11 de setembro de 2011

O Amor da Almas, S. Afonso de Ligório. CAPÍTULO V.

Amor de Jesus em se deixar a si mesmo como comida antes de ir à morte.

1. Sciens Iesus, quia venit hora eius, ut transeat ex hoc mundo ad Patrem, cum dilexisset suos... in finem dilexit eos (Io. XIII, 1). O amantíssimo nosso Redentor, na última noite de sua vida, sabendo que já chegara o suspirado tempo de morrer por amor do homem, não lhe sofreu o coração de abandonar-nos sós neste vale de lágrimas; mas, para não se separar de nós nem mesmo com a sua morte, quis deixar-nos todo a si mesmo em comida no Sacramento do altar: dando-nos com isso a entender que depois deste dom infinito não tinha nada mais que dar-nos para mostrar-nos o seu amor. In finem dilexit eos [1]. Explica Cornélio de Lápide com o Crisóstomo e Teofilato segundo o texto grego a palavra finem, e escreve: Quase dicat extremo amore et summe dilexit eos. Jesus neste Sacramento fez o último esforço de amor para com os homens, como diz Guerrico abade: Omnem vim amoris effudit amicis (Ser. I, de Asc.) [2].
E melhor foi isso expresso pelo sacro Concílio de Trento, que, falando do Sacramento do altar, disse que o nosso Salvador, nele, pôs para fora, por assim dizer, todas as riquezas do seu amor para conosco: Divitias sui erga homines amoris velut effudit (Sess. XIII, c. 2) [3]. Tinha, portanto, razão S. Tomás o Angélico em chamar este Sacramento, Sacramento de amor e o maior penhor de amor que nos podia dar um Deus: Sacramentum caritatis, summae caritatis Christi pignus est (Opusc. LVIII, cap. 25) [4]. E S. Bernardo o chamava amor amorum [5]. E S. Maria Madalena de Pazzi dizia que uma alma, depois de ter comungado, pode dizer consummatum est, esto é, o meu Deus tendo-me dado a si mesmo nesta comunhão não tem nada mais que dar-me [6]. Um dia esta santa perguntou a uma noviça no que tinha ela pensado após a comunhão. Respondeu ela: “No amor de Jesus”. - “Sim, replicou então a santa, quando se pensa do amor não se pode passar adiante, mas é preciso parar no amor.” [7]
Ó Salvador do mundo, e que ganhais dos homens que sois induzido a dar-lhes até vós mesmo em comida? E que vos restou agora a dar-nos depois deste Sacramento para obrigar-nos a amar-vos? Ah, meu Deus amantíssimo, iluminai-me para fazer-me conhecer qual excesso de bondade foi este de reduzir-vos a ser minha comida na santa comunhão. Se vós, portanto, todo a mim vos destes, é justo que também eu me dê todo a vós. Sim, meu Jesus, eu todo a vós me dou. Amo-vos sobre todo bem e desejo receber-vos para amar-vos mais. Vinde, pois, e vinde amiúde à minha alma e fazei-a toda vossa. Ah, quem pudesse deveras dizer-vos como vos dizia o enamorado S. Filipe de Neri no momento em que comungou por viático: “Eis o meu amor, eis o meu amor, dai-me o meu amor” [8].
2. Qui manducat meam carnem et bibit meum sanguinem, in me manet et ego in illo (Io. VI, 57). Diz S. Dionísio Aeropagita que o amor tende sempre à união do objeto amado [9]. E porque a comida se faz uma mesma coisa com quem a come, por isso o Senhor quis reduzir-se a comida, a fim de que nós, recebendo-o na santa comunhão, nos tornássemos uma mesma coisa com ele: Accipite et comedite, disse Jesus, hoc est corpus meum (Matth. XXVI, 26). Como se quisesse dizer, considera S. Jo. Crisóstomo: dixit, me comede, ut summa unio fiat (Hom. XV) [10]: Homem, alimenta-te de mim, a fim de que de mim e ti se faça uma só coisa [11]. Assim como duas ceras liquefeitas, diz S. Cirilo de Alexandria, unem-se, assim uma alma que assim comunga une-se com Jesus que Jesus está nela e ela em Jesus [12]. Ó meu amado Redentor, exclama aqui S. Lourenço Justiniano, e como pudestes chegar a amar-nos tanto que quisestes unir-nos de tal modo a vós, que do vosso e do nosso coração se fizesse um só coração? O quam mirabilis est dilectio tua, Domine Iesu, qui tuo corpori taliter nos incorporari voluisti, ut tecum unum cor haberemus! (De div. am. c. IV) [13].
