31 de janeiro de 2010

SANTA MISSA EXPLICADA - PARTE 8

A MISSA DE SÃO PIO V EXPLICADA

Fontes:
- Explicações sobre as partes da Missa: "Curso de Liturgia" - Pe.Reus;
- Citações: "Suma Teológica", de Santo Tomás de Aquino; e "Missal Quotidiano e Vesperal", de Dom Gaspar Lefebvre;

PARTE VIII - CÂNON - ORAÇÕES DEPOIS DA CONSAGRAÇÃO

“Unde et Memores”

O Unde et memores (anamnese = recordação). "Fazei isto em memória de mim" são as palavras do Senhor. O celebrante em nome do clero (servi tui) e dos fiéis (plebs tua) cumpre esta vontade divina de três modos, pela recordação verbal, real e simbólica. Com palavras repassadas de gratidão enaltece durante o sacrifício incruento em primeiro lugar o mistério do sacrifício cruento, a saber, a sagrada paixão e depois também a glorificação do Redentor. Anuncia, como quer S. Paulo (I Cor 11, 26), "a morte do Senhor". Antigamente, às vezes, se acrescentavam os mistérios da incarnação, do nascimento ou do segundo advento. Porém havia sempre reação contra êstes acréscimos menos aptos.

A recordação real já se efetuou na consagração. Contudo o celebrante torna a fazê-la oferecendo em sacrifício a vítima pura, a vítima santa, a vítima imaculada, o pão santo e o cálix da salvação. A recordação simbólica pode-se ver pelas cinco cruzes que acompanham as últimas palavras e lembram a morte na cruz e as cinco santas chagas.

Unde et mémores, Dómine, nos servi tui sed et plebs tua sancta, ejúsdem Christi Fílii tui Dómini nostri tam beatæ passiónis, nec non et ab ínferis resurrectiónis, sed et in cælos gloriósæ ascensiónis: offérimus præcláræ majestáti tuæ de tuis donis ac datis, hóstiam puram, hóstiam sanctam, hóstiam immaculátam, Panem sanctum vitæ ætérnæ, et Cálicem salútis perpétuæ.

Por este motivo, Senhor, nós, vosso servos, e o vosso povo santoa, recordando a feliz Paixão do mesmo Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, bem como a sua Ressurreição de entre os mortos e a usa gloriosa Ascenção aos céus, oferecemos à vossa preclara Majestade, dos dons de que Vós próprio nos fizestes mercê, a hóstia pura, hóstia santa, hóstia imaculada, o pão santo da vida eterna e o cálix da eterna salvação.

“4ª etapa da Paixão: A própria paixão de Cristo. Por isso, para simbolizar as cinco chagas, traçam-se uma quarta vez cinco cruzes, ao se proferirem as palavras: “hostiam puram, hostiam sanctam, hostiam immaculatam, panem sanctum vitae aeternae, et calicem salutis perpetuae” (“hóstia pura, hóstia santa, hóstia imaculada, o pão santo da vida eterna e o cálice da salvação perpétua”)” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3).

“Supra quae”

O Supra quae. De novo o celebrante pede a Deus que se digne aceitar êste sacrifício, "com rosto propício e sereno" corno aceitou os sacrifícios prefigurativos antigos de Abel, que ofereceu um cordeiro, de Abraão, que ofereceu o seu filho, e de Melquisedeque, que ofereceu pão e vinho, e que se digne conceder aos suplicantes as virtudes da inocência, da fé firme e da santidade, com que êstes três santos varões agradaram a Deus e se ofereceram em holocausto.

Supra quæ propítio ac seréno vultu respícere dignéris: et accépta habére, sícuti accépta habére dignátus es múnera púeri tui justi Abel, et sacrifícium patriárchæ nostri Abrahæ: et quod tibi óbtulit summus sacérdos tuus Melchísedech, sanctum sacrifícium, immaculátam hóstiam.

Sobre estas ofertas, dignai-Vos lançar olhar propício e complacente; aceitai-as, assim como Vos dignastes aceitar os dons do justo Abel, vosso servo, o sacrifício de Abraão, nosso pai, e que vos ofereceu o vosso sumo sacerdote Melquisedeque, sacrifício santo, hóstia imaculada.

“Ainda que este sacrifício em si mesmo seja superior a todos os sacrifícios antigos, contudo estes foram muito agradáveis a Deus por causa da devoção de quem os oferecia. Portanto, o sacerdote pede que este sacrifício seja aceito por Deus, em vista da devoção dos que o oferecem. Assim como foram aceitos os sacrifícios antigos” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.4 ad8).

“Supplices”

O Supplices. Não contente com a própria santidade, o sacerdote, humildemente inclinado, pede que um anjo leve a oferta à presença da divina Majestade e que os fiéis, pelo santo sacrifício, sejam "cheios de toda a bênção celeste e graça". A estas palavras o celebrante se benze, como para tomar parte nesta bênção divina.

O anjo de que aqui se fala é um, ou, em sentido coletivo, o côro dos espíritos celestes. Pois a eles, conforme a revelacão (Apoc 8, 3), compete este serviço sublime. Alguns julgam que este anjo seja Jesus Cristo, "o anjo do testamento" (Mal 3, 1). Mas as Liturgias orientais falam dos anjos em geral. Outros vêem no anjo o Espírito Santo. Mas esta explicação é hipótese duvidosa.

Súpplices te rogámus, omnípotens Deus: jube hæc perférri per manus sancti Angeli tui in sublíme altáre tuum, in conspéctu divínæ majestátis tuæ: ut quoquot ex hac altáris participatióne sacrosánctum Fílii tui Corpus, et Sánguinem sumpsérimus, omni benedictióne cælésti et grátia repleámur. Per eúmdem Christum Dóminum nostrum. Amen.

Suplicantes Vos rogamos, Deus omnipotente, façais que estas ofertas sejam levadas pelas mãos do vosso santo Anjo para o vosso sublime altar, à presença da vossa divina Majestade, a fim de que todos nós, que, comungando deste altar, recebermos o sacrossanto Corpo e Sangue do vosso Filho, sejamos cumulados de todas as bênçãos e graças celestes. Por Jesus Cristo Senhor nosso. Ámen.

“5ª etapa da Paixão: Os suplícios do corpo e o derramamento do sangue, e o fruto da paixão são simbolizados por meio das três cruzes traçadas com as palavras: “corpus et sanguinem sumpserimus, omni benedictione” (“a fim de que recebendo o corpo e sangue sejamos repletos de toda bênção”)” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3).

“O sacerdote não pede que sejam levadas ao Céu as espécies sacramentais, nem o Corpo real de Cristo, que não cessa de lá estar presente. Mas pede isto para o Corpo Místico, que é significado neste sacramento, isto é, para que o anjo, presente aos divinos mistérios, apresente a Deus as orações dos fiéis e do sacerdote, conforme o dito do Apocalipse: “E a fumaça dos perfumes, com as orações dos santos, subiu diante de Deus pelas mãos do anjo” (Ap VIII, 4). Pois, “o sublime altar de Deus” significa ou a própria Igreja triunfante, para a qual pedimos ser transportados; ou o mesmo Deus, a quem pedimos ser unidos. Pois, é dito deste altar: “Não subirás a meu altar por degraus” (Ex XX, 26), isto é: “não farás degraus na Trindade”. Ou pelo anjo se entende o próprio Cristo, que é o “Anjo do Grande Conselho”, que une seu Corpo Místico a Deus Pai e à Igreja triunfante” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.4 ad9).

“Memento etiam”

O Memento dos mortos. Tendo rezado na oração procedente pelos vivos, o celebrante lembra-se etiam, também, das almas no purgatório. É esta recordação o resto da leitura dos dípticos antigos. Mas reza só pelos que, com caráter do batismo (signo fidei), em paz com Deus e com a Igreja (in somno pacis), passaram para a eternidade. Tendo recomendado à divina misericórdia as pessoas designadas nomeadamente, suplica também por todos os fiéis.

A Igreja como boa mãe não esquece nem o mais desconhecido dos seus filhos.

Durante o Memento o celebrante olha para a S.hóstia como num gesto natural de se dirigir a Deus presente, e motivado pelo fato de serem os fiéis "in Christo quiescentes". Ao Per eundem Christum, inclina a cabeça, o único lugar na Liturgia, em que se prescreve a inclinação ao nome de Cristo.

Meménto étiam, Dómine, famulórum famularúmque tuárum N. et N., qui nos præcessérunt cum signo fídei, et dórmiunt in somno pacis.
Ipsis, Dómine, et ómnibus in Christo quiescéntibus, locum refrigérii, lucis et pacis, ut indúlgeas, deprecámur. Per eúmdem Christum Dóminum nostrum. Amen.

Lembrai-Vos também, Senhor, dos vossos servos e servas (NN. e NN.), que nos precederam, marcados com o sinal da fé, e agora dormem no sono da paz.
A estes, Senhor, e a todos aqueles que repousam em Cristo, Vos pedimos concedais misericordioso o lugar do refrigério, da luz e da paz. Pelo mesmo Jesus Cristo Senhor nosso. Ámen.

“Nobis quoque”

O Nobis quoque peccatoribus. O celebrante pede para si e para o clero o que acaba de desejar às almas do purgatório. Com muita humildade e batendo no peito se declara satisfeito com uma parte pequena (partem aliquam) da glória dos santos, confiando só na misericórdia divina (non aestimator meriti sed veniae largitor). Pelas palavras cum tuis sanctis Apostolis et martyribus a oração continha a série dos santos do Communicantes. Segundo Batifol (Leçons sur la Messe 229 sq) o papa Símaco deu-lhe a última redação. João, i.é, João Batista; que este João é o Batista é certo pela Liturgia de S. Tiago: "S. João, o profeta magnífico, precursor e Batista." Liturgistas orientais concedem que a palavra "mártires" do cânon romano se pode aplicar ao Batista (Inn. III P. L. 894; Sicardo P. L. 133; Durandus IV c. 46 n. 7. S. Aug. in P 5. 148 chama-o mártir); Alexandre I (+119); Marcelino, sacerdote romano (+304); Pedro exorcista romano (+304); Felicidade e Perpétua, duas mulheres de Cartago (+ 202), cuja festa se celebrava em Roma já pelos anos 330-350, fato comprovado pelo antigo calendário romano. Segundo alguns, Felicidade seria a matrona romana (23 de nov.). Agueda (+251) e Luzia (+ 304) são sicilianas; Inês, virgem romana de 13 anos (+304); Cecília (+203?); Anastásia, mártir, sepultada em Roma.

Nobis quoque peccatóribus fámulis tuis, de multitúdine miseratiónum tuárum sperántibus, partem áliquam, et societátem donáre dignéris, cum tuis sanctis Apóstolis et Martýribus: cum Joánne, Stéphano, Matthía, Bárnaba, Ignátio, Alexándro, Marcellíno, Petro, Felicitáte, Perpétua, Agatha, Lúcia, Agnéte, Cæcília, Anastásia, et ómnibus Sanctis tuis: intra quorum nos consórtium, non æstimátor mériti, sed véniæ, quaésumus, largítor admítte. Per Christum Dóminum nostrum.

A nós também, pecadores, vossos servos, confiados nas vossas infinitas misericórdias, dignai-Vos conceder entremos a fazer parte da sociedade dos vossos Santos Apóstolos e Mártires, João, Estêvão, Matias, Barnabé, Inácio, Alexandre, Marcelino, Pedro, Felicidade, Perpétua, Águeda, Lúcia, Inês, Cecília, Anastásia e todos os vossos Santos, em cujo consórcio Vos pedimos nos admitais com vossa liberalidade, não já em consideração dos nossos méritos, mas sim pela vossa indulgência.Por Jesus Cristo Senhor nosso.

“Per quem”

O Per quem haec omnia. A explicação mais simples mais sublime do texto atual vê nesta oração uma glorificação do Verbo divino. "Pelo qual", refere-se à terminação da oração precedente: "Por Cristo Senhor Nosso", que não conclui com "Amém". Deus criou pelo Verbo divino o pão, o vinho e a água (haec omnia) e ainda cria conservando-os (semper creas), santifica (pela consagração), fá-los alimento vivo e vivificante (vivificas), comunica a bênção essencial, i.é, a união íntima de Cristo com os seus membros místicos (benedicis; Bellarm. II. c. 26 de Missa), e os distribui (praestas nobis). É um hino de louvor ao poder e à liberalidade de Cristo eucarístico.

Quanto à origem e ao sentido primitivo, a hipótese mais provável vê nesta fórmula uma bênção ou a conclusão de uma bênção de frutos e outros objetos de uso humano e litúrgico. Provas encontram-se nos antigos sacramentários e nos ritos orientais. A bênção dos santos óleos na quinta-feira santa ainda subsiste. As cruzes faziam-se sôbre os objetos. A bênção nupcial provavelmente dada aqui, foi transferida para o fim do Padre Nosso.

