29 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

CAPÍTULO III

Reflexões sobre a flagelação, a coroação de espinhos e crucifixão de Jesus Cristo
Sobre a flagelação.
1. Escreve S. Paulo a respeito de Jesus Cristo: “Aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de escravo” (Fl 2,7). S. Bernardo acrescenta o seguinte a esse texto: “Não só a tomou a forma e escravo, para viver sujeito, mas a de mau escravo para ser açoitado”. É certo que a flagelação foi o tormento mais cruel que abreviou a vida de nosso Redentor, porque a grande efusão de sangue (já por ele predita, quando disse: Este é o meu sangue do Novo Testamento, que será derramado por muitos (Mt 26,2), foi a causa principal de sua morte. É verdade que esse sangue foi derramado primeiramente no horto, na coroação de espinhos, na crucifixão, em maior abundância, porém, na flagelação. Ela foi para Jesus Cristo sumamente vergonhosa e oprobriosa, pois era o castigo reservado aos escravos, como se deduz do L. Servorum f. f. de Poenis. Os tiranos, depois de haver condenado à morte os santos mártires, mandavam que fossem antes flagelados e depois trucidados. Nosso Senhor, porém, foi flagelado antes de ser condenado à morte. Ele mesmo havia anunciado a seus discípulos de modo particular essa flagelação: “Será entregue aos gentios, encarnecido e açoitado” (Lc 18,32), querendo significar-lhe as grandes dores que lhe traria esse tormento.
2. Foi revelado a S. Brígida que um dos algozes mandou que Jesus se despojasse por si mesmo de suas vestes; ele obedeceu e abraçou em seguida a coluna à qual foi amarrado e então flagelado tão cruelmente que seu corpo ficou todo dilacerado. Diz a revelação que os açoites não só feriam como também rasgavam suas carnes sacrossantas (Revel. 1.4 c. 70). E foi de tal maneira dilacerado, que se viam no peito as costelas descobertas. Quadra com isso o que escreve S. Jerônimo: “Os açoites retalharam o sacratíssimo corpo de Deus” (In Mt) e S. Pedro Damião, afirmando que os algozes tanto se
fatigaram na flagelação que chegaram a perder as forças. Tudo isso há havia predito Isaías, quando dizia: “Ele foi quebrantado por nossos crimes” (53,5). Quebrantado significa o mesmo que moído, pisado. Ó meu Jesus, sou eu um dos vossos mais cruéis carrascos, que vos flagelei com os meus pecados; tende, porém, piedade de mim. Ó meu amável Salvador, é muito pouco um coração para vos amar. Não quero viver mais para mim mesmo, mas viver só para vós, meu amor, meu tudo. Digo-vos, pois, com S. Catarina de Gênova: “Ó amor, ó amor, não mais pecados”. Basta quanto vos ofendi; espero agora ser vosso e com vossa graça quero ser sempre vosso por toda a eternidade.

Sobre a coroação de espinhos.
1. A Santíssima Virgem revelou a S. Brígida que a coroa de espinhos cingia toda a sagrada cabeça de seu Filho até ao meio da fronte e que os espinhos foram enterrados com tanta violência que o sangue escorria em torrentes pela face, de modo que o rosto de Jesus parecia todo coberto de sangue (Revel. c. 70). Escreve Orígenes que essa coroa de espinhos não foi retirada da cabeça do Senhor senão depois de haver ele expirado na cruz. Sendo a veste interior de Jesus não costurada, mas tecida por inteiro, não foi dividida entre soldados, como as outras vestes exteriores, mas posta a sorte, segundo S. João (19,20 e 24). Ora, devendo tirar-se essa veste pela cabeça ao ser Jesus dela despojado, segundo a opinião de vários autores, foi-lhe tirada a coroa e novamente reposta antes de ser cravado na cruz.
2. Está escrito no Gênesis: “Amaldiçoada será a terra na tua obra... ela te produzirá espinhos e abrolhos” (Gn 3,17-18). Esta maldição foi fulminada por Deus contra Adão e contra toda a sua descendência. Sob a expressão terra entende-se aí não somente a terra material, mas também a carne humana que, infeccionada pelo pecado de Adão, não gera senão espinhos de culpas. Para remediar justamente esta infecção, diz Tertuliano (Lb. cont. Hebr.), era necessário que Jesus Cristo oferecesse a Deus em sacrifício esse grande tormento da coroação de espinhos. Esse tormento de espinhos, além de ser extremamente doloroso, foi acompanhado de bofetadas, de escarros e dos sarcasmos dos soldados, como escrevem S. Mateus e S. João. “E tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha sobre a cabeça e uma cana em sua direita e ajoelhando-se perante ele o escarneciam dizendo: Ave, rei dos judeus, e cuspindo-lhe no rosto tomavam-lhe a cana e batiam-lhe na sua cabeça” (Mt 27,29 e 30). E o envolveram com uma veste purpúrea e chegando-se a ele diziam-lhe: Ave, rei dos judeus, e davam-lhe bofetadas (Jo 19,2). Ah, meu Jesus, quantos espinhos eu ajuntei a essa coroa com meus pensamentos a que dei consentimento! Desejaria morrer de dor; perdoai-me pelos méritos daquelas dores que suportastes justamente para me perdoardes. Ah, meu Senhor tão dilacerado e vilipendiado, vós vos sobrecarregais com tantas dores e desprezos para mover-me e compadecer-me de vós e para que vos ame ao menos por compaixão e não vos cause mais desgosto: Basta, meu Jesus, não insistais em padecer mais: já estou persuadido do amor que me tendes e eu vos amo com toda a minha alma. Vejo, porém, que para vós não é bastante, não estais saciado de penas, o que se dará só depois de vos ver morto de dores na cruz. Ó bondade, ó caridade infinita, infeliz o coração que vos não ama.