Bem, pois, dizia S. Francisco de Sales, falando da santa comunhão: “O Salvador não pode ser considerado em nenhuma ação nem mais amoroso nem mais terno que nesta, na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a comida para penetrar nas nossas almas e unir-se ao coração dos seus fiéis” [14]. De modo que, diz S. Jo. Crisóstomo, àquele Senhor, no qual não ousam os anjos nem fixar os olhos, Huic nos unimur, et facti sumus unum corpus, uma caro [15]. Mas qual pastor, ajunta o santo, apascenta as suas ovelhinhas com o próprio sangue? As mesmas mães dão os seus filhos às nutrizes para alimentá-los; mas Jesus no Sacramento nos alimenta com o seu próprio sangue e a si nos une: Quis pastor oves próprio pascit cruore? Et quid dico pastor? Matres multae sunt, quae filios aliis tradunt nutricibus: hoc autem ipse non est passus, sed ipse nos proprio sanguine pascit (Hom. LX) [16]. Em suma, diz o santo, ele, porque ardentemente nos amava, quis fazer-se nosso alimento e uma mesma coisa conosco: Semetipsum nobis immiscuit, ut unum quid simus: ardenter enim amantium hoc est (Hom. LXI) [17].
Ó amor infinito, digno de infinito amor! Quando vos amarei, meu Jesus, como vós me amastes? Ó alimento divino, Sacramento de amor, quando me atraireis todo a vós? Vós não tendes mais o que fazer para fazer-vos amar por mim. Eu quero sempre começar a amar-vos, sempre vo-lo prometo, mas nunca começo. Quero começar desde hoje a amar-vos de verdade, ajudai-me vós. Iluminai-me, inflamai-me, desprendei-me da terra e não permitais que eu resista ainda a tantas finezas do vosso amor. Eu vos amo com todo o coração, e por isso quero deixar tudo para dar-vos gosto, minha vida, meu amor, meu tudo. Quero unir-me frequentemente convosco neste Sacramento, para desprender-me de tudo e amar-vos só a vós, meu Deus. Espero, pela vossa bondade, fazê-lo com a vossa ajuda.
3. Diz S. Lourenço Justiniano: Vidimus sapientem amoris nimietate infatuatum [18]: vimos um Deus, que é a própria sabedoria, tornado louco pelo muito amor pelos homens. E acaso não parece uma loucura de amor, exclama S. Agostinho, um Deus dar-se por alimento às suas criaturas? Nonne insânia videtur dicere: Manducate meam carnem, bibite meum sanguinem? [19] E que mais poderia uma criatura ter dito ao seu Criador? Audebimus et loqui, quod auctor omnium prae amatoriae bonitatis magnitudine extra se sit [20]: Fala assim S. Dionísio (V. de div. nom. c. 4) e diz que Deus, pela grandeza do seu amor, quase saiu fora de si, enquanto chegou a, sendo Deus, fazer-se homem, e até alimento dos homens. - Mas, Senhor, um tal excesso não era decente à vossa majestade. - Mas o amor, responde por Jesus S. Jo. Crisóstomo, não procura razão quando procura fazer bem e fazer-se conhecer ao amado; ele não vai onde lhe convém, mas onde é levado pelo seu desejo: Amor ratione caret, et vadit quo ducitur, non quo debeat (Serm. CXLVII) [21].
Ah meu Jesus, quanto me envergonho em pensar que, tendo à frente vós, bem infinito, amável sobre todo bem e tão enamorado pela minha alma, eu me voltei a amar bens vis e mesquinhos, e por eles deixei-vos. Ah, meu Deus, descobri-me sempre mais as grandezas da vossa bondade, a fim de que eu sempre mais me enamore de vós e me afadigue em dar-vos gosto. Ah meu Senhor, e qual objeto mais belo, melhor, mais santo, mais amável posso eu amar fora de vós? Amo-vos, bondade infinita, amo-vos mais do que a mim mesmo, e quero viver só para amar-vos, a vós que mereceis todo o meu amor.
