CAPÍTULO XXXII
Como Santo Antônio fez que falasse um morto para livrar da forca a seus pais
De outra vez, o demônio, para afligir o servo de Deus Santo António, empenhou toda a sua astúcia e mentira. E foi assim: Fez que, em Portugal, na cidade de Lisboa, certo homem cruel, noite velha, depois de ter matado a um seu inimigo levasse o cadáver e o atirasse para o quintal dos pais do Santo que ali moravam na cidade, e depois fugisse.
No dia seguinte, ao amanhecer, os vizinhos, vendo o sangue espalhado pela rua, procuraram a um e outro lado a ver o que teria acontecido, e foram dar com o cadáver junto da casa dos pais de Santo Antônio.
Chegou o caso aos ouvidos do Regedor das Justiças, e veio ele mai-los seus esbirros e com grande fúria prenderam o pai e a mãe do servo de Deus.
Como inocentes e bons cristãos que eram, bem se escusavam eles por todos os modos que podiam; mas em vão, pois os não acreditaram. E, levados à cadeia, foram julgados dali a dias e condenados a morrer na forca.
Àquele tempo pregava o servo de Deus em Itália, e por divina revelação soube do sucedido. Movido de piedade para com os seus aflitos pais, foi ter com o guardião e humildemente lhe pediu a bênção e companheiro para se ir imediatamente a Portugal onde o chamava negócio urgente.
E o guardião caritativamente lhe deu por companheiro um frade devoto e santo. E, partindo-se ao cair da noite, na manhã seguinte estavam às portas de Lisboa.
E, entrando na cidade, encontrou o Santo a seus pais já condenados a morrer na forca. Correu logo numa angústia a falar com o Regedor das Justiças. Começou de repreendê-lo da sentença iníqua que tinha dado, condenando à morte inocentes que eram sem culpa.
E o Regedor que por outiva e experiência sabia da santidade de Antônio respondeu:
— “Ó Frei Antônio, se fores capaz de apresentar provas legítimas ou testemunho suficiente da inocência de teus pais, fica certo de que os soltarei com sumo gosto, e nenhum mal virá sobre eles.
Agora se tanto não puderes, então preciso é que se cumpra justiça, pois em casa deles foi encontrado o morto”.
Santo Antônio, com firmíssima esperança na clemência divina, tornou-lhe:
— A prova mais certa e verdadeira será perguntar ao defunto se foram meus pais que lhe deram a morte. Se responder que sim, pois faça-se justiça; mas se responder que estão sem culpa, dar-lhe--ás a liberdade.
Quer o Regedor quer o povo consentiram com proposta tão maravilhosa e razoável, e partiram-se todos dali donde estavam, para a sepultura do morto, já desde há dias enterrado.
E o servo de Deus Santo Antônio, pondo-se primeiro em oração, suplicou à misericórdia divina viesse em seu auxílio naquela grande aflição. E acabada que foi a reza, levantou-se cheio de fé e bradou em alta voz:
— Ó homem, por virtude de Deus omnipotente e da parte do misericordioso Jesus te ordeno que digas se foram meus pais que te mataram.
Maravilha estupenda e admirável! Tão depressa o servo de Deus impôs aquela ordem, logo o homem enterrado desde há dias, não podendo resistir à palavra do fiel servo de Deus, do fundo da sepultura respondeu em alta e clara voz, a dizer:
— Esses, que são condenados por causa da minha morte, estão inocentes e sem culpa.
Ao ouvir tal resposta, o Regedor com os mais circunstantes ficaram abismados com tão grande milagre. E o Santo disse então para o morto:
— Agora dorme em paz, e louvado seja Deus que livrou os inocentes!
E quis o Regedor que Santo Antônio mandasse ao morto dissesse quem fora então o assassino autor da sua morte. Mas o Santo recusou-se:
— Vim a livrar inocentes e não a acusar homicidas. A mim me basta o que é feito e dito.
E foi muita a alegria dos pais do Santo quando logo os soltaram; e juntos com o Santo António renderam a Deus louvor e glória.
E Santo Antônio, depois de os ter confortado, pedindo-lhes a bênção se partiu.
E no dia seguinte estava de volta em Itália, levado nas mãos dos Anjos. Em louvor e glória de Deus omnipotente. Amém.
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