Per quem hæc ómnia Dómine, semper bona creas, sanctíficas, vivíficas, benedícis, et præstas nobis.

Por Ele, Senhor, criais sempre todos estes bens, os santificais, vivificais, abençoais e no-los concedeis.

“6ª etapa da Paixão: A tríplice oração que Cristo fez na cruz, uma pelos pecadores, quando disse: “Pai, perdoai-lhes”, a segunda para livrar-se da morte, quando disse: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” e a terceira se refere à obtenção da glória, quando disse: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Para significar isso, fazem-se três cruzes com as palavras: “sanctificas, vivificas, benedicis” (“pela qual santificais, vivificais, abençoais”)” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3).

“Per ipsum”

O Per ipsum. Por Jesus Cristo, pelo qual tudo foi feito, com Jesus Cristo, que tudo conserva, em Jesus Cristo (Rom 11, 36), a quem tudo foi subordinado, e que é, por conseguinte, a hóstia mais sublime, presta-se a Deus o culto mais sublime, "tôda a honra e glória". O celebrante acompanha estas palavras com cruzes: três sôbre o cálix que contém o SS. Sangue, fora do cálix uma a Deus Padre que entregou seu Filho à morte na cruz, uma ao Espírito Santo que preparou a Vítima divina na incarnação. Às palavras omnis honor et gloria, elevam-se a hóstia e o cálix ao alto. Antigamente só havia esta única elevação, que agora tem o nome de "elevação menor". Assim termina o cânon belissimamente, com uma solene profissão de fé na SS. Trindade, e a solene conclusão: Per omnia saecula saeculorum. Amen.

Per ipsum, et cum ipso, et in ipso, est tibi Deo Patri omnipoténti, in unitáte Spíritus Sancti, omnis honor et glória.
Per ómnia saecula saeculórum.
Amen.


Por Ele, com Ele e n’Ele, a Vós, Deus Pai omnipotente, na unidade do Espírito Santo, é dada toda a honra e glória.
Por todos os séculos dos séculos.
Ámen.


“7ª etapa da Paixão: As três horas em que Cristo esteve pregado na cruz, isto é, da hora Sexta à nona. Para simbolizar isto, traçam-se três cruzes com as palavras: “per ipsum, et cum ipso et in ipso” (“por ele, e com Ele e n’Ele”)”

“8ª etapa da Paixão: A separação da alma e do corpo é representada por duas cruzes feitas em seguida fora do cálice” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3).

O latim, língua viva na Igreja

Ao cair da tarde de um dos dias primaveris do ano de 374, sobre a amurada de um dos navios ancorados no porto de Aquileia e prestes a levantar ferro, rumo a Dirráquio, um jovem de 27 anos aguardava, impaciente, o momento em que os escravos encarregados das mercadorias dos passageiros, corressem para as suas bagagens, que ele vigiava com olhar solícito e acrisolado carinho. A viagem ia ser longa e a sua equipagem, composta exclusivamente de preciosos pergaminhos latinos, reunidos em Roma «à custa de mil suores e fadigas», corria perigo.

Esse estudante, que doze anos antes, deixara a sua pequena pátria Estridónia, nas fronteiras da Dalmácia, para se ir matricular na Urbe entre os discípulos do célebre gramático romano, Élio Donato, e regressava agora com o espírito e as malas carregadas de erudição dos clássicos latinos, era Jerónimo - o homem que a Igreja havia de sublimar com a auréola de santo e a humanidade havia de saudar com o encomiástico nome de Cícero cristão.

Rijas batalhas devia ele travar com encarniçados impugnadores da cultura clássica, alguns dos quais, como Rufino, não hesitariam em acusá-lo de pagão, perjuro e infiel ao juramento prestado ante o tribunal de Deus.

Imunizava-o, porém, contra os ataques dos adversários do classicismo, o exemplo decidido de S. Paulo, o qual escrevendo a Tito empregou um hemistíquio heróico do poeta Epiménides, e noutra carta um verso senário de Menandro; e até duma inscrição, encontrada por acaso, se servira para a defesa da fé.

Por isso, o monge de Belém podia replicar aos que injustamente o arguíam: «Que admira que eu, encantado com a graça e beleza da sabedoria profana, tenha pretendido fazer dela uma israelita, de criada e escrava que era? Depois de a ter despojado de tudo o que tem de mortal, de tudo o que cheira a idolatria, a erros e a prazeres pecaminosos, não poderei eu, aliando-me com ela, torná-la fecunda para Deus?» .

Pensava acertadamente este humanista de gema, e a própria Igreja católica era a que lhe insuflava o mais estimulante incentivo, fazendo uso assíduo da língua e cultura do Lácio nas suas escolas e nos seus escritos.

A missão universal atribuída por Plínio à língua latina, não acabou com a queda do império romano; a Igreja católica, fazendo seu o idioma do Lácio, como que lhe comunicou a sua vitalidade perene, unitiva e pacificadora, servindo-se dele para evangelizar os povos e para criar a nova civilização cristã.

Os Apologetas e Padres Latinos, ao exararem suas obras na majestosa língua de Roma, transfundiram-Ihe nova seiva, criaram novos vocábulos, remoçaram-na, avigoraram-na e cerziram-na em moldes de mais ampla e moderna tessitura.
Minúcio Félix e S. Jerónimo, Tertuliano e S. Agostinho, S. Cipriano e S. Leão Magno, pela elegância do seu estilo rico e sonoro, pelo vigoroso poder de expressão verbal inconfundível, e pela beleza das páginas que criaram, podem não só competir com os escritores mais celebrados da época áurea de Roma, mas superam-nos, até, na sublime elevação do seu pensamento medularmente cristão.

E foram estes homens da Igreja, foram os humanistas, os filósofos e os teólogos cristãos, os que mais trabalharam, consciente ou inconscientemente, pela vitalidade imperecível do latim. Como subtilmente notou A. Bacci, «o latim não morreu, nem podia morrer, porque foi chamado a participar da mesma indefectível vida da Igreja».

Ninguém, mais do que os Pontífices romanos, tem enaltecido a importância do latim, e inculcado tão insistentemente o seu estudo teórico e prático.

Para só mencionar testemunhos mais modernos, citemos primeiramente as palavras exortatórias de Pio IX, na Carta Encíclica, Singulari quidem, aos Bispos do Império Austríaco, a 17 de Março de 1856: «Procurai com todas as veras, que principalmente nos vossos seminários, os jovens seminaristas se formem cuidadosamente no conhecimento da língua latina e no estudo das humanidades ... ».

Leão XIII, na Carta, Plane quidem intelligis, ao Cardo Vigário de Roma, de 20 de Maio de 1885, exprime o veemente desejo de que se proporcione ao clero uma esmerada cultura literária e se dê 'a primazia ao latim, como companheiro e auxiliar, que é, da Religião católica em todo o Ocidente: est latinus sermo religionis catholicae Occidente to to comes et administer».

E em Carta Encíclica dirigida aos Bispos e ao Clero da França, em Setembro de 1899, o imortal Pontífice da Rerum Novarum, sentindo que os Seminários franceses, por cedência aos programas do Estado tendentes a reduzir o estudo do latim, corriam o risco de o mutilar também nas suas aulas, previne os Prelados do perigo e recorda-lhes a urgente necessidade de manterem «os estudos dos aspirantes ao sacerdócio fiéis aos métodos tradicionais dos séculos passados. Foram eles que formaram os homens eminentes de que a Igreja de França justamente se gloria». E, concretizando mais, adverte: «Se de há vários anos para cá, os métodos pedagógicos em vigor nas escolas do Estado reduzem progressivamente o estudo da língua latina e suprimem os exercícios de prosa e verso, a que os nossos antepassados davam, e com razão, tanta importância, os Seminários menores devem estar alerta contra tais inovações inspiradas em preocupações utilitárias, e que redundam em detrimento da sólida formação do espírito».

Por sua vez, S. Pio X, na Carta Vehementer sane, enviada aos Bispos de todo o orbe católico, a 1 de Junho de 1908, depois de chamar seriamente a atenção para o facto de «ser o latim a língua própria da Igreja (linguam latinam iure meritoque dici et esse linguam Ecclesiae propriam), bem como «a língua da Filosofia e da Teologia (sed praeterea lingua latina cum Philosophiae, tum sacrarum disciplinarum lingua facile dicenda est), ordena que os Professores expliquem essas matérias em latim».

Com não menos vigor se exprimiu Bento XV, em Carta aos Bispos alemães, datada de 9 de Outubro de 1921: «Os alunos aprendam com empenho a língua latina e vernácula... Procurem sobretudo, com diligência, os Bispos que o estudo do latim recupere com brilho o seu antigo esplendor: Sed curent praesertim diligenterque provideant Episcopi ut studium latini sermonis... in spem veteris gloriae revirescat».

Pio XI consagrou à causa do latim na Igreja uma atenção muito particular. Em 1 de Agosto de 1922, frisando que o conhecimento do latim entre os clérigos importava não só ao estudo das humanidades, mas à própria Religião, declarava: «É evidente que o clero, primeiro que ninguém, deve mostrar grande afeição à língua latina: liquet clerum, ante alios, latinae linguae perstudiosum esse oportere». E dá, entre outras, esta razão subtil: «Se em qualquer leigo de mediana cultura, a ignorância da língua latina, que podemos chamar verdadeiramente católica (quam dicere catholicam vere possumus), denota menos amor à Igreja, quanto mais convém que todos os clérigos conheçam a fundo essa mesma língua!».

Como medida prática a atestar o interesse qqe votava a tão nobre causa, ordenou Pio XI, pelo Motu Proprio. Litterarum Latinarum, de 20 de Outubro de 1924:

1.º - Que na Universidade Gregoriana, confiada pela Santa Sé à Companhia de Jesus, se erigisse uma cátedra de latinidade para ensino da língua e literatura latinas.

2.º - Que os Mestres que houvessem de reger essa cátedra, procurassem por meio de frequentes exercícios orais e escritos, levar os alunos a um aperfeiçoamento mais primoroso do estilo latino.

3.º - Que o curso compreendesse dois anos; e que ao cabo desse biênio, se entregasse um diploma aos alunos devidamente aprovados no exame final. Os alunos providos de tal diploma seriam preferidos nos concursos para a obtenção de benefícios junto da Santa Sé e das Cúrias diocesanas, e os mais distintos seriam premiados.

4.º - As aulas seriam franqueadas a todos, mesmo aos leigos. Particularmente desejava o Sumo Pontífice que fossem frequentadas por alunos dos Seminários e das Comunidades religiosas, residentes na Itália ou fora dela, mormente por aqueles que os Prelados julgassem mais idóneos para o estudo do latim.

Finalmente, Pio XII proclama o uso do latim como «evidente e belo sinal de unidade e remédio eficaz contra qualquer possível corrupção da genuína doutrina». Considera a língua latina como «um tesoiro de incomparável beleza: thesaurus est incomparandae praestantiae». Mas não pode abafar o queixume de verificar que «a língua latina: glória dos sacerdotes, tem cada vez menos e mais frouxos cultores: Proh dolor, latina lingua, gloria sacerdotum, nunc languidiores usque et pauciores habet cultores». Não quer que haja sacerdote algum que não a entenda e fale com facilidade e fluência: «Nullus sit sacerdos, qui eam nesciat facile et expedite legere et loqui». Se algum sacerdote houver que a ignore, deve-se crer que sofre de lamentável deformidade mental: quare sacrorum administer qui eam ignorat, reputandus est lamentabili mentis laborare squalore.

Nada mais justificado do que estes tão reiterados apelos dos Sumos Pontífices para o cultivo do latim entre os eclesiásticos. O latim é a língua de comunicação universal entre os sacerdotes das mais longínquas e diversas regiões; é a língua em que se encontram traduzidos os livros do Antigo e Novo Testamento; é a língua em que são redigidos a maior parte dos documentos Pontifícios; é a língua em que foram escritos alguns dos tratados mais belos e autorizados de ascese e exegese Patrística, de Teologia, de Filosofia e de Pastoral; é finalmente a língua em que os sacerdotes da Igreja Latina recitam as preces canónicas do Breviário, da Missa e das cerimónias litúrgicas.

Tem-se esboçado aqui e além certa tendência a acabar com o latim na missa e no ritual. Embora sob o aspecto pastoral pudesse ter alguma vantagem o emprego da língua vernácula, a isso fàcilmente se ocorre com a tradução do missal para uso dos fiéis e com a versão de algumas fórmulas na administração de vários sacramentos, autorizada já pela Santa Sé para diversas nações.

Mas ao lado do aspecto pastoral, há o aspecto católico. O Cardeal Gibbons tentou um dia dar a razão do emprego do latim na missa e nas funções litúrgicas da Igreja. E era precisamente este aspecto católico que o eminente Purpurado pretendia focar: «Quando se implantou pela primeira vez o Cristianismo, dirigia os destinos do mundo o Império romano (...). O latim era a língua do império (...). A Igreja adoptou naturalmente na sua liturgia do culto público, a língua que então preponderava entre os povos. Os Padres da primitiva Igreja escreveram geralmente na língua latina, que assim se tornou depósito dos tesoiros da literatura sagrada na Igreja.