4. Considera então S. Paulo o tempo no qual Jesus nos fez esse dom do Sacramento, dom que avança todos os outros dons que nos pode fazer um Deus onipotente, como fala S. Clemente: Donum transcedens omnem plenitudinem [22]. E S. Agostinho diz: Cum esset omnipotens plus dare non potuit [23]. Nota o Apóstolo dizendo: Dominus Iesus in qua nocte tradebatur accepit panem, et gratias agens fregit et dixit: Accipite et manducate, hoc est corpus meum quod pro vobis tradetur (I Cor. XI, 23, 24). Naquela mesma noite, então, na qual os homens pensavam em preparar para Jesus tormentos e morte, o amante Redentor pensou em deixar-lhes a si mesmo no Sacramento; dando-nos a entender que o seu amor era tão grande, que em vez de esfriar-se com tantas injúrias, mais ainda que nunca avançou-se em nossa direção. - Ah Senhor amorosíssimo, e como pudestes amar tanto os homens que quisestes permanecer com eles na terra para ser o seu alimento, depois que eles vos perseguiam com tanta ingratidão?
Note-se mais ainda o desejo imenso que teve Jesus na sua vida, que chegasse aquela noite que tinha destinado para deixar-nos este grande penhor do seu amor; pois que, em ponto de instituir este dulcíssimo Sacramento, disse: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum (Luc. XXII, 15). Palavras com as quais nos revelou o ardente desejo que ele tinha de se unir conosco na comunhão pelo amor que nos tinha: Flagrantissimae caritatis est vox haec, diz S. Lourenço Justiniano [24]. E o mesmo desejo ainda conserva Jesus hoje em dia para com todas as almas que o amam. Não se encontra abelha, disse ele um dia a S. Matilde, que com tanto ímpeto se lança sobre as flores para sugar-lhes o mel, quanto eu por violência de amor venho à alma que me deseja [25].
Ó amante por demais amável, a vós não restam provas maiores a me serem dadas para persuadir-me de que me amais. Agradeço a vossa bondade. Atraí-me, meu Jesus, todo a vós: fazei que eu vos ame de hoje em diante com todo o meu afeto e com toda a ternura. Baste aos outros o amar-vos com amor somente apreciativo e predominante: bem sei que vós vos contentais com isso; mas eu não me considerarei contente se não quanto vir que vos amo ainda com toda a ternura, mais que amigo, mais que irmão, mais que pai e mais que esposo. E onde poderei eu encontrar para mim um amgo, um irmão, um pai, um esposo que me ame tanto quanto me amastes vós, meu Criador, meu Redentor e meu Deus, que por meu amor destes o sangue e a vida, e depois vos destes todo a mim neste sacramento de amor? Amo-vos, portanto, meu Jesus, com todos os meus afetos, amo-vos mais do que a mim mesmo. Ajudai-me a amar-vos e nada mais vos peço.
5. Diz S. Bernardo que Deus não nos amou por outro motivo senão para ser por nós amado: Ad nihil aliud amavit Deus, quam ut amaretur (In Cant.) [26]. E por isso protestou o nosso Salvador que ele viera à terra para se fazer amar: Ignem veni mittere in terram (Luc. XII, 49). E, ó, que chamas de santo amor acende nas almas Jesus neste diviníssimo Sacramento! Dizia o V. P. D. Francisco Olímpio Teatino que nada é tão apto a inflamar os nossos corações para amar o sumo bem, quanto a santa comunhão [27]. Hesíqui chamava Jesus no Sacramento: Ignis divinus [28]. E S. Catarina de Siena viu um dia em mão de um sacerdote Jesus sacramentado em semelhança de uma fornalha de amor, da qual se maravilhava como não ficasse queimado o mundo todo [29]. - O altar é mesmo, diz Ruperto abade [30] com S. Gregório de Nissa, aquela adega onde a alma esposa é inebriada de amor pelo seu Senhor [31]; de tal modo que, esquecida da terra, docemente arde e consome-se de santa caridade. Introduxit me rex, diz a esposa dos Cânticos, in cellam vinariam, ordinavit in me caritatem. Fulcite me floribus, stipate me malis quia amore langueo (Cant. II, 4, 5) [32].
