o inferno não se cansa e não se cansará de tentar-me para me fazer perder de novo a vossa amizade. Ah! meu Jesus, sois a minha esperança: espero de vós a força de resistir; a vós é que a peço e de vós a espero. Mas não me contento com a graça de não recair, peço-vos ainda a graça de vos amar muito. Aproxima-se a hora da minha morte; se morresse agora, esperaria ser salvo, mas ouço vos amaria no céu porque pouco vos tenho amado até este dia; ora, quero amar-vos muito no resto da minha vida para vos amar muito na eternidade.
Ó Maria, minha Mãe, pedi também, pedi a Jesus por mim: os vossos rogos são onipotentes junto desse divino Filho, que tanto vos ama. Já que desejais tão ardentemente vê-lo amado, impetrai-me um grande amor da sua bondade, e que esse a-mor seja constante e eterno.

DIA III DE JANEIRO.

Jesus envolto em faixas.

Et pannis eum involvit — Envolveu-o em faixas (Luc. 2, 7).

Sumário. Imaginemos ver a Maria que toma com reverência seu divino Filho, o adora, o beija e em seguida o envolve nas faixas. O santo Menino oferece obediente as mãos e os pés, e sentindo que lhe apertam as faixas, pensa nas cordas com que um dia será amarrado no Horto. Se um Deus assim se deixa enfaixar, não será por ventura justo que nos deixemos ligar também com os laços de seu amor, e nos desfaçamos de qualquer afeto terreno?

I. Imaginai verdes a Maria que, depois de ter dado à luz seu divino Filho, O toma com reverência nos braços, adora-O primeiro como seu Deus, e em seguida O enfaixa estreitamente:  Membra pannis involuta, Virgo Mater alligat (1). Vêde como o Menino Jesus obediente oferece as mãozinhas, oferece os pés e se deixa enfaixar. Ponderai que, cada vez que o divino Infante se deixava enfaixar, pensava nas cordas com que um dia devia ser amarrado no Horto, naquelas que depois deviam prendê-lo à coluna, e nos pregos que deviam fixá-lo na cruz. Pensando assim, deixava-se de boa mente enfaixar, a fim de livrar as nossas almas dos laços do inferno.

Jesus, estreitado nas faixas, volve-se a nós e convida-nos a que nos unamos consigo pelos doces laços do amor.Volvendo-se em seguida a seu Eterno Pai diz: Meu Pai, os homens abusaram de sua liberdade e, revoltados contra Vós, tornaram-se escravos do pecado. Para compensar a sua desobediência, quero ser envolto e estreitado nestas faixas. Assim ligado, ofereço-Vos a minha liberdade, a fim de que o homem fique livre da escravidão do demônio. Aceito estas faixas, que me são caras, e mais caras ainda, porque são símbolos das cordas com que, desde agora, me ofereço a ser um dia amarrado e conduzido à morte para salvação dos homens.

Vincula illius alligatura salutaris (2)  — Os seus vínculos são ligadura de salvação. As faixas de Jesus foram as ligaduras saudáveis para curar as chagas de nossas almas. — Portanto, ó meu Jesus, quisestes ser estreitamente envolto em faixas por meu amor, e eu me recusarei a fazer-me ligar pelos laços do vosso amor? Terei para o futuro ainda a coragem de me desligar dos vossos laços tão suaves e amáveis, para me fazer escravo do inferno? Meu Senhor, por amor meu estais ligado nesta manjedoura, quero sempre estar ligado em união convosco.

II. Dizia Santa Maria Madalena de Pazzi, que as faixas que nos devem prender são a firme resolução de nos unirmos a Deus pelo amor, desfazendo-nos ao mesmo tempo do afecto a qualquer coisa que não seja Deus. Parece que é para este mesmo fim que o nosso amante Jesus se quis deixar ficar, por assim dizer, ligado e prisioneiro, no Santíssimo Sacramento do altar, debaixo das espécies sacramentais, a fim de fazer as almas suas diletas, prisioneiras de seu amor. 

Meu amado Menino, como poderei temer os vossos castigos, já que Vos vejo ligado estreitamente nas faixas, como que privando-Vos do poder de levantar as mãos para me punir? Com as faixas me dais a entender que não me quereis castigar, se eu quero quebrar os laços dos meus vícios e ligar-me a Vós. Sim, meu Jesus, quero rompê-los. Pesa-me de toda a minha alma, de me ter separado de Vós pelo abuso da liberdade que me destes. Vós me ofereceis outra liberdade mais bela, a que me livra do cativeiro do demônio e me faz aceitar no número dos filhos de Deus. Por meu amor Vos deixastes atar com essas faixas; eu quero ser cativo do vosso grande amor. Ó laços ditosos, ó formosas insígnias de salvação, que ligais as almas a Deus, por piedade, ligai também o meu pobre coração. Ligai-o tão fortemente, que para o futuro nunca mais se possa apartar do amor ao Bem supremo. Jesus meu, amo-Vos, a Vós me quero ligar, e Vos dou todo o meu coração, toda a minha vontade. Não quero mais deixar-Vos, ó meu amado Senhor.

Ó meu Salvador, para pagar o que eu estava devendo, quisestes não somente Vos deixar enfaixar por Maria, mas também permitistes que os algozes Vos ligassem como a um réu, e assim ligado Vos levassem pelas ruas de Jerusalém, para ser conduzido à morte, como um cordeiro que vai ao matadouro; quisestes ser pregado na cruz, e não a deixastes senão depois de deixardes de viver! Não permitais que ainda me separe de Vós, e assim fique outra vez privado da vossa graça e do vosso amor. — O Maria, vós que um dia ligastes com as faixas vosso Filho inocente, ligai-me agora a vosso Jesus, a mim pecador, a fim de que não me afaste mais de seus pés, e um dia chegue a ter a ventura de entrar naquela pátria beata, onde já livre de todo temor nunca mais poderei separar-me do seu santo amor. (II 366).

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1. Hymn. s. Crucis Pangue lingua.
2. Ecclus. 6, 31.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 114 - 116.)

2 de janeiro de 2014

Porque Jesus quis nascer criança.

Parvulus enim natus est nobis, et filius datus est nobis — “Nasceu-nos uma criança; foi-nos dado um filho” (Is. 6, 9).

Sumário. São vários os motivos pelos quais Jesus quis nascer criança. Primeiro, quis desta forma mostrar-nos a sua propensão e facilidade em dar-nos os seus bens. Quis, em segundo lugar, afastar de nós todo o temor ao vermo-Lo reduzido, por assim dizer, a um estado de impotência para nos castigar pelos nossos pecados. Mas sobretudo Jesus nasceu como criança para se fazer amar por nós, não somente de apreço, senão de ternura. Amemo-Lo, pois, de todo o coração, cheguemo-nos a Ele, e peçamos-Lhe toda a sorte de bens.