Sobre a crucifixão.
1. A cruz começou a atormentar a Jesus Cristo antes mesmo de ser nela pregado, já que depois da condenação de Pilatos teve de levar até ao Calvário a cruz em que devia morrer e ele, sem oposição, tomou-a sobre seus ombros. “E levando sua cruz às costas, saiu para aquele lugar que se chama Calvário” (Jo 19,17). Falando desse acontecimento, escreve S. Agostinho: “Se se atender à crueldade, que usou com Jesus Cristo, fazendo-o carregar pessoalmente seu patíbulo, foi isso um grande opróbrio; mas se se olhar para o amor com que Jesus Cristo abraçou a cruz, foi um grande mistério (In Jo. trat. 117). Levando a cruz, quis o nosso capitão desfraldar a bandeira sob a qual deveriam arrolar-se e militar os seus sequazes nesta terra, para assim se tornarem depois seus companheiros no reino dos céus. S. Basílio, falando deste passo de Isaías: Nasceu-nos um menino e foi-nos dado um filho e sobre seus ombros foi posto o principado (Is 9,6), diz que os tiranos da terra agravam seus súditos com encargos injustos, para aumentar o seu poder: Jesus Cristo, pelo contrário, quer aliviar-nos o peso da cruz e levá-la morrendo nela para obter-nos a salvação. É também certo que os reis da terra colocam seu poder na força das armas e no acervo de riquezas. Jesus Cristo, porém, fundou seu principado no ludíbrio da cruz, humilhando-se e padecendo, e de boa vontade se sujeitou a levá-la nessa viagem dolorosa para, com seu exemplo, dar-nos coragem de abraçar com resignação a sua cruz e assim segui-lo. Fala a todos os seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, abnegue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).
2. Vem a pêlo notar aqui as belas expressões com que S. João Crisóstomo saúda a cruz. Ele a chama: “Esperança dos desprezados”. Que esperança de salvar-se teriam os pecadores, se não fosse a cruz em que Jesus Cristo morreu para remi-los? “Guia dos navegantes”. A humilhação que nos vem da cruz (isto é, da tribulação) é a causa de obtermos nesta vida como num mar cheio de perigos, a graça de observar a lei divina e, se a transgredimos, a de nos emendar, segundo afirma o Profeta: “Para mim foi bom que me humilhaste, para que eu aprenda as tuas justificações”. (Sl 118,17). “Conselheira dos justos”. Os justos tiram da adversidade motivo e razão para unirem-se mais com Deus. “Alívio dos atribulados”. Donde tiram os aflitos maior lenitivo senão do aspecto da cruz, na qual morreu, cheio de dores por seu amor, seu Redentor e seu Deus? “Glória dos mártires”. Foi esta a glória dos santos mártires, poder unir suas penas e morte às que Jesus Cristo suportou na cruz, como diz S. Paulo: “Para mim, não há outra glória do que a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6,14). “Médico dos doentes”. Oh! que grande remédio é a cruz para muitos que estão enfermos de espírito! As tribulações os esclarece e os desprendem do mundo. “Fonte para os que têm sede”. A cruz, isto é, sofrer por Jesus Cristo, é o desejo dos santos. S. Teresa dizia: Ou padecer ou morrer, e S. Maria Madalena de Pazzi ia adiante e dizia: Padecer e não morrer, como se recusasse morrer e ir gozar no céu para ficar nesta terra a padecer. Afinal, falando em geral dos justos e dos pecadores, a cada um toca a sua cruz. Os justos, apesar de gozarem da paz de consciência, têm as suas vicissitudes: ora são consolados pelas visitas de Deus, ora afligidos pelas contrariedades e enfermidades corporais e em especial pelas desolações, pelas trevas e tédio de espírito, pelos escrúpulos, pelas tentações, pelos temores da própria salvação. Muito mais pesada, porém, é a cruz dos pecadores, os remorsos de consciência que os atormentam, os temores dos castigos eternos que de quando em quando se apoderam deles, e as angústias que sofrem nas adversidades. Os santos nas contrariedades se resignam com a vontade divina e sofrem em paz. Mas como poderá resignar-se o pecador com a vontade de Deus, se ele vive em sua inimizade? As penas dos inimigos de Deus são só penas sem nenhum conforto. Por isso dizia S. Teresa que quem ama a Deus abraça a cruz e com isso não a sente, mas quem não ama a Deus abraça a cruz e com isso não a sente, mas quem não ama a Deus, arrasta a força a cruz e assim não pode deixar de sentir-lhe o peso.
Continua...