Ó amor do meu coração, Santíssimo Sacramento! Ó, que eu me recordasse sempre de vós, para esquecer-me de tudo e amar só a vós sem intervalo e sem reserva! Ah meu Jesus, tanto batestes à porta do meu coração, que finalmente entrastes, como espero! Mas já que entrastes, roubai todos os afetos que não tendem a vós. Empossai-vos de mim de tal modo que eu ainda possa dizer-vos, com o profeta, em verdade, de hoje em diante: Quid mihi est in caelo, et a te quid volui super terram? Deus cordis mei, et pars mea in aeternum (Os. LXXII, 25, 26) [33]: Meu Deus, e que outra coisa desejo senão vós nesta terra e no céu? Vós só sois e sereis sempre o único Senhor do meu coração e da minha vontade; e vós só haveis de ser toda a minha partilha, toda a minha riqueza nesta e na outra vida.
6. Ide, dizia o profeta Isaías, ide publicar por todo o mundo as amorosas invenções do nosso Deus para fazer-se amar pelos homens: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris, et dicetis in illa die: Confitemini Domino et invocate nomen eius: notas facite in populis adinventiones eius (Is. XII, 3, 4). E que invenções não encontrou o amor de Jesus para fazer-se amar por nós? Ele na cruz quis abrir-nos nas suas chagas tantas fontes de graças que, para recebê-las, basta pedir-lhe com confiança. E, não contente com isso, quis dar-nos todo a si mesmo no SS. Sacramento!
Ó homem, diz S. Jo. Crisóstomo, e por que és tão baixo e vais no teu amor com tanta reserva com aquele Deus que sem reserva se deu a si mesmo todo a ti? Totum tibi dedit, nihil sibi reliquit [34]. Isso mesmo foi o que fez Jesus no Sacramento do altar, diz o Angélico, onde ele nos deu tudo o que é e tudo o que tem: Deus in Eucharistia totum quod est et habet dedit nobis (Op. LXIII, c. 2) [35]. Eis, acrescenta S. Boaventura, aquele Deus imenso que o mundo não pode compreender, tornado nosso prisioneiro e cativo, para que nós o recebamos no nosso peito na santa Comunhão: Ecce quem mundus capere non potest, captivus noster est (In praep. Miss.) [36]. Por isso S. Bernardo, considerando isso, extático de amor, ia dizendo: O meu Jesus quis fazer-se hóspede inseparável do meu coração: Individuus cordis mei hospes [37]. E já que o meu Deus, concluía, quis gastar-se todo por meu amor, Totus in meos usus expensus [38], é razão, dizia, que eu todo quanto sou me empregue em servir-lhe e amá-lo.
Ah meu caro Jesus, dizei-me, que outra coisa vos resta a inventar para fazer-vos amar? E eu haverei de continuar a viver tão ingrato a vós como fiz até agora? Senhor, não o permitais. Vós dissestes que quem se alimenta das vossas carnes na comunhão viverá por virtude da vossa graça: Qui manducat me, et ipse vivet propter me (Io. VI, 58). Já que, então, não desdenhais que eu vos receba na santa comunhão, fazei que a minha alma sempre viva com a verdadeira vida da vossa graça. - Arrependo-me, ó sumo bem, de tê-la desprezado pelo passado; mas vos agradeço que me dais tempo para chorar as ofensas que vos fiz, e tempo para amar-vos nesta terra. Na vida que me resta eu quero colocar em vós todo o meu amor, e quero comprazer-vos o quanto eu posso. Socorrei-me, meu Jesus, não me abandoneis. Salvai-me pelos vossos méritos, e a minha salvação seja amar-vos sempre nesta vida e na eternidade.
Maria, minha mãe, ajudai-me ainda vós. Amém.