I. Considerai que ao fim de tantos séculos, depois de tantas súplicas e suspiros, o Messias, a quem os santos Patriarcas e Profetas não tinham sido dignos de verem, o Suspirado das gentes, o desejo das colinas eternas, o nosso Salvador, já veio, já nasceu e já se deu todo a nós: Parvulus natus est nobis, et filius datus est nobis — “Nasceu-nos uma criança; foi-nos dado um filho.” O Filho de Deus se fez pequenino, para nos fazer grandes; deu-se a nós, a fim de que nós nos demos a Ele, veio mostrar-nos o seu amor a fim de que nós Lhe respondamos com o nosso. Façamos-Lhe acolhida afetuosa, amemo-Lo e recorramos a Ele em todas as nossas necessidades.

Puer facile donat. As crianças, diz São Bernardo, gostam de dar o que se lhes pede. Jesus veio como criança para se nos mostrar todo inclinado e propenso a comunicar-nos os seus bens. “Nele estão encerrados todos os tesouros.” (1) “O Pai tudo tem posto em sua mão.” (2) Se desejamos luz, Ele veio para nos iluminar. Se queremos força para resistirmos aos inimigos, Ele veio exatamente para nos confortar. Se queremos o perdão e a salvação, ei-Lo que veio para nos perdoar e nos salvar. Se queremos, finalmente, o dom supremo do divino amor, Ele veio para abrasar-nos o coração. É sobretudo para este fim que se fez criança. Quis aparecer no meio de nós tanto mais amável, quanto mais pobre e humilde, quis tirar-nos todo o temor e ganhar o nosso amor, como observa São Pedro Crisólogo: Taliter venire debuit, qui voluit timorem pellere, quaerere caritatem.

Além disso, Jesus quis vir pequenino para ser de nós amado com amor não somente de apreço, senão também de ternura. Todas as crianças sabem ganhar o afeto de todos aqueles que as vêem; mas quem não amará com toda a ternura a um Deus feito criancinha, necessitado de leite, tiritante de frio, pobre, humilhado, abandonado; a um Deus que chora e está vagindo numa manjedoura sobre a palha? Isso fez o amante São Francisco exclamar: Amemus Puerum de Bethlehem; Amemus Puerum de Bethlehem. Vinde amar a um Deus feito criança, feito pobre, e tão amável que baixou do céu para se dar todo a vós.

II. Ó meu Jesus, tão amável e de mim tão desprezado, baixastes do céu, a fim de nos remirdes do inferno e Vos dardes todo a nós, e nós, como temos podido desprezar-Vos tantas vezes e virar-Vos as costas? Ó Deus, os homens mostram-se tão agradecidos às criaturas! Se alguém lhes faz qualquer favor, se alguém vem de longe a visitá-los, se se lhes dá alguma demonstração de afeto, não podem esquecê-lo e sentem-se obrigados a retribuí-lo. E depois são tão ingratos para convosco, que sois o seu Deus, que sois tão amável e que por seu amor não recusastes dar o sangue e a vida.

Mas, ai de mim, que tenho sido para convosco pior do que os outros, por ter sido mais amado de Vós e mais ingrato a vosso amor. Ah! Se tivésseis concedido a um herege, a um idólatra as graças que me dispensastes a mim, ele se teria tornado santo, e eu Vos tenho ofendido. Por piedade, esquecei as injúrias que Vos tenho feito. Mas, Vós já dissestes, que quando um pecador se arrepende, não mais Vos lembrais de todos os ultrajes recebidos (3). Se em outro tempo não Vos amei, para o futuro não quero senão amar-Vos. Vós Vos destes todo a mim e eu Vos dou toda a minha vontade; com esta amo-Vos, amo-Vos, amo-Vos; quero repetí-lo sempre: amo-Vos, amo-Vos. Repetindo isto quero viver, e assim quero morrer, exalando o espírito com estas doces palavras nos lábios: Meu Deus, amo-Vos. Desde o primeiro instante em que entrar na eternidade quero começar a amar-Vos com um amor contínuo, que durará sempre, sem que eu possa ainda deixar de Vos amar.

Entretanto, ó meu Senhor, meu único Bem e meu único Amor, resolvo antepor a vossa vontade a qualquer querer meu. Ainda que me oferecessem o mundo inteiro, não o quero. Não quero mais deixar de amar a quem tanto me tem amado; não quero mais dar desgosto a quem merece da minha parte um amor infinito. Ajudai-me, ó meu Jesus, com a vossa graça, a realizar este desejo. — Maria, minha Rainha, é à vossa intercessão que me reconheço devedor de todas as graças recebidas de Deus; não deixeis de interceder por mim. Vós que sois a Mãe da perseverança, obtende-me a perseverança final. (II 346.)

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1. Col. 2, 3.
2. Io. 3, 35.
3. Is. 43, 25.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 111 - 114)

O Diabo, Lutero e o Protestantismo - Pe. Júlio Maria - Capítulo 8

CAPÍTULO VIII

OS ALICERCES DAS SEITAS PROTESTANTES
Já conhecemos bem a vida de Lutero, para lhe podermos agora apreciar a obra.
Rompeu ele com Roma, intitulando-a o “Anticristo!. Ora, se Roma, ou a antiga Igreja fundada por Jesus Cristo sobre Pedro, era, para Lutero, o Anticristo, afim de poder reformá-la e fundar a “sua seita”devia ele em tudo contradizer a instituição multissecular dos Papas. Por isso, a base do sistema da reforma foi: a NEGAÇÃO DE ROMA E DE TUDO O QUE ELA ENSINA.
Um reformador sensato teria aceitado a doutrina católica e, após diligente exame, expurgá-la de tudo o que julgasse alheio à verdade.
Lutero, porém sendo um insensato, um obsesso, um desequilibrado como estamos fartos de verificar, foi, pois, em tudo fiel ao seu gênio orgulhoso e extremista, começando pro se opor, de modo absoluto, à Igreja Católica.
Se, para ele, no paganismo, no budismo, no islamismo, ao lado de erros podia haver coisa boa, no Igreja Católica tudo era ruim, perverso, e nada se aproveitava.
Desde que Roma dizia: branco, Lutero exclamava: preto. Se a Igreja ordenava, Lutero proibia, de modo que a verdadeira definição de protestantismo de Lutero é: A NEGAÇÃO DE TUDO O QUE É DE ROMA E DE TUDOS O QUE ROMA ENSINA.
Lutero quis fundar uma nova Igreja. Não se contentou, pois, somente com destruir o que encontrara: a negação não é realidade, é falta, ausência, e, como tal, não se sustenta por si; era-lhe preciso, pois, algo positivo para fundamento da reforma.
Vê-lo emos neste capítulo.