No século v sobreveio a ruptura do Império Romano. Novos reinos começaram a formar-se na Europa, sobre as ruínas do velho Império. O latim deixou gradualmente de ser língua viva dos povos, e novos idiomas começaram a brotar da língua-mãe. A Igreja, porém, conservou na sua liturgia e na administração dos sacramentos a língua latina, por muitas e prudentes razões:

Primeiramente, a unidade da fé. A Igreja Católica mantém sempre uma e a mesma fé, a mesma forma de culto público, o mesmo governo espiritual. Assim como a sua doutrina e liturgia se conservam inalteráveis, assim ela deseja que a linguagem da sua liturgia seja fixa e uniforme. A Fé Pode chamar-se a jóia, e a linguagem o cofre que a contém. A Igreja é tão cuidadosa em preservar intacta a jóia, que não se atreve a modificar o cofre em que ela se encerra. As línguas vivas, ao contrário duma língua morta, mudam constantemente o vocabulário e seu significado (...). A língua latina, pelo contrário, sendo uma língua morta, não está sujeita a essas vicissitudes».

O ilustre Antístite Baltimorense apela depois para a catolicidade da Igreja e salienta, que em contraste com o que se passa nas seitas protestantes, como nos Concílios ecuménicos, é a língua latina que permite o mútuo entendimento e fácil expressão entre os membros das mais remotas e variadas nacionalidades. Por fim, entrando mais em concreto na questão proposta sobre o uso do latim na missa, o Cardeal Gibbons formula a objecção, à qual responde imediatamente: «Mas o facto de o sacerdote dizer a missa numa língua desconhecida, não fará com que o povo ignore o que ele está dizendo e perca assim o seu tempo na Igreja.

Sentimos vontade de sorrir perante tais objecções que se repetem levianamente de ano para ano. Tais asserções procedem de uma ignorância total do que é a missa.

Muitos protestantes imaginam que a essência do culto público consiste num sermão. Daí que para eles, o principal dever dos fiéis é escutar o discurso que lhes é dirigido do púlpito. Pelo contrário, a oração, segundo a doutrina católica, é o dever mais essencial dos fiéis, se bem que estes são instruídos com regularidade por meio de sermões. Ora, o que vem a ser a missa? Não é um sermão, mas uma oração sacrifical que o sacerdote oferece a Deus por si mesmo e pelo povo. Quando o sacerdote celebra a Missa, não fala com o povo, mas com Deus, para quem todas as línguas são inteligíveis.

Os fiéis não podem, certamente, ouvir o celebrante (...), visto que boa parte do que ele diz é pronunciado em voz baixa. E era este o sistema cultual prescrito por Deus na Antiga Lei, como lemos no Antigo Testamento e no primeiro capítulo de S. Lucas. O sacerdote oferecia o sacrifício e orava pelo povo no santuário, enquanto os fiéis oravam a distância, no átrio. Em todas as igrejas cismáticas do Oriente, o sacerdote nas funções públicas não reza em vernáculo, mas numa língua morta. O mesmo se pratica hoje em dia nas sinagogas judaicas: o Rabi reza em hebraico, que é uma língua com a qual boa parte dos fiéis não estão familiarizados.

Mas será verdade que o povo não entende o que o sacerdote diz na missa? De modo nenhum. Por meio de um missal em vernáculo pode seguir o celebrante desde o princípio até ao fim das funções religiosas».

A uma exposição tão clara e tão brilhante, como esta, nada mais há a acrescentar; quando muito, convirá esclarecer que o latim não é língua morta, mas viva. O latim da missa ou do Ritual tem-se conservado mais ou menos inalterável; mas a língua latina, como tal, continua em evolução e progresso, sobretudo na técnica lexicográfica. Não há, a bem dizer, tema moderno e científico, sobre o qual a Igreja não se tenha pronunciado em latim. Recorde-se, por exemplo, a Encíclica de Pio XI, «Vigilanti Cura», sobre o cinema, bem como as normas directivas de Pio XII sobre a radiestesia.

Em Junho de 1939, no vasto pátio de S. Dâmaso, no Vaticano, o Papa Pio XII falou em latim a vários milhares de alunos dos Institutos eclesiásticos de Roma. O latim é a língua usada por mestres e alunos nas disciplinas de Filosofia e Teologia da maior parte dos Seminários e Universidades eclesiásticas de todo o mundo.

Infelizmente, porém, o declínio do estudo do latim, tem atingido também, num e noutro sector, alguns estabelecimentos de ensino eclesiástico. Nem sempre se cumprem à risca as prescrições da Santa Sé quanto ao uso da língua latina nas aulas de Filosofia e de Teologia, e alguns Professores tendem a ampliar abusivamente a concessão feita por Bento XV nas «Normas», enviadas a todos os Ordinários da Itália, nas quais se permitia ao professor acrescentar alguma ulterior explicação em vernáculo.

Com razão, o Geral da Companhia de Jesus, M. R. P. Wlodimiro Ledóchowski, a quem a S. Congregação dos Seminários, preocupada com a sorte do latim e do ensino superior nos Institutos eclesiásticos, solicitou oportunamente o parecer, alegava entre outras razões em defesa do latim nas escolas da Igreja, a da disciplina eclesiástica. A vista de tantos e tão claros documentos Pontifícios, a inculcar o estudo do latim, sobretudo desde o século XVI, quando os inimigos da Igreja, e principalmente a franco-maçonaria, começaram a vibrar-lhe golpes demolidores (bem sabiam eles que alvejar o latim, era até certo ponto alvejar também a Igreja), «é muito triste - comenta o M. R. P. Ledóchowski - que nos seminários, onde se forma o clero e se deve dar exemplo de pressurosa obediência à Santa Sé, documentos Pontifícios tão magníficos e tão solenes, e prescrições tão claras, sejam em não poucos países ou simplesmente ignorados ou (o que é pior) abertamente transgredidos».

Outra grave razão em prol do latim, é a que o mesmo Prepósito Geral deduz da necessidade de preservar, a todo o transe, a «pureza da fé». As línguas modernas estão em constante evolução; em muitas línguas vivas vão-se introduzido muitas alterações sintácticas, morfológicas e semânticas. Pelo contrário, na língua latina os termos criados à custa de discussões profundas através dos séculos, para exprimir os mais altos e difíceis conceitos filosóficos e teológicos, tornaram-se, por assim dizer, termos técnicos, de significação bem definida e fixa. Dada, pois, a dificuldade e o perigo de reproduzir em vernáculo ideias tão transcendentes, expressas numa linguagem concisa e estável, bem se deixa ver o risco a que se expõe a genuína doutrina teológica e filosófica, quando se abandona o latim e se preferem as línguas nacionais.

O perigo é tanto mais sério, quanto por analogia, talvez, com a criação de línguas nacionais, se tem caído nestes últimos tempos de tão exagerado nacionalismo, na louca pretensão de criar Igrejas nacionais. Banir o latim - receia o M. R. P. Ledóchowsld - é arriscar não só a pureza da fé, mas também a «unidade da Igreja».

A estas razões tão autorizadas, queremos adicionar ainda outra, que chamaríamos de «decoro eclesiástico».

A partir, sobretudo, do Congresso de Avinhão, celebrado em Setembro de 1956, acentua-se cada vez mais, entre os próprios leigos, o movimento a favor do latim, não só como língua viva, mas até como língua internacional.

Ainda recentemente os homens cultos do nosso país puderam vibrar de júbilo perante o desassombro com que o Doutor Américo da Costa Ramalho, em bem documentado discurso, provou perante os seus ilustres colegas da Assembleia Nacional, que o latim nem era língua morta, nem inútil, e que, ainda mesmo esquecido, fazia perdurar a sua benéfica influência no espírito e na acção daqueles que um dia o cultivaram.

Todas as tentativas para impor universalmente uma língua artificial, têm fracassado. Inventou-se o Volapük, composto em 1870 pelo célebre poliglota Scheyrer; difundiu-se o Esperanto, da autoria do Dr. Zamenhof, médico ele Varsóvia, que o deu a conhecer em 1887 com outro nome; propuseram-se Interlíngua e o latim sem flexões. Nenhum destes idiomas, porém, obteve um acordo unânime e, muito menos, os resultados práticos que alguns lhe auguravam.
Só o latim oferece solução viável e oportuna.

Seria lamentável que os homens da Igreja, propugnadora invincta da latinidade, cedessem posições na defesa e no cultivo da língua latina!

O M. R. P. Ledóchowski, no depoimento atrás citado, era de parecer, que devia manter-se e exigir-se com firmeza a prescrição do uso do latim nas aulas de Filosofia e Teologia, de tal maneira que não pudessem ser admitidos aos estudos filosóficos os seminaristas que não fossem capazes de compreender o latim dos professores e dos compêndios e, ao menos, passado algum tempo, de exprimir o seu pensamento em latim nas repetições e disputas. Opinava, ainda, que deviam ser depostos do seu ofício os Professores que não quisessem conformar-se com as prescrições da Santa Sé. Finalmente, sugeria que se enviasse um Visitador aos diversos seminários, para se ocupar apenas deste assunto.

Pela nossa parte, acharíamos também útil a abertura de cursos intensivos de latim prático, nas férias do verão, para futuros e actuais Professores de latim nos seminários. Podiam aí tratar-se, em latim, questões gerais e especializadas de Gramática Latina, desenvolver-se um tratado de história da literatura latina em latim, e proferir-se-iam algumas conferências sobre cultura latina, algumas delas acompanhadas de projecções.

Todos os apologistas do latim, como língua viva, estão de acordo em que só os antigos e tradicionais métodos de traduzir, escrever e falar habilitam para o completo domínio do idioma do Lácio.

E não é preciso que se aspire a escrever e falar somente o latim de Cícero e de César, sobretudo quanto ao vocabulário. Não é preciso, nem é possível. Embora a Igreja tenha favorecido sempre, por todos os meios, o latim clássico, admite igualmente e emprega o latim cristão dos SS. Padres, bem como o latim progressivo e moderno, que os homens doutos têm enriquecido, através dos séculos, ante novas necessidades e novos conceitos do pensamento humano.

Mas note-se que latim cristão não é sinónimo de latim bárbaro nem vulgar, nem decadente. Embora, por vezes, se possam depreender vestígios de decadência e vulgaridade nalguns escritos eclesiásticos, a verdade é que a generalidade dos latinistas cristãos, como Tertuliano, Minúcio Félix, S. Jerónimo, S. Agostinho, S. Leão Magno, Erasmo, Marsílio Ficino, Jerónimo Osório e José Caeiro, para citar apenas alguns nomes mais proeminentes na literatura latina cristã do passado, cultivaram com primor as elegâncias do latim clássico, e algumas das suas páginas podem, sem discrepância, figurar ao lado das melhores de Cícero e de César.

Advogamos decididamente a evolução do latim na técnica vocabular, na aquisição de novas palavras e novas expressões, quando a necessidade ou a conveniência o requererem e a autoridade dos mestres o legitimar.

Mas parece-nos indispensável, por motivos de coerência, uniformidade e clareza, a fidelidade aos preceitos gramaticais do latim clássico.

Reprovamos, portanto, solecismos e barbarismos como estes, próprios do latim decadente ou arcaico: videtur quod philosophi vacant, por: videntur vacare philosophi; dixit quid volebat, por: quid vellet; nescit homo si est dignus amoré, por: an sit dignus; adeo aegrotus est, ut iam non vult cibos, por: ut nolit; faveas venire, por: veni, quaeso; etc., etc.

Também seria para desejar a uniformidade de pronúncia, sobretudo agora que tanto se debate o problema do latim como língua universal. Não poderá sê-lo, de modo satisfatório, enquanto se mantiverem as três pronúncias actualmente vigentes: a romana, a tradicional e a restaurada. Esta última, que pode dizer-se suficientemente conhecida e mais científica, vai conquistando, cada dia, mais adeptos não só nas universidades laicas, onde principalmente tem dominado, mas até entre eclesiásticos, sobretudo na Alemanha. No Congresso de Avinhão, em Setembro de 1956, foi proposta como pronúncia única.

Como única a propugna calorosamente César Vicário, S. M., em carta aberta ao Director de «Incunable», magnífico periódico sacerdotal espanhol, que à causa do latim tem consagrado este ano oportunos artigos.

Pelo contrário, o P. Manuel - M. Ibáiíez, em carta publicada no mesmo periódico em Março deste ano, sustenta que a pronúncia universal «no puede ser otra que la romana».

