10 de agosto de 2016

Sermão para o 11º Domingo depois de Pentecostes – Padre Daniel Pinheiro, IBP


[Sermão] Sentido Espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 10: O Cânon Romano II – Te igitur e Memento vivorum



Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
 Ave Maria…
Caros católicos, continuamos hoje a tratar do significado espiritual das cerimônias da Santa Missa no Rito Romano Tradicional. Na última oportunidade, fizemos um comentário geral sobre o Canon Romano, a única oração eucarística na Missa Tradicional. O Canon Romano que, nas palavras do Concílio de Trento, é tão “puro de todo o erro, que nele não há nada que não exale a suma santidade e piedade, não há nada que não eleve a Deus as almas dos que o oferecem. O Cânon Romano que se compõe das palavras do próprio Senhor, das tradições dos Apóstolos e das piedosas instituições dos Sumos Pontífices. ” Vimos como o Canon Romano é uma fortaleza inviolável contra todo erro e toda heresia.
Começamos, hoje, a considerar cada oração do Canon Romano em particular. A primeira delas é o Te igitur. E a primeira letra dessa oração, quer dizer, a primeira letra do Canon Romano, é um T, que é uma das formas da cruz. Já a primeira letra do Canon nos indica, então, aquilo que ocorrerá durante a sua recitação pelo padre: a renovação do sacrifício da Cruz. Esse T do Te igitur foi sendo ornado, como cruz, nos Missais, até que, com o tempo, se começou a colocar Nosso Senhor Crucificado na página ao lado do início do Canon.
igitur significa a continuidade do Canon com o prefácio e o ofertório que lhe antecederam. No Te igitur nós pedimos e rogamos, suplicantes, para que Deus aceite o sacrifício que lhe será oferecido. Para exprimir a nossa humilhação diante de Deus e a nossa súplica, o padre, antes de pronunciar as palavras, faz gestos de súplica. Primeiro, eleva as mãos e os olhos, para dirigir-se a Deus, confiado na clemência divina. Depois, juntando as mãos apoiadas sobre o altar, inclina-se profundamente. Apoia-se no altar porque o altar representa Nosso Senhor Jesus Cristo. Somente apoiados em Cristo é que ousamos pedir algo a Deus. Profundamente inclinado, mostrando a nossa miséria diante de Deus, o padre começa a oração. Essa inclinação mostra também a humildade de Nosso Senhor no momento de seu sacrifício e as suas quedas durante o caminho da cruz. O Padre dirige-se a Deus chamando-o de clementíssimo, pois confia na misericórdia divina e sabe que Deus não usa de todo o rigor da sua justiça. A clemência é a virtude que tempera o rigor do castigo. O sacerdote dirige-se a Deus clementíssimo por meio de Jesus Cristo, o perfeito intermediário, pois é Filho de Deus e Senhor nosso. É pelo nome de Jesus que conseguimos todas as graças. É por Cristo que, suplicantes, ousamos rogar e pedir a Deus que aceite e abençoe esses dons, essas dádivas e esse santo sacrifício sem mancha. Rogar e pedir parecem ser sinônimos, mas, na verdade, não são. Rogamos quando não temos direito algum de exigir aquilo que desejamos. Pedimos quando temos o direito de sermos atendidos. Nessa oração, na Missa de um modo geral e mesmo na vida, não temos, por nós mesmos, direito algum de obter de Deus o que desejamos. Podemos apenas rogar. Todavia, unidos a Jesus Cristo e em nome dEle, podemos pedir. O sacerdote, aqui no Te Igitur, não só roga, mas ousa pedir, porque o faz em nome de Jesus Cristo e porque participa do sacerdócio de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O Padre, oscula (ósculo é o beijo litúrgico) o altar, ergue-se e, com as mãos estendidas, pede que Deus aceite e abençoe estes dons, estes presentes, e esse sacrifício. Dons e presentes podem também parecer sinônimos, mas os termos latinos empregados têm uma nuance importantíssima: donna, os dons, é aquilo que o superior dá ao inferior.Munera, presentes, é aquilo que o inferior dá ao superior. O sacrifício da cruz é um dom porque nos vem de Deus e é munera, um presente, porque nós o oferecemos a Deus. Para deixar ainda mais claro o que são esses dons e esses presentes, o padre fala em sacrifício ilibado, sem mancha, perfeito, que só pode ser, então, o sacrifício do Corpo e do Sangue de Cristo, Deus e Homem. Como no ofertório, o Te igitur considera, por antecipação, que o Corpo e o Sangue de Cristo já estão presentes, para mostrar que no momento da consagração é o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor que são oferecidos a Deus. Tendo pedido a Deus que abençoe esse sacrifício, o próprio Padre traça sobre as oblatas, isto é, sobre o pão e vinho, três sinais da cruz ao dizer dons, presentes e sacrifício ilibado. Antes de fazer o sinal da cruz, o padre osculou o altar para mostrar que a bênção procede de Nosso Senhor. O Te igitur mostra que a Missa é um sacrifício e ao dizer que se trata de um sacrifício ilibado, sem mancha, perfeito, nos mostra que é o sacrifício de Cristo.