1. OS PRIMEIROS PROJETOS
Ao principiar sua reforma, Lutero tencionava unicamente contradizer o Catolicismo, sem pensar em qualquer organização definitiva.
Organizar uma igreja luterana: eis dois termos contraditórios, porquanto aquilo que implica subversão, prega anarquia e geral revolta jamais se pode chamar sociedade perfeita.
Vendo o bom resultado de seu sistema de interpretação da Bíblia, o frade começou então a pensar num sistema, numa organização religiosa.
A Igreja Católica com sua harmoniosa e bela hierarquia, sendo uma sociedade divino-humana, visível, independente dos poderes temporais, regida por Deus por intermédio do sucessor de São Pedro, a quem o Cristo havia confiado as chaves do reino de Deus, e a quem dera o poder de
ensinar, de perdoar e dirigir, não podia ter equivalente, nem ser copiada; o que iria fazer o monge revoltoso?... Como executar o seu projeto?...
Lutero refletiu, e o demônio, seu fiel inspirador, encaixou-lhe na cabeça um tipo de igreja ideal que consistiria numa união fraternal de crentes, conhecidos só por Cristo, a quem teriam por doutrinar e guia único. Para os adeptos bastaria a Bíblia; ela traria para cada um a inspiração direta do Espírito Santo.
Tal é a primeira idéia-mãe do “reformador” e respeito da nova igreja.
Começou ensinando: a igreja exterior é coisa do diabo. Jesus Cristo trabalha é interiormente, e nem de longe se pode pensar em igreja e em bispos.
No entanto, Lutero compreendeu logo não ser durável tal coisa, sendo necessário haver, ao menos algum elemento visível na sua instituição..
Daí proveio a sua segunda concepção: a duma igreja do povo, um conjunto invisível de fiéis, sob a proteção visível do estado.
A desilusão não se fez esperar e Lutero viu logo não poder contar com o povo, para seguir a sua doutrina, nem possuía bastante autoridade para e ele impor suas idéias caprichosas.
Excitar à revolta é fácil... Obter a calma e obediência de um povo insubmisso é dificílimo.
Pela terceira vez Lutero mudou de parecer e em 1526 pretendeu organizar uma igreja nacional, sob a direção imediata do poder temporal.
Tal projeto, comunicado pelo inovador aos vários príncipes alemães, granjeou necessariamente a simpatia de muitos deles.
A Igreja possuía grandes bens na Alemanha; desta sorte, a perspectiva de poderem apoderar-se de tudo o que ela possuía era para as autoridades um fator importante, para aceitarem a fundação da igreja do estado.
Lutero pediu aos príncipes organizassem a visita religiosa às diversas igrejas, para obrigado o povo a adotar o Evangelho.
Em 1527, sob a direção do reformador, o príncipe João de Saxe publicou a “Instrução regulamentando tal inspeção, reservando-se autoridade imediata sobre as coisas espirituais.
A igreja nacional tornou-se uma igreja de força, pois a autoridade civil podia coagir os seus súditos a abraçar a religião que ela mesmo professava “CUJUS REGIO, ILLIUS ET RELIGIO”.
A visita pastoral civil realizou-se pela primeira vez, em 1527, suscitando queixas e lamentos em toda parte.
Para evitar abusos, foi inventado o cargo de superintendentes, confiado aos pastores das grandes cidades, com o fim de exercer uma vigilância geral sobre a doutrina e a moral.
Na instrução dos visitadores, em 1527, mencionou-se uma INQUISIÇÃO contra leigos; e esta organização não foi letra morta, pois em 1529, em REINHARDESBRUNN, foram condenadas à morte seis pessoas, por terem abjurado a doutrina de Lutero.
Este fato fez o protestante Wapples escrever: “... os princípios da liberdade evangélica, tão apregoada por Lutero, foram vergonhosamente contrariados por esta inquisição de leigos” (Grisar III 745).
Eis já um ponto que começa a sobressair nítido, na balbúrdia das doutrinas luteranas. A igreja reformada, dependente do governo, devia ser visitada por duas autoridades: um visitador leigo, em nome do governo, e um superintendente, eleito pelos fiéis, para manter a doutrina.
Era uma contradição flagrante: a igreja dependente do estado; e este podendo obrigar o povo a adotar a religião por ele professada; e o superintendente ficando simultaneamente encarregado de manter a unidade da fé e da moral.
São duas autoridades em oposição e luta; são os dois SENHORES a serem servidos, o que é contrário aos ensinamentos de Jesus Cristo.
Lutero quis fundar uma igrejola sobre uma base diferente da Igreja Católica; a tal fundamento, como se vê, era o poder civil... obra humana, política... oposta à obra do Divino Mestre.
Basta este início, para se ver que no protestantismo tudo é HUMANO, puramente humano, sem um vestígio sequer de sobrenatural, a nos indicar o céu.