Refuta-o César Vicário, estribando-se na autoridade do P. José Jiménez Delgado, o qual nos Cursos de Humanidades Clássicas, celebrados na Universidade Pontifícia de Salamanca, de 5 a 25 de Agosto de 1957, «demonstrou que nem da célebre carta ao Cardeal Dubois, nem da não menos conhecida aos monges de Monserrat, nem do Sínodo de Tarragona, em que se ventilou este assunto, se deriva obrigação alguma de aceitar a pronúncia romana como pronúncia universal (...). O texto citado pelo P. Ibáiíez expressa realmente um desejo do Papa, mas unicamente a respeito do culto: in liturgico cultu peragendo. E é muito possível - acrescenta César Vicario - que nem Bento XV, nem Pio XI, se expressariam hoje nesses termos».

Quanto a nós, reconhecendo embora as dificuldades práticas da adopção da pronúncia «restaurada» do latim, não hesitaríamos, contudo, em patrocinar a sua universalização dentro e fora da Igreja, apondo-Ihe a condição que já no Congresso de Avinhão propôs M.lle E. Malcovati: «que uma comissão internacional de latinistas de todos os países, designados pelas Associações Clássicas, elaborasse as Regras desta pronúncia, naturalmente adaptada a cada país»; e que se respeitasse «a pronúncia diferenciada - tradicional - do «u» vogal e do «u» consoante antes de vogal (v)», por causa da dureza e cacofonia, a que dá frequentemente azo em palavras e expressões, como estas: uiua, uoce, inuia, Naeuius, etc.

A regra de todas as vogais abertas, vigente na pronúncia romana, apresenta uma vantagem prática que deveria ter-se em conta na adaptação da pronúncia restaurada, onde a prolação das vogais com som fechado ou aberto, consoante a sua quantidade longa ou breve, tornaria bastante complicada a fonética e exigiria um dispêndio de energias e de tempo, talvez não compensativo.

Em todo o caso, com a pronúncia romana, ou com a tradicional, ou com a restaurada, defenda-se e cultive-se, entre os eclesiásticos, o latim como sempre foi tido: língua viva na Igreja.

Extraído de "Estudos de Cultura Greco-Latina", de António Freire, S.J., Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1960.

Missa Tridentina em Curitiba: Sermão do Pe. Paulo Iubel no Domingo da Septuagésima (30/01/2010)

Pe. Paulo Iubel
Paróquia Imaculada Conceição

Domingo da Septuagésima: O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família...

Abaixo consta uma homilia do Papa São Gregório Magno sobre o Evangelho deste domingo (Mt XX 1-16). Uma pesquisa na internet não encontrou nenhuma outra versão em português desta homilia, além desta nossa, que publicamos aqui:

Homilia XIX Sancti Gregori Papæ in Evangelia
19.ª Homilia sobre os Evangelhos, do Papa São Gregório Magno

[Para sua explicação, a leitura do santo evangelho requer muito o que falar. Por isso quero, o quanto possível, falar com brevidade para não vos molestar onerando-a com um tempo muito longo e uma exposição muito prolixa.]

O Reino dos céus é dito semelhante a um homem pai de familia, que conduz operários para trabalhar na sua vinha. Quem mais diretamente a um pai de familha se assemelha que o nosso Criador, Que rege aqueles que criou, e, neste mundo, possui os seus eleitos de tal modo qual um senhor na sua casa? Ele Que tem uma vinha, claramente a Igreja universal, que, desde o justo Abel até o último eleito que nascer no mundo, tantos Santos dá à luz, como uma videira de que brotam muitos ramos.

Este pai de familha, pois, conduz os operários para trabalhar na sua vinha de manhã, na hora terça, sexta, noa e undécima, isto é, desde o início até o fim do mundo não desiste de congregar pregadores para educar o povo de fiéis. A manhã do mundo aconteceu desde Adão até Noé; a hora terça, de Noé a Abraão; a sexta, de Abraão a Moisés; a noa, de Moisés até a vinda do Senhor; e a undécima desde a vinda do Senhor até o fim do mundo - hora essa em que foram enviados como pregadores os santos Apóstolos, que, mesmo tendo chegado tarte, receberam a recompensa inteira.

Para educar, pois, o Senhor a sua plebe, como se fosse para cultivar a sua vinha, em tempo nenhum desiste de enviar operários, porque, primeiro pelos Patriarcas, depois pelos Doutores da lei e Profetas, e por último pelos Apóstolos, para emendar os costumes do seu povo, trabalhou como que por operários na vinicultura. Todo aquele que, em qualquer pouquinho e em qualquer medida, com reta fé constituiu-se num pregador, por meio de boas ações, este foi operário da vinha. Assim, o operário da manhã e das horas terça, sexta e noa designa aquele povo antigo e os hebreus que com reta fé louvaram a Deus com Seus eleitos, não desistiram de trabalhar na cultura da vinha. Na hora undécima, então, foram chamados os Gentios, aos quais se disse: Por que ficais aí o dia todo ociosos?

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 103

103) Que nos proíbe o nono Mandamento - guardar castidade nos pensamentos e nos desejos?
O nono Mandamento - guardar castidade nos pensamentos e desejos - proíbe-nos pensamentos e desejos maus.
Podes impedir, caro menino, que os passarinhos pousem nos arbustos do jardim? Não. Podes, no entanto, impedi-los de neles permanecer.
Há também feios pensamentos, que entram como um bando de pássaros na tua imaginação. São desejosos que não ousarias manifestar à mamãe. Entrando eles embora em teu coração, deves expulsá-los imediatamente, para que nele não se estabeleçam e não façam o ninho do pecado. São os pensamentos e os desejos maus, que nos proíbe o nono Mandamento. É preciso expulsá-los com energia. Quem não os afugentasse, mas os favorecesse, mostraria evidentemente sentir gosto neles e cometeria um pecado idêndico ao que tivesse praticado coisas más.
Este Mandamento proíbe-nos também desejar a mulher do próximo.
Estás vendo esse homem barbudo? É Herodes, um rei depravado, que repudiou sua verdadeira esposa e tomou para si a mulher de seu irmão. João Batista, porém, foi ter com ele e disse-lhe destemidamente: "Não podes ter contigo a mulher de teu irmão!"
Adverte o Senhor: "Não deixes errar os olhos pelas ruas da cidade, nem andes vagueando pelas suas praças" (Eclesiástico, 9,7).

30 de janeiro de 2010

Origem do "Salve Rainha"

Fonte: Orações e Milagres Medievais



Origem da “Salve Rainha”: hino da Primeira Cruzada completado por São Bernardo

Quantas vezes dos lábios piedosos a todo momento, um pouco por toda parte, se levanta ao Céu a oração Salve Rainha! Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, Salve, etc., etc.
Mas, quantos sabem qual é a sua origem? Sabem que foi composta especificamente como um canto de guerra para os Cruzados?
Pois bem, eis a origem dela.
Ela é atribuída ao bispo de Puy, Dom Adhemar de Monteuil, membro do Concílio de Clermont, onde foi resolvida a primeira Cruzada.
Adhemar participou da Cruzada na qualidade de legado apostólico e compôs a Salve Rainha, ou Salve Regina em latim, para que se tornasse o canto de guerra dos cruzados.
A princípio, a antífona acabava por estas palavras: nobis post hoc exilium ostende.
A tríplice invocação que a termina presentemente foi acrescentada por São Bernardo, e merece ser narrado como se fez.
Na véspera do Natal do ano de 1146, São Bernardo, mandado para a Alemanha como legado do Papa, fazia sua entrada solene na cidade de Spira, depois de uma viagem memorável na qual os milagres foram numerosos.
O bispo, o clero, os cidadãos todos, com grande pompa vieram ao encontro do santo.
Conduziram-no, ao toque dos sinos e dos cânticos sagrados, através da cidade até a porta da capital.
Ali, o imperador e os príncipes germânicos o receberam com todas as honras devidas ao legado do Papa.
Enquanto o cortejo penetrava no recinto sagrado, o coro cantou a Salve Rainha, antífona predileta do piedoso abade de Claraval.
Bernardo, conduzido pelo imperador em pessoa e rodeado da multidão do povo, ficou profundamente comovido com o espetáculo que presenciara.
Acabado o canto, prostrando-se três vezes, Bernardo acrescentou de cada vez uma das aclamações, enquanto caminhava para o altar sobre o qual brilhava a imagem de Maria: O clemens! O Pia! O dulcis Virgo Maria! — Ó clemente! Ó piedosa! Ó doce Virgem Maria!

(Fonte: “Maria ensinada à mocidade”, Livraria Francisco Alves, Rio, 1915)

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 102

102) Quem danificou o próximo no seu bom nome acusando-o falsamente e falando mal dele, a que é obrigado?
Quem danificou o próximo no seu bom nome, acusando-o falsamente ou falando mal dele, deve reparar, quanto puder, o dano que lhe causou.
Fôra o orgulhoso Amam elevado à dignidade de primeiro ministro do rei da Pérsia. Despeitado contra o pio e justo Mardoqueu, que não se submetia à soberba dele, jurou exterminá-lo, bem como os judeus residentes na Pérsia. Para realizar seu intento, recorreu à calúnia. "Há um povo no teu reino - disse ao rei - que despreza as tuas ordens. Não é justo deixá-lo nessa insolência. Ordena pois, que seja exterminado!"
O decreto de condenação foi publicado em todo o reino, e os clamores do povo israelita chegaram até o Céu. Então, Mardoqueu suplicou à rainha Ester que salvasse seu povo. A belíssima Ester, depois de muito haver rezado, convidou o rei e Amam para uma refeição. Com nobreza, mas resolutamente, desmascarou o caluniador. "Eu e meu povo fomos entregues aos nossos inimigos para sermos trucidados". "De quem se trata?" - perguntou desdenhoso o rei. "Nosso perseguidor - respondeu Ester - é este malvado Aman!" Ficou o infeliz ministro aniquilado e nesse mesmo dia subiu ao patíbulo.
Assim como o ladrão está obrigado pela justiça a restituir o que roubou, assim também os caluniadores e maldizentes estão obrigados a reparar os danos causados por sua culpa: "Quem quer ver dias felizes refreie a sua língua do mal - diz S. Pedro - e os seus lábios não profiram engano (...) e faça o bem (...) porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos, atentos às suas orações" (1.ª S. Pedro. 3,10-12).

29 de janeiro de 2010

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 101 - 2ª Parte

101) Que nos ordena o oitavo Mandamento?
II ª parte: O oitavo Mandamento ordena-nos que interpretemos em bom sentido, tanto quanto possível, as ações do próximo.
Deus penetra no intimo da consciência e perscruta as intenções do homem. Só ele pode julgar com verdade e justiça. "Não há senão um legislador e um juiz - diz S. Tiago - que pode perder e salvar. Mas quem és tu, que julgas o próximo?" (Tiago, 4,12-13).
O oitavo Mandamento proíbe pensar mal do próximo com suspeita e juízos temerários. "Na verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como meninos, não entrareis no reino dos céus" (Mateus, 18,3).
É admirável a simplicidade das crianças! Não pensam mal de ninguém. As vezes, ainda mesmo diante de um malfeitor estendem os bracinhos, como se conta de uma criança mártir chinesa.
Observa a alegoria da Simplicidade. Como soube representá-la bem o pintor Veronese!
Sua atitude é despreocupada, sem a menor sombra de ostentação. Olha tudo com semblante sereno, franco e leal. Tem nas mãos um arminho, animalzinho famoso pela alvura de seu pelo e natural horror que tem a tudo o que é sórdido. Assim também deve ser o discípulo de Cristo. Deve odiar qualquer mancha em sua alma, qualquer dobrez, maldade e hipocrisia. Deve caminhar na simplicidade, na retidão, na caridade que, como ensina S. Paulo: "É paciente, não é invejosa, não é temerária, mas folga com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre" (1ª Coríntios, 13,4-7).

28 de janeiro de 2010

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 101 - 1ª Parte

101) Que nos ordena o oitavo Mandamento?
Iª parte: O oitavo Mandamento nos ordena que digamos oportunamente a verdade.
Pobre Jesus! Ei-lo conduzido qual malfeitor diante dos tribunais onde se consumam os processos iníquos: falsos testemunhos, insultos, acusações infundadas, ausência da mais elementar legalidade. Mas o Divino Mestre permanece divinamente calmo, sereno e majetoso! "Em nome do Deus Vivo - grita o Sumo Sacerdote -, eu te conjuro a declarar se és os Cristo, o Filho de Deus Bendito!" Jesus sabe que tal declaração Lhe custará a vida. Não obstante, para ensinar-nos com que coragem devemos confessar a verdade, quando somos legitimamente interrogados, responde: "Sim, tu o disseste, eu o sou". E a sentença foi esta: "É réu de morte!"
Foi depois conduzido a Pilatos e acusado de rebelião à autoridade romana, pretendendo fazer-se rei. Pilatos interroga a Jesus: "És o Rei dos Judeus?" "Sim - responde Jesus - mas o meu reino não é deste mundo". "Logo, tu és rei?" - insiste Pilatos surpreendido. "Sim - afirma Jesus -, Eu sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo: para dar testemunho à verdade".
Pilatos persuadiu-se da inocência de Jesus. O povo, porém, enfurecido, não se comove nem mesmo ao vê-lo flagelado, coberto de sangue, coroado de espinhos. Grita então a Pilatos: "Se tu o soltares, és inimigo de César, pois quem se faz rei, vai contra o imperador!" E Pilatos, medroso, pronuncia a sentença.
"Eu sou a Verdade", disse Jesus e, com seu exemplo, ensinou-nos a dizer francamente a verdade, se for preciso, mesmo à custa da própria vida.
"Todo o que está pela verdade ouve a minha voz" (João, 18, 37).

