8 de outubro de 2016

Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

Todavia, esta contemplação dos mistérios de Jesus não produzira em nós tão grandes frutos, se não pusermos da nossa parte certas disposições, que podemos reduzir a três : fé, reverência, amor.
A fé é a disposição primordial para nos pormos
em contato vital com Cristo.
São mistérios que celebramos, quer dizer, sinais humanos e visíveis duma realidade divina  e  invisível. Para compreender, para apalpar esta realidade, é preciso a fé. Cristo é ao mesmo tempo Deus e homem : n'Ele, o humano está sempre ao lado do divino.
Em cada um destes mistérios, veremos aparecer o homem e Deus ; muitas vezes até, como na Natividade e na Paixão a Divindade oculta-se mais que de ordinario ; para a apreender, para rasgar o véu e chegar até ela. para ver a Deus na criancinha deitada no presépio, no «amaldiçoado» suspenso do patíbulo no Calvário, para O ver sob as aparências eucarísticas, é preciso fé: Praestet fídes supplementum sensuum defectui .
Sem a fé, jamais penetraremos no íntimo dos mistérios de Jesus ; com ela, nada temos a invejar aos con­temporâneos de Cristo. Não vemos a Nosso Senhor como O viam os que com Ele viviam ; mas a fé permi-­te-nos contemplá-Lo e estar com Ele, unidos a Ele de modo não menos eficaz do que os seus contemporâneos. Dizemos às vezes : Oh ! se eu tivesse vivido no tempo d'Ele, se O tivesse podido seguir com a multidão, com os discípulos, servi-Lo como Marta, ouvi-Lo de joelhos
como Madalena ! - Ele, porém. disse: Beati qui non viderunt et crediderunt  «Felizes daqueles que não me viram e creram em mim». «Felizes» porquê? Porque o contato com Cristo pela fé não é menos fecundo para as nossas almas, nem sobretudo menos glorioso para Je­sus. a quem prestamos esta homenagem de crer n'Ele sem O ter visto. Nada temos a invejar aos discípulos
que viveram com Ele. Se tivermos fé, permaneceremos tão unidos a Jesus como aqueles que O viram com os olhos e O tocaram com as mãos.
Acrescentarei mais: para nós, o grau da nossa participação na graça de Jesus contida nos seus mistérios está na medida da nossa fé. - Vede o que se passava durante a Sua vida terrestre: os que viviam com Ele, os que tinham com Ele um contato material, como os pastores e os Magos no presépio, os Apóstolos e os  Judeus durante os anos da Sua vida pública, S. João e a Madalena ao pé da Cruz, os discípulos que O viram ressuscitado e subir ao céu, todas aquelas almas que O
procuravam recebiam a graça segundo o grau da sua fé. É sempre à fé que Jesus concede os milagres que Lhe pedem ; todas as páginas do Evangelho nos mostram que Ele faz da fé condição indispensável para receber a graça.
Ora, para nós, não há com Jesus o contato dos olhos : Ele subiu ao céu. Mas a fé substitui este olhar ; é o grau desta fé, como aliás para os contemporâneos de Cristo, juntamente com o amor, que marca o grau da nossa união com Ele. Nunca esqueçamos esta importante verdade: Jesus Cristo, sem o qual nada podemos e de cuja plenitude tudo recebemos, não nos  fará participar da
Sua graça senão na medida da nossa  fé.  Santo Agostinho diz que nos aproximamos do  Salvador,  não cami­nhando, mas pelos impulsos da nossa  fé: Non  enim ad Christum ambulando currimus, sed credendo. Assim quanto mais viva e mais profunda for esta  fé  em Jesus,Verbo Encarnado, Filho de Deus, mais intimamente nos aproximamos de Cristo.
A fé faz ainda nascer em nós dois outros sentimentos que devem completar a atitude  da  nossa alma em presença de Cristo: reverência e amor.
Devemos aproximar-nos de Cristo com a maior reverência. - Jesus Cristo é Deus, quer dizer, o Todo­  poderoso ; o Ser infinito que possui toda a sabedoria, toda a justiça, todas as perfeições : o Senhor soberano de todas as coisas : o Criador de tudo quanto há e o fim último de tudo quanto existe ; a fonte de toda a bem­ aventurança. Em toda a parte onde se encontra, Jesus é Deus. Mesmo quando se dá com o máximo de bondade e 1iberalidade, Ele é sempre Aquele diante de
quem os Anjos mais elevados velam a  face :  Adorant Dominationes,  tremunt Potestates.  No  presépio, deixa-se tomar  nos braços ; durante a Sua vida pública, deixa-se tocar ; o Evangelho diz-nos que a  «multidão O  apertava de todos os lados» : durante a Paixão, deixa-se esbofetear, açoitar, insultar : mas é sempre Deus. ­ Mesmo quando é flagelado, quando lhe cobrem a face de
escarros, quando expira na Cruz, é sempre Aquele que criou pelo Seu poder e governa com a Sua sabedoria o céu e a terra ; por isso, seja qual for a página do Evangelho que lermos ou o mistério de Jesus que celebrarmos, devemos adorá-Lo.
Quando a fé é viva, é tão profunda esta reverência que nos faz prostrar diante deste Homem-Deus para  O adorar:  Tu  es  Christus filius Dei vivi ;  «Sois o Cristo, o Filho de Deus vivo» ;  et procidens  adoravit eum : «e, prostrado por terra, adorou.-0».
A  adoração  é o primeiro  movimento da alma que a fé conduz a Cristo ; o segundo é o amor.
Dizia-vos há pouco: no fundo de todos os mistérios de Cristo está o amor. A humildade do presépio, a obscuridade da vida oculta, as fadigas da vida pública, os tormentos da Paixão, a glória da Ressurreição, tudo isto é devido ao amor : Cum  dilexisset suos,  in finem dilexit  eos.  É  sobretudo o amor que se revela e resplandece nos mistérios de Jesus. E é principalmente pelo
amor que os compreendemos:  Et nos credidimus caritati.
Se quisermos contemplar com fruto os mistérios de Cristo, é mister fazê-lo com fé e reverência, mas sobretudo com amor, com o amor que procura dar-se, entre­gar-se inteiramente  à  vontade divina para a cumprir.
Nestas condições, a contemplação dos mistérios de Jesus torna.-se fecunda: Qui autem diligit me ... manifestabo ei meipsum . «Se alguém me ama, diz Nosso Senhor, manifestar- me-ei a ele». Que querem dizer estas palavras? Se alguém me ama na  fé, se  alguém me contempla na minha Humanidade, nos estados da minha Encarnação, descobrir-lhe-ei os segredos da minha Divindade.
Ditosa, mil vezes ditosa, a alma em que se realizar tão magnífica promessa! Jesus Cristo revelar-lhe-á  «o dom divino»;  pelo Seu Espírito  <
beatífica, que é privilégio dos bem-aventurados no  céu ; mas inunda a alma das claridades  divinas que  a fortalecem na sua ascensão para Deus :  Scire  supereminentem scientiae caritatem Christi,  UT IMPLEAMNI I IN OMNEM PLENITUDlNEM DEI.
Aqui está a verdadeira  «fonte da  água viva a jor­rar para nós até à vida eterna »: Fons aquae salientis in vitam aeternam ; pois não  consiste  «a vida eterna, ó meu Deus, em Vos conhecer, em  conhecer o  Vosso  divino Filho» em proclamar com os nossos lábios e com a nossa vida que Jesus é o Vosso  Eílho  muito amado, o Filho da Vossa dileção, em quem  pusestes  todas as com­placências e no qual quereis  que  tudo  encontremos?

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