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Dia 29/3 - Não se esqueça de que Jesus quer se servir de você na sua situação atual.

28 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

Rei dos mártires.
1. S. Ambrósio, falando da paixão de nosso Senhor, escreve que Jesus, nas dores que por nós sofreu, “teve êmulos; nunca, porém, imitadores” (In Lc 22). Procuraram os santos imitar Jesus Cristo nos sofrimentos, para se tornarem semelhantes a ele, mas qual deles chegou a igualá-lo nos seus tormentos? Ele certamente padeceu por nós mais do que todos os penitentes, todos os anacoretas e todos os mártires, pois Deus o encarregou de satisfazer por todos os pecados dos homens ao rigor de sua divina justiça: “E o Senhor pôs sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,2). S. Pedro diz que Jesus “carregou
com os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro” (1Pd 2,24) e S. Tomás escreve que Jesus Cristo ao remir-nos não só teve em vista a virtude e o mérito infinito que possuíam as suas dores, mas quis também sofrer uma dor que bastasse para satisfazer plenamente e com rigor por todos os pecados do gênero humano (III q. 46, a. 6). E S. Boaventura: “Quis sofrer tanta dor como se tivesse feito todos os pecados”! O próprio Deus soube agravar as penas de Jesus que elas fosse proporcionadas ao inteiro pagamento de todas as nossas dívidas, com o que combina o dito de Isaías: “E o Senhor quis triturá-lo na sua enfermidade” (Is 53,10). “Pelo que se lê na vida dos santos mártires, parece que alguns deles sofreram dores mais acerbas que Jesus Cristo. Mas S. Boaventura diz que as dores de mártir algum poderão ser comparadas em vivacidade às do nosso Salvador, que foram as maiores possíveis na vida presente” (De pass. Cti.). O mesmo é confirmado por S. Tomás. “As dores de Cristo foram as maiores possíveis na vida presente” (III q. 46, a. 6). E S. Lourenço Justiniano diz que Nosso Senhor em cada tormento que sofreu, em razão da acerbidade da dor, experimentou todos os suplícios dos mártires (De agon. Cti.). Tudo isso já o predissera em poucas palavras o rei Davi, quando, falando da pessoa de Cristo, dizia: “Sobre mim se desfechou o teu furor... Sobre mim passaram as tuas iras (Sl 87,8-17). Assim toda a ira divina concebida contra os nossos pecados foi descarregada sobre a pessoa de Jesus Cristo, tornando-se claro o que dele diz o Apóstolo: “Fez-se por nós maldito” (Gl 3,13).
2. Até agora temos falado senão unicamente das dores externas de Jesus Cristo. Mas quem poderá explanar as suas dores internas, que sobrepujaram mil vezes as externas? Essas penas internas foram tão acerbas, que no horto de Getsêmani o fizeram suar sangue de todo o seu corpo e afirmar que bastavam para dar-lhe a morte: “Triste está a minha alma até à morte” (Mt 26,38). E se essa tristeza era suficiente para matá-lo, por que não morre? Porque ele mesmo impede a morte, responde S. Tomás, querendo conservar a vida para poder sacrificá-la pouco depois do patíbulo da cruz. Essa tristeza do horto afligiu tão dolorosamente a Jesus Cristo, porque ele a suportou durante sua vida inteira, visto que desde que começou a viver teve sempre diante dos olhos os motivos de sua dor interna. Entre esses motivos, o mais doloroso foi-lhe ver a ingratidão dos homens ao amor que lhes testemunhava na sua paixão. Apesar de aparecer no horto um anjo a confortá-lo, segundo S. Lucas (22,43), contudo esse conforto em vez de aliviar-lhe a pena mais a acerbou. “O conforto não diminuiu, mas aumentou a dor”, diz o Ven. Beda. O anjo o confortou a padecer com mais ânimo pela salvação do homem, representando-lhe a grandeza do fruto de sua paixão, mas não lhe diminuiu a grandeza da dor. Imediatamente depois da aparição do anjo, escreve o evangelista, Jesus entrou em agonia e suou sangue em abundância, chegando a molhar a terra. (Lc 22,43 e 44). S. Boaventura afirma que a dor de Jesus chegou ao auge, de
maneira que o aflito Senhor ao ver as penas que devia sofrer no fim de sua vida ficou tão espavorido que suplicou a seu Pai que o livrasse desse tormento: “Meu Pai, se for possível, passe de mim este cálice” (Mt 26,39). Isso ele o diz não para se ver livre de tal pena, já que ele se oferecera a sofrê-la espontaneamente: “Foi oferecido porque ele mesmo o quis”, mas para nos fazer compreender a angústia que sentia, submetendo-se a essa morte tão dolorosa para os sentidos. Seguindo, porém, a razão, ele, tanto para secundar a vontade do Pai, como para obter-nos a salvação que tanto desejava, ajuntou imediatamente: “Contudo não se faça como eu quero, mas como vós o quereis”. E continuou a rezar assim e a resignar-se: “E rezou pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras” (Mt 26,39 e 44).