27 de janeiro de 2010

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 100 - 2ª Parte

100) Que nos proíbe o oitavo Mandamento - Não levantar falsos testemunhos?
IIª parte: O oitavo Mandamento - não levantar falsos testemunhos - proíbe-nos o dano injusto à fama alheia.
Possui o homem um valiosíssimo tesouro, mais precioso que o ouro e talvez mesmo que a própria vida: é a sua honra. Deus protege este bem supremo com o oitavo Mandamento, que proíbe a difamação do próximo, mencionando-lhe o nome.
Danifica-se a fama do próximo com a maledicência e sobretudo com a calúnia. Como serpente venenosa, a murmuração corrói na obscuridade o bom nome de nossos irmãos, causando-lhes a morte moral.
Com arte insuperável, apresenta-nos Botticelli a alegoria da calúnia. A execrável cena tem como fundo o mar imenso. A direita ergue-se o tribunal. O juiz é aqui representado pelo rei Midas que, segundo a mitologia, teve de certo modo orelhas de asno, por haver julgado injustamente uma competição entre deuses. Há duas figuras dissimuladas: a Suspeita e a Insídia. Gritam elas pérfidas insinuações aos ouvidos asinios, desviando-os da verdade. No centro do quadro está a Calúnia, que se adianta vestida das cores da inocência, arrastando pelos cabelos o caluniado, que implora piedade.
Precede à Calúnia o Rancor, representado pelo homem de capuz e de aspecto sinistro.
Duas formosas donzelas, representando a Falsidade, coroam de flores a Calúnia, para dar-lhe assim um ar gentil e mais facilmente induzir o juiz a enganos. Vem, afinal, uma negra e lívida figura - o Remorso - que jamais deixará de seguir os caluniadores.
E o Espírito Santo disse com verdade: "Porque sobre o ladrão está a confusão e o arrependimento; mas sobre a língua dobre cai uma nota péssima de infâmia; e o mexeriqueiro granjeia ódio, inimizade e afronta" ( Eclesiástico, 5,17).

26 de janeiro de 2010

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 100 - 1ª Parte

100) Que nos proíbe o oitavo Mandamento - não levantar falsos testemunhos?
Iª parte: O oitavo Mandamento - não levantar falsos testemunhos - proíbe-nos toda a falsidade.
O quadro representa um episódio da história de José. Depois de vendê-lo como escravo, seus desnaturados irmãos estudaram um modo de enganar o pai. Tomaram a veste de José, ensoparam-na no sangue de um cabrito e apresentaram-na ao pai dizendo: "Encontramos esta túnica. Que lhe parece? É de José ou não?" Mentirosos! Fingiam não reconhecer a veste de José para afastarem de si qualquer suspeita. Jacó, apenas a viu, ficou aterrorizado e deu um grito: "Uma fera cruel devorou meu filho!" E a dor inconsolável regou-lhe o rosto de lágrimas copiosas.
Que contraste se nota neste quadro: o semblante angustiado do pai e o culposo e duro olhar dos filhos! No rosto de alguns deles está vivamente esculpido o remorso e o horror pela perversidade cometida.
Beneficiou-nos Deus com o dom da palavra, para manifestarmos com sinceridade e verdade o nosso pensamento. Peca contra o oitavo Mandamento quem jura falso diante do juiz e quem exprime, com palavras e com sinais, o contrário do que pensa. Os lábios mentirosos são abomináveis diante de Deus, que é a própria Verdade. "Vós sois filhos do demônio, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai - disse Jesus - quando ele diz a mentira, falta do que é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (João, 8-44).

25 de janeiro de 2010

Como São Francisco de Assis domesticou o ferocíssimo lobo de Gúbio


No tempo em que São Francisco morava na cidade de Gúbio apareceu no condado um lobo grandíssimo, terrível e feroz, o qual não somente devorava os animais como os homens, de modo que todos os citadinos estavam tomados de grande medo, porque freqüentes vezes ele se aproximava da cidade; e todos andavam armados quando saíam da cidade, como se fossem para um combate; contudo quem sozinho o encontrasse não se poderia defender. E o medo desse lobo chegou a tanto que ninguém tinha coragem de sair da cidade.

Pelo que São Francisco, tendo compaixão dos homens do lugar, quis sair ao encontro do lobo, se bem que os citadinos de todo não o aconselhassem: e fazendo o sinal da santa cruz, saiu. da cidade com os seus companheiros, pondo toda a sua confiança em Deus. E temendo os outros ir mais longe, São Francisco tomou o caminho que levava ao lugar onde estava o lobo.

E eis que, vendo muitos citadinos, os quais tinham vindo para ver aquele milagre, o dito lobo foi ao encontro de São Francisco com a boca aberta: e chegando-se a ele São Francisco fez o sinal da cruz e o chamou a si, e disse-lhe assim: “Vem cá, irmão lobo, ordeno-te da parte de Cristo que não faças mal nem a mim nem a ninguém”.

Coisa admirável! Imediatamente após São Francisco ter feito a cruz, o lobo terrível fechou a boca e cessou de correr; e dada a ordem, vem mansamente como um cordeiro e se lança aos pés de São Francisco como morto.

Então São Francisco lhe falou assim:

“Irmão lobo, tu fazes muitos danos nesta terra, e grandes malefícios, destruindo e matando as criaturas de Deus sem sua licença; e não somente mataste e devoraste os animais, mas tiveste o ânimo de matar os homens feitos à imagem de Deus; pela qual coisa és digno da forca, como ladrão e homicida péssimo: e toda a gente grita e murmura contra ti, e toda esta terra te é inimiga. Mas eu quero, irmão lobo, fazer a paz entre ti e eles; de modo que tu não mais os ofenderás e eles te perdoarão todas as passadas ofensas, e nem homens nem cães te perseguirão mais”.

Ditas estas palavras, o lobo, com o movimento do corpo e da cauda e das orelhas e com inclinação de cabeça, mostrava de aceitar o que São Francisco dizia e de o querer observar.

Então São Francisco disse: “Irmão lobo, desde que é de teu agrado fazer e conservar esta paz, prometo te dar continuamente o alimento enquanto viveres, pelos homens desta terra, para que não sofras fome; porque sei bem que pela fome é que fizeste tanto mal. Mas, por te conceder esta grande graça, quero, irmão lobo, que me prometas não lesar mais a nenhum homem, nem a nenhum animal: prometes-me isto?”

E o lobo, inclinando a cabeça, fez evidente sinal de que o prometia. E São Francisco disse: “Irmão lobo, quero que me dês prova desta promessa, a fim de que possa bem confiar.

E estendendo São Francisco a mão para receber o juramento, o lobo levantou o pé direito da frente, e domesticamente o pôs sobre a mão de São Francisco, dando-lhe o sinal como podia. E então disse São Francisco: “Irmão lobo, eu te ordeno em nome de Jesus Cristo que venhas agora comigo sem duvidar de nada, e vamos concluir esta paz em nome de Deus”.


E o lobo obediente foi com ele, a modo de um cordeiro manso; pelo que os citadinos, vendo isto, muito se maravilharam. E subitamente esta novidade
se soube em toda a cidade; pelo que toda a gente, homens e mulheres, grandes e pequenos, jovens e velhos, vieram à praça para ver o lobo com São Francisco.

E estando bem reunido todo o povo, São Francisco se pôs em pé e pregou-lhe dizendo, entre outras coisas, como pelos pecados Deus permite tais pestilências; e que muito mais perigosa é a chama do inferno, a qual tem de durar eternamente para os danados, do que a raiva do lobo, o qual só pode matar o corpo; quanto mais é de temer a boca do inferno, quando uma tal multidão tem medo e terror da boca de um pequeno animal! “Voltai, pois, caríssimos, a Deus, e fazei digna penitência dos vossos pecados, e Deus vos livrará do lobo no tempo presente, e no futuro do fogo infernal”.

E acabada a prédica, disse São Francisco: “Ouvi, irmãos meus; o irmão lobo, que está aqui diante de vós, prometeu-me e prestou-me juramento de fazer as pazes convosco e de não vos ofender mais em coisa alguma, se lhe prometerdes de dar-lhe cada dia o alimento necessário; e eu sirvo de fiador dele de que firmemente observará o pacto de paz”.

Então todo o povo a uma voz prometeu nutri-lo continuadamente. E São Francisco diante de todos disse ao lobo: “E tu, irmão lobo, prometes observar com estes o pacto de paz, e que não ofenderás nem aos homens nem aos animais nem a criatura nenhuma?”

E o lobo ajoelha-se e inclina a cabeça, e com movimentos mansos de corpo e de cauda e de orelhas demonstra, quanto possível, querer observar todo o pacto.

Disse São Francisco: “Irmão lobo, quero, do mesmo modo que me prestaste juramento desta promessa, fora de porias, também diante de todo o povo me dês segurança de tua promessa, e que não me enganarás sobre a caução que prestei por ti”. Então o lobo, levantando a pata direita, colocou-a na mão de São Francisco.



Pelo que, depois deste fato, e de outros acima narrados, houve tanta alegria e admiração em todo o povo, tanto pela devoção do santo, e tanto pela novidade do milagre e tanto pela pacificação do lobo, que todos começaram a clamar para o céu, louvando e bendizendo a Deus, o qual lhes havia mandado São Francisco, que por seus méritos os havia livrado da boca da besta cruel.

E depois o dito lobo viveu dois anos em Gúbio; e entrava domesticamente pelas casas de porta em porta, sem fazer mal a ninguém, e sem que ninguém lho fizesse; e foi nutrido cortesmente pela gente; e andando assim pela cidade e pelas casas, jamais nenhum cão ladrava atrás dele.

Finalmente, depois de dois anos o irmão lobo morreu de velhice: pelo que os citadinos tiveram grande pesar, porque, vendo-o andar assim mansamente pela cidade, se lembravam melhor da virtude e da santidade de São Francisco.

Em louvor de Cristo. Amém.

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 99 - 2ª Parte

Que nos ordena o sétimo Mandamento?
IIª parte: O sétimo Mandamento ordena-nos que paguemos as dívidas e aos operários o seu justo salário.
O sétimo Mandamento ordena-nos também que paguemos nossas dívidas. Impõe igualmente aos patrões, darem a seus operários o justo salário, isto é, um pagamento proporcional ao trabalho exigido e às condições familiares do operário.
Narrou certa vez Jesus a linda parábola dos vinhateiros: Um pai de família saiu bem cedo de casa, reuniu um bom número de operários e com eles combinou o preço de um dia de trabalho. Depois mandou-nos trabalhar na sua vinha. Talvez fosse tempo de colheita e não sendo suficiente os trabalhadores ordinários, contratou também esses outros, que encontrara pelo caminho.
Quando terminou o dia, o patrão deu a cada operário a quantia combinada.
Mas, os que haviam começado o trabalho mais cedo, lamentaram-se por receberem a mesma quantia que os outros.
O patrão, porém, replicou a um deles: "Amigo, eu não te faço injustiça; não ajustaste comigo um dinheiro? Toma o que é teu e vai-te, que eu quero dar também a este último tanto como a ti". (Mateus, 20,13-14).
O sétimo Mandamento impõe-nos, por conseguinte, a virtude da justiça: Dar a cada um o que lhe é devido.
Aprende desde já, caro irmão, a respeitar os bens alheios e a ser justo, porque assim agradarás a Deus e serás estimado por todos.
Disse o Senhor: "Não negarás a paga do indigente e do pobre... mas pagar-lhe-ás no mesmo dia o preço do seu trabalho, antes do sol pôsto" (Deuteronômio, 24,14-15).