2. CONSTITUIÇÃO DO PROTESTANTISMO
Já nos é bastante conhecida a base sobre a qual Lutero vai estabelecer o seu sistema religioso.
Antes de tudo cumpria-lhe dar-lhe a feição de exercício público.
A missa não servia mais; devia, pois, desaparecer. Lutero e Melanchton eram professores: a pregação substituiria o santo sacrifício, e a tribuna tomaria o lugar do altar.
Não convinha, entretanto, suprimir de repente as cerimônias da Missa, para não se exasperar o povo, a ela tão acostumado.
Lutero eliminou tudo o que era Sacrifício propriamente dito, conservando as cerimônias exteriores e a língua latina; só em 1526 publicou uma brochura: “A Missa alemã”, modificando tudo, e facilitando a cominho a novas alterações.
Tal ato era celebrado só aos domingos, para melhor enganar os recém convertidos, ou pervertidos, fazendo-lhes acreditar que entre a religião antiga e a reforma havia unicamente umas mudanças acidentais.
Tal missa alemã não produziu o efeito que o reformador esperava; sentindo ele mesmo o ridículo da invenção, aos poucos substituiu-a pela leitura da Bíblia e o canto de hinos em comum.
Lutero não era nem poeta, nem músico, embora gostasse de poesia, música e canto.
Não consta tenha produzido qualquer obra, embora certos autores lhe atribuam a paternidade dos hinos protestantes.
A grande reforma que Lutero pretendia introduzir e que, de fato, alcançou, se resumiu na leitura exclusiva da Bíblia, sem explicação, deixando toda a interpretação ao critério do leitor.
Para que isto se efetuasse, era preciso uma tradução popular, simples, ao alcance de todos; o próprio reformador, como já vimos, iniciou o trabalho, terminando-o pouco antes de morrer.
Num dos primeiros capítulos falamos sobre essa tradução em que os próprios protestantes reconhecem haver muitos e graves defeitos.
JERÔNIMO EMSER diz que Lutero vira de tal modo a Bíblia para a fé sem as obras, que no fim não há mais uma coisa nem outra.
Ele indica 1.400 falsificações.
JOÃO DIETENBERGER, contemporâneo de Lutero, faz essa apreciação: “O que Lutero não quer, ele o suprime na Bíblia; o que se ajusta com o seu querer ele o ajunta, em prova de seus erros” (Grisar III. 440. nota 1).
PHILIPS VON MARNIX por sua vez escreve: “De todas as traduções em uso nas igrejas protestantes, nenhuma existe que se afaste tanto do texto original, como a de Lutero” (Tübenger Theol.: Quartalschrift, 1848).
O protestante JOSIAS BUNSEN assinala 3.000 passagens falsificadas, e intitula a obra de Lutero a menos exata de todas, embora manifeste o produto de um gênio (F. Nippold: Christian Von Bunser, 1868, III, 183).
Não será sem interesse e proveito assinalarmos aqui alguns dos defeitos encontrados em Lutero, para mostrar como ele respeitava a palavra de Deus, fazendo dela uma arma, não para descobrir a verdade, mas para fortalecimento dos seus erros.
Estas citações mostrarão claramente a má fé visível do monge revoltoso, a perversidade de seus intentos ao usar da Sagrada Escritura.
A palavra JUSTO é substituída pela palavra piedoso.
Noé, Jô, Zacarias, o pai nutritivo de Jesus, José, são todos ele homens piedosos, querendo o reformador provar com tal mudança que eles tiveram a fé em Deus, e que pela fé lhes foi aplicada a justificação de Cristo.
A palavra “IGREJA” é cuidadosa e timidamente evitada, substituindo-a o termo: UNIÃO.
Na epístola de São Paulo aos Romanos, donde Lutero extraiu os seus erros, ele modificou vergonhosamente o texto do Apóstolo, para adaptá-lo às suas idéias.
O texto diz que o HOMEM É JUSTIFICADO TRAUITAMENTE PELO GRAÇA, POR MEIO DA REDENÇÃO... EM VIRTUDE DE SEU SANGUE, POR MEIO DA FÉ.
Lutero acrescenta maldosamente a palavra “só”, inventada por ele, e traduz: O HOMEM É JUSTIFICADO SÓ PELA FÉ (Rom. III, 25).
Outra falsificação proposital encontramos no capítulo 8º. Que ele procurou adaptar às suas idéias erradas.
São Paulo se expressa assim: DEUS, ENVIANDO SEU FILHO EM CARNE SEMELHANTE À DO PECADO, POR CAUSA DO PECADO CONDENOU O PECADO NA CARNE (Rom 8,3). Lutero alterou o texto: POR CAUSA DO PECADO, PELOS TERMOS: “pelo pecado”.
Vê-se logo a diferença de sentido, que ele introduziu com tal falsificação. O Apóstolo ensina que Jesus Cristo se fez homem, para expiar os pecados dos homens, enquanto Lutero diz que Jesus se fez homem pelo pecado, isto é,nasceu no pecado (para refutar a Imaculada Conceição de Maria).
A falsificação citada: O HOMEM É JUSTIFICADO SÓ PELA FÉ, SEM AS OBRAS, encontrou grande oposição. Lutero respondeu a seus censores, expondo as suas razões, sem outro fundamento que as suas opiniões e termina grosseiramente exclamando: “Os zurros de tais asnos a respeito da palavra: SOLA – só, não merecem outra resposta, senão: Lutero quer que assim seja e o diz: Ele é doutor acima de todos os doutores do papado inteiro. É preciso, pois, que fique nisso. Ao papista, que teimar ocupar-se com a palavra SÓ, É PRECISO RESPONDER: Doutor Lutero quer que assim seja. SIC VOLO, SIC JUBEO, SIT PRO RATIONE VOLUNTAS. Assim eu quero, assim ordeno, a minha vontade é a razão”.
Como se vê, Lutero é o mesmo de sempre: - o mesmo orgulho, a mesma obcecação, o mesmo ódio a tudo quanto é católico. O que ele era, é e será.

3. PROPAGANDAS E VIOLÊNCIAS
A máxima preocupação do reformador era difundir as suas tolices através da Alemanha inteira. Como vimos, o terreno estava admiravelmente preparado.
A sua eloqüência espetacular, seus gritos de caráter apocalíptico, os versos e cantos populares, os desenhos caricaturescos, a sátira grotesca, tudo ele empregou para fazer triunfarem as suas idéias.
Ao lado do pervertido se postaram outros, como sói acontecer; se os santos atraem a si a virtude; os perversos são acompanhados pela maldade.
Melanchton, Justus Jonas, Spalatino, Kang, Johan Buzenhagem , Nicolau von Amsdorf, Wenceslau Link Eclenburg, etc. Foram os primeiros companheiros do reformador.
Melanchton, sobretudo, foi o seu branco direito.
Altivo, inteligente, dedicou-se de corpo e alma à obra encetada. Foi ele que corrigiu a tradução da Bíblia, feita por Lutero.
Em 1521 publicara um volume: “LOCI COMMUNES” ou linhas fundamentais da reforma, no qual expõe o conjunto das doutrinbas da nova seita, sob o ponto de vista teológico.
Lutero assim opinou a respeito deste trabalho: Os milhares de Jerônimos, Hilarioes e Macários, os santos das Tabaidas e desertos, não são dignos de desligar os sapatos de Melanchton (Grisar II 267).
Auxiliado por estes ex-padres, ex-monges, e professores a quem soube entusiasmar, fanatizar, Lutero não hesitou, lançou-se à frente, decidido a vencer, custasse o que custasse.
O sucessor de seu protetor Frederico de Saxe era Johan de Saxe, luterano fanático, que o reformador dominava por completo; deste arrancou um decreto proibindo a pregação católica e impondo a luterana (W. Erl. 53ps 367, 9 de fev. de 1526).
Em Wittemberg, na Igreja de Todos os Santos, mau grado os esforços de Lutero, continuava o serviço religioso católico, abuso que Lutero considerava urgente acabar.
E, 1º. De março de 1533, ele exige do Capítulo a supressão da Missa e das outras cerimônias religiosas, encontrando, porém, viva resistência por parte do Decano e dos conselheiros.
O próprio Johan de Saxe era contrário a tal medida extrema, para não perder a fundação de missas, feita em benefício de seu pai.
Lutero insistiu e tomou decididamente posição contra o príncipe, declarando aos conselhos que o príncipe nada tinha a ver com isso. “Sabeis”, diz ele, “que São Pedro disse ser preciso obedecer antes a Deus que ao príncipe” (Erl. 53 p. 178)
Não tendo alcançado a vitória, dirigiu-se ao povo luteranizado do lugar e, numa prédica pública, gritou-lhe: “Que temos a ver nisso com o príncipe? Ele só pode mandar em coisas temporais; se persistir, deveremos dizer-lhe; Senhor, fique em seu próprio terreno”.
Desta vez não conseguiu nada, mas não desanimou.
Em 17 de novembro de 1524, dirige-se ao Capítulo: “Se não deixares voluntariamente as missas, as vigílias e tudo o que se opõe ao Evangelho, deixá-lo-ás contra a vontade. Exijo um resposta definitiva: Sim ou não, e isso até domingo próximo, pois a minha paciência se esgotou” (W. Erl. 53 p.269).
Dez dias depois pregou com tanta veemência sobre o caso, que a população ficou exaltada e disposta a tudo. Correu para as casas do conselheiro, vociferando e ameaçando de morte, quebrando as vidraças da casa do Decano e exigindo fosse executada a vontade de Lutero.
Diante deste excessos o Capítulo cedeu, e na festa de Natal de 1524 foi definitivamente abolido o Santo Sacrifício da Missa. Lutero triunfou.