A vítima.
1. Mas sigamos as predições de Isaías. Ele predisse as bofetadas, as punhadas, os escarros e outros maus tratos que Jesus sofreu na noite que precedeu a sua morte, por meio dos carrascos que o conservaram preso no palácio de Caifás para conduzi-lo na manhã seguinte a Pilatos, a fim de o condenar à morte de cruz: “Eu entreguei o meu corpo aos que me feriam e as minhas faces aos que me arrancavam cabelos da barba; não virei o meu rosto dos que me afrontavam e cuspiam em mim” (Is 50,6). Esses maus tratos foram descritos por S. Marcos, que ajunta que esses algozes, tratando Jesus de falso profeta, escarneceram-no, cobrindo-lhe a face com um pano, dando-lhe punhadas e bofetadas e o importunavam a que profetizasse quem lhe havia batido (Mc 14,65). Continuando, Isaías fala da morte de Jesus: “Será levado à morte como uma ovelha ao matadouro” (53,7). Lê-se nos Atos dos Apóstolos (8,32) que o eunuco da rainha Candace, lendo esse passo, perguntou a S. Filipe de quem se entendiam essas palavras e o santo explicou-lhe todo o mistério da redenção, operado por Jesus Cristo. O eunuco então por Deus iluminado quis ser batizado imediatamente. Isaías prediz em seguida o grande fruto que recolheria o mundo da morte do Salvador, devendo ela produzir espiritualmente muitos santos: “Se tiver dado sua alma pelo pecado, verá a sua descendência perdurável... com sua ciência, aquele mesmo justo, meu servo, justificará a muitos (53,10 e 11).
2. Davi também predisse outras circunstâncias mais particulares da paixão de Jesus, especialmente no salmo 21. Aí, afirmou que deveria ter as mãos e os pés atravessados por cravos, podendo-se contar todos os seus ossos (21,18 e 19).Predisse que antes de ser crucificado lhe arrancariam as vestes, que seriam distribuídas entre os carnífices: isso quanto às vestes exteriores, porque a interior, que era inconsútil, deveria ser posta em sorte (v. 19). Essa profecia foi relatada por S. Mateus (c. 27 v. 35) e S. João (c. 19 v. 23). O que escreve S. Mateus das blasfêmias e zombarias dos judeus contra Jesus pregado
na cruz: “E os que passavam por ali o blasfemavam, movendo suas cabeças e dizendo: Ah, tu que destróis o templo de Deus e em três dias o reedificas! salva-te a ti mesmo; se és o Filho de Deus, desce da cruz!” Do mesmo modo também os príncipes dos sacerdotes, escarnecendo com os escribas e anciãos, diziam: Salvou a outros e a si mesmo não se pode salvar; se é o rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos nele. Confiou em Deus, livre-o agora se o ama, pois disse: “Que sou o Filho de Deus” (Mt 27,39 a 43), já Davi havia predito com estas palavras: “Todos os que me viam escarneciam de mim, falavam com os lábios e menearam com a cabeça. Esperou no Senhor, livre-o, salve-o se é que o ama” (Sl 21,8-9).