24 de janeiro de 2010

SANTA MISSA EXPLICADA - PARTE 7

MISSA DE SÃO PIO V EXPLICADA



Fontes:
- Explicações sobre as partes da Missa: "Curso de Liturgia" - Pe.Reus;
- Citações: "Suma Teológica", de Santo Tomás de Aquino; "Missal Quotidiano e Vesperal", de Dom Gaspar Lefebvre; "Concílio de Trento"; e "Catecismo Romano";


PARTE VII - A CONSAGRAÇÃO






“Logo depois da consagração estão o verdadeiro corpo de Nosso Senhor e seu verdadeiro sangue conjuntamente com sua alma e sua divindade, sob as espécies de pão e de vinho, isto é, seu corpo sob a espécie de pão e seu sangue sob a espécie de vinho, por força das palavras mesmas; mas o mesmo corpo também [está] sob a espécie de vinho, e o sangue sob a espécie de pão, e a alma sob uma e outra, por força daquela natural conexão e concomitância, com que as partes de Cristo Nosso Senhor, que já ressuscitou dos mortos para nunca mais morrer (Rom 6, 9), estão unidas entre si; e a divindade por causa daquela sua admirável união hipostática com o corpo e a alma [cân. l e3]. Assim, é bem verdade que tanto uma como outra espécie contêm tanto quanto as duas espécies juntas. Pois o Cristo todo inteiro está sob a espécie de pão e sob a mínima parte desta espécie, bem como sob a espécie de vinho e sob qualquer das partes desta espécie” (Concílio de Trento, sess XIII, cap.3).

“Pela consagração do pão e do vinho se efetua a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo Nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue. Esta conversão foi com muito acerto e propriedade chamada pela Igreja Católica de transubstanciação”. (Concílio de Trento, sess XIII, cap.4).

O Qui pridie. Recitou o celebrante as orações precedentes em nome da Igreja e em nome de Jesus Cristo. Agora fala nêle Jesus Cristo pessoalmente, como diz S. Ambrósio (De myst. c. 9) : Ipse Christus clamat: Hoc est corpus meum. Pois o celebrante faz e diz o mesmo que diz e faz o Redentor divino. Toma na mão o pão e o cálix, benze-os e profere as palavras da consagração não em terceira, mas em primeira pessoa.

A narração histórica da instituição e as palavras da consagração não são iguais em todos os seus pormenores nem nos evangelhos nem em tôdas as Liturgias. Na Liturgia romana foram acrescentadas algumas palavras que ensinam o que Nosso Senhor provavelmente fêz: p.ex., gratias agens benedixit; in sanctas ac venerabiles manus suas; elevatis oculis in coelum ad te Deum Patrem suum omnipotentem. Profundamente inclinado, o celebrante profere as santas palavras da consagração, adorando imediatamente a Vítima divina presente sob as santas espécies.

A atual elevação das santas espécies, para serem adoradas, foi introduzida pouco a pouco pelos fins do século XII. Por muito tempo só a santa hóstia se elevava e era adorada pelo povo com a inclinação da cabeça; na primeira metade do século XIV, também o cálix começou a ser venerado do mesmo modo. A genuflexão em sinal de adoração é conhecida desde o princípio do século XVI. A grande elevação, mesmo durante a consagração, generalizou-se também pelo motivo de tornar a consagração centro visível da missa. A incensação do SS. Sacramento durante a elevação apareceu no século XIII, e generalizou-se nos séculos XIV e XV.

Qui prídie quam paterétur, accépit panem in sanctas ac venerábiles manus suas, et elevátis óculis in cælum ad te Deum Patrem suum omnipoténtem, tibi grátias agens, benedíxit, fregit, dedítque discípulis suis, dicens: Accípite, et manducáte ex hoc omnes.

« Hoc est enim Corpus meum »

Símili modo postquam cænátum est, accípiens et hunc præclárum Cálicem in sanctas ac venerábiles manus suas: item tibi grátias agens, benedíxit, dedítque discípulis suis, dicens: Accípite, et bíbite ex eo omnes

« Hic est enim Calix Sánguinis mei, novi et ætérni testaménti : mystérium fídei : qui pro vobis et pro multis effundétur in remissiónem peccatórum. »

Hæc quotiescúmque fecéritis, in mei memóriam faciétis.

Ele, na véspera de sua paixão, tomou o pão em suas santas e veneráveis mãos, e elevando os olhos ao céu para vós, ó Deus, seu Pai onipotente, dando-vos graças, benzeu-o, partiu-o e deu-o a seus discípulos, dizendo: Tomai e Comei Dele, Todos.

« Isto é o Meu Corpo »

De igual modo, depois de haver ceado, tomando também este precioso cálice em suas santas e veneráveis mãos, e novamente dando-vos graças, benzeu-o e deu-o a seus discípulos, dizendo: Tomai e Bebei Dele Todos.

« Este é o Cálice do meu Sangue, do novo e eterno Testamento : mistério de fé : que será derramado por vós e por muitos para remissão dos pecados. »

Todas as vezes que isto fizerdes, fazei-o em memória de mim.

“Que o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo estejam no sacramento não se pode apreender pelo sentido, mas somente pela fé, que se apoia na autoridade divina. Por isso, o texto do Evangelho de Lucas “Isto é o meu Corpo dado por vós” (Lc XXII, 19) é comentado por Cirilo: “Não duvides que seja verdade, mas antes aceita as palavras do Salvador na fé: pois, sendo a verdade, não mente”.
1º. Isto está de acordo, primeiramente, com a perfeição da Nova Lei. Pois, os sacrifícios da antiga lei continham este verdadeiro sacrifício da paixão de Cristo, somente em figura, como se diz na Carta aos Hebreus: “Possuindo apenas o esboço dos bens futuros, e não a expressão mesma das realidades” (Hb X, 1). Por isso, foi necessário que o sacrifício da Nova Lei, instituído por Cristo, tivesse algo a mais, a saber que ele contivesse a Cristo na sua paixão, não somente no significado e na figura, mas também na verdade da realidade. E, por isso, este sacramento, que contém realmente o próprio Cristo, como diz Dionísio, “é a perfeição de todos os outros sacramentos”, nos quais a força de Cristo é participada.
2º. Isto convém à caridade de Cristo, pela qual ele assumiu um verdadeiro corpo humano em vista de nossa salvação. E porque é muitíssimo próprio da amizade, segundo Aristóteles, conviver com os amigos, ele nos prometeu em recompensa a sua presença corporal, como está no Evangelho de Mateus: “Onde quer que esteja o cadáver, ali se reunirão os abutres” (Mt XXIV, 28). Neste interim, porém, não nos privou de sua presença corporal nesta nossa peregrinação, mas pela verdade de seu Corpo e Sangue uniu-nos a si nesse sacramento. Ele mesmo diz: “Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo VI, 57). Por isso, este sacramento é o sinal de maior caridade e reconforto de nossa esperança por causa da união tão familiar de Cristo conosco.
3º. Isto convém à perfeição da fé, que se refere tanto à divindade de Jesus quanto a sua humanidade, como diz o Evangelho: “Vós credes em Deus, crede também em mim” (Jo XIV, 1). E porque a fé trata de realidades invisíveis, como Cristo nos manifesta invisivelmente a sua divindade, assim também neste sacramento nos manifesta a sua carne de modo invisível.
Não atinando com isto, alguns afirmaram que o Corpo e Sangue de Cristo não está nesse sacramento a não ser como em sinal. O que se deve rejeitar como herético, já que contrário às palavras de Cristo
(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.75, a.1)

“3ª etapa da Paixão: A prefiguração da paixão de Cristo feita na ceia. Para designá-la, fazem-se uma terceira vez dois sinais da cruz, um na consagração do Corpo e o outro na do Sangue, quando em ambos os casos se diz a palavra “benedixit” (“abençoou”)” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3).
I. As palavras para a consagração do pão (Catecismo Romano)

“Consoante a doutrina dos Evangelistas São Mateus e São Lucas, bem como do Apóstolo São Paulo (Mt XXVI, 26; Lc XXII, 19; I Cor XI, 24), sabemos que essa forma consiste nas seguintes palavras: “Isto é o meu Corpo”. Pois está escrito: “Quando estavam na ceia, tomou Jesus o pão, benzeu-o, partiu-o, e deu-o aos Seus Discípulos, dizendo: Tomai e comei, isto é o meu Corpo” (Mt XXVI, 26).

Esta forma de consagração, a Igreja Católica sempre a empregou, por ser a que Cristo Nosso Senhor havia observado. E aqui deixamos de parte os testemunhos dos Santos Padres, cuja enumeração seria um nunca acabar, e o decreto do Concílio de Florença, por bastante conhecido e acessível a quantos o queiram consultar. Se assim procedemos, é porque se pode também inferir a mesma verdade daquelas palavras de Nosso Salvador: “Fazei isto em memória de Mim”.

Aquilo, pois, que Nosso Senhor dera ordem de fazer, deve referir-se não só ao que Ele havia feito, mas também ao que Ele havia dito. Isto deve, sobretudo, entender-se das palavras que Ele proferira, tanto para significar, como para produzir o efeito sacramental.

O mesmo se pode facilmente demonstrar à luz da razão.

Forma é aquilo que significa o efeito operado por este Sacramento. Ora, como as palavras citadas declaram, de maneira explícita, o efeito que se opera, isto é, a conversão do pão no verdadeiro Corpo de Nosso Senhor, segue-se, portanto, que elas mesmas constituem a forma da Eucaristia. Nesse sentido se deve tomar a expressão do Evangelista: “benzeu-o”. Era como se dissesse: “Ele tomou o pão, benzeu-o, pronunciando as palavras: Isto é o meu Corpo”.

O Evangelista refere antes as palavras: “Tomai e comei”. Sabemos, porém, que estas palavras não designam a consagração da matéria, mas apenas o uso que se deve fazer do Sacramento.

O sacerdote tem a estrita obrigação de pronunciá-las, mas não são de valor essencial para a realização do Sacramento. O mesmo se diga da conectiva “pois”, na consagração do pão e do vinho.

Do contrário, não seria lícito consagrar o Sacramento, quando não houvesse a quem administrá-lo. No entanto, ninguém pode contestar que o sacerdote consagra realmente a matéria apta do pão, todas as vezes que profira as palavras de Nosso Senhor, ainda que não na mesma ocasião não administre a ninguém a Sagrada Eucaristia”.

II. As palavras para a consagração do vinho

“Pelas mesmas razões já alegadas, deve o sacerdote ter uma perfeita noção da forma para consagrar o vinho, que é a segunda matéria deste Sacramento.

Devemos crer, com inabalável certeza, que ela está contida nas seguintes palavras: “Este é o Cálice do Meu Sangue, da nova e eterna Aliança, Mistério da fé, o qual por vós e por muitos será derramado, em remissão dos pecados” (Cânon da Missa).

Destas palavras, muitas foram tiradas das Sagradas Escrituras, algumas, porém, são conservadas pela Igreja, em virtude da Tradição Apostólica:

Senão vejamos. “Este é o Cálice” - são palavras escritas por São Lucas e pelo Apóstolo São Paulo (Lc XXII, 20; I Cor XI, 25). O que vem a seguir: “do Meu Sangue”, ou “Meu Sangue da Nova Aliança, o qual por vós e por muitos será derramado em remissão dos pecados” - são palavras que se acham parte em São Lucas, parte em São Mateus (Lc XXII, 20; Mt XXVI, 28). As palavras “da eterna Aliança” e “Mistério da fé”: foram-nos comunicadas pela Sagrada Tradição, que é a medianeira e zeladora da verdade católica.

Ninguém poderá contestar a exatidão desta forma, se também aqui tiver em vista o que já foi dito acerca da consagração da matéria do pão. Pois certo é que nas palavras que exprimem a conversão do vinho no Sangue de Cristo Nosso Senhor, está contida, pois, a forma correspondente a esta matéria. Ora, como aquelas palavras a exprimem claramente, é de toda a evidência que se não deve estabelecer outra forma.

Além disso, essas palavras exprimem certos efeitos admiráveis do Sangue derramado na Paixão de Nosso Senhor, efeitos que estão na mais íntima relação com este Sacramento. O primeiro é o acesso à eterna partilha, cujo direito nos advém da “nova e eterna Aliança”. O segundo é o acesso à justiça pelo “Mistério da fé”; porquanto Deus nos propôs Jesus como vítima propiciatória, mediante a fé em Seu Sangue, para que Ele mesmo seja justo e justifique a quem acredita em Jesus Cristo. O terceiro é a remissão dos pecados.

Como estas palavras da Consagração do vinho encerram um sem-número de Mistérios, e são muito adequadas ao que devem exprimir, força é considerá-las com mais vagar e atenção.

Quando pois se diz: “Este é o Cálice do Meu Sangue” – cumpre entender “Este é o Meu Sangue, que está contido neste cálice”. Como aqui se consagra sangue, para ser bebida dos fiéis, é oportuno e acertado fazer-se menção do cálice. O sangue como tal não lembraria bastante a idéia de bebida, se não estivesse colocado num recipiente.

Acrescentam-se depois as palavras “da Nova Aliança”, para compreendermos que o Sangue de Cristo Nosso Senhor é dado aos homens, em sua absoluta realidade, pela razão de pertencer à Nova Aliança; não somente em figura, como acontecia na Antiga Aliança, da qual contudo lemos, na epístola do Apóstolo aos Hebreus, não ter sido selada sem sangue.