4. ADVERSÁRIOS DO REFORMADOR
Não pensemos, entretanto, tenha faltado resistência a Lutero. Houve até firme e decidida oposição, tanto dos amigos da Igreja, como dos próprios afeiçoados de Lutero.
A primeira barreira contrária que o reformador teve de encontrar foi a de Erasmo, um holandês, professor na Universidade de Rotterdam e amigo do ex-monge.
Assistia calado o movimento revolucionário de Lutero e não tencionava entrar em luta. A pedido, porém, de diversas autoridades, como Henrique VIII, Jorge de Saxe, o Imperador e o próprio Papa Adriano VI, resolveu refutar os pontos que julgava fracos na doutrina de Lutero.
Receando a intervenção de Erasmo, o reformador lhe escreveu em 1524: Não escrevas contra mim; não aumentes o número e a força de meus adversários. “Sobretudo não publiques nada contra mim, como eu não o farei contra ti” (Corresp. IV. 319).
Lutero professava a negação da liberdade humana para exaltar A MISERICÓRDIA DIVINA.
Contra este ensino Erasmo publicou em 1524 o seu: DE LIBERO ARBITRIO DIATRIBE, escrito num latim elegante e apoiado sobre os Santos Padres e a tradição dos séculos passados.
Infelizmente Éramos, defendendo o livre arbítrio, inclinou-se excessivamente para este lado, atribuindo importância demasiada à vontade do homem e quase nenhum à graça divina.
Com este ponto, o seu livro DIATRIBE, embora contivesse bons argumentos, não satisfazia plenamente à aspirações católicas.
O próprio Melanchton sentiu a nímia moderação de Erasmo e lhe agradeceu esta concessão (Corp. ref. 1.675, 80. Set. 1524).
Lutero sentiu bastante o golpe, mas só depois de passado um ano é que se resolveu responder, para deixar cair um pouco no esquecimento os argumentos de seu adversário. Foi escrito: DE SERVO ARBITRIO, uma brochura de polêmica veemente, embora repleta de contradições e desprovida de exegese séria, onde sem reserva o reformador expôs as suas idéias de determinismo e panteísmo grosseiro.
O tema sempre repetido é: A majestade de Deus e a exclusividade da sua ação devem ser exaltadas pelo esmagamento do homem (W. W. XVIII: 711).
No terreno puramente católico o primeiro campeão que enfrentou o reformador foi o Dr. João Eck, o vencedor da discussão de Leipzig.
Dr. Eck, em corpo e alma, era a expressão da nobreza e da força.
Após a sua primeira vitória sobre Lutero, ofereceram-lhe dignidades, porém ele humildemente tudo recusou, dizendo desejar permanecer a vida inteiro um simples mestre-escola (Jansen Pastor VII. 593).
O nobre lutador católico suportou com paciência admirável as zombarias e as calúnias dos luteranos; lutou até à hora da morte, em 1543, em defesa da Igreja, e as exposições doutrinais do sábio bávaro triunfavam sobre todos os ataques adversos, ao ponto de o próprio Lutero jamais desejar discutir com ele, contentando-se em insultá-lo e zombar dele.
Entre vários livros de valor deixou o “Manual contra os luteranos!, que no ano 1600 já contava 50 edições.
Johan Cochleus foi outro batalhador antiprotestante.
No começo, quando Decano de Francfort , havia sido por um instante atraído e quase seduzido pela eloqüência de Lutero, porém em 1520 virou-lhe as costas e declarou-lhe uma guerra sem tréguas pela pena, publicando perto de 200 refutações ao erro.
É conhecido o seu livro “Lutero de sete cabeças”, em que demonstra as continuas contradições do reformador.
Os livros de Cochleus são uma fonte de preciosas informações, embora pareça ter caído algumas vezes no exagero, escutando a repulsa que lhe inspiravam os erros do adversário.
Outro inimigo perspicaz e ativo de Lutero foi o padre Johan Faber.
A princípio fez-se um testemunho mudo do movimento reformista; vendo, depois, porém, a má fé, as mentiras e as violências de Lutero, entrou na liça, vibrando à reforma golpes esmagadores e cheios de ciência e lógica, em três produções de valor que publicou de 1522 a 1530.
Em 1530 o Padre Faber foi nomeado Bispo de Viena, pelo Papa Clemente VII; ali continuou as polêmicas até 1541 quando veio a falecer.
Outro defensor dos direito da Igreja foi JORGE WITZEL. Seduzido um instante pelo escritos de ERASMO, este sacerdote instruído e sincero chegou a violar o voto do celibato, contraindo matrimônio; logo depois, porém, compreendeu os erros e voltou contrito ao seio da única Igreja verdadeira, formando-se um polemista indômito da verdade contra os erros em foco.
Nenhum outro antiluterano foi mais perseguido e atacado pelos protestantes, que se sentiram esmagados pela lógica e dialética vibrante dos mais de 1200 escritos do incansável polemista.
Muitos outros, Bispos e Sacerdotes, levantaram-se para defender o depósito divino da verdade, entre os quais convém assinalar o célebre jesuíta Pedro Canísio que mais tarde seria elevado às honras dos altares e proclamado Doutor da Igreja.
Infelizmente a decadência era grande para que esta legião de heróis pudesse salvar a sociedade que se debatia nas dúvidas do espírito, nas ambições do orgulho e na corrupção da carne.

5. “O MONGE” E OS FANÁTICOS
Em seu próprio partido iria o “chefe reformista” encontrar muitos inimigos.
É um dos fenômenos que sempre se manifestam entre os deformadores ou sectários de novidades mentirosas: o mestre põe os princípios; e os discípulos tiram conclusões, por ele não previstas, as quais destroem os seus próprios princípios.
São sequazes fanáticos, pretensos iluminados que não pretendem adotar um reforma, mas utilizá-la em proveito próprio.
Tais fanáticos encontraram extenso campo nas doutrinas de Lutero: SÓ A BÍBLIA, sem boas obras; interpretação individual, independente;; só a fé é necessária para a salvação; tudo isso era uma porta aberta para saírem do edifícios doutrinal que Lutero pretendia edificar e um meio de combater as suas próprias doutrinas.
Lutero apresenta-se aqui como uma anomalia curiosa: é um sectário e diz-se um iluminado de Deus. Ele mesmo o afirma se nega ao mesmo tempo.
Um recém pervertido, Möhler, perguntou-lhe certa vez se ele deixara definitivamente a Igreja Católica para seguir a sua próprio inspiração: “Não” responde o herege, “Eu nunca deixei a Igreja Católica. No papado há muito coisa boa, é ali que se encontra o verdadeiro Batismo, o Sacramento do Altar, o Catecismo verdadeiro... É no papado que se encontra o verdadeiro cristianismo” (Luther em Ochummenisckerr Sicht, Art. V. A. Hansen, pg. 92).
Ele reafirmou que sempre continuaria a ser membro desta Igreja. E, depois contradizendo-se, ajunta: “Só o Papa, diz ele, conforme a minha convicção, é o Anticristo, que corrompeu tudo na Igreja, e eis porque o ataco sem dó nem tréguas”.
Curiosa mentalidade! Um homem que suprimiu a Missa, a hierarquia, as indulgências, e tanta coisa mais, acusava-se de ter rejeitado unicamente o papado.
O pobre reformador eras visivelmente um desequilibrado, um obsesso, como o vimos verificando a cada página desta história.
Perguntando-se a Lutero quais os fanáticos, os heréticos de seu tempo, ele os indicou nestas palavras escritas certa vez a um amigo: “Para que pensas em teus pecados? Tivesses tantos pecados como os têm Zwínglio, Carlostadt e Münzer e todos os ateus, a fé em Cristo os apagaria todos”.
Examinando-se de perto o pensamento do reformador, verificamos ser a oposição às idéias dele ou o delas se afastar o único pecado possível aos seus discípulos, pois Lutero julgava-se chamado por Deus, outorgando-se o direito de condenar quem não pensasse como ele.