Abandonado por todos.
1. Predisse ainda Davi o grande tormento que Jesus deveria sofrer na cruz, vendo-se abandonado de todos e até de seus discípulos, afora S. João e a Santíssima Virgem. Esta mãe amorosa com suas presença não diminuía a pena do Filho, mas antes a aumentava, em razão da compaixão que sentia Jesus, vendo-a tão aflita, por causa de sua morte. E assim é que o pobre Senhor nas angústias de sua morte não teve quem o consolasse, o que já foram profetizado por Davi: “Esperei que alguém se entristecesse comigo e ninguém apareceu e esperei que alguém me consolasse e não o achei” (Sl 68,21). Mas a maior pena de nosso atribulado Redentor foi a de ver-se abandonado até por seu eterno Pai, exclamando então, como já previra Davi: “Deus, olhai para mim! Por que me abandonastes? Os clamores de meus pecados são causa de estar longe de mim a salvação” (Sl 21,2). Como se dissesse: Meu Pai, os pecados dos homens (que chamo meus, porque deles me encarreguei) me impedem de me libertar destas dores, que me dão cabo da vida e vós, meu Deus, por que me abandonais no meio de tantas aflições? A estas palavras de Davi correspondem as de S. Mateus, narrando o que disse Jesus pouco antes de sua morte: “Eli, Eli, lamma sabacthani?” Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes? (Mt 27,46).
2. De tudo isso bem se deduz quão injustamente se recusaram os judeus a reconhecer Jesus Cristo como seu Messias e Salvador, por ter ele padecido uma morte tão ignominiosa. Eles, porém, não se dão conta de que se Jesus Cristo, em vez de morrer como réu na cruz, tivesse tido uma morte honrosa e gloriosa aos olhos dos homens, não seria mais o Messias prometido por Deus e predito pelos profetas, os quais muitos séculos antes haviam anunciado que nosso Redentor deveria morrer saciado de dores. “Oferecerá a face ao que o ferir e será saciado de opróbrios” (Lm 3,30). Todas essas humilhações e todos esses sofrimentos de Jesus Cristo, já preditos pelos profetas, não chegaram nem sequer ao conhecido de seus discípulos senão depois de sua ressurreição e ascensão ao céu. “Não tiveram conhecimento destas coisas anteriormente seus discípulos, mas quando Jesus foi glorificado recordaram-se de que essas coisas foram escritas a respeito dele e assim lhe fizeram” (Jo 12,16).