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NOTAS:

[1]: “In finem, scilicet vitae, id est usque ad mortem... Secundo, in finem, scilicet amoris et dilectionis, quasi dicat: Extremo amore, et summe dilexit eos.” CORNELIUS A LAPIDE, Commentaria in Ioannem, in h. 1. - “Viden quomodo relicturus eos vehementiorem amorem exhibeat? Illud enim, Cum dilexisset suos, in finem dilexit eos, hoc significat: nihil praetermisit eorum quae ardenter amantem oportet facere.” S. Io. CHRYSOSTOMUS, In Ioannem, hom. 70, n. 1. MG 59-381, 382. - “Relicturus enim illos, vehementiorem caritatem ostendit. Nam per hoc quod dicit, Cum dilexisset suos, usque ad finem dilexit eos, hoc vult, quod nihil omiserit eorum quae facere decet eum qui multum diligit.” THEOPHYLACTUS, Bulgariae Archiepiscopus, Enarratio in Evangelium Ioannis, cap. 13, v. 1. MG 124-146.

[2]: GUERRICUS Abbas, Sermo in die Ascensionis Domini, n. 1. ML 185-155.

[3]: “Sacramentum hoc instituit, in quo divitias divini sui erga homines amoris velut effudit.” CONCILIUM TRIDENTINUM, Sessio XIII, de Eucharistia, cap. 2.

[4]: S. THOMAS, Opusculum 58, cap. 25 et cap. 5. - Vedi Appendice, 6.

[5]: “Potesne aestimare quale vel quantum est hoc Sanctum sanctorum, et sacramentum sacramentorum, amor amorum, dulcedo omnium dulcedinum?” De Cena Domini alius sermo. Opera S. BERNARDI, Basileae, 1552, col. 188. - Questo sermone, il quale comincia: Panem angelorum manducavit homo, è del tutto diverso da quello, sullo stesso argomento, che dal Mabillon (ML 183-22, n. XXV, e 184-950) viene rigettato come del tutto alieno dallo stile e genio di S. Bernardo, e che comincia: Sedisti ad mensam divitis. Però non viene accettato, e neppur ricordato, dal medesimo Mabillon tra le Opere di S. Bernardo.

[6]: “Tomada em êxtase, enquanto ela contemplava aquelas palavras que disse Jesus Cristo na cruz, Consummatum est, frequentemente se sentia atrair e fecundar o ânimo e outros conceitos e devotos sentimentos; então, assim cheia de grande afeto, prorrompeu nestas palavras: ‘Quando a alma recebeu em si o Pão de vida no Santíssimo Sacramento do Altar, por aquela união estreita que nele fez com Deus, pode bem ainda dizer: Consummatum est. Naquele alimento celeste todos os bens se encontram, aí todos os desejos se realizam em Deus: e que mais pode a alma querer, se contém em si aquilo que todas as coisas contém? Se ela deseja a caridade, tendo tem si aquilo que é a perfeita caridade, Deus caritas est, vem a ter em si a perfeição desta caridade. Assim da viva fé e da esperança, da pureza, da paciência, da humildade, da mansidão; porque Cristo na alma, mercê deste alimento, produz todas as virtudes. E que pode mais querer e desejar a alma, se todas as virtudes, dons e graças que ela possa querer e desejar, estão encerradas naquele admirável Deus, que está verdadeiramente sob aquelas espécies sacramentais, como em verdade está estado à direita do Pai no paraíso? In quo sunt omnes thesauri sapientiae et scientiae Dei. Ó, ó, quanto bem, então, tendo e possuindo a alma este Deus em si, pode dizer com verdade: Consummatum est. Outra coisa não quer ela, não deseja outra coisa, outro não almeja que ele, o qual então todo se lhe é dado, comunicando-lhe consigo mesmo todos os seus bens.” PUCCINI, Vita, Firenze, 1611, parte 4, cap. 4.

[7]: “Dava ela uma vez os exercícios espirituais de S. Inácio a uma sua filhinha, e tendo esta feito a meditação da instituição do Santíssimo Sacramento, ao referir-lha, disse que havia parado em considerar o amor com que Jesus instituiu, e que não havia passado adiante; à qual palavra de amor, a Irmã Maria Madalena ficou tomada de êxtase, e replicou muitas fezes estas palavras: ‘Quando se para no amor, não se pode mais ir adiante, mas é preciso parar no amor’.” CEPARI E FOZI, S. I., Vita, cap. 48.