6. OS FALSOS AMIGOS DE LUTERO
Lutero recorreu a vários Padres e Frades apóstatas para estender a sua obra nefasta; como sempre acontece, porém, em tais questões, estes cooperadores não eram amigos de coração, mas simplesmente de interesse e de vício.
O orgulho e a sensualidade eram as duas escadas por meio das quais, apenas ambicionavam galgar posições, que de outro modo não poderiam conseguir.
Tais amigos eram mais imitadores dos exemplos de Lutero do que de sua doutrina, embora muito íntima fosse a relação entra as duas coisas.
Lutero ensinava que cada um poderia interpretar livremente a Bíblia, sob a inspiração do Espírito Santo, independente de qualquer autoridade.
Assim o doutrinava e assim procedia.
Era lógico que os seus companheiros fizessem como ele. Era um direito que lhe assistia e de que pretendiam aproveitar, fazendo-se cada qual doutrinador por própria conta e risco, sem consultar o mestre que se julgava o detentor exclusivo da reforma.
Isto era para o chefe o maior dos pecados.
Enquanto o monge apóstata dizia: “Eu possuo a inspiração do Espírito Santo”, os seus seguidores respondiam: “Nós também a possuímos”. E se acusavam mutuamente de interpretações errôneas e falsas da Sagrada Escritura.
Era a Babel da reforma; Carlostadt havia sido expulso de Wittemberg, na ocasião em que Lutero voltara de Wartburg. Daí, como judeu errante, percorreu vários lugares, entrou em relação com o rebatizador Tomás Münzer, e, enfim, fixou-se em Strasburgo. Encontrou ali braço forte em Zwínglio, Capito e Butzer , outros fanáticos, e começou logo as suas depredações, quebrando as imagens, destruindo altares, quadros e tudo o que a arte Católica havia acumulado como expressão de fé e piedade.
Pouco depois Lutero dirigiu as suas baterias contra Carlostadt: “É preciso tapar a boca deste diabo e de seus sequazes” diz ele, “Pode ser que ele não queira matar ou semear a revolta; neste momento, porém, devo dizer que tem um espírito assassino e revolucionário. É um diabo secreto e traidor.”
Falando sobre os companheiros de Carlostadt, Münzer e Valentin leckelsamer, o reformador acrescentou: “Que temos a fazer aqui com um homem irracional? A inteligência fica humilhada até à pele de um diabo, que não sabe senão blasfemar e profanar o que Deus diz e fez”
Polêmicas veementes e insultantes travavam entre si Lutero e seus antigos discípulos.
Enfim, Carlostadt e seus companheiros tiveram de ceder diante da violência dos ataques de seu mestre e, sobretudo, diante do poder civil que o apoiava.
Münzer não poupou Lutero. Eis um simples tópico escrito contra ele, zombando de seu orgulho: “Com toda a sua hipócrita humildade ele se apresenta como um papa, que entrega aos príncipes conventos e igrejas. Fala da “nossa proteção”, como se fosse um príncipe. E, seu orgulho apresenta-se, como se houvesse nascido estrela. O pretensiosíssimo sábio e doutor, o mentiroso Lutero, caça e persegue os demais. Como cão do inferno ou uma serpente que se arrasta por cima dos rochedos”.
Em outro lugar ele chama Lutero: “A virgem Martin”... Que virgem pura... o monge sem vergonha partidário dos ricos e suculentos festins”.
Lutero não se deixou suplantar em insultos, pois nisto era invencível.
A discussão tornou-se, sobretudo violenta contra Zwínglio.
Mandaram-se ambos, devotamente, ao diabo, cada qual com maior vontade. (Audin: Luther II. p. 356).
Em uma conferência, que tiveram em Marburg, insultaram-se com horríveis anátemas, tratando-se de: diabo, filho de satã, etc... E talvez os dois tivessem razão.
“Zwínglio é um individuo satanizado, insatanizado, supersatanizado”, dizia o chefe da reforma.
“Lutero está possuído do demônio, parece uma porco grunhindo, num jardim de flores”, retorquia Zwínglio. Ao saber da morte de Zwínglio que tombara no campo de batalha quando, à frente de suas tropas, tentava invadir a Suíça para protestantizá-la, o chefe exclamou: “É bom que Zwínglio a Carlostadt fique esmagados...
Zwínglio morreu como um assassino, porque quis forçar os outros a abraçarem os seus erros (Schlaginhhaufen Aufzeichnungem p. I).
E, assim por diante. Contentemos-nos com esta amostra da linguagem desabrida dos primeiros protestantes.

7. CONCLUSÃO
Neste ambiente, e graças ao impulso de tais homens é que o protestantismo se foi alastrando, para suscitar, em toda parte, o ódio, a perseguição, a dúvida e o ateísmo.
EX TRUCTIBUS EORAM COGNOSCETIS EOS: “Conhecê-los-eis pelo seus frutos”, havia dito do divino Mestre.
Desde Lutero até hoje o protestantismo vem sendo espalhado quase exclusivamente por sacerdotes apóstatas e pessoas viciadas, incapazes de se manterem na altura de sua dignidade e da virtude de seu estado.
Bastava assinalar estes fatos do exórdio do protestantismo: nem é preciso passo a passo seguir os seus progressos, na Alemanha, na Suíça, na Suécia e Noruega, na Holanda e noutros países onde foi penetrando, sempre baseado sobre os mesmos motivos e usando os mesmos meios, para se concluir com absoluta certeza:
- O protestantismo está viciado na base. Não é uma religião, mas um esforço destruidor de toda religião.
Reflitam os protestantes bons, mas iludidos e ignorantes, e julguem onde está a verdade: se com a eterna Igreja Católica Apostólica Romana ou com a seita de Lutero, Zwínglio, Carlostadt e outros fanáticos e viciados, que constituem uma vergonha para a sociedade, um nódoa negra para a história da Reforma e a prova sensível da falsidade da seita por eles promulgada.

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 9

MEDITAÇÃO IX.