Continua o Te igitur: In primis, em primeiro lugar esse sacrifício é oferecido pela Santa Igreja Católica. Em cada Missa, graças imensas são dadas à Igreja. São essas graças que mantêm a Igreja sempre santa, nunca pecadora. O padre, mantendo as mãos estendidas, pede quatro graças para a Igreja: a paz, a proteção, a manutenção da unidade e para que Deus a governe. Pede-se primeiro a paz. Uma paz exterior e uma paz interior. Que a Igreja possa ter a tranquilidade na ordem e possa assim propagar o Evangelho, a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Todavia, uma paz completa não é possível. A Igreja é combatida pelo mundo, cheio de descrença e de imoralidades. Ela deve resistir ao mundo. A sua paz não pode ser feita de acordos com o mundo. A Igreja é muitas vezes atacada também pelos seus próprios membros. A Igreja deve, então, combater e ser protegida por Deus. Vem, assim, o segundo pedido, para que Deus proteja a sua Igreja diante de todos os assaltos, para que seus membros permaneçam fiéis. Pede-se, em terceiro lugar, para que Deus mantenha a unidade de sua Igreja, para que todos permaneçamos na unidade da Igreja, unidade que se faz pela mesma fé, pela submissão à autoridade eclesiástica em suas ordens legítimas e pelos mesmos sacramentos.  Finalmente, pede-se para que Deus governe a sua Igreja por meio de bons pastores por toda a terra. Feito esse pedido, o padre reza especificamente pela hierarquia da Igreja. Primeiramente, o sacerdote reza pelo Papa, a quem professa estar unido. Depois, reza pelo bispo local, a quem também professa estar unido. Finalmente, reza pelos que professam a verdadeira fé e propagam a fé católica e apostólica, incluídos aí o restante do clero e os fiéis.
Nessa segunda parte do Te igitur, nós vemos as quatro notas da Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo: santa, católica, una e apostólica.
O sacerdote passa, após o Te igitur, à segunda oração do Canon: o Memento dos vivos. Após rezar pela hierarquia e pelos fiéis em geral, a Igreja dá ao Padre a possibilidade de rezar por algumas pessoas em favor de quem o sacrifício será oferecido de modo mais particular. Ora, no Calvário, pouco antes do sacrifício de Cristo, o bom ladrão pede a Jesus para que se lembre dele. E esse pedido do bom ladrão é atendido. Assim, o sacerdote pede a Deus que se lembre de algumas pessoas especificamente pouco antes da renovação de seu sacrifício. Esse pedido de lembrança dará frutos como deu o pedido de lembrança do bom ladrão, que se converteu. Ao dizer o nome das pessoas por quem reza especificamente, o padre une as mãos em posição de submissão completa a Deus, suplicando para que seja atendido.  Não custa lembrar: essa posição das mãos – juntas, com os dedos estendidos, polegares cruzados, direito sobre o esquerdo – é a posição do vassalo diante de seu suserano ao prometer fidelidade e submissão a ele. A simples posição da mão do padre mostra a sua inteira submissão diante de Deus.