[8]: “Tão logo entrou Borromeu (Cardeal Frederico) na câmera com o Santíssimo Sacramento na mão, que o santo velho, subitamente - ainda que antes estivesse com os olhos fechados e parecesse morto - abriu os olhos, e com grande fervor de espírito disse em alta voz com muitas lágrimas: ‘Eis o meu amor! Eis todo o meu amor e todo o meu bem! Dai-me logo o meu amor!’ E isso dizia com tanto afeto que todos aqueles que estavam ali presentes choravam... Quando estava no ato de comungar, todo afervorado disse: ‘Vem, vem, ó Senhor! Vem, meu amor!’ e comungou.” BACCI, Vita, lib. 4, cap. 1, n. 4.

[9]: “Amorem, sive divinum, sive angelicum, sive spiritalem, sive animalem, sive naturalem dixerimus, vim quamdam sive potestatem copulantem et commiscentem intelligamus.” DIONYSIUS AREOPAGITA, De divinis nominibus, cap. 4, § 15.

[10]: “Propter te (ait Christus) sputa et alapas tuli, gloriam evacuavi, Patrem reliqui, et ad te veni, qui me odio habebas et aversabaris nec nomen meum audire volebas; persecutus sum et cucurri, ut te detinerem; univi et coniunxi te mihi: Comede me, dixi, bibe me... Comedor, in frusta concidor, ut multa sit coniunctio et commixtio et unio.” S. Io. CRYSOSTOMUS, (Brixio interprete, Venetiis, 1583: ut summa coniunctio, et commixtio atque unio fiat.) In Epistolam I ad Timotheum, homilia 15, n. 4. MG 62-586.

[11]: Nas edições anteriores a 1755 e na Romana (De' Rossi 1755), lê-se: “a fim de que de mim e ti se faça a maior união que seja possível.”

[12]: “Servator ipse: “Qui manducat meam carnem, inquit, et bibit meum sanguinem, in me manet, et ego in illo.” Hic enim animadvertere est operae pretium, Christum non dicere se dumtaxat in nobis futurum secundum relationem quamdam affectualem, sed et per participationem naturalem. Ut enim si quis ceram cerae indutam igne simul liquaverit, unum quid ex ambobus efficit, ita, per corporis Christi et pretiosi sanguinis participationem, ipse quidem in nobis, nos autem rursus in eo, simul unimur.” S. CYRILLUS ALEXANDRINUS, In Ioannis Evangelium liber 10, n. 2. MG 74-342.

[13]: “O quam mirabilis est dilectio tua, Domine Iesu, qui, antequam ascenderes in caelum, dimisisti homini potestatem ut te, qui velit, habeat in Altari, et tuo corpori taliter nos incorporare voluisti et sanguine potare pretioso, ut sic tuo inebriati amore, tecum unum cor, et unam animam haberemus inseparabiliter colligatam.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De incendio divini amoris, cap. 5. Opera, Venetiis, 1721, pag. 621, col. 2.

[14]: “Non, le Sauveur ne peut être consideré en une action ni plus amoureuse ni plus tendre que celle-ci, en laquelle il s' anéantit, par maniére de dire, et se réduit en viande, afin de pénétrer nos âmes et s' unir intimement au coeur et au corps de ses fidéles.” S. FRANCOIS DE SALES, Introduction à la vie dévote, partie 2, ch. 21. (Euvres, III, Annecy, 1893.

[15]: “Quod angeli videntes horrescunt, neque libere audent intueri propter amicantem inde splendorem, hoc nos pascimur, huic nos unimur, et facti sumus unum Christi corpus, et una caro.” S. IO. CHRYSOSTOMUS, Opera, V, Venetiis, 1574. Homilia 60 ad populum Antiochenum. - Alias: In Matthaeum, hom. 82 (al. 83), n. 5 MG 58-743.

[16]: “Quis pastor oves proprio pascit cruore? Et quid dico pastor? matres multae sunt quae, post partus dolores, filios aliis tradunt nutricibus: hoc autem ipse non est passus, sed ipse nos proprio sanguine pascit, et per omnia nos sibi coaugmentat.” Ibidem. - MG 58-744.