SOLIDÃO DE JESUS NO ESTÁBULO.
Jesus, ao nascer, escolheu-se para ermitagem e oratório o estábulo de Belém; quis nascer fora da cidade, numa caverna solitária, para inspirar-nos o amor da solidão e do silêncio. Entremos nessa gruta, lá só acharemos solidão e silêncio: Jesus conserva-se silencioso na manjedoura; Maria e José o adoram e contemplam em silêncio. Foi revelado à Irmã Margarida do SS. Sacramento, carmelita descalça, apelidada a Esposa do Menino Jesus, que tudo o que se passou na gruta de Belém, mesmo a visita dos pastores e a adoração dos Santos Reis Magos se fez em silêncio.
O silêncio das outras crianças provém da sua impotência; o de Jesus Cristo foi uma virtude. Jesus Menino não fala; mas em seu silêncio, que não diz Ele? Oh! felizes os que se entretém silenciosamente com Jesus, Maria e José nessa santa solidão do presépio! Os pastores lá passaram poucos instantes e saíram inflamados de amor para com Deus louvando-o e bendizendo-o. Oh! feliz a alma que se retira à solidão de Belém para contemplar a divina misericórdia e o amor que um Deus teve e tem aos homens! Eu a levarei à solidão e falarei a seu coração. Lá o divino Infante lhe falará não aos ouvidos mas ao coração, e a convidará a amar um Deus que tão ternamente a ama. Ao ver a pobreza desse encantador ermitãozinho que fica na gruta gelada, sem lume, tendo apenas uma manjedoura por berço e um pouco de palha por leito; ao ouvir os vagidos e ao ver as lágrimas desse Menino, a inocência mesma; ao refletir que é o seu Deus, como poderia pensar em outra coisa senão em amá-lo? O estábulo de Belém, eis a doce ermida para a alma que tem fé.
Imitemos a Maria e José que, inflamados de amor, contemplam o adorável Filho de Deus revestido de carne e sujeito às misérias desta vida, o Sábio por excelência tornado criança sem palavra, o Grande feito pequeno, o Altíssimo tão rebaixa-do, o Riquíssimo feito tão pobre, o Todo-poderoso feito fraco. Numa palavra, vejamos a Majestade divina oculta sob a forma duma criancinha, desprezada e abandonada por todos, fazendo e sofrendo tudo para se tornar amável aos homens, e peçamos-lhe a graça de sermos admitidos nessa santa solidão; detenhamo-nos lá, lá fiquemos e de lá não saiamos mais. “Ó bela solidão, exclama S. Jerônimo, na qual Deus fala e conversa com as almas que ama”, não como um soberano, mas como um amigo, como um irmão, como um esposo! Oh! que paraíso, entreter-se a sós com Jesus Menino na humilde gruta de Belém!

Afetos e Súplicas.
Meu caro Salvador, sois o Rei do céu, o Rei dos reis, o Fi-lho de Deus; como pois vos vejo nesse estábulo abandonado de todos? junto de vós só vejo José e vossa santa Mãe. Desejo juntar-me a eles para vos fazer companhia; não me repilais. Sou indigno disso; mas considerando-vos parece-me ouvir no fundo do meu coração uma doce voz que me chama... Sim, venho a vós, ó querido Infante! deixo tudo para ficar a sós convosco durante toda a minha vida, ó divino Solitário, único amor de minha alma! Insensato que fui no passado, quando vos abandonei, meu Jesus, e vos deixei só, para mendigar das cria-turas prazeres miseráveis e envenenados; mas agora, aclarado pela vossa graça, não tenho outro desejo senão de viver solitário convosco, que quereis viver solitário neste mundo. Ah! quem me dará assas como as da pomba, e voarei ao lugar do meu repouso. Quem me dará a força de sair deste mundo, onde tantas vezes encontrei a minha ruína, de fugir, e de ficar sempre convosco, que sois a alegria do paraíso e o verdadeiro amigo da minha alma? Senhor, prendei-me a vossos pés, a fim que me não afaste mais de vós, e tenha a felicidade de vos fazer sempre companhia. Pelos méritos de vossa solidão na gruta de Belém, concedei-me um contínuo recolhimento interior, fazei que minha alma se torne como uma cela solitária, onde, unicamente atento em entreter-me convosco, eu vos sub-meta todos os meus pensamentos e todas as minhas ações, vos consagre todos os meus afetos, e vos ame sem cessar, suspirando pelo momento de sair da prisão do meu corpo para ir amar-vos face a face no céu. Amo-vos, Bondade infinita, e espero amar-vos sempre no tempo e na eternidade.
Ó Maria, que tudo podeis, pedi a Jesus me prenda com as cadeias de meu amor, e não permitais me suceda perder novamente a sua graça.

1 de janeiro de 2014

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Oitava de Natal e Dias Seguintes até Epifania - Meditação 8

MEDITAÇÃO VIII.

SOBRE O NOME DE JESUS
O nome de Jesus é um nome divino, anunciado a Maria da parte de Deus por S. Gabriel: Dar-lhe-eis, disse o anjo, o nome de Jesus. Também está escrito que é um nome superior a to-dos os nomes, e o único em que podemos achar a salvação.
Esse grande nome é, pelo Espírito Santo, comparado ao óleo; Vosso nome é um óleo derramado. A razão disso é que, segundo S. Bernardo, como o óleo é uma luz, um alimento, um remédio, assim o nome de Jesus é uma luz para o nosso espírito, um alimento para o nosso coração e um remédio para nossa alma.
É uma luz para o nosso espírito. Por esse nome o mundo passou das trevas da idolatria à luz da fé. Nós que nascemos em países cujos habitantes eram pagãos antes da vinda do Messias, se-lo-íamos como eles, se Jesus não nos viesse ilu-minar. Quantas graças não devemos pois render a Jesus Cristo pelo dom da fé! Que seria de nós, se tivéssemos nascido na Ásia, na África ou em algum país, onde reina a heresia, o cis-ma? Quem não crer, será condenado. estaríamos, pois, provavelmente perdidos.
Ademais, o nome de Jesus é um alimento para o nosso coração. De fato, esse nome adorável recorda-nos o que nosso divino Redentor fez e sofreu para salvar-nos, e por isso nos consola nas tribulações, nos dá a força de caminhar na via da salvação, reanima nossa confiança nas dificuldades, e informa-nos de amor a Deus.
Enfim, esse grande nome é ainda um remédio para nossa alma; fortifica-nos contra as tentações e os ataques de nossos inimigos. Os poderes infernais tremem e fogem, quando se invoca esse santo nome; é a doutrina do Apóstolo: Ao nome de Jesus dobra-se todo o joelho ao céu, na terra e nos infernos. Quem se vir tentado a invocar a Jesus, não cairá; quem o invocar jamais caíra, será salvo: Louvarei e invocarei o Senhor, cantava o salmista, e estarei livre dos meus adversários. Quem jamais se perdeu depois de haver invocado o nome de Jesus nas tentações? Perde-se quem o não chama em seu auxílio, que cessa, de o fazer nas tentações mais persistentes.

