19 de abril de 2017

Sermão para o 1º Domingo da Paixão – Pe. Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Diante da Paixão, não endureçamos os nossos corações



Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Chegamos, caros católicos, ao 1º Domingo da Paixão e nos aproximamos do coração do ano litúrgico. A Paixão de Nosso Senhor é o Mistério em torno do qual todo o ano litúrgico está disposto. E não só o ano litúrgico, mas toda a história da humanidade está disposta em torno do Mistério da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Deus quis, de toda a eternidade, que Seu Filho tomasse um corpo como o nosso e uma alma como a nossa, em tudo semelhante a nós, exceto no pecado, para que derramasse o seu sangue para a redenção dos nossos pecados. Grande mistério. Deus que se faz homem e sofre para nos salvar, nós que somos pobres pecadores.
Na liturgia, nessa semana da Paixão, os Evangelhos, praticamente todos tirados de São João, mostram o combate cada vez mais intenso entre a luz e as trevas, entre a verdade e o erro, entre a graça e o pecado, entre a misericórdia de Deus e a obstinação no mal. O ódio dos inimigos de Cristo, principalmente dos chefes dos judeus, muitos dos quais fariseus, escribas e sacerdotes, vai crescendo. O motivo da condenação de Nosso Senhor não é nem de longe primeiramente por medo de perder um cargo, por uma questão material ou qualquer outra coisa inferior. É uma questão de embate entre a luz e as trevas. Entre Deus que quer nos salvar e o demônio que quer a nossa perdição. Os inimigos de Cristo se opõem a Ele porque Ele afirmou com toda a verdade e clareza que era homem e Deus, e provou com suas obras. É um combate contra o demônio, contra o pecado, contra a morte. Combate do qual Cristo, evidentemente, sai vitorioso. Vitorioso e querendo nos fazer participantes dessa vitória. Nós devemos nos aplicar os méritos da Paixão de Cristo para participar da vitória de Cristo contra satanás, contra o pecado, contra a morte. Pela graça que Ele nos alcançou e mereceu com sua Paixão e morte, devemos renunciar a nós mesmos, tomar a nossa cruz e segui-lo. Não há outro caminho.
Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro. Veio ao mundo para nos salvar. Deus amou tanto o mundo que enviou seu próprio filho, diz São João (3, 16). E Cristo nos amou e se entregou por nós, como diz São Paulo (Ef. 5, 1). A Paixão de Cristo não foi um ato de crueldade da parte de Deus Pai. Foi um ato de amor da Santíssima Trindade. Bem sabemos que bastava um só ato de Cristo para que ele reparasse por todos os pecados de todos os homens de todos os tempos. Sendo Cristo homem e Deus, suas ações são feitas com caridade infinita, com um valor infinito. O mais simples pensamento de Cristo teria bastado para satisfazer pelos nossos pecados. Para que, então, todo o sofrimento de Cristo? O motivo principal é o amor de Deus por nós. Ao sofrer tanto por nós, Deus mostra todo o seu amor por nós. Ao mostrar um amor tão grande por nós, deseja uma só coisa: que o amemos em troca. Jesus Cristo sofre para mostrar seu amor por nós e para que O amemos, pois somente amando-O é que podemos nos salvar. Nosso Senhor sofre para que O amemos e, assim, nos salvemos. Para que O amemos guardando as suas palavras, observando os seus mandamentos. É essa a razão principal do sofrimento de Nosso Senhor.
Claro, ao mesmo tempo Jesus nos mostra, de modo claro na sua Paixão, as consequências gravíssimas de nossos pecados. Com frequência e com muita razão falamos que o pecado é uma ofensa a Deus, que o pecado mortal é uma ofensa infinita a Deus. Mas rapidamente temos tendência a esquecer disso, pois não vemos, muitas vezes, as consequências concretas de nossos pecados. Olhando Cristo em sua Paixão e morte, podemos ver claramente as consequências dos nossos pecados. São nossos pecados que O fizeram sofrer e sofrer tanto, mais do que todos os homens juntos poderiam sofrer. Nossos pecados são uma ofensa a Deus.
Cristo quis sofrer também para dar o exemplo de todas as virtudes na sua Paixão. A Paixão é um livro perfeitíssimo de doutrina católica e de vida espiritual. São Boaventura dizia que o crucifixo era a sua biblioteca. São Francisco de Sales dizia que o crucifixo é o verdadeiro livro do cristão. Devemos pensar na Paixão e aprender com ela, de modo particular nesse tempo litúrgico que hoje começa.
Em particular, Nosso Senhor quis nos dar o exemplo de como sofrer. Ele era inocente, sem pecado algum e sofreu. Sofreu tanto. Nós, com tantos pecados, reclamamos ao sofrer, murmuramos, nos queixamos. Chegamos, algumas vezes, até a considerar o sofrimento injusto, dizendo: o que eu fiz para merecer tal coisa? Ora, o menor dos pecados mereceria, com toda justiça, uma punição sem fim. Mas Deus é clemente, nos dá sofrimentos bem menores do que merecemos, e se nos dá as cruzes é para que nos santifiquemos carregando-as por amor a Ele. Claro, não se trata do sofrimento pelo sofrimento, mas do sofrimento por amor a Deus. E podemos, diante de algo que nos aflige, procurar uma solução, como já dissemos inúmeras vezes, mas sempre levados pelo amor a Deus e submetidos à vontade dEle.