[17]: “Unum corpus sumus et membra, ex carne eius, et ex ossibus eius... Ut itaque non tantum per caritatem hoc flamus, verum et ipsa re in illam misceamur carnem, hoc per escam efficitur quam largitus est nobis, volens ostendere desiderium quod erga nos habet. Propterea semetipsum nobis immiscuit, et corpus suum in nos contemperavit, ut unum quid efficiamur, tamquam corpus capiti coaptatum: ardenter enim amantium hoc est.” S. Io. CHRYSOSTOMUS, Opera, V, Venetiis, 1574, Homilia 61 ad populum Antiochenum. - Alias: In Ioannem, hom. 46 (al. 45.) n. 2 et 3. MG 59-260.

[18]: “Adeamus cum fiducia, non ad thronum gloriae, sed ad diversorium humanitatis eius (specum Bethleemiticum)... Ibi namque agnoscemus exinanitam maiestatem, Verbum abbreviatum, solem carnis nube obtectum, et sapientiam amoris nimietate infatuatam.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, Sermo in festo Nativitatis Domini. Opera, Venetiis, 1721, pag. 328, col. 1.

[19]: “Recordamini Evangelium: quando loquebatur Dominus noster Iesus Christus de corpore suo... discipuli eius... expaverunt, et exhorruerunt sermonem, et non intelligentes putaverunt nescio quod durum dicere Dominum... Ille autem dicebat: Nisi quis manducaverit carnem meam et biberit sanguinem meum... Quasi furor iste et insania videbatur dare carnem meam et bibite sanguinem meum? Et dicens: Quicumque non manducaverit carnem meam, et biberit sanguinem meum, non habebit in se vitam, quasi insanire videtur. Sed.... insanire videtur... stultis et ignorantibus.” S. AUGUSTINUS, Enarratio in Ps. XXXIII, sermo 1, n. 8. ML 36-505.

[20]: “Est praeterea divinus amor extaticus, qui non sinit esse suos qui sunt amatores, sed eorum quos amant... Audendum est hoc etiam pro veritate, dicere quod ipsemet omnium Auctor, pulchro et bono omnium amore, propter excellentiam summam amatoriae bonitatis, extra se per providentias omnium rerum exsistit (verbo ad verbum extra se... fit), et bonitate atque dilectione et amore veluti delinitur et oblectatur (proprie: attrahitur, quadam nempe quasi incantatione).” DIONYSIUS AREOPAGITA, De divinis nominibus, cap. 4, § 13. MG 3-711.

[21]: “Quid erit, quid debeat, quid possit, non respicit ius amoris. Amor ignorat iudicium, ratione caret, modum nescit. Amor non accipit de impossibilitate solatium, non accipit de difficultate remedium. Amor, nisi ad desiderata pervenerit, necat amantem; et ideo vadit quo ducitur, non quo debeat. Amor parit desiderium, gliscit ardore, ardor ad inconcessa pertendit.” S. PETRUS CHRYSOLOGUS (non già S. Gio. Grisostomo), Sermo 147, De Incarnationis sacramento. ML 52-595.

[22]: “Et cum tam copiosa fuerit erga nos eius (Christi) munificentia, volens adhuc ipse in nobis suam exuberantem caritatem praecipua liberalitate monstrare, semetipsum nobis exhibuit, et transcendens omnem plenitudinem largitatis, omnem modum dilectionis excedens, attribuit se in cibum. Oh singularis et admiranda liberalitas, ubi donator venit in donum, et datum est idem penitus cum datore!” CLEMENS PP. V., (non già S. Clemente) in Concilio Viennensi, Clementinarum lib. 3, tit. 16, cap. unico: Si Dominum.

[23]: Lohner, Bibliotheca concionatoria, tit. 52, § 3, n. 32: “Audeo dicere quod Deus, cum sit omnipotens, plus dare non potuit; cum sit sapientissimus, plus dare nescivit; cum sit ditissimus, plus dare non habuit.” E é citada como fonte, “ S. Augustinus, in Ioannem, tract. 48”, onde não se encontra; como tampouco no tratado 84 (In Ioannem), ao qual refere Mansi, Bibliotheca moralis praedicabilis, tract. 26, discursus 8, n. 7: i.e. II, 201. Emprega as mesmas palavras, mas sem atribuí-las a S. Agostinho nem a outros, o Contenson, Theologia mentis et cordis, lib. 11, dissertatio 3, como título da Speculatio II.