Copiosa redenção.
1. Em suma, com a paixão de Jesus Cristo, suportada com tantas dores e ignomínias, se realizou o que escreveu Davi: “A justiça e a paz se deram o ósculo” (Sl 84,11), pois, pelos merecimentos de Jesus Cristo, os homens obtiveram a paz com Deus e em razão da morte do Redentor a justiça divina ficou satisfeita superabundantemente. Diz-se superabundantemente, porque, para remir-nos, não era necessário que Jesus sofresse tantos tormentos e tantos opróbrios, mas bastava uma só gota de seu sangue, uma simples súplica sua para salvar o mundo inteiro. Ele, porém, para aumentar a nossa confiança e para mais nos inflamar em seu amor, quis que nossa redenção não fosse simplesmente suficiente, mas superabundante, como predisse Davi: “Espere Israel no Senhor, porque no Senhor está a misericórdia e nele se encontra copiosa redenção” (Sl 129,6). A mesma coisa exprimira Jó quando, falando da pessoa de Cristo, disse: “Oxalá pesassem numa balança os meus pecados, pelos quais mereci a ira e a calamidade que padeço: Ver-se-ia que esta era mais pesada que a areia do mar” (Jó 6,2). Também aqui Jesus por boca de Jó chamou pecados seus e nossos pecados, já que se obrigara a satisfazer por nós, para fazer nossa a sua justiça (st. Ag. s. 21). Por isso a glossa assim comenta o citado texto de Jó: “Na balança da justiça divina a paixão de Cristo pesa mais que os pecados da natureza humana”. S. Lourenço Justiniano por essa razão encoraja todo pecador realmente arrependido a esperar com certeza o perdão pelos merecimentos de Jesus Cristo, dizendo-lhe: “Mede teus delitos com as aflições que Cristo padeceu”. As vidas de todos os homens não seriam suficientes para satisfazer por um só pecado, mas os tormentos de Jesus Cristo pagaram por todos os nossos delitos. “Ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2,2). Isso significa: Pecador, não meças tuas culpas com tua contrição, desde que todas as tuas obras não podem obter-te o perdão; mede-as antes com os sofrimentos de Jesus Cristo e deles espera o perdão, pois teu Redentor pagou abundantemente por ti.
2. Ó Salvador do mundo, nas vossas carnes dilaceradas pelos flagelos, nos espinhos, nos cravos, reconheço o amor que me tendes e a minha ingratidão cumulando-vos de injúrias depois de tanto amor: vosso sangue, porém, é minha esperança, pois, com o preço desse sangue, me livrastes do inferno tantas vezes por mim merecido. Ó Deus, que seria de mim por toda a eternidade, se não tivésseis pensado em salvar-me por meio de vossa morte? Miserável que sou, eu sabia que, perdendo a vossa graça, me condenava a mim mesmo a viver para sempre no desespero e longe de vós no inferno, e assim mesmo ousei muitas vezes voltar-vos as costas. Torno, porém, a repetir: vosso sangue é minha esperança. Oh! tivesse antes morrido e não vos tivesse ofendido. Ó bondade infinita, mereceria ficar cego e vós me iluminastes com nova luz; mereceria ficar mais endurecido e vós me comovestes e compungistes. Agora detesto mais do que a morte os desprezos que vos fiz e sinto um grande desejo de vos amar. Estas graças que de vós recebi asseguram-me que já me perdoastes e que me quereis salvar. Ah, meu Jesus, e quem poderá deixar de amar-vos no futuro e amar alguma coisa fora de vós? Eu vos amo, ó meu Jesus, e em vós confio, aumentai em mim esta confiança e este amor, para que de hoje em diante me esqueça de tudo e não pense senão em amar-vos e dar-vos prazer. Ó Maria, Mãe de Deus, obtende-me que seja fiel a vosso Filho, e a meu Redentor.

365 dias com Padre Pio - frases para cada dia do ano

Dia 28/3 - Que você imite Jesus crucificado, que viva para Ele, a fim de ressuscitar com Ele para glória eterna.