Quanto amor, quanta misericórdia, quanta sabedoria na Paixão, quanta justiça. Quanto amor, quanta misericórdia, quanta sabedoria, quanta justiça? Amor infinito. Misericórdia infinita. Sabedoria infinita. Justiça infinita.
Como nos diz o Prefácio da Santa Cruz, recitado nesse Tempo da Paixão, Deus colocou a salvação do mundo no madeiro da cruz para que, de onde nasceu a morte, nascesse também a vida, e para que aquele que tinha vencido pela árvore fosse vencido também em uma árvore. Pelo madeiro da árvore da ciência do bem e do mal entrou no mundo o pecado e a morte, com o pecado original de Adão. O demônio, nessa árvore, teve certa vitória. Mas foi vencido na árvore da Cruz. Deus tem realmente sabedoria infinita e também uma fina ironia, humilhando o demônio. No Vexilla regis, hino de Vésperas do tempo da Paixão e que será cantado no ofertório da Missa de hoje, a Igreja clama: se manifestem os estandartes do Rei, que brilhe o mistério da Cruz. Em outro hino (Laudes) diz: Canta, língua, o triunfo da luta gloriosa e como o Redentor do mundo, imolado, conseguiu vencer. A cruz é verdadeiramente gloriosa. A cruz de Cristo e a nossa cruz, que é uma participação na cruz de Cristo. Como São Paulo, que nós nos gloriemos na Cruz de Cristo. E que tenhamos diante de nós Cristo, e Cristo crucificado.
Devemos aproveitar esse Tempo da Paixão para considerar de modo particular a Paixão do Senhor. Com fontes confiáveis: os quatro Evangelhos em primeiro lugar, lendo-os a partir da última ceia, livros de Santos. Deixemos de lado as fontes duvidosas e de aparições suspeitas, como as de Ana Catarina Emmerick e outras, por exemplo.
Hoje, existe uma tendência a esquecer a Paixão de Cristo, para pensar apenas na sua Ressurreição. Com frequência, se representa, mesmo nas Igrejas, apenas Cristo ressuscitado e triunfante, desaparecendo os crucifixos. Sem dúvida, Nosso Senhor triunfou. E sem a sua Ressurreição, vã seria a nossa fé, como diz São Paulo. Mas Ele triunfou pela sua Paixão. Sua Ressurreição é como o resultado desse combate tremendo, ela é o resultado de seu sangue derramado. Como diz São Paulo na Epístola de hoje: pelo seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas no Santo dos Santos, depois de ter adquirido a redenção eterna.
A liturgia do rito romano tradicional, ao contrário, enfatiza muitíssimo a Paixão de Cristo. Ela é claramente a renovação do Sacrifício do calvário. Seus ritos e orações assim se expressam, sem ambiguidades. Nesse Tempo da Paixão, a Igreja nos faz velar as Imagens na Igreja. Manifestando um certo luto pela paixão e morte do Senhor, mas também para nos mortificar um pouco os sentidos. Vela as imagens para nos lembrar que sem a cruz de Cristo não pode haver santos, não pode haver santidade. É dela que nos vêm todas as graças. O Salmo Iudica me Deus, que empurra a alma para a alegria, é omitido, pois há motivo para uma legítima e moderada tristeza aos nos recordarmos mais intensamente da Paixão nesse tempo litúrgico. O Glória do Introito e do Lavabo são omitidos, lembrando-nos que a glória é dada a Deus perfeitamente somente em cirtude da cruz de Cristo. A Igreja nos prepara para reviver em alguns dias os episódios da Paixão e da Ressurreição de Nosso Senhor, para revivê-los com um misto de alegria e dor.
A Paixão foi a estrada real para a nossa salvação. A cruz é a estrada real para a nossa salvação. Não há caminho fora dela. Não somos maiores que o mestre. Se Nosso Senhor triunfou pela cruz, assim também nós só podemos triunfar pela cruz. Tenhamos em mente a Paixão de Cristo, meditemos nela e, ouvindo a voz do Senhor que nos chama a amá-lO, não endureçamos os nossos corações. A Igreja insiste nisso, fazendo que os padres recitem esse verso no ofício de matinas: Hoje, se ouvirdes a voz do Senhor, não endureçais os vossos corações. Os judeus, apesar de toda a demonstração de bondade divina no deserto, não queriam ouvir a voz do Senhor e endureciam seus corações. Diante da mais perfeita demonstração do amor divino por nós, que é a Paixão, não endureçamos os nossos corações.  Ao ouvir a voz do Senhor que nos chama a amá-lO, não endureçamos os nossos corações.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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