[24]: “Vulnerati cordis et flagrantissimae caritatis est vox haec. Habet in se unde pascat ruminantes se.” S. LAURENTIUS IUSTINIANUS, De triumphali Christi agone, cap. 2. Opera, Venetiis, 1721, p. 229.

[25]: “Acordando uma noite do son, esta esposa de Cristo, e saudando com todo o coração o Senhor, viu aquele que, do palácio do céu vinha a ela, e aplicava o seu divino coração ao coração da alma, dizendo-lhe: ‘Nenhuma belha se lança tão avidamente nos verdejantes prados para eleger as doces flores, como faço eu vindo à tua alma, quando me chamas’.” Libro della spiritual grazia, delle rivelazioni della B. METILDE, Vergine, raccolto dal R. P. F. Gio. Lanspergio, lib. 2, cap. 4.

[26]: “Cum amat Deus, non aliud vult quam amari: quippe non ad aliud amat nisi ut ametur, sciens ipso amore beatos qui se amaverint.” S. BERNARDUS, In Cantica, sermo 83, n. 4. ML 183-1183.

[27]: Costumava dizer que não havia coisa que mais vivamente inflamasse o afeto e o amor dos homens, que este inefável sacramento, que sob um sutil véu de poucas espécies sacramentais, encerrava o mais puro miolo do céu, as delícias da divina caridade, os alimentos da vida, e o mesmo Deus.” Giuseppe SILOS, Vita del Ven. D. Francesco Olimpio, lib. 2. cap. 5.

[28]: “Quando.....ad divina et impolluta mysteria Christi.... admittimur, tum maiorem et accuratiorem temperantiam et mentis custodiam demonstrare debemus, ut ignis divinus, nempe corpus Domini nostri Iesu Christi, peccata nostra, et tam magnas quam exiguas sordes absumat.” HESYCHIUS, presbyter Hierosolyminatus, De temperantia et virtute, Centuria 1, n. 100. MG 93-1511.

[29]: “Ela não vinha nunca ao sacro altar sem que muitas coisas lhe fossem mostradas superiores aos sentidos, e singularmente quando ela recebia a sagrada comunhão, porque frequentemente via escondido nas mãos do sacerdote um bebê, às vezes uma criança um pouco maior, outra vez uma fornalha de fogo ardente, na qual lhe parecia que entrava o sacerdpte até que tomava o Sacramento.” B. RAIMONDO da Capua, O. P., Vita, parte 2, cap. 6, n. 3.

[30]: Não expressamente este versículo dos Cânticos: Introduxit me in cellam (II, 4), mas o precedente: Sub umbra illius quem desideraveram, sedi, et fructus eius dulcis gutturi meo (II, 3), aplica Ruperto ao sacramento da Eucaristia, dizendo: “Ubi tempus venit huiusce fructus edendi, accipiens panem et vinum, et benedicens: Accipite, inquit, et comedite, hoc est corpus meum. Accipite et bibite hic est sanguis meus (Matt. XXVI).” RUPERTUS Abbas, Commentaria in Cantica Canticorum, lib. 1. ML 168-860.

[31]: “Introducite me in cellam vinariam... Rogat (anima) ut deducatur ad ipsam cellam vinariam, et ipsis torcularibus os subiiciat, et dulce vinum scatens aspiciat, botrumque qui exprimitur in torcularibus, et vitem illam quae hunc botrum alit, et verae illius vitis agricolam, qui adeo optimum et suavem efficit botrum... Cupit ingredi domum, in qua est vini mysterium ac sacramentum.” S. GREGORIUS NYSSENUS, In Cantica Canticorum, hom. 4. MG 44-846.

[32]: Introduxit me rex in cellaria sua. Cant. 1, 3. - Introduxit me in cellam vinariam, ordinavit etc. Cant. II, 4, 5.

[33]: Quid enim mihi est in caelo? et a te quid volui super terram? Defecit caro mea et cor meum: Deus cordis mei, et pars mea Deus in aeternum. Ps. LXXII, 25, 26.

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