27 de março de 2024

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

CAPÍTULO II

Reflexões particulares sobre os padecimentos de Jesus Cristo na sua morte

O homem das dores.
1. Vamos considerar as penas particulares que Jesus Cristo sofreu na sua paixão e que já há muitos séculos foram preditas pelos profetas, especialmente por Isaías no capítulo 53. Este profeta, como dizem S. Ireneu, S. Justino, S. Cipriano, e outros falou tão claramente dos sofrimentos de nosso Redentor, que parece ser um outro evangelista. S. Agostinho afirma que as palavras de Isaías, referentes
à paixão de Jesus Cristo, requerem mais as nossas reflexões e lágrimas que explicações dos sagrados intérpretes. Hugo Grotius escreve que os próprios judeus antigos não puderam negar que Isaías falava do Messias prometido por Deus (De ver. relig. Cti. l.5, § 19). Alguns quiseram aplicar os passos de Isaías a outros personagens nomeados nas Escrituras, fora de Jesus Cristo. Mas diz Grotius: “Quem poderá nomear um dos reis ou dos profetas a quem quadrem essas coisas? Seguramente ninguém”. Assim escreve esse autor, apesar de ele mesmo ter várias vezes tentado aplicar a outras pessoas as profecias que falavam do Messias. Isaías escreve: “Quem deu crédito ao que nos ouviu? E a quem foi revelado o braço do Senhor?” (53,1). Isso se realizou exatamente, como diz S. João, quando os judeus, não obstante terem visto tantos milagres operados por Jesus Cristo, que bem o mostravam como o Messias enviado por Deus, não quiseram crer nele (Jo 12,37-38). Quem dará crédito a quanto foi por nós ouvido? perguntava Isaías, e quem reconheceu o braço, isto é, o poder do Senhor? Com essas palavras predisse Isaías a obstinação dos judeus em não querer crer em Jesus Cristo como o seu Redentor. Figurava-se-lhes que o Messias deveria circundar-se neste mundo de uma grande pompa, vivendo entre homens de sua grandeza e poder, triunfando de todos os seus inimigos, enchendo de riquezas e honras o povo judeu. Mas a coisa era outra. O profeta ajunta as palavras acima referidas: “Subirá como arbusto diante dele e como raiz que sai de uma terra sequiosa” (Is 52,2). Julgavam os judeus que o Salvador deveria aparecer qual soberbo cedro do Líbano. Isaías, porém, predisse que se faria ver como um arbusto humilde ou como uma raiz que nasce de uma terra árida, privada de toda a beleza e esplendor: “Não tem beleza nem formosura!”
2. Continua então Isaías a descrever a paixão de Jesus Cristo: “E nós o vimos e não tinha aparência e nós o desejamos” (Is 53,2). Tendo-o contemplado, desejamos reconhecê-lo, mas não o pudemos, porque nada mais divisamos que um homem de dores: “Um objeto de desprezo e o último dos homens, um homem de dores... por isso nenhum caso fizemos dele” (Is 53,3). Adão, pelo orgulho de não querer obedecer ao preceito divino, trouxe a ruína para todos os homens. O Redentor, com sua humildade, quis curar uma tal desgraça, contentando-se com ser tratado com o último e mais abjeto dos homens, reduzido a extrema baixeza. Isso faz S. Bernardo exclamar: “Ó baixíssimo e altíssimo! ó humilde e sublime! ó opróbrio dos homens e glória dos anjos! Ninguém mais sublime que ele, ninguém mais humilde” (Serm. 37). Se, pois, o Senhor mais alto que todos, ajunta o santo, se tornou o mais baixo, nenhum de nós deve ambicionar ser anteposto aos demais e temer ser preferido por alguém. Eu, porém, ó meu Jesus, tenho medo de ser posposto a alguém, e desejaria ser preferido a todos. Senhor, dai-me humildade. Vós, meu Jesus, com tanto amor abraçais os desprezos, para ensinar-me a ser humilde e amar a vida oculta e abjeta e eu quero ser estimado por todos e fazer figura em tudo. Ah, meu Jesus, dai-me o vosso amor, que ele me tornará semelhante a vós. Não me deixeis viver mais ingrato ao amor que me dedicais. Vós sois o todo poderoso, tornai-me humilde, tornai-me santo, tornai-me todo vosso. “O varão de dores”, denominou-o ainda Isaías. A Jesus Crucificado muito bem se aplica o texto de Jeremias: “Grande como o mar é a tua dor” (Lm 2,13). Como no mar deságuam todas as águas dos rios,
assim em Jesus Cristo se reuniram para atormentá-lo todas as dores dos enfermos, todas as penitências dos anacoretas e todas as contusões e vilipêndios suportados pelos mártires. Ele foi cumulado de dores na alma e no corpo. “E todas as tuas ondas fizeste vir sobre mim” (Sl 87,8). Meu Pai, dizia nosso Redentor pela boca de Davi, dirigistes sobre mim todas as ondas de vosso desprezo e na morte afirmava que expirava submerso num mar de dores e de ignomínias: “Cheguei ao alto mar, e a tempestade me submergiu” (Sl 68,3). Escreve o Apóstolo que Deus, mandando seu Filho pagar com seu sangue as penas devidas às nossas culpas, queria com isso demonstrar quão grande era a sua justiça. “Jesus Cristo, a quem Deus propôs para ser vítima de propiciação pela fé em seu sangue, a fim de manifestar a sua justiça” (Rm 3,25). Notai, para manifestação de sua justiça!