Afetos e Súplicas.
Ó meu Jesus, se vos tivesse eu sempre invocado, não te-ria sido jamais vencido pelo demônio. tive a infelicidade de per-der a vossa graça porque, nas tentações deixei de pedir o vosso auxílio. Agora ponho toda a minha confiança no vosso santo nome: Tudo posso naquele que me conforta. Gravai, meu Salvador, gravai em meu coração o vosso poderoso nome de Jesus, a fim de que, tendo-o sempre no coração pelo amor, eu o tenha também sempre nos lábios e o invoque nos assaltos com que o inferno me ameaça para tornar-me novamente seu es-cravo e separar-me de vós. No vosso nome acharei todos os bens: se eu estiver aflito, me consolará recordando-me que muito mais vos afligistes por meu amor; se os meus pecados abalarem a minha confiança, me animará lembrando-me que viestes ao mundo para salvar os pecadores; se for tentado, me fortalecerá recordando-me que, se o inferno é poderoso para vencer-me, vós o sois mais para socorrer-me; se enfim me sentir frio no vosso amor, despertará o meu fervor, lembrando-me o quanto me amais. Amo-vos, meu Jesus! Vós sois, e espero, sereis sempre o meu único amor. Dou-vos todo o meu coração, ó meu Jesus, quero amar unicamente a vós, e estou resolvido a invocar-vos o mais que me seja possível. Quero morrer tendo nos lábios o vosso santo nome, nome de esperança, nome de salvação, nome de amor!
Ó Maria, se me amais, espero de vós uma graça, a de invocar sempre o vosso santo nome com o de vosso divino Filho. Fazei que esses doces nomes sejam a respiração de minha alma, e que o repita sempre durante a vida, para redizê-lo ainda no último suspiro: Jesus e Maria, socorrei-me; Jesus e Ma-ria, eu vos amo: Jesus e Maria, em vossas mãos entrego a minha alma.

DIA I DE JANEIRO.

A circuncisão de Jesus e o sacramento do batismo.

Consummati sunt dies octo, ut circuncideretur Puer — “Foram cumpridos os oito dias para ser circuncidado o Menino” (Luc. 2, 21).

Sumário. A cerimônia da circuncisão era figura do sacramento do batismo. Podemos, por tanto, imaginar que Jesus Cristo, quando foi circuncidado, pensou em cada um de nós, e que oferecendo a seu divino Pai as primícias do seu sangue, desde então nos mereceu a graça de sermos regenerados pelo batismo. Oh, que dom inestimável é o do santo batismo! Como, porém, temos respondido a tamanho favor? Temos, por ventura, manchado a vestimenta branca da inocência?

I. Considera o Pai Eterno, que, tendo enviado seu Filho a fim de padecer e de morrer por nós, quer que no dia de hoje seja circuncidado e comece a derramar o seu sangue divino, para depois acabar de derramá-lo no dia da sua morte na cruz num, oceano de dores e desprezos. E porque? A fim de que esse Filho inocente pague assim as penas por nós merecidas. É, pois, com razão que a Igreja canta: Ó bondade admirável da misericórdia divina para conosco! Ó inestimável amor de compaixão! A fim de remires o homem entregaste teu Filho à morte! — Ó Deus eterno, quem seria capaz de fazer-nos esse dom infinito, senão Vós que sois a bondade infinita? E se, com o dom do vosso Filho, me destes o que mais caro possuíeis, justo é que eu miserável me dê todo a Vós.

Considera por outro lado o divino Filho, que, todo humilde e cheio de amor para conosco, abraça a morte amargosa, que lhe está destinada, para nos salvar, a nós pecadores, da morte eterna. De boa vontade começa hoje a satisfazer por nós à divina justiça, com o preço do seu sangue. — Nosso Senhor disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos.” (1) O amor, porém, de Jesus Menino foi muito além, porquanto, assim como diz São Paulo, Ele chegou a sacrificar a vida por nós, seus inimigos: Cum inimici essemus, reconciliati sumus Deo per mortem Filii eius (2)  — “Sendo inimigos de Deus, fomos com Ele reconciliados pela morte de seu Filho”.

Portanto, ó meu Jesus, é por meu amor que aceitastes a morte; e que farei eu? Continuarei porventura a ofender-Vos com os meus pecados? Não, Redentor meu, não mais quero ser-Vos ingrato; hoje quero com todas as veras começar a amar-Vos de todo o meu coração. Vós, porém, ó Deus todo-poderoso, concedei-me a graça para Vos ser fiel. “E já que me fizestes chegar ao começo deste ano, salvai-me pelo vosso poder, a fim de que no correr do mesmo não caia eu em nenhuma falta, e os meus pensamentos, palavras e obras tenham por único escopo fazer aquilo que com toda a justiça exigirdes de mim.” (3)

II. A cerimônia da circuncisão, no dizer dos Santos Padres, prefigurava o sacramento do batismo. É portanto bem a propósito considerarmos que Jesus Menino, quando se sujeitou à circuncisão, pensava em cada um de nós. Oferecendo então a Deus Pai as primícias do seu sangue, começou a merecer-nos a graça de sermos regenerados na fonte batismal. Oh, que dom inapreciável é o do santo batismo! Por meio d'Ele as nossas almas deixaram de ser escravas do demônio, condenadas ao inferno, e se tornaram filhas escolhidas de Deus e herdeiras ditosas do reino dos céus. — Mas, como é que nós temos respondido a tão grande favor?... Lancemos a vista sobre a nossa consciência e vejamos se jamais temos manchado a vestimenta branca da inocência, e prostrando-nos aos pés de Jesus Cristo renovemos os nossos votos do batismo. Para que depois os guardemos fielmente, consideremos cada dia que desponta, como se fosse o último da nossa vida. E, com efeito, meu irmão, quem sabe se ainda vereis o fim do ano que hoje começa?

Senhor meu amabilíssimo, prostrado na presença de vossa divina Majestade, agradeço-Vos o me haverdes adotado por filho no santo batismo. Quero hoje renovar (as promessas que Vos fiz naquele dia, e Vô-las ofereço tintas no sangue que Jesus por meu amor derramou na sua dolorosa circuncisão. Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espirito Santo, protesto que de todo o coração renuncio a Satanás, às suas pompas e às suas obras. Pesa-me de haver tantas vezes profanado pelos meus pecados o caracter de cristão, e juro que para o futuro Vos quero permanecer fiel. Ó anjos do paraíso, e em particular vós, ó meu anjo da guarda, que um dia anotastes as minhas promessas, sêde hoje novamente testemunhas desta minha resolução. Antes quero morrer do que faltar à promessa do meu batismo, e viver um instante na inimizade de Deus. Vós, ó meu Jesus, dai-me a santa perseverança; fazei-o pela intercessão do Santo cujo nome tomei na pia batismal; fazei-o pelo amor de São José e de Maria Santíssima, que no dia da vossa circuncisão ficaram tão aflitos vendo-Vos derramar pela primeira vez o vosso preciosíssimo sangue. (*II 386.)

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1. Io. 15, 13.
2. Rom. 5, 10.
3. Or. Eccl.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 105 - 108.)