Nesse sentido é que o Apóstolo explicou: “Pois isso mesmo”, Cristo “é Mediador” da Nova Aliança, para que, intervindo a Sua morte, recebam a promessa da herança eterna os que a ela foram chamados” (contração de Hb IX, 15).

O adjetivo “eterna” refere-se à herança eterna, que legitimamente nos cabe pela morte de Cristo Senhor Nosso, o eterno Testador.

A cláusula “Mistério da fé” não tem por fim excluir a verdade objetiva; significa que devemos crer, com fé inabalável, o que nele se oculta, de maneira absolutamente inacessível à vista humana.

Mas estas palavras não têm aqui o mesmo sentido, que se lhes atribui também com relação ao Batismo. Fala-se, pois, de “Mistério da fé”, porque só pela fé vemos o Sangue de Cristo, velado que está na espécie de vinho. Como, porém, o Batismo abrange toda a profissão da fé cristã, temos razão em chamá-lo “Sacramento da fé”, o que corresponde ao “mistério” dos gregos.

Existe, ainda, outro motivo de chamarmos “Mistério da fé” ao Sangue de Cristo. A razão humana oferece muita dificuldade e relutância, quando a fé nos propõe a crer que Cristo Nosso Senhor, verdadeiro Filho de Deus, sendo Deus e Homem ao mesmo tempo, sofreu a morte por amor de nós. Ora, esta morte é juntamente representada pelo Sacramento do Seu Sangue.

Em vista deste fato, era bem comemorar-se aqui, e não na Consagração do Seu Corpo, a Paixão de Nosso Senhor, mediante as palavras “que será derramado em remissão dos pecados”. Consagrado separadamente, o Sangue tem mais força e propriedade, para revelar, aos olhos de todos, a Paixão de Nosso Senhor, a Sua Morte, a modalidade de Seu sofrimento.

As palavras que se ajuntam “por vós e por muitos”, foram tomadas parte de São Mateus, parte de São Lucas (Mt XXVI, 28; Lc XXII, 20). A Santa Igreja, guiada pelo Espírito de Deus, coordenou-as numa só frase, para que exprimissem o fruto e a vantagem da Paixão.

De fato, se considerarmos sua virtude, devemos reconhecer que o Salvador derramou Seu Sangue pela salvação de todos os homens. Se atendermos, porém, ao fruto real que os homens dele auferem, não nos custa compreender que sua eficácia se não estende a todos, mas só a “muitos” homens.

Dizendo, pois, “por vós”, Nosso Senhor tinha em vista, quer as pessoas presentes, quer os eleitos dentre os Judeus, como o eram os Discípulos a quem falava, com exceção de Judas.

No entanto, ao acrescentar “por muitos”, queria aludir aos outros eleitos, fossem eles Judeus ou gentios. Houve, pois, muito acerto em não se dizer “por todos”, visto que o texto só alude aos frutos da Paixão, e esta sortiu efeito salutar unicamente para os escolhidos.

Tal é o sentido a que se referem aquelas palavras do Apóstolo: “Cristo imolou-Se uma só vez, para remover totalmente os pecados de muitos” (Hb II, 28) e as que disse Nosso Senhor no Evangelho de São João: “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por estes que Vós me destes, porque eles são Vossos” (Jo XVII, 9).

Nestas palavras da Consagração do vinho vão ainda muitos outros Mistérios. Com a graça de Deus, poderão os pastores facilmente descobri-los, se fizerem assídua e aturada meditação das coisas divinas”.

Missa Tridentina em Curitiba: Sermão do Pe. Paulo Iubel no III Domingo depois da Epifania (23/01/2010)

Pe. Paulo Iubel
Paróquia Imaculada Conceição.

"Deixai vir a mim as criancinhas ..." (Mateus, 19, 14) - Parte 99 - 1ª Parte

Que nos ordena o sétimo Mandamento?
Iª parte: O sétimo Mandamento ordena-nos que restituamos as coisas alheias, que reparemos os danos culpávelmente causados.
Lêste na página anterior, que aquele rei iníquo mandou seu ministro roubar os preciosos tesouros do Templo da Jerusalém. observa agora um belo exemplo de restituição. O rei Ciro, apenas subira ao trono, concedeu aos israelitas licença para voltarem à sua terra natal e aí reconstruírem seu templo. Haviam sido outrora conduzidos como escravos a Babilônia pelo rei Nabucodonosor, que lhes confiscara os bens. Ciro, pelo contrário, restitui-lhes os vasos sagrados e os objetos preciosos, que os babilônios lhes haviam roubado.
Além do furto e dos prejuízos, o sétimo Mandamento proíbe-nos a usura e a fraude, isto é, a falta de seriedade nos contratos e nos negócios.
O que deve fazer quem roubou? Deve restituir, pois se o não fizer não obterá perdão.
"Ou restituição ou condenação!" dizia Sto. Agostinho. Quem causa prejuízos precisa repará-los. Se o furto e o prejuizo são ocasionados por diversas pessoas, todas devem restituir ou reparar. Tanto é ladrão quem rouba, como quem conserva o roubado.
Ambos, portanto, precisam reparar o mal feito.
Os bens alheios, antes de serem tirados, são agradável isca; mas, depois que o ladrão é preso, transformam-se num laço, que prende o devedor com a obrigação da restituição. Este laço o aperta, de tal modo, que, se não os restitui, acabará por sufocá-lo.

23 de janeiro de 2010

SANTA MISSA EXPLICADA - PARTE 6

A MISSA DE SÃO PIO V EXPLICADA



Fontes:

- Explicações sobre as partes da Missa: "Curso de Liturgia" - Pe.Reus;

- Citações: "Suma Teológica", de Santo Tomás de Aquino; e "Missal Quotidiano e Vesperal", de Dom Gaspar Lefebvre;


PARTE VI - CÂNON - ORAÇÕES ANTES DA CONSAGRAÇÃO


“Sendo conveniente que as coisas santas se administrem santamente, e sendo este sacrifício entre todos o mais santo, instituiu a Igreja Católica já há muitos séculos o Cânon sagrado, tão purificado de todo o erro [cân. 6], que nele não há nada que não rescenda a suma santidade e piedade, nada que não eleve a Deus as almas dos que o oferecem. Pois ele se compõe das palavras do mesmo Senhor, como das tradições dos Apóstolos e das piedosas instituições dos Sumos Pontífices” (Concílio de Trento, sess.XXII, cap.IV).

Origem do cânon. O mais antigo texto completo do cânon de hoje é do século VII (Missal de Bobbio e outros). As tentativas de muitos liturgistas nos últimos decênios de reconstruir um primitivo cânon diferente do atual, não conseguiram resultado reconhecido por todos. Declarou-se afinal (1939) que depois "dos caminhos falsos de investigação científica especial" a melhor solução é a sustentação do cânon na sua forma atual, mais ou menos conforme a antiga tradição. Contribuiu para este resultado bastante seguro a recente comparação da missa romana com documentos orientais, publicada pelo patriarca sírio Rhamani (1929).

Quanto às partes essenciais portanto o cânon é herança venerável. Abstraindo do memento pelos defuntos e das duas listas dos santos, sofreu somente uma amplificação de poucas palavras, registradas pelo Liber pontificalis do séc. V e VI. Com esta limitação remonta mais ao menos até ao tempo do Papa Cornélio (+250). (Baumstark, Eph. lit. Anal. 1939, p. 204-243.) O communicantes e o Nobis quoque peccatoribus foram acrescentados no pontificado do Papa Símaco (+ 514); o memento dos defuntos, no de Inocêncio (+ 417). Mas nem isso é certo; provavelmente também estas partes são mais antigas. (Cf. Eisenh. II, p. 166.) Portanto as orações: Quam oblationem; Qui pridie quam pateretur, Unde et memores, Supra quae, Supplices (Pseudo-Ambrósio, de Sacram. IV, 5) com bastante certeza remontam até ao séc. III.

Ainda mais. São apostólicas. Sobre a lacuna entre o século III e o tempo dos apóstolos diz Belarmino, crítico competente (Controv. de miss. II, c. 22):

"Se as orações mencionadas por Pseudo-Ambrósio tivessem sido compostas por um papa, com certeza um historiador o teria referido. Se não deixaram de mencionar quem acrescentou algumas partes insignificantes, muito menos teriam calado o nome de quem compôs quase todo o cânon. Resta portanto que o cânon é de antiguidade imemorável e chegou até nós como muitas outras coisas, pela tradição, de mão em mão. Os nomes dos apóstolos e mártires pouco a pouco foram acrescentados."

Especialmente duas têm sinais de orações apostólicas: Unde et memores, por corresponder à ordem de Jesus Cristo: Hoc facite in meam commemorationem, e por se achar em todas as liturgias; a outra Supra quae, por causa da expressão Patriarchae nostri Abrahae, sinal de origem israelítica.

Esta "conjetura", como Belarmino chama estas considerações torna-se fato fundado pelas provas positivas que se tem para a oração: Quam oblationem. Ela contém resumido em cinco palavras o capitulo segundo de Malaquias com a profecia sobre a missa. Esta mesma profecia acha-se em 4 anáforas dos dois primeiros séculos, a alexandrina, antioquena, dedaquética e de São Justino. A oração Quam oblationem portanto remonta até ao tempo dos apóstolos.


“Se alguém disser que o rito da Igreja Romana que prescreve que parte do Cânon e as palavras da consagração se profiram em voz submissa, se deve condenar (...) — seja excomungado (Concílio de Trento, sess XXII, can.9)

[Algumas orações da Missa] “o sacerdote recita sozinho, isto é, as que pertencem ao ministério do sacerdote, a saber, “oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” como está na Carta aos Hebreus (Hb V, 1). Entre elas, algumas são recitadas em voz alta, isto é, as que dizem respeito tanto ao sacerdote quanto aos fiéis, como são as orações comuns. Outras pertencem exclusivamente aos sacerdotes, como a oferenda e a consagração. Por esta razão, tudo o que diz respeito a estas partes o sacerdote diz em voz baixa (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.4 ad 6).

As cruzes do cânon. No princípio do cânon atual está a imagem de Jesus Cristo crucificado. Esta cruz desenvolveu-se dos ornamentos do T, primeira letra do início do Te igitur. Esta imagem faz desaparecer um tanto o nexo entre o prefácio e o cânon, mas tem a grande vantagem de recordar ao celebrante o sacrifício cruento que se renova no altar. As cruzes insertas no texto das orações antes da consagração têm o fim de santificar cada vez mais os elementos do sacrifício; depois da consagração servem "ad commemorandum virtutem crucis et modum passionis Christi" (S.Thom. III, 83 a. 5), i. é, são símbolos da morte de Cristo e produzem santificação nos seus membros místicos.

“Em poucas palavras, pode-se dizer que a consagração deste sacramento e a aceitação do sacrifício e de seus frutos procedem da força da cruz de Cristo. Por isso, todas as vezes que se faz menção de uma destas coisas, o sacerdote traça uma cruz" (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3)..

“Depois da consagração, o sacerdote não faz nenhuma cruz para abençoar e consagrar, mas somente para recordar o poder da cruz e o modo da paixão de Cristo” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5, ad4).

“Te igitur”

Te igitur. Compenetrado da infinita majestade divina o celebrante rezou: Sanctus, Sanctus, Sanctus. Agora levanta as mãos ao céu, inclina-se profundamente e continua: "Por isso, porque sois tão santo e majestoso, (a Vós) .. rogamos... que abençoeis estes dons, êstes presentes, estes Sacrifícios ..." Uma e mesma dádiva é dom do Doador, tributo ao Soberano, sacrifício para o serviço de Deus. Confiando neste sacrifício e sendo medianeiro entre Deus e o mundo, o celebrante intercede pelo papa (costume e lei antiga), pela Igreja e pelos cultores da fé. Este último termo designava os benfeitores da Igreja, mormente o imperador bizantino. Hoje compreende a quantos ajudam a propagação da Igreja por palavras e ações.

Te ígitur, clementíssime Pater, per Jesum Christum Fílium tuum, Dóminum nostrum, súpplices rogámus ac pétimus, uti accépta hábeas et benedícas, hæc dona, hæc munera, hæc sancta sacrifícia illibáta.

A vós, Pai clementíssimo, por Jesus Cristo vosso Filho e Senhor nosso, humildemente rogamos e pedimos aceiteis e abençoeis estes dons, estas dádivas, estas santas oferendas ilibadas.

In primis, quae tibi offérimus pro Ecclésia tua sancta cathólica: quam pacificáre, custodíre, adunáre et régere dignéris toto orbe terrárum: una cum fámulo tuo Papa nostro N. et Antístite nostro N. et ómnibus orthodóxis, atque cathólicae et apostólicae fídei cultóribus.

Nós Vo-los oferecemos, em primeiro lugar, pela vossa santa Igreja católica, à qual vos dignai conceder a paz, proteger, conservar na unidade e governar, através do mundo inteiro, e também pelo vosso servo o nosso Papa..., pelo nosso Bispo..., e por todos os (bispos) ortodoxos, aos quais incumbe a guarda da fé católica e apostólica.