Em forma de escravo.
1. Para fazer idéia do quanto padeceu Jesus Cristo durante sua vida e especialmente na sua morte, é preciso considerar o que disse o mesmo Apóstolo na carta aos Romanos: “Deus, enviando seu Filho em carne semelhante à do pecado, condenou o pecado na carne por causa do mesmo pecado” ( Rm 8,3). Jesus Cristo, enviado pelo Pai a remir o homem, revestido da carne infecta do pecado de Adão, apesar de não ter contraído a mancha do pecado, contudo tomou sobre si as misérias contraídas pela natureza humana em castigo do pecado, e se ofereceu ao Padre eterno a satisfazer com suas penas a justiça divina por todas as culpas dos homens: “Foi oferecido porque ele mesmo quis” e o Pai “carregou sobre ele a iniqüidade de todos nós”, como escreve Isaías (53,7 e 6). Eis, pois, Jesus carregado com todas as blasfêmias, com todos os sacrilégios, torpezas, furtos, crueldades, com todas as malvadezas que cometeram e cometerão ainda todos os homens. E ei-lo em suma feito o objeto de todas as maldições divinas aos homens por seus crimes. “Cristo nos remiu da maldição da lei, fazendo-se por nós maldito” (Gl 3,13). As dores, que Jesus sofreu, tanto internas como externas, sobrepujaram imensamente todas as possíveis nesta vida (III q. 46 a. 6). Quanto à dor externa do corpo, basta saber que Jesus recebeu do Pai um corpo adaptado especialmente para sofrer. “Preparastes-me um corpo” (Hb 10,5). Nota S. Tomás que Nosso Senhor padeceu no tato, pois lhe foram rasgadas as carnes; no gosto, com fel e vinagre; no ouvido, com as blasfêmias e zombarias que lhe dirigiam; na vista, vendo sua mãe assisti-lo na morte. Padeceu também em todos os seus membros: a cabeça foi atormentada com os espinhos, as mãos e os pés com os cravos, a face com as bofetadas e escarros, todo o seu corpo com os açoites, na maneira já indicada por Isaías, isto é, que o Redentor na sua paixão ia se tornar semelhante a um leproso, que não possui um membro são, causando horror a quem o vê, por ser uma só chaga da cabeça aos pés. Basta dizer que Pilatos julgou poder livrar Jesus da morte, apresentando-o ao povo depois de flagelado, e por isso o conduziu à varanda, dizendo: “Eis aqui o homem”. S. Isidoro diz que os homens, quando a dor é intensa e persistente, perdem a sensação da dor pela agudeza da própria dor. Mas isso não se deu com Jesus: as últimas dores foram igualmente mais atrozes como as primeiras e os primeiros golpes da flagelação foram tão dolorosos quanto os últimos, porque a paixão de nosso Redentor não foi obra dos homens, mas da justiça de Deus, que quis castigar o Filho com todo o rigor que mereciam os pecados dos homens. E assim, meu Jesus, com a vossa paixão quisestes relevar-me a pena que por meus pecados me era devida. Por isso, se eu vos tivesse ofendido menos, menos teríeis de padecer na vossa morte. E eu, cônscio disso, poderei viver para o futuro sem vos amar e sem chorar as ofensas que vos fiz? Meu Jesus, arrependo-me de vos haver desprezado e amo-vos sobre todas as coisas. Logo, não me desprezeis: permiti que vos ame, pois não quero mais amar senão a vós. Muitíssimo ingrato seria eu se, depois de tantas misericórdias usadas para comigo, amasse no futuro outro objeto além de vós. 2. Eis como Isaías anunciou tudo de antemão: “E nós o reputamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi ferido pelas nossas iniqüidades, foi quebrantado pelos nossos crimes: o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele e nós fomos curados por suas contusões. Todos nós andamos desgarrados, como ovelhas, cada um se extravia por seu caminho; e o Senhor carregou sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,4-6). Jesus, cheio de caridade, de boa vontade, se ofereceu, sem réplica, a executar a vontade do Padre, que queria vê-lo dilacerado pelos carnífices a seu bel-prazer: “Foi oferecido porque ele mesmo o quis e não abriu sua boca... e, como um cordeiro diante do que o tosquia, não abriu sua boca” (Is 53,7). Como um cordeiro que se deixa tosar sem se lamentar, assim nosso amoroso Salvador em sua paixão deixou-se tosar, isto é, arrancar-lhe a pele sem abrir a boca. Que obrigação tinha ele de satisfazer por nossos pecados? Nenhuma, e contudo quis sobrecarregar-se deles para livrar-nos da condenação eterna. Cada um de nós, pois, tem obrigação de ser-lhe grato e dizer-lhe: “Vós, porém, livrastes a minha alma para que ela não perecesse; lançastes para trás de vossas costas todos os meus pecados” (Is 38,17). E assim fazendo-se Jesus voluntariamente fiador de todas as nossas dívidas, por sua bondade, quis sacrificar tudo por nós, até dar a vida entre as dores da cruz, como ele mesmo o atesta em S. João: “Eu ponho minha vida... ninguém a tira de mim, mas eu de mim mesmo a ponho” (Jo 10,17).
Continua...