Após nomear algumas pessoas especificamente, o padre pede por todos aqueles que estão presentes na Missa, por todos aqueles que estão diante do altar assistindo à Missa. Uma graça particular é dada na Missa para aqueles que a ela assistem. Daí, entre outras razões, a importância de se assistir à Missa com a maior frequência possível. Daí a importância de trazer à Missa os bebezinhos, pois também eles recebem graças ao estarem diante do altar. Daí valer a pena o esforço dos pais de trazer as crianças para a Missa. Todavia, as graças recebidas por cada um na Santa Missa dependem das disposições interiores. O sacerdote menciona, então, a fé e a devoção de cada um, conhecidas por Deus. Aqueles que têm uma fé mais firme, que vivem da fé, aqueles que têm a prontidão em fazer a vontade de Deus em todas as coisas (isso é a devoção), receberão mais e maiores graças. Por esses presentes que têm a fé e a devoção conhecidas por Deus, o sacerdote oferece esse sacrifício de louvor, quer dizer, esse sacrifício de adoração, pelo qual reconhecemos o soberano domínio de Deus e queremos nos submeter a Ele. Esse sacrifício é também oferecido pela redenção da alma dos presentes e dos seus. Quer dizer, é sacrifício que aplaca a ira divina, pagando o preço do ultraje de nossos pecados e é sacrifício que dá para a nossa alma a graça do arrependimento. É um sacrifício também oferecido pela esperança de salvação e para a proteção, quer dizer, para nos alcançar as graças de que precisamos para a nossa salvação. E esses por quem o sacrifício é oferecido dirigem a Deus as suas preces. Mas o vota sua em latim é mais do que as simples preces. É no fundo a própria vida que a pessoa oferece a Deus em união com o sacrifício de Cristo. Aqueles que querem se beneficiar profundamente do sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, renovado no altar, devem colocar nas mãos de Deus a própria vida, oferecendo a Ele tudo o que são e tudo o que possuem.
É interessante notar um detalhe importante nessa oração do Memento dos vivos. Nela, o padre diz que os próprios fiéis oferecem o sacrifício. Todavia, não se trata de igualar fiéis e padre. Os fiéis oferecem esse sacrifício no sentido de que o oferecem a Deus por meio do sacerdote e no sentido de que podem apresentar as suas intenções pessoais em união com o sacrifício realizado pelo sacerdote. Lembremo-nos aqui das palavras ditas no Orate Fratres: Orai irmãos para que o meu e o vosso sacrifício seja agradável diante de Deus Pai. Nessas palavras, está dito “meu e vosso sacrifício”, pois distinto é o papel do sacerdote e dos fiéis no sacrifício da Missa. O sacerdote age na pessoa de Cristo, como outro Cristo, oferecendo realmente o sacrifício. Os fiéis se unem ao sacrifício oferecido pelo sacerdote, do qual tiram grande proveito. Sacerdote e leigos têm função bem distinta durante a Santa Missa.
Nessa segunda oração do Canon Romano, o Memento dos vivos, nós vemos claramente a Missa como sacrifício de louvor e como sacrifício de redenção, isto é, para o perdão de nossas faltas. Vemos, ainda, nessa oração, a Missa como sacrifício de salvação, ou seja, como sacrifício que nos obtém as graças para a nossa salvação. A Missa como sacrifício de ação de graças estava mostrada claramente no Prefácio.
Essas duas primeiras orações são um pedido pela Igreja militante, pela sua hierarquia, por todos os seus membros, por aqueles que o padre menciona em particular, pelos que estão presentes e pelas intenções dos presentes. São orações que mostram claramente a natureza da Missa: o sacrifício do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. São orações belíssimas, de profunda espiritualidade e de profunda doutrina. Por isso mesmo, os inimigos da Igreja sempre quiseram destruir o Canon Romano.
Aproveitemos, caros católicos, o melhor conhecimento dessas orações, para nos unirmos mais perfeitamente ao sacrifício de Cristo, que se renovará em instantes sobre o altar, rezando por toda a Igreja militante, em particular pela hierarquia, e oferecendo-nos inteiramente a Deus.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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