“O sacerdote na celebração da missa faz os sinais da cruz para evocar a paixão de Cristo, que se consumou na cruz. A paixão de Cristo realizou-se como em etapas.
1ªetapa da Paixão: A entrega de Cristo feita por Deus, por Judas e pelos judeus. Ela é simbolizada pelos três sinais da cruz, ao dizer o sacerdote as palavras: “Haec dona, haec munera, haec sancta sacrificia illibata” (“Estes dons, estas dádivas, este santo sacrifício imaculado”)”
(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad3).

Memento dos vivos

0 Memento dos vivos. Às preces gerais pela Igreja se segue a oração pelas pessoas que o celebrante intenciona recomendar a Deus em particular. Outrora eram lidos em voz alta os nomes dos benfeitores inscritos nos dipticos (duas tabuinhas munidas de dobradiças e que se podiam fechar). No século VIII eram lidos em voz baixa para o celebrante, mais tarde colocados no altar e finalmente desapareceram no século XII-XIII.

Meménto, Dómine, famulórum famularúmque tuárum N. et N. et ómnium circumstántium, quorum tibi fides cógnita est, et nota devótio, pro quibus tibi offérimus: vel qui tibi ófferunt hoc sacrifícium laudis, pro se, suísque ómnibus: pro redemptióne animárum suárum, pro spe salútis, et incolumitátis suæ: tibíque reddunt vota sua ætérno Deo, vivo et vero.

Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas N. e N., e de todos aqueles que estão aqui presentes, cuja fé Vos é conhecida e manifesta a devotação. Por eles Vos oferecemos, ou eles próprios Vos oferecem, este sacrifício de louvor, por si e por todos os seus, para redenção das suas almas, para terem a salvação e incolumidade que esperam; para isso, a Vós dirigem as suas preces, Deus eterno, vivo e verdadeiro.

“Communicantes”

O Communicantes (= tomando parte na comunhão dos Santos). Para tornar as suas orações mais eficazes, o celebrante e o povo alegam, na sua qualidade de membros do Corpo Místico de Jesus Cristo, a sua íntima união entre si e com os santos glorificados. Em primeiro lugar é mencionada a rainha dos mártires, Maria Santíssima. Pois só mártires são enumerados, porque o culto dos confessores naquela época ainda não estava em uso. Depois dos santos apóstolos vêm os três primeiros papas: Lino, Çleto e Clemente. Xisto (forma grega; era grego de nascimento) = Sisto II (+258), célebre pelos versos do papa Dâmaso, e o seu diácono. O papa Cornélio (+ 253) é o amigo de Cipriano, bispo de Cartago. Lourenço é o diácono de Sisto II. Crisógono (+ 304) tinha instruído na fé S. Anastásia. João e Paulo foram vitimados por Juliano apóstata (+ 362). Cosme e Damião eram dois médicos árabes celebérrimos por suas curas milagrosas. (+ 297.) Todos tinham igrejas em Roma. Em muitas dioceses se inseriram muitos santos próprios, p.ex., em Ruão 23.

A oração Communicantes outrora estava escrita fora do cânon. A rubrica: infra accionem indicava que se devia rezar durante o cânon.

Communicántes, et memóriam venerántes, in primis gloriósæ semper Vírginis Maríæ, Genitrícis Dei et Dómini nostri Jesu Christi: sed et beáti Joseph, ejúsdem Vírginis Sponsi, et beatórum Apostolórum ac Mártyrum tuórum, Petri et Pauli, Andréæ, Jacóbi, Joánnis, Thomæ, Jacóbi, Philíppi, Bartholomaéi, Mattáei, Simónis, et Thaddaéi, Lini, Cleti, Cleméntis, Xysti, Cornélii, Cypriáni, Lauréntii, Chrysógoni, Joánnis et Pauli, Cosmæ et Damiáni, et ómnium Sanctórum tuórum; quorum méritis precibúsque concédas, ut in ómnibus protectiónis tuæ muniámur auxílio. Per eúmdem Christum Dóminum nostrum. Amen.
Unidos na mesma comunhão, honramos a memória, em primeiro lugar, da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe de Deus e Senhor Nosso Jesus Cristo, e também de S. José, o Esposo da mesma Virgem, e dos vossos bem-aventurados Apóstolos e Mártires, Pedro e Paulo, André, Tiago, João, Tomé, Tiago, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Simão e Tadeu, Lino, Cleto, Clemente, Sixto, Cornélio, Cipriano, Lourenço, Crisógono, João e Paulo, Cosme e Damião, e de todos os vossos Santos. Por seus méritos e preces, concedei sejamos sempre fortalecidos com o vosso auxílio e proteção. Por Jesus Cristo, Senhor nosso. Ámen.

“Hanc igitur”

Hanc igitur. Animado pela enumeração dos santos e pela esperança no seu auxílio, o celebrante renova o seu pedido: Portanto, aceitai esta oferta (servitutis = servorum tuorum, celebrantis et cleri) dos Vossos servos e de todos os fiéis (familiae tuae), dai-nos a paz, livrai-nos do inferno e alistai-nos em o número dos eleitos (uma alusão aos dípticos, que tinham também o nome de líber vitae). Ao Hanc igitur o celebrante põe as mãos sobre as oblatas, gesto que indica o caráter expiatório do santo sacrifício, muito usado no antigo testamento. Significa também que o C oferece a sua pessoa a Deus, para adorá-Lo, implorá-Lo e agradecer-Lhe. Apesar de ser representada esta cerimônia numa cena eucarística do III século, foi introduzida na missa só no século XV.


Hanc ígitur oblatiónem servitútis nostræ, sed et cunctæ famíliæ tuæ, quaésumus, Dómine, ut placátus accípias: diésque nostros in tua pace dispónas, atque ab ætérna damnatióne nos éripi, et in electórum tuórum júbeas grege numerári. Per Christum Dóminum nostrum. Amen.
Esta oblação, que nós, vossos servos, e toda a vossa família, Vos oferecemos, aceitai-a, Senhor, benignamente; firmai na paz os dias da nossa vida, livrai-nos da eterna condenação e ordenais sejamos contados na sociedade dos vosso eleitos. Ámen.

“Quam oblationem”

“Em prosseguimento, vem a própria consagração. 1º. O sacerdote pede o efeito da consagração, quando diz: “Quam oblationem tu Deus” (“Nós Vos pedimos, ó Deus, que Vos digneis abençoar esta oblação, etc.”). 2º. Ele realiza a consagração por meios das palavras do Salvador, ao dizer: “Qui pridie, etc.” [e propriamente ao repetir a fórmula da Consagração feita por Cristo] (“E no dia anterior à Paixão, etc.”). 3º. Ele se escusa por tal presunção, recorrendo à obediência à ordem de Cristo quando diz: “Unde et memores” (“Por isso, recordando, etc.”). 4º. Pede que este sacrifício, que acaba de ser realizado, seja agradável a Deus, dizendo: “Supra quae propitio, etc.” (“Dignai-Vos, Senhor, olhar com bondade e misericórdia para estes dons, etc.”). 5º. Pede o efeito deste sacrifício e sacramento: primeiramente para quem vai participar dele, ao dizer: “Suplicces te rogamus, etc.” (“Nós Vos suplicamos, etc.”); depois para os defuntos, que já não podem participar, quando diz: “Memento etiam, Domine, etc.” (“Lembrai-Vos também, Senhor, etc.”); depois ainda e de modo especial, para os próprios sacerdotes que celebram, ao dizer: “Nobis quoque peccatoribus, etc.” (“A nós também pecadores, etc.”)” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.4).

As palavras que se seguem ao Hanc igitur são as mais antigas e essenciais, porque incluem o ato sacrifical do Sumo e Eterno Sacerdote Jesus Cristo.

O Quam oblationem: Quam (= et hanc) oblationem está em nexo gramatical e lógico com a oração Hanc igitur, reassumindo a sua idéia e forma, pela quíntupla gradação, uma transição belíssima ao majestoso ato da consagração. A Esposa de Cristo pede que Deus se digne tornar as oblatas 1) bentas (com palavras); 2) Adscritas (recebidas como por escrito, pautal); 3) ratificadas (recebidas como por contrato); 4) racionais, i.é, legítimas (ideais, consoante à razão divina e humana a respeito do verdadeiro sacrifício); 5) aceitáveis pela infinita majestade de Deus (dignas de serem aceitas, agradáveis). As oblatas são consideradas em estado cada vez mais perfeito, até que se tornem corpo e sangue do Senhor.

Qual poderia ser a fonte destas cinco palavras misteriosas? A resposta dá-nos a célebre profecia de Malaquias sobre o sacrifício da missa (1, 6-14).

V. 6-7. Deus se queixa dos sacrifícios antigos polutos. A igreja pede que as oblatas se tornem imunes de tôda mancha — benedictam, bentas.

V. 8-9. Deus repele do seu altar os animais cegos e imprestáveis, excluídos da lista dos animais aprovados. -- A Igreja suplica que as oblatas sejam incluídas na lista dos sacrifícios admitidos – adscriptam, recebidas.

V. 10. Deus não aprova (non est mihi voluntas in vobis) nem ratifica os sacrifícios antigos. — A Igreja roga que as oblatas sejam aprovadas — ratam, recebidas por contrato.

V. 11. Deus não quer mais sacrifícios restringidos a um só povo (in omni loco) porque não correspondem ao ideal do verdadeiro sacrifício. — A Igreja insta que as oblatas se tornem o sacrifício ideal — rationabilem, consoante o conceito divino do sacrifício.

V. 12-14. Deus, movido por santo zêlo, lança a maldição (Maledictus dolosus) sôbre os sacrifícios imundos, inaceitáveis à tremenda Majestade divina. A Igreja roga que as suas oblatas sejam aceitáveis.

Acresce que esta profecia precede à realização na consagração: Qui pridie... E logo depois da consagração são mencionadas três profecias figurativas da S. Eucaristia: Abel, Abraão e Melquisedeque. Seria quase para estranhar se a profecia de Malaquias não se achasse no cânon. Estas cinco palavras são, portanto, o resumo da profecia de Malaquias, a sua cristalização genial.

O Quam oblationem. Esta oração pode ser chamada a epiclese do Ocidente. As últimas palavras: "Vosso Filho diletíssimo, Nosso Senhor Jesus Cristo" profere-as o celebrante levantando os braços abertos para o céu, juntando as mãos e abaixando-as como que para abraçar a Vítima divina que desce ao altar.

“Não há inconveniência em pedirmos a Deus aquilo que sabemos que ele certissimamente fará, como Cristo pediu a sua glorificação.
Contudo, não se vê aí que o sacerdote reze para que se realize a consagração, mas para que nos seja frutuosa. Daí ele dizer expressamente “ut nobis corpus et sanguis fiat, etc.” (“a fim de se tornar para nós o Corpo e o Sangue, etc.”). Segundo Agostinho, tal é o sentido das palavras que ele pronuncia antes: “Hanc oblationem facere digneris benedictam” (“Dignai-Vos, ó Pai, aceitar e santificar esta oferenda”): “per quam benedicimur” (“pela qual somos abençoados”), a saber pela graça; ”adscriptam” (“confirmada”), isto é, “pela qual somos inscritos no Céu”; “ratam” (“ratificada”), isto é, “pela qual somos reconhecidos como fazendo parte de Cristo”; “rationabilem” (“racional”), isto é, “pela qual somos despojados do sentido carnal”; “acceptabilem” (“aceitável”), isto é, “para que nós, que nos desgostamos de nós mesmos, sejamos por ela agradáveis ao seu único Filho” ”
(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83, a.5 ad8).

Quam oblatiónem tu, Deus, in ómnibus, quaésumus, benedíctam, adscríptam, ratam, rationábilem, acceptabilémque fácere dignéris: ut nobis Córpus, et Sanguis fiat dilectíssimi Fílii tui Dómini nostri Jesu Christi.

Dignai-Vos, Senhor, fazer que esta oblação seja em tudo abençoada, aprovada, ratificada, espiritual e digna da vossa aceitação, e se torne para nós Corpo e Sangue do vosso diletíssimo Filho e Senhor nosso Jesus Cristo.

“2ª etapa da Paixão: A venda de Cristo. Com efeito, Cristo foi vendido aos sacerdotes, escribas e fariseus. Para simbolizá-la, o celebrante faz de novo três sinais da cruz, dizendo: “benedictam, adscriptam, ratam” (“abençoada, confirmada, ratificada”). Ou para expressar o preço da venda, a saber trinta denários. E se acrescentam dois sinais da cruz, ao se pronunciar as palavras: “ut nobis Corpus et Sanguis” (“a fim de se tornar para nós o Corpo e o Sangue”), para significar a pessoa de Judas que vendeu e a de Cristo que foi vendido”
(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.83 a.5 ad3).